Acessibilidade / Reportar erro

AMORIM, Henrique; SILVA, Jair Batista da. Classes e lutas de classes: novos questionamentos. São Paulo: Annablume, 2015. 250p.

SILVA, Jair Batista da.; AMORIM, Henrique. Classes e lutas de classes:. novos questionamentos. São Paulo: Annablume, 2015. 250

Contando com contribuições de grandes expoentes do marxismo contemporâneo, o livro Classes e lutas de classes: novos questionamentos, organizado por Henrique Amorim e Jair Batista da Silva, procura identificar, debater e problematizar algumas das principais questões que, já derivadas das reestruturações produtivas do último quartil do século XX, permanecem ainda latentes à análise da estrutura e das relações de classes na atualidade.

Tomando por eixo introdutório a discussão das teses que, acompanhando o refluxo dos movimentos operários e sindicais em detrimento da flexibilização dos regimes de acumulação e das dinâmicas de precarização e informalização do trabalho, passaram a afirmar o esgotamento das capacidades explicativas dialeticamente sintetizadas pela compreensão materialista da história e crítica da economia política, os autores propõem uma abrangente reflexão acerca da sustentação teórica e empírica das classes sociais no tempo presente, reunindo diversificadas abordagens sobre as novas formas de manifestação das contradições decorrentes das relações de produção em seu atual estágio de desenvolvimento, bem como sobre os significados e as implicações destas à persistência analítica da teoria social marxista.

Neste sentido é que, abrindo a série de artigos com A classe trabalhadora hoje: a nova forma de ser da classe-que-vive-do-trabalho, Ricardo Antunes constata, pelo exame das características assumidas pela nova morfologia do trabalho na atualidade, a tendencial ampliação das formas de vigência do valor nas dinâmicas de produção, reprodução e autovalorização do capital. Operando a heterogeneização e fragmentação das experiências classistas, o autor argumenta que esta ampliação não dissociaria, efetivamente, a realização do trabalho das relações de classe, mas exigiria, do mesmo modo, a ampliação do que se compreende por classe trabalhadora para além da tradicional condição assalariada. A classe-que-vive-do-trabalho seria assim composta, como conclui Antunes, pelos contingentes produtivos e improdutivos, empregados e desempregados, formais e informais, regulamentados e precarizados das mais diversas clivagens sociais que, à exceção das posições de gestão e especulação de capitais, bem como as de propriedade dos meios de produção, constituiriam as fontes de valorização do capital no século XXI.

Enfrentando as caracterizações que tendem a tomar os trabalhadores empregados em atividades gerenciais e administrativas por classes ou camadas médias assalariadas, Alain Bihr analisa, em Encadrement capitalista e reprodução do capital: para um novo paradigma marxista das relações de classe, as disposições dos cadres: trabalhadores que, mesmo encarregados de funções outrora tradicionais à pequena burguesia ou à burguesia proprietária dos meios de produção, encontram-se ainda assim sob a condição assalariada. Interessado nas relações de classe advindas desta específica configuração do trabalho – intelectualizado, comparativamente melhor remunerado e alocado em posições responsáveis pela concepção, controle, inculcamento e legitimação das instâncias pelas quais a sociabilidade capitalista se reproduz –, Bihr sumariza que a renovação da análise marxista das classes deve compreender, além das relações de produção, a análise do processo global de reprodução do capital, isto é, das relações de dominação necessárias à manutenção de suas relações de exploração.

Discutindo a articulação entre as disposições econômicas e políticas da sociabilidade capitalista em A estrutura de classe e de partido na longa sociedade moderna, Jacques Bidet disseca, em uma análise metaestrutural, a combinação dos fatores de classe fundantes do antagonismo classista entre capitalistas e assalariados. Representando estes fatores pelas relações mercantis e organizacionais, o autor considera que a classe fundamentalmente subordinada às relações capitalistas de exploração e de dominação estaria também subordinada a dois princípios de coordenação racional, expressos pela hierarquia social encampada pelos dirigentes e pelos competentes. Sintetizando suas colocações, Bidet suscita então o papel das organizações partidárias na hodierna constituição de uma unidade comprometida com os projetos socialistas e comunistas de sociedade.

Problematizando as bases, os limites e as possibilidades teóricas das classes em Trabalho, práxis e classes sociais em Marx (1843-1845), Jair Batista da Silva examina as concepções de que à formação de classes estaria conjugado um entendimento praxiológico do trabalho como atividade produtiva, tendo nos trabalhadores a personificação de seu potencial emancipatório. Característica dos primeiros escritos marxianos, Silva pontua que a análise dos processos de estranhamento e da alienação, ainda que limitada pelas influências humanistas, teria sido essencial à objetiva sistematização das relações de classe, ao que a sua superação persistiria a crítica da economia política sobre os aspectos concretos da história.

Questionando as teses da perda de centralidade das lutas de classes no desenvolvimento das sociedades em O “fim das classes sociais” na teoria social brasileira (parte 1), Henrique Amorim analisa a transposição do alegado esgotamento do paradigma industrial a algumas das principais análises desempenhadas sobre a realidade nacional entre 1980 e 2010. Demonstrando como as pesquisas sobre os trabalhadores, as lutas políticas, as ações organizadas e os movimentos populares no Brasil teriam reverberado o diagnóstico do fim das classes, Amorim destaca o necessário combate ao reducionismo e ao déficit crítico presentes na teoria social brasileira, ressaltando a nuclear figuração dos conflitos pautados pela oposição entre capital e trabalho no país ao longo das últimas décadas.

Passando em avaliação das interpretações e críticas direcionadas à compreensão da estrutura de classes em Classes sociais ontem e hoje: algumas reflexões, Graça Druck analisa as disposições classistas nos escritos de Karl Marx e Friedrich Engels, destacando seu caráter enquanto princípio de sociabilidade e categoria sintetizada pelas relações de exploração do trabalho. Examinando as inflexões entre o marxismo clássico e seu legado posterior à crise do fordismo, aos modelos de acumulação flexível e às mais recentes crises mundiais, Druck indica o debate do fim da classe operária, da nova morfologia da classe trabalhadora, da configuração de uma nova classe operária e da caracterização do precariado como centrais ao desenvolvimento da teoria social marxista na contemporaneidade.

Revisitando as contribuições de Antonio Gramsci à compreensão da estrutura social classista em Classes sociais e grupos subalternos: uma reflexão política, Leandro Galastri problematiza a correlação das sínteses do marxista sardenho acerca do modo de produção, da sociabilidade e da concretude das relações capitalistas de classe aos correntes processos de heterogeneização, fragmentação e fracionamento da agência política. Reconstruindo os diferenciais metodológicos gramscianos, Galastri compreende que as múltiplas tensões entre as relações de poder, força, ideologia, exploração e dominação em meio aos complexos processos de identificação, organização e mobilização de grupos subalternos enquanto classes sociais seriam, já por si mesmas, contínuas manifestações da luta de classes.

Explorando a centralidade com que conceitos como os de classes sociais, consciência de classe e luta de classes são tratados na produção teórica thompsoniana em E. P. Thompson e a experiência da classe trabalhadora, Fabiane Popinigis analisa como as relações de classe foram compreendidas, para além das influências estruturalistas sobre as relações de produção, pela história social do trabalho e da escravidão no Brasil. Compreendendo a formação de classe como um processo histórico e relacional, Popinigis ressalta o peso conceitual desempenhado pelas categorias de experiência e agência dos trabalhadores enquanto sujeitos sociais, considerando então que a constituição da classe trabalhadora, enquanto forma de consciência e luta, passa não só pelas dimensões produtivas, mas também pelos modos segundo os quais os trabalhadores experienciam as formas de exploração nelas contidas.

Contrapondo os recentes diagnósticos sobre a conformação de camadas intermediárias entre as classes sociais à explicitação das funções sociais do capital e do trabalho nos processos de valorização, Sávio Cavalcante problematiza, em Desafios teóricos subjacentes ao “problema das classes médias” no debate marxista, os efeitos da crescente incorporação de atividades gerenciais e técnico-científicas ao quadro de ocupações assalariadas. Questionando as postulações de que o tendencial amálgama entre a função do trabalho, desempenhada pelos trabalhadores por sua subordinação às tarefas produtivas, e a função do capital, exercida pelos capitalistas por sua posição de coordenação e apropriação, arrefeceria a polarização dos interesses de classe nas relações de produção, Cavalcante argumenta que esta mescla seria insuficiente à conceituação das classes médias para além da clássica concepção de pequena-burguesia, já que esta não romperia com a fundamental contradição entre a produção socialmente realizada pelos trabalhadores e a apropriação privada com fins à valorização e reprodução do capital pelos proprietários dos meios de produção.

Contextualizando o retorno conceitual das classes sociais ao debate público na França em Classes sociais em metamorfose: reflexões a partir do caso francês, Paul Bouffartigue analisa o aparente paradoxo situado em meio às desigualdades sociais, tomadas de um lado como equivalentes às posições de classe, e ao descompasso, em termos de identificação, mobilização e ação organizada enquanto formas de luta, de outro. Situando a lógica neoliberal como ponto de inflexão entre a carga histórico-teórica das classes e as particularidades conjunturais francesas em paralelo às dinâmicas sociopolíticas globais, Bouffartigue enfatiza a necessidade de a teoria social marxista renovar não só suas leituras tocantes aos conflitos sociais, mas também às lutas emancipatórias e aos elementos sociológicos de suas análises, de modo a reconstituir um projeto altermundialista dotado, tanto nas dimensões individuais quanto coletivas, de sujeitos e meios efetivos de mobilização social e política.

Questionando em que medida as lutas e conflitos sociais teriam deslocado suas bases de sustentação e potenciais contestatórios das dimensões socioeconômicas para as dimensões socioculturais em Vigencia teórica y empírica del concepto de clase social, Nicolás Iñigo Carrera avalia a sustentação dos novos movimentos sociais em detrimento das transformações técnico-científicas que estariam causando o tendencial retraimento, senão o pleno desaparecimento, das classes sociais. Partindo da realidade social Argentina, o autor demonstra que, afora a simples constatação de que a porcentagem de assalariados da População Economicamente Ativa do país tem flutuado nas últimas décadas, tem ocorrido ainda um processo de proletarização da pequena burguesia composta por professores, técnicos e outras categorias profissionais especializadas, bem como o expressivo incremento percentual da População Não Produtiva. Analisando estes dados sob a perspectiva dos grupos sociais, recurso de delimitação da divisão produtiva segundo a propriedade das condições materiais de existência de seus componentes, Carrera reforça a vigência teórica e empírica das classes sociais na conjuntura atual ao indicar, pela intensificada conformação de grupos sociais fundamentais como o proletariado e o semiproletariado, a pequena burguesia pobre, a pequena burguesia acomodada e a grande burguesia, a persistência do elementar antagonismo classista de interesses na divisão das sociedades por todo o globo.

Em síntese, sob uma perspectiva geral, Classes e lutas de classes reúne versáteis contribuições habilmente estruturadas e desenvolvidas de modo a cobrir uma ampla abrangência de temas e problemas candentes à teoria social marxista. Contando com análises de alta densidade teórica e sistemáticas abordagens de questões cruciais à compreensão do capitalismo contemporâneo, os artigos apresentados pela publicação são consonantes ao demonstrarem que, de modo subjacente às transformações produtivas e a suas consequências engendradas no cerne das relações de classe e em suas formas de oposição antagônica, conserva-se a medular contradição entre capital e trabalho, bem como as decorrências advindas de sua lógica ao desenvolvimento das sociedades. Para além dos esforços teóricos contidos no volume organizado por Amorim e Silva, os limites da obra apontam convergentemente para os muitos desafios conjunturais ao pensamento crítico no presente, sobretudo o de refundar uma práxis emancipatória ante as lutas de classes.

Percorrendo desde a significação teórica e política das classes sociais à síntese de recursos epistêmicos, metodológicos, analíticos e explicativos para a interpretação de suas particularidades perante as especificidades da história recente e diante da emergência conceitual de categorias como as classes médias e os novos movimentos sociais, o livro atesta assim sua competência em cumprir com o propósito a que almeja.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2016
  • Aceito
    24 Mar 2016
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Centro de Recursos Humanos Estrada de São Lázaro, 197 - Federação, 40.210-730 Salvador, Bahia Brasil, Tel.: (55 71) 3283-5857, Fax: (55 71) 3283-5851 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revcrh@ufba.br