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TANTO... QUANTO: SOBRE A NECESSIDADE DE UMA SOCIOLOGIA TEXTURAL DA ARTE** ** Tradução realizada por Ana Viana Pinto Coelho, Gabriela Protásio Mota e Maria Antônia de Araújo Fernandes do artigo “Both-and: on the need for a ‘textural’ sociology of art”. Revisão técnica de Natasha Maria Wangen Krahn.

TELLEMENT ... COMBIEN: sur la necessite d’unesociologie de la texture de l’art

Resumos

Um dos dilemas recorrentes na sociologia da arte tem sido como balancear abordagens internalistas e externalistas dos fenômenos estéticos (isto é, explicações estéticas e sociais); ou o que este artigo caracteriza como a necessidade de sair de um modelo “ou arte ou sociedade” para um modelo de lógica “tanto arte quanto sociedade”. Nos últimos anos, os dilemas conceituais foram intensificados por uma tendência de o capitalismo se tornar um fenômeno mais explicitamente cultural. Ao mesmo tempo, os conhecimentos sobre arte e estética saíram da esfera da grandiosidade e da alta cultura para o mundo prosaico do dia a dia. Este artigo propõe que a solução para os dilemas em curso da sociologia da arte, e para o atual desafio das bases da arte e do conhecimento estético é adotar um paradigma textural, ao invés de um modo de pensar textual. O paradigma textural foi desenvolvido primeiramente no pensamento sobre lugar e é adequado para pensar os problemas da sociologia da arquitetura e do urbanismo – incluindo o problema de como o tecido urbano, às vezes, começa a desemaranhar; ou porque alguns estilos arquitetônicos improváveis voltam à moda (como, por exemplo, o brutalismo pós-guerra).

Texturas; Sociologia da arte; Ingold; Lefebvre; Arquitetura e Urbanismo


L’un des dilemmes le plus récurrent dans la sociologie de l’art c’est de savoir comment équilibrer les approches “internalistes” et “externalistes” des phénomènes esthétiques (c’est-à-dire des explications esthétiques et sociales); ou ce que cet article définit comme la nécessité de sortir d’un modèle “d’un art ou d’une société” pour un modèle logique “à la fois l’art et société”. Au cours des dernières années, les dilemmes conceptuels ont été aggravés par la tendance du capitalisme à devenir un phénomène plus explicitement culturel; au même temps, la connaissance de l’art et de l’esthétique est passée de la sphère de la grandeur et de la haute culture au monde prosaïque de la vie quotidienne. Cet article propose que la solution aux dilemmes actuels de la sociologie de l’art et au défi actuel des fondements de la connaissance de l’art et de l’esthétique consiste à adopter un paradigme textural plutôt qu’un mode de pensée textuel. Le paradigme de la texture a été développé pour la première fois en pensant sur le lieu et convient aux problèmes sociologiques de l’architecture et de l’urbanisme, y compris comment, le tissu urbain commence parfois à se démêler; ou comme certains styles architecturaux improbables sont revenus à la mode (comme le brutalisme d’après-guerre).

Textures; Sociologie de l’art; Ingold; Lefebvre; Architecture et Urbanisme


One of the recurring dilemmas in the sociology of art has been how to balance “internalist” and “externalist” accounts of aesthetic phenomena (i.e., aesthetic and social explanations); or, what this paper terms the necessity of moving from an either-or model of art and society to adopting a both-and logic. In the last few years, the conceptual dilemmas have been further heightened by developments such as capitalism becoming more explicitly cultural; and knowledges about art and aesthetics moving from the realm of the ‘grand’ and the high cultural to the more prosaic and the everyday. This paper proposes that a solution to the ongoing dilemmas of the sociology of art, and the current challenge of the proliferation of arts/aesthetics-knowledge bases, is to adopt a textural rather than textual mode of thinking. The textural paradigm was first developed in thinking about place and is well-suited to thinking through problems in the sociology of architecture and urbanism – including the problem of how the urban fabric, at times, starts to unravel; or why some unlikely architectural styles stage comebacks (e.g., post-war Brutalism).

Textures; Sociology of art; Ingold; Lefebvre; Architecture and Urbanism


Tanto...quanto, ao invés de ou...ou. Em teoria, parece suficientemente fácil; na prática, provou ser elusivo. Apesar das várias inovações teóricas e metodológicas, apesar das melhores intenções, a sociologia da arte tem enfrentado desafios para superar completamente questões de relevância, reducionismo e respeitabilidade. Todo anúncio de um novo amanhecer parece encontrar-se com um sentimento de promessa não cumprida. Portanto, em Reagregando o Social – uma introdução à teoria do Ator-Rede, Bruno Latour (2012)LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012. sente a necessidade de apresentar a subdisciplina em questão como a própria síntese do que está errado com abordagens sociológicas do social: “Afora a religião, nenhum outro domínio foi mais achincalhado pela sociologia crítica do que a sociologia da arte” (Latour, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 337). Ele acrescenta que qualquer que seja o fenômeno sob investigação “esculturas, quadros, pratos de haute cuisine, músicas eletrônicas [ou um] romance” o risco é o objeto ou a experiência serem “explicados à saciedade pelos fatores sociais ‘ocultos por trás’ deles” (Latour, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 337). Latour (2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 338, grifo do autor) afirma que a figura do sociólogo da arte incorpora todas as contradições e insuficiências do cientista social como um observador imparcial – isto é, alguém que anseia por objetividade, mas, ao fazê-lo, falha quando se trata de ouvir o que as pessoas estão realmente dizendo, enquanto elas explicam “demoradamente como e por qual motivo ficam atraídas, comovidas e afetadas pelas obras de arte que as ‘fazem’ sentir coisas”.

Eu gostaria de esclarecer que, ao levar em conta que os sociólogos da arte não prestam atenção suficiente ao modo como os atores estão “atraídos, comovidos, afetados”, o decano das abordagens pós-humanistas à ciência e ao social não está propondo que a resposta esteja em restaurar alguma concepção essencialista das propriedades das obras de arte. Este seria um passo atrás. Latour (2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 338) comenta que, “algumas delas [pessoas] – enfurecidas pela irreverência bárbara das ‘explicações sociais’ – se apresentam para defender a ‘santidade interior’ da obra de arte contra os bárbaros”, isto é, os sociólogos reducionistas. Como consequência, para a sociologia da arte, “a encosta é escarpada [...] terminamos hesitando entre ‘internalismo’ e ‘externalismo’, entre estética e explicação social, durante todo o percurso de volta ao jardim de infância”. Se o jardim de infância é um lugar ruim para a sociologia da arte, permanece uma questão em aberto – especialmente, se ele permite a liberdade de brincar com possibilidades diferentes, ainda não definitivas. Entretanto, com a dialética do internalismo e do externalismo (assim como suas variantes representadas na nova arte histórica e na nova musicalidade), nós estamos de volta ao “ou... ou”, ao invés do “tanto... quanto”.

Quando passei a me interessar pela sociologia da arte, lembro-me de ouvir alguns acadêmicos já estabelecidos no campo sugerirem que os indivíduos com formação nas artes performáticas, visuais ou literárias tendiam a se tornar melhores sociólogos da arte, pois tinham as sensibilidades hermenêuticas corretas (será que alguém diz algo comparável com essa afirmação sobre a sociologia do crime – isto é, que os criminosos têm uma abordagem privilegiada ou mais hermeneuticamente sensível ao assunto?). Embora existam alguns casos bastante famosos de criativos1 1 O substantivo creative aparece várias vezes no texto e foi traduzido como criativo, embora esta palavra não exista como substantivo em português. Interpretou-se criativo, como o artista capaz de exercer a criatividade artística, a qual, no âmbito das artes, consiste na capacidade de o indivíduo criar obras com valor e com elevado grau de diferenciação em relação a outras obras. Uma obra criativa pode ser uma pintura, um livro, uma escultura ou um edifício, por exemplo (nota do tradutor). artistas que se tornaram sociólogos, essa narrativa parece envolver, entre outras coisas, a esperança de que as ciências sociais possam capturar algumas das propriedades mágicas (e, portanto, um pouco do capital espiritual e cultural acumulado) da arte no campo da análise sociológica e cultural. Há, também, um toque de um elitismo intelectual e estético sobre a questão: apenas aqueles suficientemente talentosos – seja por dom ou treinamento – possuem as habilidades ou temperamentos corretos para enfrentar o desafio (às vezes difícil ou difícil de ler) de classificar as obras em seu contexto socio-histórico (isto é, um Theodor Adorno enfrentando o desafio colocado pela música dodecafônica e tentando compreendê-la em termos de desenvolvimentos da sociedade moderna e da cultura do século XX). Sem surpresa, o pressuposto de que os criativos se tornam melhores sociólogos da arte acarreta uma ênfase no estilo individual do sociólogo-analista; e aqueles que praticam um estilo alternativo sentem a necessidade de justificar seu modus operandi mais prosaico, para que não sejam vistos como intelectuais mal preparados.

Assim, mesmo um sociólogo tão famoso quanto Howard Becker (2008BECKER, H. Mundos da Arte. Edição Comemorativa do 25 Aniversário. Revista e Aumentada. Lisboa: Livros Horizonte, 2008., p. 21) sente a necessidade de esclarecer, no Prefácio de Mundos da Arte, um livro hoje amplamente aceito como canônico no campo, que ele considera “a arte como um trabalho executado por determinadas pessoas” e, ao fazer isso, “pareceu natural recorrer a um modo de análise que [...] já tínhamos aplicado a outros tipos de trabalho e noutras condições”. Tendo em mente leitores possivelmente mais familiarizados com a tradição da Europa Central de teorização grandiosa da arte e da sociedade (isto é, Lukács, Adorno e Goldmann), o autor acrescenta que o “foco desta análise” em Mundos da Arte “é a organização social, não a estética” (Becker, 2008BECKER, H. Mundos da Arte. Edição Comemorativa do 25 Aniversário. Revista e Aumentada. Lisboa: Livros Horizonte, 2008., p. 22). Como veremos, a linha divisória entre a organização social e a estética hoje não é tão clara como Becker pressupôs em 1982. Suas palavras são prescientes, entretanto, à medida em que indicam, em muitos outros campos de pesquisa das ciências sociais, que a sociologia da arte, pode-se dizer, entrou em uma fase menos heroica, ou – empregando uma expressão Weberiana – uma fase menos carismática.

Existem razões culturais e econômicas, bem como estilísticas e intelectuais para tais desenvolvimentos. Agora, em vez do conflito entre arte e cultura de massa, com crítica ou vanguardismo de um lado, e cultura capitalista ou mercantilizada do outro, estamos vivendo a era de novos híbridos, como High-Pop (Collins, 2002COLLINS, J. (Org.). High-pop. Oxford: Willey, 2002.), a classe criativa (Florida, 2000FLORIDA, R. The rise of the creative class. Nova York: Basic Books, 2000.) e o novo espírito do capitalismo (Boltanski; Chiapello, 2005BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. The new spirit of capitalism. Londres: Verso Books, 2005.). Uma consequência disso é que os conhecimentos sobre as artes são – gostemos ou não – muito mais prosaicos, relativísticos, empiristas e utilitários.2 2 Desnecessário dizer que o populismo, o Trumpismo, o Bolsonarismo e outras formas de sentimento autoritário antielite (uma palavra melhor seria ressentimento) parecem surgir face às reivindicações feitas até aqui sobre o capitalismo se fundindo com estéticas, criatividade, experimentalismo, etc. Este não é o lugar para aprofundar sobre o que é um conjunto de conexões muito complexo e multidimensional entre a estetização da economia política e a ascensão do populismo anticosmopolita, que parece ter como alvo os símbolos e o estilo de vida dos trabalhadores criativos do conhecimento urbano. Entretanto, duas linhas experimentais de investigação podem ser consideradas. Primeiramente, teóricos da estetização como Böhme (2017) são explícitos sobre o fato de que nem os progressistas nem os regressistas têm reivindicações exclusivas sobre instrumentos da configuração atmosférica e da manipulação experimental envolvida com a estetização da sociedade. Desse modo, o que quer que se pense sobre seu intelecto ou suas capacidades, com o seu treinamento em reality shows, alguém como Trump teve a experiência correta de como encenar, na política, na era do frase de impactoe Twitter (originalmente “soundbite-cum-Twitter”, nota do tradutor). Em segundo lugar, mesmo os defensores do capitalismo criativo, como Richard Florida (2017), tiveram de reconhecer que os benefícios da transição para a economia do conhecimento pós-industrial não foram compartilhados igualitariamente e que, nas cidades, isso se manifesta em termos de processos como gentrificação e como a falta de acessibilidade à moradia para um grande número de pessoas. As assimetrias – econômicas e culturais – produzidas por essas novas geografias da desigualdade são potencialmente importantes quando se trata de entender por que o populismo está em ascensão e por que as práticas estéticas e do estilo de vida dos urbanistas (bem como a dos “globalistas” altamente itinerantes) passaram a representar tudo aquilo que os populistas detestam. Se esta explicação se traduz ou não nas diversas sociedades é também um ponto que vale a pena considerar. Uma explicação mais espacialmente complexa e globalista precisaria levar em conta o apelo do autoritarismo populista na Europa Oriental e as variedades do populismo que têm emergido na América do Sul. Assim, se, durante sua fase mais heroica, a sociologia da arte estava competindo com outras formas grandiosas de conhecimento, como a história da arte, a filosofia e a psicologia da arte, hoje, os concorrentes do conhecimento estão em uma infinidade de campos que se estendem pela universidade e pela ecologia mais ampla da pesquisa política e comercial da natureza do capitalismo estético (Böhme, 2017BÖHME, G. Critique of aesthetic capitalism. Milão: Mimesis International, 2017.; Murphy; de la Fuente, 2014MURPHY, P.; DE LA FUENTE, E. (Org.). Aesthetic capitalism. Leiden: Brill, 2014.). Hoje, os bens estéticos e culturais são discutidos rotineiramente no interior dos estudos culturais, das estéticas cotidianas, do planejamento urbano e regional, dos estudos turísticos e de lazer, da gestão artística e cultural, da política cultural e de mídia, de estudos de visitantes, de estudos de eventos e de festivais, da economia das artes, da geografia da criatividade e do discurso de cidades criativas e regiões criativas, e adquiriram centralidade em campos como gestão, marketing, estudos da inovação e do empreendedorismo.

Com respeito a esse último, o geógrafo e teórico cultural Nigel Thrift (2005THRIFT, N. Knowing capitalism. Londres: Sage, 2005., p. 6, tradução nossa) observa, em Knowing Capitalism, que o desenvolvimento de um “circuito cultural do capitalismo” tem consistido em “escolas de administração, consultores de gestão, gurus de administração e a mídia” que estão envolvidos na produção de uma “crítica contínua do capitalismo, um ciclo de retroalimentação cuja intenção é manter o capitalismo navegando ao longo das suas próprias contradições”. O que quer que se possa pensar sobre as reivindicações feitas em nome do lado flexível do capitalismo – como Thrift (2005)THRIFT, N. Knowing capitalism. Londres: Sage, 2005. nomeia os processos associados à cultura, movendo-se mais plenamente para a economia e coisas como teoria cultural, e mudando para escolas de administração –, a presença de tal circuito de conhecimento sobre o capitalismo e sua imaginação culturalista é algo que necessariamente altera a natureza da reflexão sociológica sobre a arte e as estéticas da vida social. Em suma, as reflexões acadêmicas sobre arte e sociedade competem com os best-sellers do aeroporto da Harvard Business School sobre economia da experiência e liderança criativa – não há como evitar isso.

O segundo ponto que eu gostaria de discutir sobre os problemas que afligem a sociologia da arte é mais técnico e tem a ver com o modo como a reflexão sobre os problemas enfrentados por esse campo do conhecimento tem envolvido tão minimamente a aplicação da reflexão sociológica sobre esses próprios problemas. Tomemos, por exemplo, o desejo de equilibrar o interpretativismo com causalidade, ou hermenêuticas com estruturalismo, em explicações sociológicas da arte, mesmo que bem-intencionadas. Pode-se entender por que os estudiosos queriam o melhor de todos os mundos possíveis, mas existe um nível de voluntarismo implícito em tais formulações que passa muitas vezes despercebido, para uma rara tentativa de enquadrar debates sobre a sociologia da arte em termos de uma sociologia da subdisciplina (ver Inglis, 2005INGLIS, D. The Sociology of art: between cynicism and reflexivity. In: INGLIS, D.; HUGHSON, J. (Org.). The Sociology of art. Londres: Palgrave-Macmillan, 2005. p. 98-112.). Os escritos das ciências sociais sobre questões da arte e da estética tendem para outras dicotomias: a mente e a matéria, qualitativo versus quantitativo (Molotch, 2004MOLOTCH, H. How art works: form and function in the stuff of life. In: FRIELDLAND, R.; MOHR, J. (Org.). Matters of culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 341-77.). Tal como acontece em outras áreas da vida, quando se trata de construções simbólicas, o que parece importar são os limites e como eles são negociados.

Indiscutivelmente, seria muito difícil encontrar um relato mais convincente e elegante sobre o papel dos limites na construção e na manutenção dos mundos simbólicos, do que o oferecido por Eviatar Zerubavel (1991)ZERUBAVEL, E. The fine line. Nova York: The Free Press, 1991. em The Fine Line. Percepção e atenção estão no coração da análise. Zerubavel (1991ZERUBAVEL, E. The fine line. Nova York: The Free Press, 1991., p. 1, tradução nossa) reivindica que, “para discernir qualquer ‘coisa’, devemos distinguir aquilo de que tratamos daquilo que ignoramos”. Por isso, o paradoxo fundamental dos limites: eles criam discretas ilhas de significado, mas também, necessariamente, cortam a coisa que está sendo percebida “fora do fluxo da existência humana” (Zerubavel, 1991ZERUBAVEL, E. The fine line. Nova York: The Free Press, 1991., p. 2, tradução nossa).

A estrutura de Zerubavel pode ser usada para criar a hipótese de que a razão pela qual fatores estéticos e sociais têm-se provado difíceis de serem pensados em conjunto tem a ver com a maneira como decompomos3 3 No original “cut up the world”. Cut up tem o significado de cortar (a comida), entendemos que o autor usou o verbo como “dissecar” ou “analisar” (nota do tradutor). o mundo. O problema parece ser a mente analítica em si e como ela separa as coisas em categorias distintas. Zerubavel (1991ZERUBAVEL, E. The fine line. Nova York: The Free Press, 1991., p. 6, tradução nossa) afirma que o pensamento analítico implica “isolar entidades mentais do contexto em que são vivenciadas e tratá-las como se estivessem totalmente separadas do seu entorno”. O autor toma emprestado do campo da percepção visual para explicar como a descontextualização faz o seu trabalho:

Tais experiências descontínuas da realidade pressupõem uma distinção fundamental entre ‘figura’ e ‘base’ dentro da qual estão perceptivamente embutidas [...] As imagens da figura e da base, claro, são visuais e a visão ‘é o nosso sentido intelectual por excelência [...] A visão nos dá um mundo de objetos distintos’ [...] Como seu protótipo visual, todas as entidades mentais são experimentadas como ‘figuras’ insulares que são nitidamente diferenciadas do oceano que as rodeia (Zerubavel, 1991ZERUBAVEL, E. The fine line. Nova York: The Free Press, 1991., p. 6, tradução nossa).

Conforme comentado por Simmel (1997)SIMMEL, G. Sociology of the senses. In: FRISBY, D.; FEATHERSTONE, M. (Org.). Simmel on culture. Londres: Sage, 1997. p. 109-119., os sentidos em si variam no grau em que são individualizados ou sociais – sendo a visão o mais individualista dos sentidos, e a audição o mais coletivista (de la Fuente; Walsh, 2013DE LA FUENTE, E.; WALSH, M. J. Framing through the senses: sight and sound in everyday life. In: ANDERSEN, M. et al. (Org.). Transvisuality. Liverpool: University of Liverpool Press, 2013. p. 207- 222.; Simmel, 1997SIMMEL, G. Sociology of the senses. In: FRISBY, D.; FEATHERSTONE, M. (Org.). Simmel on culture. Londres: Sage, 1997. p. 109-119.). Mas, o ponto mais geral é que o movimento analítico para a decomposição do mundo, a fim de ver algo específico de forma clara, descontextualiza a coisa que está sendo observada. É claro que sociólogos irão protestar, pois é precisamente isso o que eles não fazem: isto é, em vez de enxergar a arte ou qualquer outro fenômeno como uma entidade mental separada – como Zerubavel (1991)ZERUBAVEL, E. The fine line. Nova York: The Free Press, 1991. alega que a mente analítica tende a fazer – os sociólogos veem como seu dever colocar o contexto social em primeiro plano. Porém o contexto social também é uma entidade analítica, que também pode fazer com que outras coisas sejam removidas do fluxo da vida e das interconexões em que estão inseridas.

O problema, então, da reflexão sociológica acerca da cultura não é tanto a falta de contexto, mas a maneira como tratamos o contexto. Como seria um contexto sem vida? Indiscutivelmente, muito do contexto social em que os sociólogos se apoiam é sem vida, na medida em que eles se baseiam em categorias analíticas e não no processo ou em processos em si. Análises que “simplesmente invocam classe, raça, organização, ou qualquer outra variável social comumente invocada” paradoxalmente (isto é, apesar de toda a rejeição retórica do formalismo ou da autonomia estética da obra) podem acabar colocando “a obra de arte à parte, fora do processo social” (Becker; Faulkner; Kirshenblatt-Gimblett, 2006BECKER, H.; FAULKNER, R. R.; KIRSHENBLATT-GIMBLETT, B. Introduction. In: BECKER, H.; FAULKNER, R. R.; KIRSHENBLATT-GIMBLETT, B. (Org.). Art from start to finish. Chicago: University of Chicago Press, 2006. p. 1-20., p. 3, tradução nossa). Esse criticismo faz parte da seção Editors’ Introduction de uma coleção intitulada Art From Start to Finish, um volume que deixa claro que aquilo que os sociólogos fazem com o social é tão importante quanto o que fazem com a estética. Como Inglis (2005INGLIS, D. The Sociology of art: between cynicism and reflexivity. In: INGLIS, D.; HUGHSON, J. (Org.). The Sociology of art. Londres: Palgrave-Macmillan, 2005. p. 98-112., p. 108, tradução nossa) observou,

[...] nas visões sociológicas padrão quanto à onipresença das relações de poder em geral, os pontos de vista dos sociólogos das artes ‘profissionais’ parecem gravitar em direção ao modo ‘natural de observar as coisas’ e, por algum motivo, alguns sociólogos parecem estar menos dispostos a explicar suas próprias práticas e visões de mundo ‘em termos das disposições e gostos socialmente gerados e socialmente localizados’.

Mas – empregando um termo bourdieusiano – a doxa4 4 Doxa (em grego: δόξα) é uma palavra grega que significa crença comum ou opinião popular, e de onde se originaram as palavras modernas ortodoxo e heterodoxo. Utilizada pelos retóricos gregos como ferramenta para formação de argumentos através de opiniões comuns, a doxa (em oposição ao saber verdadeiro, episteme) foi utilizada pelos sofistas para persuadir as pessoas, levando Platão a condenar a democracia ateniense. ‘In the work of Bourdieu, it tends to denote the prevailing orthordoxy of a given cultural or artistic field. do campo, de fato, importa; teve consequências para a teoria e para a prática sociológica. Becker, Faulkner e Kirshenblatt-Gimblett (2006BECKER, H.; FAULKNER, R. R.; KIRSHENBLATT-GIMBLETT, B. Introduction. In: BECKER, H.; FAULKNER, R. R.; KIRSHENBLATT-GIMBLETT, B. (Org.). Art from start to finish. Chicago: University of Chicago Press, 2006. p. 1-20., p. 3, tradução nossa) argumentam que as abordagens que conceituam o social como um arranjo pré-determinado de variáveis estruturais o tornam misterioso e inexplicável, quando, no entanto, o “processo social se refere” simplesmente a “pessoas fazendo coisas juntas”. Editores de Art From Start to Finish sugerem que a sociabilidade ou socialidade da arte é encontrada no processo e não pela eficácia casual de algumas misteriosas entidades pré-existentes: “A arte é social não porque as variáveis sociais a afetam, mas porque é o produto do trabalho coletivo, o trabalho que todas essas pessoas diferentes fazem” (Becker; Faulkner; Kirshenblatt-Gimblett, 2006BECKER, H.; FAULKNER, R. R.; KIRSHENBLATT-GIMBLETT, B. Introduction. In: BECKER, H.; FAULKNER, R. R.; KIRSHENBLATT-GIMBLETT, B. (Org.). Art from start to finish. Chicago: University of Chicago Press, 2006. p. 1-20., p. 3, tradução nossa). Ver o social de outra forma é tratá-lo como uma “categoria zumbi”.

Por que uma categoria zumbi? Como foi argumentado anteriormente (de la Fuente, 2007DE LA FUENTE, E. The new sociology of art: putting art back into social science approaches to the arts’. Cultural Sociology, n. 1, v. 3, p. 409-425, nov. 2007., 2015DE LA FUENTE, E. Thinking contradictory thoughts: on the convergence of aesthetic and social factors in recent sociologies of art. In: MARTIN, R. (Org.). Routledge handbook of art and politics. Nova York: Routledge, 2015. p. 52-76.), houve uma ênfase renovada nos affordances5 da arte recentemente (Acord; DeNora, 2008ACORD, S.; DENORA, T. Culture and the arts. Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 619, p. 223-237, set. 2008.; Gibson, 1979GIBSON, J. J. Ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin, 1979.). Se tivesse de nomear uma característica prevalente dentro dessas tendências do pensamento socioestético, seria o desejo de reanimar o que queremos dizer por contexto. O contexto em si se tornou algo que não podemos dar como certo, ou assumir de alguma maneira a priori. Se puder pegar emprestado de literaturas recentes em geografia sobre o caráter dinâmico e relacional do lugar e do espaço, precisamos de um tipo de pensamento que desperte ou traga de volta à vida o contexto morto (Thrift; Dewsbury, 2000THRIFT, N.; DEWSBURY, J-D. Dead Geographies: and how to make them live. Environment and planning d: society and space, n. 18, p. 463-476, 2000.). O contexto, como organismo vivo, é muito mais do que a experiência vivida do sujeito – essa linha de investigação apenas reforça a suposição de uma lacuna intransponível entre materialidade e senciência (incorporalidade). Um conceito reanimado de contexto precisará ser relacional e dinâmico, atento tanto à vida quanto à forma.

Muitos dos problemas identificados aqui não são específicos da disciplina (ou seja, a sociologia não é pior do que qualquer outra ciência social). Os nomes dados às práticas vocacionais associadas a ser um cientista social focado em arte ou em artes nos dá uma pista sobre qual é o problema mais geral. O ponto decisivo é que nós nos identificamos como sociólogos da arte, assim como existe a vocação ou ofício de ser um antropólogo da arte, um geógrafo da arte, um economista da arte e assim por diante. Por que essa partícula da, especialmente quando se disfarça de um princípio organizador ou descrição de um papel de trabalho, é tão limitante e tão aprisionadora? Como Latour esclarece, quando uma explicação está operando no modo de, tem-se a estranha situação em que tudo envolve um jogo de soma zero: “tudo quanto a obra de arte perdia o social ganhava, tudo quanto era perdido pelo social era ganho pela ‘qualidade intrínseca’ da obra de arte” (Latour, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 338). Em outras palavras, a estética e o social são essencialmente vistos como anulando-se mutuamente, ao invés de realizarem uma fertilização cruzada ou uma proliferação conjunta. Mas a realidade não poderia estar mais distante da verdade. Há muitas coisas que ocorrem em um determinado espaço cultural ou em um dado momento, seja através do acaso, ou através da agência planejada, que afetam o desenvolvimento dos processos sociais desordenados. Latour (2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 338, grifo do autor) fornece o seguinte exemplo:

Você contempla uma pintura e o amigo ao lado aponta um traço em que não reparara: você então é levado a ver alguma coisa. Quem a está vendo? Você, é claro. Mas não reconhece de bom grado que nunca a teria visto sem a ajuda do amigo? Assim, quem de fato viu o traço delicado? Você ou o seu amigo? […] Haveria alguém suficientemente tolo para deduzir da soma total de ação a influência do ato de apontar alguma coisa? Quanto mais influência, melhor.

Melhor que seja, para a explicação proferida, pois, com cada mediação ou associação detectada, nos tornamos mais empíricos, no sentido pleno da palavra. Com base nisso, Latour (2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 339) defende um modo de explicação de realidades estéticas ganha-ganha, onde “quanto mais ‘influência’, melhor”. E, como convém a um teórico social na vanguarda da mistura de modos humanos e não humanos de agência, a formulação “quanto mais influência, melhor” se estende à influência “[d]a qualidade do verniz, [d]os procedimentos do mercado de arte, [d]os enigmas dos programas narrativos”, assim como aos fenômenos mais classicamente sociológicos dos “gostos variáveis dos colecionadores que formam um longo cortejo de mediadores”. Também não há desejo algum de separar o que vem do sujeito e o que vem do objeto. Indo contra os últimos 50 anos de debate sobre determinismo, efeitos, recepção e polissemia dos textos culturais, Latour (2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 339) deduz: “Vai contra a intuição tentar distinguir o que vem dos ‘observadores’ do que vem do ‘objeto’, pois a resposta óbvia é ‘deixar-se levar’”. Mesmo que objetos e sujeitos tenham um tipo de existência, “tudo o que interessa acontece a montante e a jusante. Apenas siga a corrente” (Latour, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução a teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 339).

Seguir o fluxo é uma formulação que ressoaria como aquelas vertentes de ciência social interessadas no pragmatismo, no vitalismo, na fenomenologia e em ontologias de processo – um conjunto de sensibilidades que eu acho que são características de uma perspectiva textural, ao invés de textual (de la Fuente, 2019DE LA FUENTE, E. After the cultural turn: for a textural Sociology’. Sociological Review, n. 67, 2019.). Por que textura e por que agora? Como um comentarista recente coloca, “embora não seja novidade”, a textura está atualmente em evidência e serve para “redirecionar a atenção para as formas complexas nas quais o mundo é ‘entrelaçado’” (Paavolainen, 2015PAAVOLAINEN, T. Meaning in the weaving: mapping as texture as figures of spatiality and eventness. Nordic theatre studies, n. 27, v. 2, p. 11-21, 2015., p. 14, tradução nossa). A palavra textura deriva do latim texere, que significa “tecer” e, com o passar do tempo, passou a significar tanto “a coisa tecida (têxtil) como a sensação do tecido (textura)” (Adams; Hoelscher; Till, 2001aADAMS, P. C.; HOELSCHER, S.; TILL, K. E. Place in context. In: ADAMS, P. C.; HOELSCHER, S.; TILL, K. E. (Org.). Textures of place. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2001a. p. 13-23., p. 13, tradução nossa). Texere é também a origem, no latim, da palavra contexto, que é um sinônimo versátil para o todo maior implícito ou indexado pela parte.

Para o texturalista, o mundo consiste em fios entrelaçados; e cada fio é tão vital para a estrutura geral que, ao puxar um para fora, como se faria quando há um fio solto em uma roupa, corre-se o risco de desfazer todo o tecido. Entre os mais fortes proponentes de tal visão texturalista na ciência social contemporânea está Tim Ingold, professor de Antropologia na Universidade de Aberdeen. Em Perception of Environment, ele se baseia em J. J. Gibson, que cunhou a noção de affordances, no trabalho do biólogo Jacob Von Uexküll, que pensava que os mundos dos humanos e dos carrapatos parasitários eram mais coincidentes do que muitos gostariam que fosse, e nas fenomenologias de Martin Heidegger e Merleau-Ponty, que enfatizaram a natureza do ser-no-mundo, através de habitação (dwelling) e da percepção encarnada (embodied perception), respectivamente. O único antropólogo a erigir o panteão de Ingold foi Gregory Bateson. Ingold (2000, p. 18, tradução nossa) afirma ter tirado de Bateson o insight importante de que “Se perguntarmos onde está a mente, a resposta não seria na cabeça, mas sim no mundo lá fora”; ou, antes, no “sistema inteiro de relações constituído pelo envolvimento multissensorial da pessoa que o percebe em seu ambiente”. Bateson apresentou um importante desafio para a concepção das ciências sociais como o estudo de textos sociais. Em In Steps to an Ecology of Mind, ele também desafia a sociologia da arte ao sugerir: “Estou preocupado com a informação psíquica importante que está presente no objeto artístico independentemente do que ele pode ‘representar’” (Bateson, 1973BATESON, G. Steps to an ecology of mind: collected essays in Anthropology, Psychiatry, evolution, and epistemology. Londres: Paladin, 1973., p. 103, tradução nossa). Ele adiciona:

Os leões em Trafalgar Square poderiam ter sido águias ou bulldogs e ainda carregavam as mesmas mensagens (ou mensagens similares) [...] E quão diferentes poderiam ter sido suas mensagens se tivessem sido feitos de madeira [...] São as próprias regras da transformação [pelas quais objetos ou pessoas (ou sobrenaturais) percebidos se transformam em madeira ou tinta] que são de interesse para mim – não a mensagem (Bateson, 1973BATESON, G. Steps to an ecology of mind: collected essays in Anthropology, Psychiatry, evolution, and epistemology. Londres: Paladin, 1973., p. 103, tradução nossa).

Deixarei de lado a questão de se a textura necessariamente envolve – como parece ter sido sugerido por Bateson – uma completa negação do textual ou do representativo.6 6 Sobre o debate a respeito do representativo e o não representativo em geografia, ver Lorimer (2005) e Thrift (2008a). É interessante que, em livros mais recentes, como Being Alive, Ingold (2011)INGOLD, T. Being alive. Londres: Nova York: Routledge, 2011. tenha deixado de ser o que poderíamos chamar de antigeertziano (ou seja, altamente crítico da antropologia interpretativa, seus dualismos entre natureza e cultura) para visar a uma agenda teórica mais positiva e distinta, que aspira a trazer a antropologia de volta à vida, enfocando o que ele chama de a amarração e tecelagem que compõem as texturas do mundo. Ao discutir o porquê de precisarmos de uma antropologia ou ciência social que explique como o mundo está “costurado”, ele oferece a seguinte posição metateórica: “Em um mundo onde as coisas estão continuamente surgindo através de processos de crescimento e movimento – isto é, em um mundo de vida – amarração é o princípio básico da coerência” (Ingold, 2015INGOLD, T. The life of lines. Londres: Nova York: Routledge, 2015., p. 14, tradução nossa). Ingold (2011INGOLD, T. Being alive. Londres: Nova York: Routledge, 2011., p. 18, tradução nossa) pergunta a respeito de uma teoria da vida social: “O que, então, seria um mundo que é amarrado em vez de montado, acorrentado ou controlado?”. Ingold (2011INGOLD, T. Being alive. Londres: Nova York: Routledge, 2011., p. 18, tradução nossa) nos pede para “começar” a investigar a vida social “com o verbo ‘amarrar’ e a ver a amarração como uma atividade em que ‘os nós’ são os resultados que emergem”, e aconselha cientistas sociais a “não explicar qualquer uma” dimensão da vida – seja a dimensão social e a estética, a natural ou a cultural – “em termos de outra dimensão, e que, da mesma forma, não tratemos a amarração em qualquer uma das dimensões como literal e na outra como metafórica”.

Alinhado com a lógica both-and7 7 Seria a lógica “both-and” (“tanto quanto”), em contraposição à lógica “either-or” (“ou...ou”, ou uma coisa ou outra). que estou enfatizando aqui, o antropólogo sugere que a “questão central é a de como traduzir de domínio para domínio” da vida social e como, então, transformar o entrelaçamento correspondente do simbólico e do material em pensamento (Ingold, 2011INGOLD, T. Being alive. Londres: Nova York: Routledge, 2011., p. 18, tradução nossa). Tecelagem como um ato de correspondência? Uma nota de explicação é necessária aqui. Para Ingold, contra a noção de que “a cultura espelha a realidade social” – o que é muitas vezes referido como a teoria da reflexão da cultura (Griswold, 2008GRISWOLD, W. Cultures and societies in a changing world. 3. ed. Los Angles: Pine Forge, 2008., p. 25, tradução nossa), a correspondência alude a uma troca criativa e significativa pela qual os diferentes elementos envolvidos preservam suas próprias identidades. Sendo assim, em vez de sugerir algum tipo de espelhamento, a noção de correspondência de Ingold (2017)INGOLD, T. Correspondences. Aberdeen: University of Aberdeen, 2017. Disponível em: https://knowingfromtheinside.org/files/correspondences.pdf. Acesso em: 10 jan. 2019.
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é mais próxima da noção antiquada de correspondência como um tipo de carta escrita ou do jornalista como correspondente. Há uma atitude de indo em direção a e de vindo de, além de um elemento de colaboração envolvido e as dimensões processuais de tais trocas não precisam ser ocultadas ou tornadas invisíveis. Em um projeto recente, financiado pelo Conselho de Pesquisa Europeu, que durou cinco anos, Knowing from the Inside, (European Commission, 2012EUROPEAN COMMISSION. “Knowing from the inside: anthropology, art, architecture and design”. 2012. Disponível em: https://cordis.europa.eu/project/id/323677. Acesso em: 9 jan. 2020.
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) colaborou não apenas com outros cientistas sociais e humanistas, mas também com arquitetos e designers, artistas plásticos e visuais para explorar, entre outras coisas, materiais e suas capacidades internas de mudança, novidade e criatividade. O prefácio para um volume produzido por esse projeto, intitulado Correspondences, começa com uma nota muito texturalista:

Às vezes, as melhores ideias não vêm ao seguir as linhas principais de uma investigação, mas de desviar do caminho, em breves encontros com coisas, obras de arte e pessoas que desencadeiam reflexões sobre tópicos pouco conhecidos e inesperados (Ingold, 2017INGOLD, T. Correspondences. Aberdeen: University of Aberdeen, 2017. Disponível em: https://knowingfromtheinside.org/files/correspondences.pdf. Acesso em: 10 jan. 2019.
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, p. 4, tradução nossa).

Para o texturalista, desviar-se não é uma coisa ruim; especialmente se envolver a oportunidade de seguir novas e (potencialmente) ricas vertentes da vida sociocultural. Pode, ocasionalmente, levar a um beco sem saída. Mas, até mesmo os becos sem saída nos ensinam sobre o tema estudado (por exemplo, eles nos dizem o que pode não ser tão relevante) e também nos ensinam muito sobre as disciplinas e oportunidades afforded8 8 “Afforded”, termo utilizado pelo autor que se refere ao que foi trabalhado antes, “affordance”. Ver nota de rodapé número seis (nota do tradutor). pelo próprio pensamento.

Podemos perguntar: há temas ou assuntos sociológicos, conceituais ou problemas de pesquisa, mais adequados ao olhar teórico e metodológico textural? Possivelmente, as vantagens de uma abordagem textural aplicada à realidade social e cultural são mais evidentes nos casos em que o tempo ou o espaço, a materialidade ou o meio de uma determinada forma cultural ou estética (ou alguma combinação de tais elementos) estão em jogo. Assim, nós vemos a palavra textura sendo evocada em um livro sobre a política e a estética de memoriais do Holocausto, intitulado Textures of Memory (Young, 1999YOUNG, J. E. Textures of memory. New Haven: Yale University Press, 1999.); assim como em um volume celebrando o trabalho do geógrafo humanista chinês-americano Yi-Fu Tuan, intitulado Textures of Place (Adams; Hoelscher; Till, 2001bADAMS, P. C.; HOELSCHER, S.; TILL, K. E. Textures of place. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2001b.). Esse último estabelece seus temas texturais assim:

A ‘textura’ de um lugar [...] chama atenção direta para a natureza paradoxal de lugar. Embora possamos pensar na textura como uma camada superficial, suas qualidades distintivas podem ser profundas. Uma superfície é, afinal, onde sujeito e objeto se misturam; a forma, a sensação, e a textura de um lugar proporcionam um vislumbre dos processos, estruturas, espaços e histórias que entraram em sua produção [...] o senso de lugar das pessoas – ligado de forma variada a um cinema, uma cidade, uma árvore, um planeta – revela muito sobre a estrutura de cada um desses lugares em seus vários contextos. Lugar […] destaca a tecelagem de relações sociais e interações homem–ambiente (Adams; Hoelscher; Till, 2001aADAMS, P. C.; HOELSCHER, S.; TILL, K. E. Place in context. In: ADAMS, P. C.; HOELSCHER, S.; TILL, K. E. (Org.). Textures of place. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2001a. p. 13-23., p. 13-14, tradução nossa).

Em suma, capturar a textura de um lugar implica reproduzir a forma, a sensação ou o senso de lugar que existe lá e não em outro lugar, ou em nenhum outro lugar. Note que os editores do volume também fazem uma conexão metafórica entre textura e como o lugar é tecido. O elo que está sendo feito é difundido nas literaturas sobre o lugar, o espaço e o ambiente construído. Possivelmente, o campo da ciência social e da pesquisa cultural e estética no qual a textura e as abordagens texturais têm um impacto mais significativo é o da arquitetura e urbanismo, lugar e estudo do espaço.

Pode-se argumentar que esses também eram campos que primeiro sentiram a necessidade de abraçar uma lógica tanto quanto; e por um bom motivo. A arquitetura é uma das formas estéticas mais públicas ou coletivas. Então, qualquer tentativa de reduzi-la a um conjunto único ou restrito de variáveis causais sociológicas está fadada a fazer uma injustiça com a vida complexa dos edifícios, seu design, seus usos pretendidos e não intencionais ou os processos que afetam os materiais empregados. Curiosamente, um livro recente, Research Methods for Architecture, defende a busca de “ciências sociais arquiteturais (não ciência social da arquitetura)” (Lucas, 2016LUCAS, R. Research methods for architecture. Londres: Laurence King, 2016., p. 5, tradução nossa). Muitos dos autores que estavam na vanguarda do reconhecimento do problema do reducionismo sociológico e na abordagem dessas deficiências eram cientistas sociais interessados em arquitetura e cultura material em geral. Por exemplo, uma voz significativa em tais campos, Chandra Mukerji (1994MUKERJI, C. Toward a Sociology of material culture: science studies, cultural studies and the meaning of things. In: CRANE, D. (Org.). The Sociology of culture. Oxford: Blackwell, 1994. p. 143-162., p. 145, tradução nossa) escreveu, há algum tempo, que entidades materiais como “pontes, canais, linhas ferroviárias, sistemas rodoviários, e até mesmo caminhos na floresta [...] todos contribuem para a formação (ou não) de ligações sociais”. Uma abordagem social construcionista à forma construída (a própria metáfora não é arquitetônica?) poderia enfatizar que a sociedade envolve a “produção de [...] ambiente[s] artificial[is] para sustentar, organizar e melhorar a vida humana”, e que o ambiente espacial constitui, assim, um domínio ontológico onde a “distinção entre o físico e o simbólico [...] muitas vezes falha” (Mukerji, 1994MUKERJI, C. Toward a Sociology of material culture: science studies, cultural studies and the meaning of things. In: CRANE, D. (Org.). The Sociology of culture. Oxford: Blackwell, 1994. p. 143-162., p. 145, tradução nossa).

Outro exemplo é fornecido pelos escritos de David Brain, outra figura significativa na sociologia da arquitetura durante os anos 1980 e 1990. Brain (1994BRAIN, D. Cultural production as “society in the making”: architecture as an exemplar of the social construction of artefacts. In: CRANE, D. (Org.). The Sociology of culture. Oxford: Blackwell, 1994. p. 191-220., p. 205, tradução nossa) sugere que as formas culturais são a sociedade em formação e que os processos sociais nela inseridos, podem ser descritos como pertencentes ao domínio da arte dos artefatos:

O que reconhecemos tanto em artefatos técnicos quanto em obras de arte é um padrão de intenção que se refere a um domínio de possíveis intenções, e nossa interpretação (assim como uma compreensão prática) desse padrão depende da maneira como o artefato manifesta sua qualidade intencional.

Ao evitar uma “história de ideias arquitetônicas que focam em sua lógica imanente” e uma que enfatiza “sua determinação por forças sociais e históricas mais amplas” (Brain, 1994BRAIN, D. Cultural production as “society in the making”: architecture as an exemplar of the social construction of artefacts. In: CRANE, D. (Org.). The Sociology of culture. Oxford: Blackwell, 1994. p. 191-220., p. 206, tradução nossa), os sociólogos da arquitetura poderiam fazer algo pior do que se voltar para o campo de estudo da ciência e da tecnologia que empregam termos como tradução e inscrição para descrever as complexas montagens que são produzidas quando artefatos e agentes (humanos e outros) colidem uns com os outros. Em seu próprio relato sobre a lógica prática do modernismo, pela qual os arquitetos estadunidenses se afastaram do estilo historicista Beaux-Arts e adotaram uma versão modificada do modernismo europeu, Brain (1994BRAIN, D. Cultural production as “society in the making”: architecture as an exemplar of the social construction of artefacts. In: CRANE, D. (Org.). The Sociology of culture. Oxford: Blackwell, 1994. p. 191-220., p. 206, tradução nossa) situa uma tradução sociologicamente significante na “maneira como arquitetos responderam à tarefa de traduzir o problema social da habitação em um problema arquitetônico no contexto dos programas habitacionais subsidiados pelo governo federal do New Deal”. Os processos de inscrição, por outro lado, podem ser vistos na maneira como arquitetos profissionais do período

Alistaram agências governamentais, reformadores habitacionais, acadêmicos, planejadores, eleitorados políticos, os ventos predominantes, o ângulo de luz solar em locais de construção, técnicas de construção e paradigmas formais europeus na rede de atores, o que lhes permitiu dar forma a esses projetos (Brain, 1994BRAIN, D. Cultural production as “society in the making”: architecture as an exemplar of the social construction of artefacts. In: CRANE, D. (Org.). The Sociology of culture. Oxford: Blackwell, 1994. p. 191-220., p. 207, tradução nossa).

No entanto, se as redes são bem-sucedidas inscrevendo atores, depende, em parte se o tipo certo de atitude, emocional e estética, pode ser gerado. E esse é o lugar onde as texturas – materiais, tecnológicas e ambientais – desempenham um papel crucial. É de conhecimento notório que, em sua obra mais importante,9 9 No original em latim: magnum opus (nota do tradutor). The Production of Space, Henri Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., sentiu a necessidade de dividir sua teoria do espaço em prática espacial, representações do espaço e espaço de representação. As duas últimas, apesar de soarem similares, diferem no modo como o “espaço de cientistas, planejadores, urbanistas, programadores tecnocráticos e engenheiros sociais” pode ser contrastado com aquele “espaço diretamente vivido através de suas imagens e símbolos associados [...] o espaço de ‘habitantes’ e ‘usuários’, mas também de alguns artistas e [...] alguns escritores e filósofos” (Lefebvre, 1991LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., p. 38-39, tradução nossa). O que é muito menos conhecido é que o mesmo autor é um forte defensor da teorização do urbano e do espacial em geral, em termos de textura. Realmente, Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., p. 132, tradução nossa) chega a sugerir em The Production of Space, que “a teoria do espaço descreve e analisa texturas”, onde a textura implica um significado não para algum leitor ou decodificador – como é apresentado como hipótese nas teorias textuais e semiótica – mas sim “para alguém que vive e age no espaço em consideração, um ‘sujeito’ com um corpo”.

Um exemplo particularmente comovente de lógica textural é fornecido por Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991. quando discute os caminhos criados por animais ou humanos em florestas fora das aldeias. Ele sugere que mais importante que o tráfego que tais caminhos traçam, ou as motivações que humanos ou animais tiveram para criá-los, são os traços material-simbólicos ou padrões texturais que eles evidenciam:

Caminhos são mais importantes do que o tráfego que eles suportam porque eles são o que permanece […] sempre distintas e claramente indicadas, tais faixas personificam […] perigo, segurança, espera e promessa. Esse aspecto gráfico, que obviamente não era aparente para os ‘atores’ originais [...] tem mais em comum com uma teia de aranha do que com um desenho ou um plano. Poderia isto ser chamado de texto ou mensagem? Possivelmente, mas a analogia nunca serviria para fins particularmente úteis e faria mais sentido falar de textura do que de textos nesta conexão (Lefebvre, 1991LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., p. 118, tradução nossa).

Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., p. 118, 222, tradução nossa) também propõe: “é útil pensar nas arquiteturas como uma ‘arquitexturas’”, devido ao fato de que elas estão entrelaçadas ao tecido do seu entorno; e numa longa seção em The Production of Space sobre “monumentos”, ele alega atingir “uma complexidade fundamentalmente diferente da complexidade de um texto, seja prosa ou poesia” em que se incorporam significados não discretos, mas um inteiro horizonte de sentido. A monumentalidade do espaço monumental vem de um tipo de significado que é prático, encarnado, temporal, atmosférico, bem como representacional e ideológico. Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., p. 221, tradução nossa) dá como exemplo a entrada no espaço monumental de uma catedral, onde “os visitantes são obrigados a tornar-se conscientes de seus próprios passos [...] respirar o ar carregado de incenso e mergulhar em um mundo particular, de pecado e redenção”. A “abordagem codificante da semiologia [...] é incapaz de cobrir todas as facetas do monumental”, incluindo a evocação da imortalidade, o esplendor e outros estados “supercodificados” do espaço monumental e da mobilização arquitetônica. Ocasionalmente, Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., p. 223, tradução nossa) se baseia no modo texturalista de raciocínio por excelência (ou seja, pensamento analógico): “Os edifícios estão para os monumentos, assim como a vida cotidiana está para o festival, os produtos para os trabalhos, a experiência vivida para o meramente percebido, o concreto para a pedra e assim por diante”.

A analogia não está em desacordo com poderosas formulações explicativas. The Production of Space formula uma hipótese poderosa sobre o que acontece quando os “sítios, formas e funções de uma cidade não são mais centrados e apropriados pelos monumentos” (Lefebvre, 1991LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Oxford University Press, 1991., p. 223, tradução nossa), ou seja, que a contextura da cidade ou o tecido – suas ruas, seus níveis subterrâneos, suas fronteiras – começa a ser desvendado. Esse desvendamento das cidades é um tema interessante e traz o simbólico e o material a uma relação sinergética. Em seu livro, Fin de Millénaire Budapest, Bodnár (2000BODNÁR, J. Fin de millenaire budapest. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2000., p. 182, tradução nossa), invoca um tema bem lefebvriano, quando escreve: “A cidade cuja textura é desvendada não é mais uma cidade no sentido de ser um empreendimento coletivo de seus cidadãos”. A formulação de Bodnár (2000)BODNÁR, J. Fin de millenaire budapest. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2000., feita no contexto de um livro sobre Budapeste ao fim do milênio, é indicativa do que, nas últimas décadas, tem sido uma área vibrante da pesquisa sociocultural textural, ou seja, os estudos de cultura material urbana feitos sobre as sociedades da Europa Central e Oriental, no despertar do colapso do comunismo. Enquanto todas as cidades do mundo estão atualmente sofrendo significativas mudanças econômicas, culturais e tecnológicas, naquelas cidades onde os marcadores políticos e simbólicos dos regimes da era soviética repentinamente desmoronaram, combinando-se à mudança para um novo sistema econômico e político, as questões de texturalidade material e estética são ainda mais pertinentes: “o tempo acelerou na Budapeste pós-socialista. Os moradores da cidade estão perdendo seus pontos de referência; as sinalizações de segurança estão desaparecendo em uma velocidade não experimentada antes” (Bodnár, 2000BODNÁR, J. Fin de millenaire budapest. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2000., p. 1, tradução nossa).

De fato, o colapso do comunismo foi tanto arquitetônico, infraestrutural e estético quanto foi político, ideológico e econômico. Outro estudo fascinante da Hungria, durante o mesmo período, usa os significados e materialidades associados com a cor como uma maneira de pensar sobre o tradicional tema sociológico da mudança. Intitulado Politics in Colour and Concrete, o livro de Krisztina Fehervary (2013FEHERVARY, K. Politics in colour and concrete. Bloomington: Indiana University Press, 2013., p. 8, tradução nossa) sobre a transição do estado socialista para o capitalismo consumista foca em uma questão central: Como “a relação entre o estado socialista e o cinza ou entre o capitalismo e a cor” foi construída e como foi desfeita? O argumento dela é que o mobiliário, as construções monumentais, as torres de apartamentos, os carros e as roupas da era soviética eram vistos pelos residentes da antiga Europa Oriental como carentes de vibração, alegria e cor – em suma, as qualidades cosmopolitas de sua contraparte cultural materialista ocidental. Assim, como foi sugerido acima, durante a era socialista, o cinza se tornou uma abreviação de uma “vida atrás de uma escura Cortina de Ferro, da pobreza forçada e do cansaço do abastecimento diário, de escribas carrancudas, bens escassos e a falta de publicidade colorida e de comércio” (Fehervary, 2013FEHERVARY, K. Politics in colour and concrete. Bloomington: Indiana University Press, 2013., p. 1, tradução nossa). Mas essas associações não foram permanentes. Dentro de uma década do colapso do comunismo, o cinza estava começando a aparecer na cultura de consumo pós-socialista, em imagens de urbanidade minimalista. Tais mudanças no valor estético são possíveis a partir do fato de que, à medida que o contexto vivo que envolve os artefatos e suas propriedades estéticas muda, nossa atenção muda para “uma qualia diferente e isso força uma reavaliação do objeto” (Fehervary, 2013FEHERVARY, K. Politics in colour and concrete. Bloomington: Indiana University Press, 2013., p. 9, tradução nossa). É precisamente a união10 Stiching. Poderia ser costura ou sutura, já que Stich poderia ser traduzido por ponto (de costura) (nota do tradutor). Don’t know enough Portuguese to help on this one. But it certainly has to do with ‘costura’ as suggested when discussing the origins of the word texture and texere. de qualia11 11 “Qualia”, termo usado na filosofia para definir as qualidades subjetivas das experiências mentais conscientes, como a “vermelhidão” do vermelho, por exemplo (nota do tradutor). e contexto, com toda atenção dada à natureza processual de ambos, que é a tarefa do analista sociocultural.

Em uma cultura de consumo mediada (que são todas as culturas de consumo do planeta), um dos mecanismos centrais pelos quais as texturas chamam a atenção é o fascínio e a estética do glamour (Gundle, 2008GUNDLE, S. Glamour: a history. Oxford: Oxford University Press, 2008.). O geógrafo e teórico cultural Nigel Thrift (2008bTHRIFT, N. The material practices of glamour. Journal of cultural economy, n. 1, v. 1, p. 9-23, 2008b., p. 8, tradução nossa) sugere que o glamour envolve “uma série de tecnologias ‘mágicas’ de intimidade pública, a maioria delas com longas genealogias históricas”. Ele observa como o glamour pode ser construído a partir dos blocos de construção sensoriais de som, luz, cheiros, associação háptica e até movimento cinético. Mas, em suas próprias reflexões, ele enfatiza “o papel dos materiais coloridos em construir mundos através da poesia inconsciente da substância associada à cor sintética produzida em massa e de circulação em massa” (Thrift, 2008bTHRIFT, N. The material practices of glamour. Journal of cultural economy, n. 1, v. 1, p. 9-23, 2008b., p. 16, tradução nossa). Em sua análise de revistas, Mehita Iqani (2012IQANI, M. Consumer culture and the media. Londres: Palgrave-Macmillan, 2012., p. 82, tradução nossa) sugere que “os elementos materiais de impressão colorida, papel liso brilhante e aerografia se combinam para produzir uma dinâmica material central de discursos consumistas que podem ser resumidos como brilho12 12 No original “glossiness”. Adjetivo que pode ser traduzido como “brilho” ou como “algo com uma aparência ou ar falso ou ilusória, especialmente ar de sofisticação (nota do tradutor). As celebridades são um aspecto importante de tal cultura de revista, mas a materialidade e as texturas do meio não podem ser subestimadas. As materialidades do brilho podem se tornar ligadas a objetos e situações, bem como às pessoas. Assim, uma das características da arquitetura contemporânea – que, por cerca de dez anos, foi dominada por “arquitetos-estrela”,13 13 No original “starchitects”, que pode ser também traduzido como “arquitetos-celebridades” (nota do tradutor). como Frank Gehry, Norman Forster e Zaha Hadid, e desenhos incomuns como o chamado Gherkin de Londres – seria a de que uma das funções da arquitetura é agora incorporar qualidades de marca através da “natureza imersiva e sensorial do espaço arquitetônico” (Dyckhoff, 2017DYCKHOFF, T. The age of spectacle. Londres: Penguin, 2017., p. 171, tradução nossa). Tal desenvolvimento é impensável sem a confluência de novas superfícies arquitetônicas (por exemplo, o famoso uso de titânio de Gehry), acompanhada da infraestrutura de mídia (por exemplo, quão bem esses edifícios fotografam, não apenas nas mídias tradicionais, como na mídia impressa e televisão, mas também em mídias sociais, como o Instagram).

Começamos a ver o porquê de uma lógica textural tanto quanto ser requerida na sociologia da arquitetura e na produção cultural e de arte em geral. Estamos discutindo arquitetura, mas, antes de percebê-lo, também estamos discutindo cultura material, cultura de marca, o sistema estelar na arquitetura, tecnologias de mídia, brilho e glamour, as qualidades e envolvimentos sensoriais das superfícies e assim por diante. É esse conjunto complicado e experimental de fatores interligados, mas que se reforçam mutuamente, que dá importância à noção de uma abordagem sociológica textural (de la Fuente, 2019DE LA FUENTE, E. After the cultural turn: for a textural Sociology’. Sociological Review, n. 67, 2019.), assim como a relação simbiótica entre fatores simbólicos e materiais dá nas existências sociais, econômicas e cotidianas vividas por edifícios e outros artefatos culturais e estéticos.

Recentemente, foi relatado que o editor de um dos muitos novos livros (que, em si, é um interessante fenômeno sociocultural e de marketing arquitetônico) sobre a arquitetura brutalista acreditava que o Instagram poderia ser o responsável pelo renascimento do interesse por essa forma arquitetônica (Rose, 2018ROSE, S. Instagram is in love with bare-faced brutalism – and so am I. 25 sept. 2018. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/sep/25/instagram-love-brutalist-stark-architecture. Acesso em: 21 jan. 2019.
https://www.theguardian.com/commentisfre...
). Aparentemente, a imposição de estruturas monolíticas e concreto bruto fotografa muito bem e os tons quase retrô e brilhantes, mas não muito coloridos, do Instagram tendem a ser perfeitos.14 14 Sobre a arquitetura de concreto e suas qualidades fotográficas (Cf. Forty, 2012). Podemos acabar decidindo que tais comentaristas estão se empolgando15 15 No original: “clutching at straws”, como no proverbio “uma pessoa se afogando vai se agarrar num fio de palha”. Uma tentativa desesperada de salvar alguma coisa, mesmo que impossível (nota do tradutor). quando afirmam que a mídia social ou os traços fotogênicos da arquitetura ajudaram a tornar o brutalismo popular novamente (ou seria ele tão popular pela primeira vez?). Mas, seguindo a recomendação de Latour de multiplicar as afluências e de seguir o fluxo, não são apenas as qualidades visuais do Instagram ou da arquitetura que são provavelmente os responsáveis pela popularidade do estilo arquitetônico, mas também Hipsters e membros da “classe criativa” que se tornaram interessados por esse estilo arquitetônico. Há de se considerar o fato de ter passado tempo suficiente entre o período histórico em questão e o presente para associações negativas e estigmas serem dissipadas, a crescente sensibilidade arqueológica retrô, que tanto os museus quanto a cultura de consumo cultivam em direção ao passado recente, o fato de que tais edifícios e estilos circulam em uma variedade de mídias (inclusive programas televisivos e livros de coffeetable16 16 Provavelmente o autor se refere a livros ilustrados que são deixados em cima de mesinhas de centro para decoração e para serem folheados por visitas (nota do tradutor). sobre o período) e a insaciável curiosidade da cultura contemporânea em relação a todo tipo de materiais e suas qualidades. Também teríamos de levar em conta que esses edifícios deixaram a economia cultural de programas públicos, do estado de bem-estar social e da burocracia estatal (e a estética material deles), e agora edifícios e iconografia brutalistas circulam livremente no domínio do glamour, em revistas, como Wallpaper e novas definições de luxo urbano. Mesmo os antigos edifícios do conselho, que foram apelidados de nomes prosaicos como Rolha de champagne e Bolo de casamento podem abandonar seus apelidos brutalistas e serem magicamente transformados em hotéis de luxo (Editorial Desk Architecture Australia, 2018).

Sem dúvida, ao delinear esses múltiplos temas possíveis, nossa narrativa se afastou do domínio dos fatos para o domínio da mitologia. Do funcional para o estético, do desencantado para o reencantado. E de volta! Mas, como não? Qualquer consideração da estética, temporalidades, intensidades, affordances, afetividades, e humores, em torno do ambiente construído, precisa olhar para os múltiplos fios entrelaçados que sustentam o sucesso ou o fracasso dos edifícios e seus desenhos e simbolismos. Fatores cotidianos também têm muito a ver com o status ontológico dos edifícios e como eles circulam através do tempo e do espaço (nos prédios, como objetos instáveis que se movem) (ver Latour; Yaneva, 2008LATOUR, B.; YANEVA, B. Give me a gun and i will make all buildings move: an ant’s view of architecture. In: RETO, G. (Org.). Explorations in architecture. Basel: Birkhauser, 2008. p. 80-89.). Assim, conectar a arquitetura aos processos de mediação cotidiana “sociotécnica” faz mais sentido do que, por exemplo, sugerir que o brutalismo falhou porque estava ligado ao totalitarismo (afinal, mesmo a arquitetura imponente e comunista está agora sendo reavaliada por seus temas transcendentais) (ver Chaubin, 2012CHAUBIN, F. Cosmic communist constructions photographed. Colônia: Taschen, 2012.); ou porque, como Charles Jencks (1977JENCKS, C. The language of post-modern architecture. Nova York: Rizzoli, 1977., tradução nossa) queria que acreditássemos, toda a “arquitetura moderna morreu em St. Louis, Missouri, em 15 de julho de 1972, às 15:32”, com a demolição do Conjunto Habitacional Pruitt-Igoe (isto é, um excelente exemplo de habitação social brutalista).

As realidades socioculturais e estético-históricas são muito mais confusas do que tais formulações presumem. No universo textural, as coisas não morrem de repente; nem nascem em um vácuo. Além disso, na medida em que os contextualistas permanecem curiosos sobre como uma vertente da realidade social leva a outra, pode haver outra mensagem embutida no pensamento textural para a sociologia da arte. Talvez, seja também tempo – como é sugerido pelo exemplo acima das complexidades em torno do renascimento brutalista – de parar de separar a sociologia da arquitetura, por exemplo, da sociologia da mídia digital, da sociologia visual, da sociologia da infraestrutura, da sociologia da mudança recente nas cidades do leste europeu, da sociologia organizacional ou da sociologia do marketing. Precisamos de todos esses conjuntos de ferramentas à nossa disposição. Uma ironia interessante: a mensagem no status revivido da arquitetura de concreto brutalista poderia ser simplesmente a de que devemos abandonar nossos silos intelectuais, onde tais silos, por acaso, são a forma industrial de massa quintessencial, concreta e independente. Entender um fenômeno como Brutalismo redux envolve ir além da sociologia da arte, definida como uma especialização estreita. Como tenho dito o tempo todo: tanto...quanto em vez de ou...ou.

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  • 1
    O substantivo creative aparece várias vezes no texto e foi traduzido como criativo, embora esta palavra não exista como substantivo em português. Interpretou-se criativo, como o artista capaz de exercer a criatividade artística, a qual, no âmbito das artes, consiste na capacidade de o indivíduo criar obras com valor e com elevado grau de diferenciação em relação a outras obras. Uma obra criativa pode ser uma pintura, um livro, uma escultura ou um edifício, por exemplo (nota do tradutor).
  • 2
    Desnecessário dizer que o populismo, o Trumpismo, o Bolsonarismo e outras formas de sentimento autoritário antielite (uma palavra melhor seria ressentimento) parecem surgir face às reivindicações feitas até aqui sobre o capitalismo se fundindo com estéticas, criatividade, experimentalismo, etc. Este não é o lugar para aprofundar sobre o que é um conjunto de conexões muito complexo e multidimensional entre a estetização da economia política e a ascensão do populismo anticosmopolita, que parece ter como alvo os símbolos e o estilo de vida dos trabalhadores criativos do conhecimento urbano. Entretanto, duas linhas experimentais de investigação podem ser consideradas. Primeiramente, teóricos da estetização como Böhme (2017)BÖHME, G. Critique of aesthetic capitalism. Milão: Mimesis International, 2017. são explícitos sobre o fato de que nem os progressistas nem os regressistas têm reivindicações exclusivas sobre instrumentos da configuração atmosférica e da manipulação experimental envolvida com a estetização da sociedade. Desse modo, o que quer que se pense sobre seu intelecto ou suas capacidades, com o seu treinamento em reality shows, alguém como Trump teve a experiência correta de como encenar, na política, na era do frase de impactoe Twitter (originalmente “soundbite-cum-Twitter”, nota do tradutor). Em segundo lugar, mesmo os defensores do capitalismo criativo, como Richard Florida (2017)FLORIDA, R. The new urban crisis. Nova York: Basic Books, 2017., tiveram de reconhecer que os benefícios da transição para a economia do conhecimento pós-industrial não foram compartilhados igualitariamente e que, nas cidades, isso se manifesta em termos de processos como gentrificação e como a falta de acessibilidade à moradia para um grande número de pessoas. As assimetrias – econômicas e culturais – produzidas por essas novas geografias da desigualdade são potencialmente importantes quando se trata de entender por que o populismo está em ascensão e por que as práticas estéticas e do estilo de vida dos urbanistas (bem como a dos “globalistas” altamente itinerantes) passaram a representar tudo aquilo que os populistas detestam. Se esta explicação se traduz ou não nas diversas sociedades é também um ponto que vale a pena considerar. Uma explicação mais espacialmente complexa e globalista precisaria levar em conta o apelo do autoritarismo populista na Europa Oriental e as variedades do populismo que têm emergido na América do Sul.
  • 3
    No original “cut up the world”. Cut up tem o significado de cortar (a comida), entendemos que o autor usou o verbo como “dissecar” ou “analisar” (nota do tradutor).
  • 4
    Doxa (em grego: δόξα) é uma palavra grega que significa crença comum ou opinião popular, e de onde se originaram as palavras modernas ortodoxo e heterodoxo. Utilizada pelos retóricos gregos como ferramenta para formação de argumentos através de opiniões comuns, a doxa (em oposição ao saber verdadeiro, episteme) foi utilizada pelos sofistas para persuadir as pessoas, levando Platão a condenar a democracia ateniense. ‘In the work of Bourdieu, it tends to denote the prevailing orthordoxy of a given cultural or artistic field.
  • Affordance, termo inglês, sem tradução atualmente no português, mas neste contexto, poderia ser facilmente traduzido por reconhecimento ou oportunidade – é a qualidade de um objeto que permite ao indivíduo identificar sua funcionalidade sem a necessidade de prévia explicação, o que ocorre intuitivamente (por exemplo, uma maçaneta) ou baseado em experiências anteriores (por exemplo, os ícones de um programa de computador, os quais geralmente são escolhidos dentro do universo do nosso cotidiano, de acordo com a função a que se destinam originalmente). Quanto maior for a affordance de um objeto, melhor será a identificação de seu uso.
  • 6
    Sobre o debate a respeito do representativo e o não representativo em geografia, ver Lorimer (2005)LORIMER, H. Cultural Geography: the busyness of being more-than-representational. Progress in human Geography, n. 29, p. 83-94, 2005. e Thrift (2008a)THRIFT, N. Non-representational theory. Nova York: Routledge, 2008a..
  • 7
    Seria a lógica “both-and” (“tanto quanto”), em contraposição à lógica “either-or” (“ou...ou”, ou uma coisa ou outra).
  • 8
    Afforded”, termo utilizado pelo autor que se refere ao que foi trabalhado antes, “affordance”. Ver nota de rodapé número seis (nota do tradutor).
  • 9
    No original em latim: magnum opus (nota do tradutor).
  • Stiching. Poderia ser costura ou sutura, já que Stich poderia ser traduzido por ponto (de costura) (nota do tradutor). Don’t know enough Portuguese to help on this one. But it certainly has to do with ‘costura’ as suggested when discussing the origins of the word texture and texere.
  • 11
    Qualia”, termo usado na filosofia para definir as qualidades subjetivas das experiências mentais conscientes, como a “vermelhidão” do vermelho, por exemplo (nota do tradutor).
  • 12
    No original “glossiness”. Adjetivo que pode ser traduzido como “brilho” ou como “algo com uma aparência ou ar falso ou ilusória, especialmente ar de sofisticação (nota do tradutor).
  • 13
    No original “starchitects”, que pode ser também traduzido como “arquitetos-celebridades” (nota do tradutor).
  • 14
    Sobre a arquitetura de concreto e suas qualidades fotográficas (Cf. Forty, 2012FORTY, A. Concrete and culture. Londres: Reaktion Books, 2012.).
  • 15
    No original: “clutching at straws”, como no proverbio “uma pessoa se afogando vai se agarrar num fio de palha”. Uma tentativa desesperada de salvar alguma coisa, mesmo que impossível (nota do tradutor).
  • 16
    Provavelmente o autor se refere a livros ilustrados que são deixados em cima de mesinhas de centro para decoração e para serem folheados por visitas (nota do tradutor).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2019
  • Aceito
    18 Out 2019
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