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DIGITAL SOCIOLOGY de Deborah Lupton

LUPTON, Deborah. Digital Sociology. 2015. Routledge, 230

Cada vez mais as tecnologias digitais fazem parte do cotidiano das pessoas. Computadores pessoais, smartphones, tablets e laptops exercem diversas funções vinculadas ao trabalho, ao lazer e ao relacionamento entre os indivíduos. A massiva utilização de redes sociais digitais e de ferramentas de buscas atestam que o modo como nos relacionamos e buscamos informação foi, desde o aparecimento da rede mundial de computadores, completamente alterado. Ao acessarmos e-mails, ao fazermos compras via cartão de crédito, ao buscarmos informações nos motores de busca, ao falarmos ao celular, ao usarmos um simples aplicativo para smartphone, nós estamos produzindo continuamente, quer saibamos ou não, gigantescas quantidades de dados sobre o nosso comportamento, nossos hábitos de consumo: informações acerca de nossa vida privada.

Quais os impactos das tecnologias digitais para a vida das pessoas? Como os tradicionais temas de estudo da sociologia estão sendo afetados por estas tecnologias? Como a prática da pesquisa e a divulgação dos resultados está mudando o trabalho dos sociólogos? Em suma, qual o papel da sociologia e dos seus artífices nesse mundo digital de grandes dados continuamente produzidos online? Essas são as principais questões que animam o livro Digital Sociology escrito pela professora e pesquisadora da Universidade de Canberra Deborah Lupton. O livro se propõe “a introduzir uma gama de dimensões sociais, culturais e políticas interessantes da sociedade digital e discutir alguns dos debates mais importantes que ocorrem nas pesquisas sobre estes aspectos” (Lupton, 2015, p. 7).

A autora tem um longo percurso de estudos sobre as dimensões socioculturais do uso dos computadores na vida cotidiana. Suas primeiras investigações abordavam o modo como as pessoas aprendiam culturalmente, ainda na década de 90, a noção de “vírus de computador”. Pelo fato de suas pesquisas abordarem os temas da sociologia da saúde e da experiência corporal da doença, por exemplo com pessoas com deficiência (disabilities), o foco de suas análises seguiu em investigar as maneiras como nós pensamos os computadores pessoais como próteses do nosso self, obnubilando os limites entre o corpo humano e as máquinas. Na medida em que essa “antropomorfização” dos computadores se ampliou e foi complexificada pela conexão via internet, uma das consequências foi deslocar o foco para as redes sociais digitais e as práticas sociais: “não somos apenas usuários incorporados a computadores (embodied computer users), somos seres humanos digitalizados” (Lupton, 2015, p. 9).

O livro tem como objetivo apresentar os alicerces da sociologia digital. Deste modo, a autora busca delinear uma tipologia das preocupações da sociologia digital. A) A prática profissional digitalizada: o uso de ferramentas de mídia digital para propósitos profissionais, para construir redes, construir um perfil digital (e-perfil), divulgar e compartilhar pesquisa e instruir os alunos; B) Análises acerca do uso de tecnologias digitais: pesquisar as formas em que o uso de mídias digitais pelas pessoas configuram seu sentido de eu (self), a corporeidade (embodiment) em suas relações sociais; C) Análise de dados digitais: usar dados digitais para a investigação social, tanto quantitativa como qualitativa; D) Sociologia digital crítica: realizar análises reflexivas e críticas das mídias digitais através das teorias sociais.

Com linguagem clara e referências atuais, a obra está dividida em oito capítulos. O primeiro deles faz uma descrição geral sobre a amplitude da digitalização na vida cotidiana. O segundo capítulo apresenta um conjunto de teorizações sobre a sociedade digital, enfatizando as formas de reconfiguração do poder e da vigilância através de meios digitais. Um ponto importante deste capítulo é a descrição da noção de prosumption, um neologismo do inglês production (produção) adicionado ao termo consumption (consumo) de conteúdos digitais. Uma vez que as plataformas digitais permitem – e abertamente encorajam – seus usuários a compartilhar conteúdos com outros usuários isso acentua a natureza dual da comunicação digital quando comparada a formas mais arcaicas de comunicação unidirecional como o rádio e a televisão. O prosumption simboliza, desta maneira, o usuário que consome e produz informações por meios digitais.

O terceiro e o quarto capítulo tratam de repensar a pesquisa acadêmica na era digital e o que é chamado de “acadêmico digitalizado”. A autora, juntamente com outros teóricos, advogam o desenvolvimento de habilidades computacionais como um recurso inevitável, e que estaríamos, de fato, diante de um novo momento da investigação em sociologia. Tal posição não vem acompanhada do descarte ou desprezo das velhas formas de fazer pesquisa. Ao contrário, a postura assumida é sempre de conciliação entre os antigos métodos da sociologia com as inovações digitais. Neste momento, a autora apresenta uma das justificativas para a digitalização da sociologia. Diante de um cenário de “encolhimento do mercado de trabalho acadêmico” e “austeridade econômica” o engajamento no uso de tecnologias digitais poderá alavancar a visibilidade pública da sociologia demonstrando sua importância para as sociedades. Em seguida são descritas diversas ferramentas, websites e redes sociais digitais que podem compor o leque de ferramentas digitais para o pesquisador em sociologia.

O quinto capítulo nos apresenta uma discussão sobre os big data ou “megadados”: dados que são produzidos em alta velocidade, em grande volume e imensa variedade e que costumam apresentar grande complexidade. Os smartphones atuais, por exemplo, coletam constantemente dados sobre chamadas telefônicas, páginas visitadas, aplicativos utilizados e localização geoespacial. São ainda exemplos de big data os posts em redes sociais digitais como Facebook e no microblog twitter, imagens de câmeras de vigilância e informações sobre compras em cartão de crédito. A autora sublinha que devemos pensar os big data enquanto artefatos socioculturais assentados sobre processos políticos, sociais e culturais que afetam diretamente a liberdade das pessoas e os direitos civis. Por conseguinte, os impactos do uso comercial, governamental, humanitário e pessoal dessas informações devem ser debatidos dentro do campo da sociologia digital crítica.

Ao contrário da propalada ideia da internet como um fenômeno universal que perpassaria uniformemente as regiões e culturas, encontraremos no sexto capítulo um debate sobre a diversidade do uso das tecnologias digitais, onde são sublinhadas as diferenças ou mesmo a falta de acesso que alguns grupos experimentam nos diversos países. É argumentado que as tecnologias digitais não seriam objetos neutros e que estariam investidos de significados relacionados a gênero, classes sociais, raciais/étnicos e etários. Embora a disseminação das redes sociais digitais, dos aplicativos e do acesso à informação tenham promovido formas de participação democrática e liberdade de expressão, eles podem reproduzir ou mesmo exacerbar forma de discriminação e tentativas de silenciar grupos socialmente discriminados.

Em seguida, são aprofundados os aspectos políticos do uso da web para o engajamento em protestos, reinvindicações de grupos socialmente discriminados e denúncias de atos de opressão. Neste contexto, um dos aspectos mais recorrentes do chamado ativismo digital é a luta por privacidade em um contexto de extrema e sofisticada vigilância digital. Em um mundo considerado como “pós-panóptico” a relação entre o público e o privado foi bastante modificada e, por conseguinte, existem questões ainda em aberto sobre o uso dos dados digitais com objetivos benéficos ou deletérios, restringindo ou promovendo a liberdade dos cidadãos. A autora argumenta que a captação e o uso de dados digitais ainda está fortemente atrelada a fins comerciais e/ou de segurança nacional, apesar do forte clamor acerca das consequências éticas da tal uso.

O livro encerra seu último capítulo enfatizando as mudanças na individualidade e nas técnicas corporais pela utilização de dispositivos digitais. A disseminação de ferramentas como câmeras e máquinas fotográficas, a infinidade de sites e aplicativos totalmente devotados em tratar e divulgar imagens do corpo humano, tudo isto acentuaria a dispersão do corpo e de sua visibilidade muito além dos limites habituais. Além disso, muitos dos dispositivos vestíveis como relógios inteligentes e smartphones podem coletar continuamente dados biométricos dos usuários modificando práticas de lazer e dos cuidados com a saúde.

A publicação chega em momento oportuno e pode oferecer para o público em ciências sociais o conhecimento em ferramentas digitais extremamente úteis além de situar o pesquisador diante do recente campo de investigações sobre a sociedade digital. Apenas uma ressalva para um tema que poderia ter sido explorado no livro: a importância cada vez maior dos CAQDAS (acrônimo da língua inglesa para computer assisted qualitative data analysis) para as ciências sociais. Surgidos na década de 80, os CAQDAS estão sendo progressivamente utilizados pelos pesquisadores e estudantes de diversas áreas para analisar documentos digitais nos formatos de texto, áudio, vídeo ou imagem.

Acredito ser uma leitura importante mesmo para aqueles que tangencialmente abordam tais questões, principalmente por conta do caráter ubíquo das tecnologias digitais no mundo contemporâneo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2015
  • Aceito
    11 Nov 2015
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