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A SOCIOLOGIA DA ARTE COMO VOCAÇÃO: um relato de Vera Zolberg

THE SOCIOLOGY OF ART AS A VOCATION: an account of Vera Zolberg

LA SOCIOLOGIE DE L’ART COMME UNE VOCATION: un rapport de Vera Zolberg

Resumos

O artigo apresenta a trajetória acadêmica de Vera Zolberg (1932-2016), considerada uma das fundadoras do campo da sociologia da arte nos Estados Unidos. Com base em um relato da socióloga, durante sua última visita ao Brasil, o texto revela as adversidades que ela enfrentou para obter uma formação acadêmica pelo fato de ser mulher, judia, casada e mãe. Da infância no South Bronx, aos estudos no Hunter College, à vida em Boston e no Texas, até o doutorado na Universidade de Chicago, o depoimento de Vera Zolberg evidencia o movimento de sua subjetividade entre oportunidades e adversidades, contingências e surpresas, viagens e deslocamentos em busca de sua autonomia intelectual, assim como nos revela peculiaridades da sociedade norte-americana que raramente aparecem nos discursos sobre o cenário do pós-guerra naquele país.

Vera Zolberg; Formação acadêmica; Autonomia intelectual; Sociologia da arte


The article presents the academic trajectory of Vera Zolberg (1932-2016), one of the founders of the field of sociology of art in the United States. Based on an account of the sociologist made during her last visit to Brazil, the text reveals the adversities that she faced in order to obtain an academic training by being a woman, a jew, a wife and a mother. From childhood in the South Bronx, to her studies in Hunter College, to the life in Boston and in Texas to University of Chicago, Vera Zolberg’s testimony evidences the movement of her subjectivity between opportunities and adversities, contingencies and surprises, travels and journeys in search of her intellectual autonomy, just as it reveals to us the peculiarities of American life, which rarely, appears in discourses about the postwar scene.

Vera Zolberg; Academic formation; Intellectual autonomy; Sociology of art


C’est article présent le trajectoire academique de Vera Zolberg (1932-2016), une des foundatrice du champ de la Sociologie de l’Art dans L’États-Unis. Basé sur un rapport de la sociologue fait lors de sa derniéré visite au Brésil, le text révèle les adversités auxquelles elle a été confrontée afin d’obtenir une formation académique en étant femme, juive, épouse et mére. De l’enfance dans le sud du Bronx, aux etudes au Hunter College, à la vie à Boston et au Texas à l’Université de Chicago, le témoignage de Vera Zolberg montre le mouvement de sa subjetivité entre opportunité et adversité, contingences et surprises, voyages et déplacement à la recherche de sa autonomie intellectuelle, comme nous révèle les particularités de la vie américaine, qui apparaît rarement dans les discours sur la scène de l’après-guerre.

Vera Zolberg; Formation academique; Autonomie intellectuelle; Sociologie de l’Art


A arte não figura no rol dos temas canônicos da sociologia. Exceto um ou outro escrito, a exemplo de Os Fundamentos racionais e sociológicos da música de Max Weber (1956), os sociólogos pouco se interessaram pela dimensão humana dos afazeres artísticos e seus significados. Deixaram o caminho aberto para a filosofia, que, durante muito tempo, teorizou e estabeleceu o lugar e os limites da arte com relação às outras esferas da vida social. Livros como o de Roger Bastide, Arte e Sociedade (1945), ou a coletânea Sociologia da Arte (1967), organizada por Gilberto Velho, com textos de Francastel, Bastide, Wellek e Dumazedier, não repercutiram na produção de pesquisas, permanecendo o tema à margem dos questionamentos da disciplina no Brasil, até as últimas décadas. Pode-se supor que o interesse atual e crescente pela esfera simbólica da vida social ou, ainda, as enormes transformações pelas quais vem passando as artes tenham motivado pesquisadores a esse estudo. Essas são, entretanto, hipóteses a serem verificadas em investigação aprofundada sobre o estudo da arte no campo da Sociologia.

O percurso da formação de Vera Zolberg que apresentamos a seguir não supre a lacuna mencionada, mas evidencia as dificuldades da formação de uma das fundadoras da área da sociologia da arte, no contexto acadêmico norte-americano, de onde historicamente têm sido lançadas as pautas do que se deve ou não fazer na sociologia. As adversidades enfrentadas pela jovem Vera para realizar seu doutorado comprovam o interesse restrito por aquela área de conhecimento, cuja fundação dependeu em larga escala de seu próprio empenho, juntamente com Priscilla Ferguson e Diana Crane, em divulgar obras de Pierre Bourdieu e Raymonde Moulin, antes de sua tradução para o inglês (Villas Bôas; Quemin, 2016VILLAS BÔAS, G.; QUEMIN, A. França, Brasil e a sociologia da arte. In: VILLAS BÔAS, G.; QUEMIN, A. Arte e vida social: pesquisas recentes no Brasil e na França. Marseille: Open edition press, 2016.). Os obstáculos concernentes a questões acadêmicas não estavam, porém, isolados de suas vivências com problemas de outra natureza, relativos aos conflitos e preconceitos étnicos, religiosos, raciais e de gênero, característicos da sociedade norte-americana de meados do século passado, aos quais Vera estava sujeita como mulher, judia, branca, imigrante e casada.

Em 2015, Vera Zolberg veio ao Brasil pronunciar duas conferências, uma na Universidade Federal do Rio de Janeiro e outra na Universidade Federal de Juiz de Fora. Não era sua primeira vinda ao país. Tinha colegas e amigos brasileiros, sociólogos e antropólogos, muitos dos quais costumava receber em sua casa em Nova York. Sua habilidade em fazer e manter amizades em diferentes países foi ressaltada na homenagem que a New School lhe prestou, depois de sua morte em 2016. Por ocasião de sua última visita ao Brasil, Vera nos concedeu1 1 Vera Zolberg veio ao Brasil a convite de Maria Lucia Bueno (UFJF). Sua estadia no Rio de Janeiro foi organizada por Ligia Dabul (UFF). Agradeço às duas colegas a oportunidade de entrevistar Zolberg em 28 de maio de 2015, no Rio de Janeiro, com a presença de Guilherme Marcondes, Tarcila Formiga, Ana Carolina Miranda e Bianca Pires, integrantes do Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura (UFRJ). uma entrevista de quatro horas. Estávamos, então, aguardando esse encontro programado com antecedência para que nos falasse sobre a sua obra, especialmente, sobre sua concepção de outsider art e a questão das fronteiras entre arte e não arte. Queríamos que Vera nos contasse como e por que havia escolhido a sociologia da arte. Curiosamente, fomos surpreendidos quando ela nos disse que seria preciso falar de sua infância e de seus anos de formação para compreendermos suas escolhas e seu pensamento.

Vera se lembrou de fatos marcantes de sua vida, desde a saída forçada de sua família de Viena, até o término de seu doutorado na Universidade de Chicago em 1974. Queria contar os meandros que a levaram a se ocupar da sociologia da arte, uma vez que o trajeto em direção à disciplina, longe de linear, foi cheio de percalços. Sua condição de jovem professora primária obrigou-a a fazer uma longa caminhada, pontuada pelas adversidades que uma filha de imigrantes judeus enfrentava nos Estados Unidos para construir uma carreira, nas primeiras décadas depois da II Guerra Mundial. Do preconceito dirigido às mulheres casadas inseridas no mercado de trabalho, aos movimentos feministas, às lutas raciais e aos protestos contra a Guerra do Vietnã, o depoimento de Vera Zolberg nos fala de peculiaridades da sociedade norte-americana, de quem as viveu de dentro, as quais raramente aparecem nos discursos que circulam, mais comumente voltados para os processos gerais do pós-guerra nos Estados Unidos. Ao se recordar duplamente de sua história individual e do contexto onde viveu, logo de início, enlaçou as lembranças que narraria em seguida com as seguintes palavras:

[…] vou partir da não sociologia para a sociologia […] Qualquer pessoa realmente honesta com relação à sua carreira profissional sabe que não são apenas os cursos e a escola que importam, mas a heteronomia da vida […] Há coisas que não aparentam ser importantes, mas são as mais relevantes, como, por exemplo, casar-se com alguém e continuar fazendo suas próprias coisas. Não creio que as pessoas sejam tão autônomas, sejam homens ou mulheres […] É preciso muito tempo para se adquirir autonomia, às vezes, décadas2 2 Traduzido por Glaucia Villas Bôas. (Zolberg, 2015ZOLBERG, V. Vera Zolberg: anos de formação. Rio de Janeiro, 2015. 45 p. Documento depositado no acervo do Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura/PPGSA, UFRJ., p. 17).

DE VIENA PARA O BRONX E O HUNTER COLLEGE

Ao chegar de Viena, a família Lenchner3 3 Lenchner é o sobrenome da família de origem de Vera Zolberg. se estabeleceu no South Bronx, área integrante do Bronx, subúrbio nova-iorquino onde moram, hoje, cerca de 1.500.000 pessoas, majoritariamente de origem hispânica. Atualmente o South Bronx, com 500.000 moradores, é conhecido por ser o berço do graffiti, da cultura hip hop e, ainda, pelo incêndio de seus prédios, desvalorizados na década de 1970.4 4 Os incêndios, provocados por proprietários de prédios do South Bronx para receber seguro, têm sua origem na inauguração da Cross Bronx Express way, primeira autoestrada a ser construída em uma área urbana populosa nos Estados Unidos, e cuja obra se estendeu pelos anos de 1948 a 1972. O projeto deslocou grande parte da população de baixos recursos, deixando numerosos prédios vazios no bairro. Sua revitalização recente, conjugada a um conjunto de programas contra a criminalidade, a violência, o tráfico de drogas e a pobreza vem imprimindo outra feição ao bairro. Mas a história do South Bronx nem sempre foi essa. Embora seja uma localidade notadamente marcada pelo perfil imigrante de seus habitantes, primeiro os europeus brancos e, nas últimas décadas, hispânicos, negros e brancos, suas fases alternadas de apogeu e riqueza, pobreza e decadência, estabelecimento ou deslocamento de indivíduos e grupos de diferentes nacionalidades, religiões, culturas e raças constituem os traços relevantes de sua história. Os primeiros imigrantes brancos a se estabelecerem no South Bronx eram italianos, poloneses, alemães, russos e irlandeses. No decorrer da década de 1930, quando os Lenchner foram morar no subúrbio nova-iorquino, o local era conhecido pelo alto número de moradores judeus: quase 49%. De acordo com Jeffrey Gurock, em The depth of etnnicity: jewish identity and ideology in inter war New York City (2009), os judeus trabalhavam nas mesmas firmas e empresas, frequentavam as mesmas escolas, parques, restaurantes e cafeterias, sentindo-se “em casa” entre os vizinhos. Mas a falta de emprego e a pobreza, geradas pela grave depressão econômica que atingiu a sociedade norte-americana na década de 1930, dificultaram a realização dos anseios do grupo por melhores condições de vida. Vera conta que sua família poderia ter ficado pobre não fora a sorte de seu pai ter encontrado emprego. Os Estados Unidos não queriam saber dos imigrantes, cujo contingente aumentava a cada dia devido à guerra e à perseguição nazista.

A dureza da vida dos imigrantes foi acentuada por Vera, ao dizer: “Ontem, nos Estados Unidos, como hoje, na Europa, ninguém os quer”. Alertada pela perseguição aos judeus na Áustria, sua família demorou um ano para obter a documentação necessária para aportar de navio em Nova York, já que, de acordo com ela,

[...] apesar de todas as dificuldades, meu avô, o pai de minha mãe, estava nos Estados Unidos – ele havia deixado Viena porque tinha parentes nos Estados Unidos já no começo dos anos 1920 – e ele era velho naquele tempo, então não podia ser o fiador de nossa ida, mas tinha parentes dispostos a assinar um documento dizendo que a família Lenchner com três crianças não iria se tornar um encargo público.5 5 Vera Zolberg chamou a atenção para o fato de que era apenas uma criança de três anos quando chegou a Nova York, em 1935. Não se lembrava, portanto, da saída de Viena e da viagem para os Estados Unidos. O que nos disse sobre esses acontecimentos lhe foi contado pelos pais, pelos parentes e amigos da família.

Quando se pergunta à Vera se trouxe algo de sua família que pudesse relacionar com sua inclinação pela arte, ela diz que não, nunca ouvira falar de artes plásticas até o dia em que começou a estudar em uma biblioteca pública. Nem mesmo quis aprender piano, apesar do desejo de seus pais em lhe proporcionar as aulas. No entanto, retrocede no tempo, e conta entusiasmada que a primeira providência que os pais tomaram, logo depois do casamento em Viena, foi comprar um toca-discos e um rádio para ouvir ópera. Sim, a ópera era tudo ou quase tudo na vida deles6 6 Sobre a cultura em Viena das primeiras décadas do século XX e a importância da ópera, ver Autobiografia: o mundo de ontem, memórias de um europeu de Stefan Zweig (2014). : “[…] o topo do mundo moderno era a ópera”. No South Bronx, o casal Lenchner continuou a ouvir música, dançar Charleston e se atualizar com novos ritmos como o Black Bottom, dança criada por músicos afro-americanos.

Rememorando os tempos de infância e juventude, Vera relata detalhes de seu ingresso na Hunter High School e, depois, no Hunter College, instituições de alto nível acadêmico. Os moradores dos subúrbios nova-iorquinos se ressentiam da falta de informação sobre as boas escolas e cursos superiores, sendo de costume seguir conselhos e recomendações que circulavam entre os vizinhos. Apesar da distância no tempo, Vera se mostrou muito grata à mãe de duas amigas suas, camareira de um hotel em Nova York, que lhe ensinou o caminho das pedras, indicando as escolas, faculdades públicas e privadas para as quais ela poderia se candidatar de acordo com a profissão de sua escolha. “Mulheres como essa – disse ela – deviam continuar existindo, pois a falta de informação ainda é grande, apesar do Google”. Como queria fazer Arqueologia, a camareira lhe indicou a Hunter High School, onde eram lecionadas línguas antigas como o latim e outras chamadas línguas românicas. Mas era preciso se preparar para os exames de ingresso. Um grupo de pais se dirigiu ao diretor da escola primária onde Vera estudava para pedir que seus filhos fossem preparados para isso. Foi o que aconteceu. No ano em que se candidatou para a Hunter High School, um grupo de meninas negras e brancas foi aprovado. “A partir daquele dia, entramos para o sistema”. Uma vez dentro do “sistema”, o aluno escolhia a matéria de sua preferência para seguir estudando a disciplina como sua área de conhecimento principal. Vera escolheu o francês. Ao final do curso, os melhores alunos eram imediatamente admitidos no Hunter College para prestar exames. Vera continuou estudando línguas e recebeu o diploma de professora primária ao concluir a faculdade. Disse-nos que era raro uma jovem seguir outra carreira senão as de bibliotecária, enfermeira ou professora primária. Antes de tudo, era preciso convencer os pais, tarefa nem sempre fácil e nem sempre bem-sucedida.

Na realidade, o ingresso dos judeus em instituições do ensino superior era dificultado, tanto pela precariedade de sua situação econômica, que os obrigava a concentrar os estudos em instituições de baixo custo e próximas de suas moradias, como pela restrição e preconceito relativos à sua entrada nas grandes universidades norte-americanas. De acordo com Gurock, durante o período anterior à II Guerra Mundial, os jovens judeus que pleiteavam seguir uma carreira de nível superior ingressavam no City College of New York (CCNY), conhecido como “Harvard do proletariado” (Gurock, 2009GUROCK, J. S. The depth of ethnicity: jewish identity and ideology in interwar New York City. American jewish archives journal, n. 61, p. 145-162, 2009. Disponível em: http://americanjewisharchives.org/publications/journal/PDF/2009_61_02_00_Gurock.pdf. Acesso em: 21 ago. 2017.
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, p. 149), no Brooklin College, que aceitava rapazes e moças, e na Hunter College, exclusivamente para moças. A Hunter College, originalmente uma escola normal e colégio secundário (Female Normal and High School), era a contraparte do CCNY, instituição estritamente masculina, e das grandes universidades do país, pouco interessadas na “verdadeira mistura democrática”7 7 Em seu artigo, African-American Women and Hunter College: 1873-1945, Linda Perkins (1995) revela como Thomas Hunter, o fundador da Female Normal and High School, posteriormente nomeada Hunter College and High School em sua honra, era elogioso, em seus Relatórios Anuais, quanto ao fato de sua instituição corporificar o ideal americano de oportunidades iguais para todos. Como posto por ele no Relatório Anual de 1886: “Nós temos judeus e gentios e crianças de quase toda nacionalidade europeia, de negros de pele escura sentados ao lado de escandinavos de cabelo claro, e quase toda raça sob o sol está representada… Esta é a verdadeira mistura democrática das classes que só poderia existir em um país republicano como os Estados Unidos” (Hunter apud Perkins, 1995, p. 20, tradução nossa). do conjunto de seus alunos.

Durante a década de 1930, a maioria das 5.000 alunas do Hunter College era branca, havendo, entretanto, um pequeno percentual de moças negras. Duas décadas depois, as universidades norte-americanas começaram a aceitar mulheres no seu corpo discente, mas se tornaram restritivas quanto à moradia e às atividades das estudantes negras dentro do campus. O Hunter College, contudo, cuidava para que suas alunas negras não fossem humilhadas nem excluídas de seus alojamentos e refeitórios (Perkins, 1995PERKINS, L. M. African-American Women and Hunter College: 1873-1945.The Echo: Journal of the Hunter College Archives, p.17-25, 1995.). O campus da faculdade ficou conhecido como “the subway campus”, graças ao trânsito das estudantes de poucos recursos, que vinham pela manhã e, logo à tarde, tinham de estar em seus empregos. Em contrapartida, viviam em um ambiente acadêmico sofisticado e exigente.

O ingresso no ensino superior de uma jovem de família imigrante com baixo grau de escolaridade não era comum na época em que Vera Zolberg entrou para o Hunter College. Contrariando o destino de muitas mulheres de seu tempo, ela não só concluiu o curso, como, ao se formar, em 1953, foi eleita membro da sociedade Phi Betta Kappa,8 8 Phi Beta Kappa é a mais antiga sociedade honorífica das áreas de ciência e arte liberal dos Estados Unidos, criada em 1776. A filiação do Hunter College à sociedade data de 1920. Em Harvard, Yale e em outras universidades do norte dos Estados Unidos, o pertencimento a Phi Beta Kappa era visto como uma honra conferida em reconhecimento a conquistas acadêmicas mais do que uma oportunidade para cultivar amizades e conduzir discussões e debates, como ocorria nas universidades ao sul do país. e distinguida pela concessão do Prêmio Claudine Gray, pelo seu excelente desempenho em francês. Sequer poderia suspeitar que, após a formatura, enfrentaria problemas para conseguir um emprego devido a seu casamento com Aristide Zolberg. Ela o conhecera como estudante da Universidade de Columbia, aos 19 anos de idade. Se a escolha da carreira fora rechaçada pelos pais, fazendo Vera deixar a Arqueologia para trás, o casamento foi aceito com relutância. Ela justifica, entretanto, a atitude dos pais, afirmando que, no início da década de 1950, estava em voga a ideologia da domesticidade que propunha a volta da mulher ao lar e a ênfase nos papéis de dona de casa e mãe. Ao contrário das expectativas sociais, próprias do pós-guerra, ela não queria interromper sua carreira para se casar, mas pretendia se tornar uma professora e contribuir para o orçamento do casal, uma vez que Aristide era um estudante bolsista. Em 1953, antes da revolução feminista dos anos de 1960, conforme afirmou, essa decisão seria impensável.

Vera se mudou para Boston com Aristide, onde ele fora admitido em programa de pós-graduação na área de política africana, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Boston, única universidade norte-americana, naquela época, a oferecer estudo sobre os países africanos descolonizados e emergentes, da perspectiva de seu próprio sistema político e não do ponto de vista do sistema colonial inglês, francês ou belga.

PRIMEIRAS LEITURAS SOCIOLÓGICAS

A afirmação de Vera sobre o custo da conquista de sua autonomia individual, no início de seu depoimento, ganha sentido quando ela se remete às suas primeiras leituras sociológicas. Indicadas pelo marido, elas, em geral, respondiam a uma demanda pela compreensão de uma situação específica em que ela vivia ou pela qual havia passado. Não eram, portanto, como já afirmara, leituras programadas em um curso integrante de um currículo, mas leituras provocadas de fora para dentro, da vida para a sociologia. Por isso compreende-se, também, sua maneira enfática de dizer que não desfrutava da maturidade suficiente que, anos depois, lhe permitiu, durante seus estudos para o doutorado na Universidade de Chicago, fazer leituras críticas, discernindo o ponto de vista dos autores e seus limites, ainda que as primeiras leituras tenham sido importantes para dar seus primeiros passos na sociologia. No Hunter College, ainda em Nova York, Vera havia cursado uma disciplina obrigatória de sociologia, matéria pela qual não tinha grande apreço. Aristide, então, interessado em Ciência Política e Relações Internacionais, a convenceu a ler As Formas elementares da vida religiosa em francês, uma vez que ela dominava bem o idioma. Ficou fascinada ao descobrir a sociologia nas páginas do livro de Durkheim, ainda que considerasse “pesada” a leitura. Em seguida, dedicou-se à obra de Pitirim Sorokin,9 9 Pitirim Sorokin (1989-1968) foi responsável pela criação do Departamento de Sociologia da Universidade de Harvard em 1931. Alguns de seus escritos sobre dinâmica cultural e sociedade foram lidos em cursos de Ciências Sociais no Brasil, na década de 1960. sociólogo de origem russa, que imigrou para os Estados Unidos e escreveu sobre a dinâmica dos sistemas culturais e artísticos. Afinal, a sociologia não era tão aborrecida quanto ela pensava.

Já em Boston, Vera foi surpreendida ao procurar emprego como professora primária, uma vez que o sistema escolar não permitia o exercício da docência a uma mulher casada: “Eu não sabia e, de repente, me vi no mercado de trabalho sem emprego. Foi um choque”. Embora não existissem leis do estado de Massachusetts explicitamente restritivas à contratação de mulheres casadas, a cidade de Boston, assim como um grande número de outras cidades norte-americanas, proibia, naquela época, sua entrada no mercado de trabalho. As chamadas marriage bars constituíram uma das formas mais eficazes de impedimento da força de trabalho de mulheres casadas (Goldin, 1988GOLDIN, C. Marriage Bars: Discrimination Against Married Women Workers, 1920’s to 1950’s. NBER working paper, n. 2747, oct. 1988. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=334317. Acesso em: 05 ago. 2017.
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). Vera só conseguiu emprego como subscritora em treinamento10 10 Underwriting, ou subscrição, é um termo usado pelas companhias de seguros para gerir risco. Cabe ao subscritor avaliar e atribuir valor aos riscos externos de dada conjuntura para a feitura de uma possível apólice de seguros. De acordo com o site do Sindicato das Empresas de Seguros, Resseguros e Capitalização, “através desse processo e uma vez aceito o risco, são estipulados os termos e as condições para a emissão da apólice, inclusive o prêmio do seguro e a eventual franquia a ser aplicada em sobrevindo sinistro(s)” (Sindsegsp, 2016). em uma grande empresa de seguros, a Liberty Mutual Insurance Company. Frustrada, procurou tirar proveito da situação, lendo, ainda por indicação de Aristides, White Collar (1951), que Wright Mills acabara de publicar. O livro era “perfeito” para quem estava sendo treinada para vender seguros, assunto sobre o qual ela nada sabia. Embora hoje desatualizado, porque as empresas sofreram profundas mudanças ao longo do tempo, Vera ajuizou que Wright Mills havia acertado em seus prognósticos. Lia o livro no horário de almoço, observando os colarinhos não necessariamente brancos, mas sempre colarinhos e gravatas, o mundo que Mills investigara. Ao analisar a classe média norte-americana, Wright Mills procurou mostrar, por meio da apreciação de suas diversas posições sociais, condições de trabalho e ideologias, como a burocratização não havia poupado nenhum setor humano. Os colarinhos brancos, Mills adverte, eram uma espécie de arauto dos novos tempos, das novas relações de trabalho, em que a restrição das liberdades humanas se dava através da manipulação do homem pelo homem, via burocratização, comunicação de massa e subserviência intelectual (Durand, 1970, p. 164).

Durante a curta e atribulada estadia em Boston, outro acontecimento inesperado impôs a separação do jovem casal. Aristide, judeu belga, emigrado em 1948 para os Estados Unidos, foi chamado para servir o exército, pois não havia adquirido ainda o direito à cidadania norte-americana.11 11 De acordo com Aristide: “O Armistício Coreano estava em vigor, mas a ‘Emergência’ ainda estava ativada; pouco depois de nos instalarmos em Boston, a junta de recrutamento me notificou que eles só me deixariam terminar o semestre atual, de modo que eu tive que me reportar para à junta em janeiro de 1954 e comecei o treinamento básico em Fort Dix, em New Jersey. Já que eu era casado, o governo dos EUA forneceu um ‘subsídio de dependente’, o que permitiu que Vera abandonasse seu trabalho e iniciasse sua própria educação de pós-graduação, como auxiliar de pesquisa no próprio departamento de sociologia e antropologia da Universidade de Boston” (Zolberg, 2008, p. 8). Com a saída do marido para treinamento militar no Fort Dix em Nova Jersey, Vera foi convidada por professores do programa de Ciência Política a integrar a pós-graduação. Deu início a seus estudos pós-graduados, visando à obtenção do título de mestre pelo Programa em Sociologia e Antropologia, que preferiu ao de Ciência Política, na Universidade de Boston. Além de uma carga grande de leitura na área da Antropologia Social britânica, Vera aprofundou suas leituras de Talcott Parsons e Max Weber. Professor da Universidade de Harvard, Parsons era “uma espécie de deus da teoria social norte-americana”, segundo Vera, e foi com o peso da fama do autor, naquela época, que leu The Structure of social action (1937). Com as lentes de Parsons, a jovem foi introduzida a Max Weber, e somente depois tomou conhecimento da coletânea From Max Weber: Essays in Sociology, organizada e traduzida por Wright Mills e Hans Gerth. Wright Mills, professor da Universidade de Columbia, era um dos mais conhecidos adversários de Parsons, entre as universidades da Costa Leste.12 12 O livro organizado por Mills e Gerth ampliou enormemente a recepção de Weber no mundo intelectual latino-americano, depois da tradução pioneira de Economia e Sociedade com introdução de Echavarría (1944), alcançando, no Brasil, mais de 20 edições. De sua autoria, Vera lembra-se ainda de Character and social structure (1953), livro que lera com gosto quando estava cursando disciplinas do Departamento de Sociologia da África, cujos programas tinham forte influência da Antropologia. Nesse momento, ela estava particularmente interessada na discussão sobre cultura e personalidade.

As primeiras leituras sociológicas de Vera Zolberg seguiam, pois, as orientações do mainstream norte-americano. Ao estudo de Parsons, Wright Mills e Weber ela acrescentaria adiante, em Chicago, as leituras de Clifford Geetz e Donald Levine. Sua formação ocorreu em meio às calorosas discussões entre os adeptos da corrente estrutural-funcionalista, vinculada ao pensamento de Parsons, e o grupo dos interacionistas simbólicos, vertente propalada por George Herbert Mead e Herbert Blumer. Em sua empreitada intelectual, Parsons enfrentava duplamente os interacionistas e a crítica afiada de Wright Mills, que se opunha à validade das teorias gerais, particularmente ao quadro conceitual parsoniano, cuja trivialidade, dizia Mills, escondia-se por trás do estilo difícil e trucado.13 13 Sobre a obra de Parsons, ver A sociologia de Talcott Parsons (2001) de José Maurício Domingues. Em um momento de visível cisão dentro da Sociologia, Vera aprofunda seus estudos na disciplina, mantendo seu interesse pela Antropologia e, mais adiante, como veremos, pelos aportes da sociologia francesa.

Ao mesmo tempo em que frequentava as aulas e seminários de seu curso de mestrado, ela foi assistente de dois professores do Departamento de Sociologia. Como não havia feito a graduação na área, não podia ser sua monitora, limitando-se a secretariá-los. Interrompeu sua rotina para encontrar-se com o marido em El Passo, no Texas, depois do término do treinamento militar de Aristide em New Jersey. O casal viveu em El Paso de 1954 a 1955. Cidade localizada na fronteira dos Estados Unidos com o México, à beira do Rio Grande e rodeada pelo Deserto de Chihuahuan, El Paso abrigava, e ainda abriga, um dos maiores complexos militares norte-americanos, além de diversas instituições do governo federal e grandes empresas. Certamente não era uma cidade qualquer para quem vinha de Nova York e Boston. As singularidades da experiência texana foram tão inusitadas, que Vera considera sua estadia em El Paso mais instigante do que as suas passagens por Mali e pela Costa do Marfim, na África. O Texas, com toda sua diferença, foi o primeiro lugar onde Vera Zolberg pode exercer suas funções de professora. De volta a Boston no inverno de 1955, ela e Aristide terminaram o curso e obtiveram seus respectivos diplomas de mestrado.

OS TEMPOS EM CHICAGO

Determinado a dar continuidade às suas pesquisas sobre o sistema político dos países africanos emergentes, Aristide Zolberg ingressou no programa de doutorado da Universidade de Chicago, em 1956. “Já que Vera não estava com tanta pressa para fazer seu doutorado nessa época, a escolha era minha” (Zolberg, 2008ZOLBERG, A. Notes from an intruder: explorations in political macroanalysis. International journal of politics, culture, and society, v. 20, n. 1-4, p. 5-19, 2008. Disponível em: www.jstor.org/stable/40206144. Acesso em: 14 ago. 2017.
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, p. 9). Vera conseguiu um lugar de trabalho no Laboratory School, uma escola privada progressista da Universidade de Chicago, fundada por John Dewey e frequentada pelos filhos dos professores.

De volta a uma grande metrópole, depois da passagem por Boston e El Paso, na efervescente década de 1960, a trajetória de Vera em Chicago ficou definitivamente marcada pelo seu ingresso no programa de doutorado em Sociologia da Universidade de Chicago. “Havia muitas universidades em Chicago, mas só havia uma, na realidade, a Universidade de Chicago”, afirmou Vera. O doutorado foi o divisor de águas entre as duas fases de sua vida naquela cidade: na primeira, ela trabalhou como professora, viajou para a África e deu à luz sua filha Erika, enquanto Aristide desenvolvia seu projeto de doutorado; na segunda, retomou os estudos de pós-graduação, cheia de dúvidas quanto à escolha do tema do projeto de doutorado, devido à quase inexistência de um campo de pesquisas em sociologia da arte. As lembranças dos primeiros anos em Chicago a remetem a um momento de lento redescobrimento do mundo acadêmico:

Eu tinha minha carreira, e achava que tudo estava bem organizado. Seria uma professora primária e estaria na Laboratory School da Universidade de Chicago, que era o melhor lugar, não bem pago, mas o melhor lugar para se estar. O curso de doutorado era muito exigente […] mas, como de costume, quando eu não estava ensinando, ia assistir a qualquer seminário que conseguisse entrar… Schutz, Donald Lavigne e, especialmente, Clifford Geertz. Havia um Departamento de Antropologia fantástico, o melhor do mundo, creio, naquela época. Meu marido estava inteiramente envolvido e compromissado com o estudo de nações emergentes […] nós ficamos lá por dois anos [1956-1958] (Zolberg, 2015ZOLBERG, V. Vera Zolberg: anos de formação. Rio de Janeiro, 2015. 45 p. Documento depositado no acervo do Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura/PPGSA, UFRJ., p. 26).

Acostumada com o frequente deslocamento dentro dos Estados Unidos, ela viajou pela primeira vez, em 1958, para o estrangeiro, quando Aristide obteve uma bolsa de estudo para pesquisar na Costa do Marfim, onde o casal viveu durante um ano e meio. De volta a Chicago, Vera engravidou e, pouco depois do nascimento de sua filha, se muda para Madison junto ao marido. Aristide não teve problemas em obter um lugar de trabalho ao concluir seu doutorado, realizado em uma área de interesse crescente naquela época. Logo assumiu o cargo de professor-assistente na Universidade de Wisconsin em 1960, e dois anos depois, foi chamado para trabalhar na Universidade de Chicago, onde conseguiu um contrato de trabalho estável.

Em Madison, Vera ficou insatisfeita em consumir todo o seu tempo cumprindo as obrigações domésticas e cuidando de sua filha dentro do campus universitário. Diferentemente de outras vezes em que procurou emprego como professora primária (em Boston, no Texas e em Chicago), para sua surpresa, foi chamada a dar aulas, por um ano, no Edgewood College of Sacred Heart. A faculdade, dirigida por freiras dominicanas, precisava de professor que tivesse mestrado em Sociologia e Antropologia. Nessa ocasião, enfrentou novamente problemas por ser uma mulher casada e mãe de uma criança. As mulheres casadas com os professores da Universidade de Wisconsin, suas vizinhas no campus, costumavam tomar conta dos filhos da comunidade docente de graça, mantendo, assim, os laços de cooperação e solidariedade do grupo. Mas quando Vera lhes disse que precisava se ausentar de casa e deixar sua filha para trabalhar fora duas vezes por semana, todas se recusaram a cuidar da menina. Mais surpresa ficou Vera quando, ao comunicar à diretora-geral de Edgewood College que não poderia assumir o cargo, pois não tinha com quem deixar a filha, a freira imediatamente arranjou um casal para cuidar de Erika. Essa história foi contada de forma anedótica, uma vez que Vera jamais tinha visto uma freira e não sabia as regras de etiqueta das instituições católicas. Denota também quão arraigado era o preconceito contra as mulheres casadas, sobretudo, contra as mães que almejavam ter uma carreira e demonstra, ainda, que o apoio pode vir de onde menos se espera. As freiras reclamavam dos hábitos que vestiam, dos chapéus, das mangas compridas que as impediam de dirigir um carro e dar aulas de ciências sem restrições. Nada que Vera esperasse vir de uma religiosa. O fato, aparentemente prosaico, revela, contudo, o quanto a imagem do “mundo feminino” nem sempre corresponde aos modos contraditórios e múltiplos da realidade, com suas freiras “liberadas”, como disse Aristide.14 14 “Madison era um ótimo lugar para ser um professor-assistente, já que a universidade, com efeito, administrava seu próprio estado de bem-estar. Com nosso novo bebê, nós vivemos em uma comunidade habitacional de pares, completa com um sistema cooperativo de babá e um coro. No entanto, comunidades impõem suas próprias regras, que Vera logo violou, assumindo um emprego de meio período, ensinando Sociologia em uma faculdade católica, local para moças. Nós estávamos lendo Simone de Beauvoir; mas as irmãs dominicanas que administravam a Faculdade Edgewood do Sagrado Coração eram as mulheres mais ‘liberadas’ nos entornos de Madison, vislumbrando a altamente secular mãe judia, ensinando Sociologia como um modelo apropriado para suas alunas” (Zolberg, 2008, p. 11-12, tradução nossa).

Vera não foi a única mulher a preservar o casamento, exercer a maternidade e fazer carreira, mas, não há dúvida de que foi uma das poucas a conjugar aqueles papéis, que, ainda hoje, circunscrevem-se a pequeno contingente de mulheres. Em diversos países, a raridade, ineficiência ou mesmo inexistência de políticas públicas de apoio à maternidade, além da falta de creches, vem gerando, entre as mulheres que desejam seguir uma carreira, a expectativa de eliminar senão o casamento, ao menos a maternidade, dos seus projetos de vida. Um conjunto de pesquisas recentes confirma as dificuldades para a realização de carreiras por mulheres no mundo acadêmico e científico (Beaufaÿs; Krais, 2005BEAUFAŸS, S.; KRAIS, B. Femmes dans les carriers scientifiques en Allemagne: les mécanismes cachés du pouvoir. Revue travail, genre et societés, v. 2, n. 14, p. 49-68, 2005. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-travail-genre-et-societes-2005-2-page. Acesso em: 27 ago. 2017.
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), ressaltando os mecanismos invisíveis de poder que impedem as mulheres de alcançar a posição desejada no meio intelectual. Na década de 1960, iniciou-se, nos Estados Unidos, a chamada “segunda onda” do movimento feminista, em favor de novas formas de sexualidade e família (Jesus; Almeida, 2016JESUS, C. C. de; ALMEIDA, I. F. O movimento feminista e as redefinições da mulher na sociedade após a Segunda Guerra Mundial. Boletim historiar, n. 14, p. 9-27, mar./abr. 2016. Disponível em: http://seer.ufs.br/index.php/historiar. Acesso em: 15 ago. 2017.
http://seer.ufs.br/index.php/historiar...
, p. 12), o que levou a um questionamento vigoroso da condição feminina tradicional. Vera e o marido não estavam à margem daquele movimento; haviam lido O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicado em 1949, que teve uma ampla repercussão a partir do ressurgimento do movimento feminista naquela década e, a julgar pelos depoimentos que prestaram sobre sua formação e carreira, os problemas de gênero não lhes passavam despercebidos. Nada disso, porém, foi suficiente para evitar os preconceitos tão profundamente arraigados na sociedade.

Durante cinco anos, Vera lecionou em faculdades católicas. Graças à sua experiência, as freiras recomendaram seu nome para suas colegas da Saint Xavier College, quando o casal voltou para Chicago. Enquanto as instituições de ensino superior norte-americanas não exigiram o título de doutorado de seu professorado, ela manteve a prática docente. Nesse meio tempo, Vera integrou um projeto de pesquisa comparativa sobre as atitudes e aspirações dos alunos de ensino médio com financiamento do Center for Comparative Education da Universidade de Chicago. Deu continuidade ao trabalho no Mali, em 1964, acompanhada da filha e do marido que desenvolvia seu projeto de pesquisa naquele país. Apesar das acomodações precárias, ela concluiu sua parte e seguiu com a família para Paris, permanecendo um ano na cidade. De volta a Chicago, soube que havia perdido o emprego de professora na Saint Xavier College e decidiu fazer o doutorado na Universidade de Chicago. Vera tinha uma dúvida, contudo: deveria ela se candidatar ao programa de Sociologia ou ao programa de Antropologia? A essa altura, conhecia os professores dos programas, amigos seus e de seu marido. A escolha foi difícil, mas logo foi feita. Ela foi para o Departamento de Sociologia.

“COMO EU ENTREI NO MUNDO DA ARTE?”

As dúvidas se dissiparam quando Vera percebeu que sua candidatura ao programa de Pós-graduação em Sociologia fora avaliada como a de qualquer outro, e não como a de esposa de um professor integrante do quadro docente da universidade. A comissão de seleção do programa, da qual fazia parte Donald Levine,15 15 Donald Levine (1931-2015) foi um sociólogo norte-americano conhecido no Brasil pelos seus escritos sobre Georg Simmel, especialmente o livro Georg Simmel On Individuality and Social Forms (1972). Nos Estados Unidos, Levine obteve reconhecimento também pela pesquisa e dedicação aos alunos de graduação da Universidade de Chicago, onde era professor; além disso, foi responsável pelo programa de estudos sobre a civilização africana, que ele próprio havia inaugurado, na década de 1960, depois de vivido três anos na Etiópia, pesquisando e lecionando. Vera se referiu diversas vezes a Levine, ressaltando a importância de seu livro, Greater Ethiopia. The Evolution of a multiethnic society (1962), provavelmente devido à afinidade de interesses que ela, o marido e Levine mantinham pelas sociedades e culturas africanas. sempre lembrado por Vera, aceitou seu projeto com palavras elogiosas. Ao se matricular no programa, foi surpreendida, entretanto, com a invasão e ocupação do prédio da administração central da Universidade de Chicago por estudantes em protesto contra a demissão de uma professora de sociologia, que lecionava na graduação, e Vera só pôde começar seus estudos para o doutorado em setembro de 1969.

Os acervos da Universidade de Chicago preservam um rico registro documental e fotográfico da ocupação da instituição pelos estudantes. Os documentos evidenciam que a manifestação estudantil contestava a natureza machista da medida, que atentava contra as mulheres que exerciam a docência. O reitor não chamou a polícia para expulsar os alunos instalados em recintos do prédio da administração geral, causando uma grande tensão no campus. Ao fim e ao cabo, a professora foi demitida e se tornou líder de um grupo feminista, enquanto os líderes do movimento estudantil foram punidos. Muitas décadas depois, Vera, professora emérita da New School de Nova York, que, na ocasião da invasão, acabara de ser demitida do Saint Xavier’s College por não ter o título de doutorado, adotou uma posição comedida com relação ao protesto. Sua posição oscilou entre os dois valores em conflito que geraram a ocupação na Universidade de Chicago: de um lado, a questão feminista e, de outro, as regras universitárias. A professora fora demitida por ter um número insuficiente de publicações exigida pela universidade. E as universidades norte-americanas de excelência mantinham vivo o mote “publish or perish”, no sentido de zelar pela pesquisa e sua divulgação: um professor tinha de produzir, se não fosse por sua carreira individual, pela concorrência entre as universidades, uma vez que o status e os recursos daquelas instituições privadas dependiam diretamente de sua produção. De toda forma, a ocupação do prédio central da Universidade de Chicago, por duas semanas, foi assustadora. A universidade não esperava por isso, pois, acreditava que os protestos radicais somente poderiam ocorrer em Berkeley. Com a ocupação da universidade ainda viva na memória, Vera ponderou (em retrospectiva) sobre a decisão do reitor em não chamar a polícia, afirmando que, embora alguns professores não tivessem sido favoráveis àquela decisão, ela a achava correta, pois, na Universidade de Columbia, a situação fora de tão extremada violência entre estudantes e policiais, à maneira town and gown, que o reitor teve de se demitir.

De 1969 a 1974, período em que Vera fez o doutorado, a onda de protestos contra o sistema universitário tradicional – sobretudo na França e na Alemanha, contra a guerra do Vietnã e contra os regimes políticos ditatoriais da América Latina e outros países – se espalhou entre os jovens de todo o mundo. Nos Estados Unidos, país particularmente afetado pela guerra no sudeste asiático e pelo racismo, o movimento estudantil e as lutas contra o conflito armado no Vietnã assumiram proporções inesperadas. O assassinato do líder negro Martin Luther King, em 1968, provocou a organização de movimentos como o dos Black Panthers, integrado por forte presença feminina encabeçada por Angela Davis. Manifestações e passeatas ocorriam ao sul e ao norte, da costa leste à oeste, em todo o país, embaladas pelo movimento hippie que sugira na Califórnia, pregando paz e amor em lugar do ódio, da depredação da natureza e do consumismo inerentes à Great Society. Vera tinha 37 anos, era casada com um professor efetivo do corpo docente da universidade de Chicago, tinha uma filha pequena e desejava seguir carreira mediante a obtenção do título de doutorado.

Do doutorado na Universidade de Chicago, Vera Zolberg relembra-se particularmente, 1) de características peculiares à Universidade de Chicago; 2) das inquietudes causadas pela mudança temática de seu projeto; e, 3) da ausência de um campo da sociologia da arte nos Estados Unidos daquela época. A Universidade de Chicago é uma universidade séria, disse ela. Os alunos admitidos pela instituição tinham de se dedicar efetivamente aos estudos de modo integral. Apesar apreço pelos métodos quantitativos, tendência que a fez alvo de críticas exageradas, segundo Vera, a Universidade de Chicago, e especificamente seus departamentos de Sociologia e Antropologia, se destacavam pela atribuição de grande valor à cidade de Chicago como campo de investigação, não se interessando pelo que ocorria fora dos Estados Unidos. Eis o que caracteriza a tradição da universidade: “Nunca estudei tanto como em Chicago… Foi uma experiência única na minha formação”.

No programa de estudos de pós-graduação em Sociologia, teve contato com Talcott Parsons, que se aposentara da Universidade de Harvard aos 65 anos e fora recebido pelos colegas de Chicago.

Eles tinham convidado Parsons muitas vezes para dar palestras […] o queriam antes, mas ele não queria deixar Harvard. Por que quereria ir embora para Chicago? Harvard tinha muito mais prestígio que Chicago. Mas ele realmente precisava disso, Edward Shils, Donald Levine, todas essas pessoas o queriam.

Além da referência a Parsons e aos cursos sobre métodos quantitativos e sobre estratificação social, Vera sublinha que as leituras de escritos de Pierre Bourdieu e Michel Foucault, realizadas em sua estadia em Paris em 1968, permaneciam vivas em sua memória, influindo na elaboração de suas próprias ideias e hipóteses de trabalho, embora fossem autores pouco conhecidos nos Estados Unidos naquela ocasião.

Começou a inquietar-se com o tema de seu projeto de doutorado.16 16 O tema do primeiro projeto de doutorado não foi mencionado por Vera, e não foi possível encontrar informação sobre ele em outros materiais. Sabia que esse não era um bom sinal. Os estudantes que não obtinham o título eram chamados de ABD (all but the dissertation), fato conhecido na universidade, e que levava muitos ao desespero. Conversou, então, com o marido que lhe assegurou que deveria fazer o que gostava, e ela gostava de arte e de música. O que havia de errado em escrever a tese sobre um desses temas? – perguntou-lhe Aristide. Havia, sim, dizia ela, a inexistência de um campo da sociologia da arte nos Estados Unidos, o que a deixava insegura para trabalhar com uma área de pesquisa na qual não poderia dialogar com trabalhos e pesquisas reconhecidos no campo da sociologia. As referências que encontrava eram invariavelmente de autores estrangeiros, com exceção de Sorokin e de historiadores da arte norte-americanos, cuja contribuição, entretanto, era limitada. Howard Becker só publicaria seu livro Art Worlds em 1982. Vera pôde ler, entretanto, a dissertação de mestrado do pesquisador sobre uma banda de música, cujo texto estava arquivado na biblioteca da Universidade de Chicago. Mas ela sabia que, na França, Raymonde Moulin estava escrevendo uma tese de doutorado sobre arte, e havia trabalhos sobre música fora da área da sociologia, na qual o único escrito conhecido era o de Max Weber sobre a racionalização da música.

Não houve alternativa senão falar com seu orientador, Morris Janowitz, que, segundo Vera, não teria aceito seu novo projeto se não fosse colega de Aristide Zolberg. Janowitz nada tinha a ver com a arte. Ao contrário, o foco de suas pesquisas era as relações entre militares e civis. Por sua vez, Vera não tinha ainda uma ideia clara daquilo que desejava fazer. Janowitz lhe disse que deveria enfocar uma forma da arte e escolher uma instituição, como um museu, por exemplo, e um museu localizado em Chicago. Seu interesse pela arte africana a fez escolher o Art Institute de Chicago, detentor de uma preciosa coleção de objetos artísticos provenientes de diferentes regiões da África. Vera tinha o objetivo de questionar as práticas e as regras institucionais que levavam o museu a atribuir o valor de arte àqueles objetos, evidenciando, assim, a construção de sentido simbólico da arte a partir de fatores externos ao objeto artístico. Ao responder à pergunta de Janowitz sobre o teor da abordagem que propunha para seu trabalho, explicou-lhe que “era a mais nova sociologia da arte que se fazia na França”. “Sim – disse-lhe o professor – você pode estudar a arte africana como o objeto principal de intervenção do museu, mas somente e tão somente em um capítulo de sua tese”.

Aos 42 anos, Vera defendeu a tese intitulada The Art Institut of Chicago: the Sociology of a cultural organization (1974); dez anos depois, foi admitida na New School for Social Research, em Nova York. Tornou-se conhecida como uma das fundadoras do campo da sociologia da arte pela sua produção acadêmica e atuação institucional. O relato sobre seus anos de formação revela o quanto tinha razão ao dizer que falaria da não sociologia para a sociologia, de fatos prosaicos e pouco relevantes, mas decisivos para engendrar caminhos e definir escolhas, sem as quais ela não teria alcançado sua autonomia intelectual. A escolha da sociologia da arte não se deu por um efeito inevitável de sua biografia ou de seu milieu social, mas de como Vera modelou os acontecimentos inesperados ocorridos na juventude, dando forma compreensiva às suas vivências especiais e cheias de significado. No pensamento alemão, a palavra Bildung refere-se à tradição de cultivo de si próprio, um processo duplamente pessoal e cultural voltado para a harmonia do espírito e do coração, mas, sobretudo, para o exercício de uma subjetividade autônoma, através da tensão entre autodeterminação e socialização. A formação consiste em um constante vir a ser que desafia o indivíduo e suas crenças. O depoimento de Vera aponta justamente para a construção de sua individualidade entre oportunidades e adversidades, contingências e surpresas, viagens e deslocamentos, movimento no qual ela alcança sua autonomia intelectual.

REFERÊNCIAS

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  • BEAUFAŸS, S.; KRAIS, B. Femmes dans les carriers scientifiques en Allemagne: les mécanismes cachés du pouvoir. Revue travail, genre et societés, v. 2, n. 14, p. 49-68, 2005. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-travail-genre-et-societes-2005-2-page Acesso em: 27 ago. 2017.
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  • ZWEIG, S. Autobiografia: o mundo de ontem: memórias de um europeu. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
  • 1
    Vera Zolberg veio ao Brasil a convite de Maria Lucia Bueno (UFJF). Sua estadia no Rio de Janeiro foi organizada por Ligia Dabul (UFF). Agradeço às duas colegas a oportunidade de entrevistar Zolberg em 28 de maio de 2015, no Rio de Janeiro, com a presença de Guilherme Marcondes, Tarcila Formiga, Ana Carolina Miranda e Bianca Pires, integrantes do Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura (UFRJ).
  • 2
    Traduzido por Glaucia Villas Bôas.
  • 3
    Lenchner é o sobrenome da família de origem de Vera Zolberg.
  • 4
    Os incêndios, provocados por proprietários de prédios do South Bronx para receber seguro, têm sua origem na inauguração da Cross Bronx Express way, primeira autoestrada a ser construída em uma área urbana populosa nos Estados Unidos, e cuja obra se estendeu pelos anos de 1948 a 1972. O projeto deslocou grande parte da população de baixos recursos, deixando numerosos prédios vazios no bairro.
  • 5
    Vera Zolberg chamou a atenção para o fato de que era apenas uma criança de três anos quando chegou a Nova York, em 1935. Não se lembrava, portanto, da saída de Viena e da viagem para os Estados Unidos. O que nos disse sobre esses acontecimentos lhe foi contado pelos pais, pelos parentes e amigos da família.
  • 6
    Sobre a cultura em Viena das primeiras décadas do século XX e a importância da ópera, ver Autobiografia: o mundo de ontem, memórias de um europeu de Stefan Zweig (2014)ZWEIG, S. Autobiografia: o mundo de ontem: memórias de um europeu. Rio de Janeiro: Zahar, 2014..
  • 7
    Em seu artigo, African-American Women and Hunter College: 1873-1945, Linda Perkins (1995)PERKINS, L. M. African-American Women and Hunter College: 1873-1945.The Echo: Journal of the Hunter College Archives, p.17-25, 1995. revela como Thomas Hunter, o fundador da Female Normal and High School, posteriormente nomeada Hunter College and High School em sua honra, era elogioso, em seus Relatórios Anuais, quanto ao fato de sua instituição corporificar o ideal americano de oportunidades iguais para todos. Como posto por ele no Relatório Anual de 1886: “Nós temos judeus e gentios e crianças de quase toda nacionalidade europeia, de negros de pele escura sentados ao lado de escandinavos de cabelo claro, e quase toda raça sob o sol está representada… Esta é a verdadeira mistura democrática das classes que só poderia existir em um país republicano como os Estados Unidos” (Hunter apud Perkins, 1995PERKINS, L. M. African-American Women and Hunter College: 1873-1945.The Echo: Journal of the Hunter College Archives, p.17-25, 1995., p. 20, tradução nossa).
  • 8
    Phi Beta Kappa é a mais antiga sociedade honorífica das áreas de ciência e arte liberal dos Estados Unidos, criada em 1776. A filiação do Hunter College à sociedade data de 1920. Em Harvard, Yale e em outras universidades do norte dos Estados Unidos, o pertencimento a Phi Beta Kappa era visto como uma honra conferida em reconhecimento a conquistas acadêmicas mais do que uma oportunidade para cultivar amizades e conduzir discussões e debates, como ocorria nas universidades ao sul do país.
  • 9
    Pitirim Sorokin (1989-1968) foi responsável pela criação do Departamento de Sociologia da Universidade de Harvard em 1931. Alguns de seus escritos sobre dinâmica cultural e sociedade foram lidos em cursos de Ciências Sociais no Brasil, na década de 1960.
  • 10
    Underwriting, ou subscrição, é um termo usado pelas companhias de seguros para gerir risco. Cabe ao subscritor avaliar e atribuir valor aos riscos externos de dada conjuntura para a feitura de uma possível apólice de seguros. De acordo com o site do Sindicato das Empresas de Seguros, Resseguros e Capitalização, “através desse processo e uma vez aceito o risco, são estipulados os termos e as condições para a emissão da apólice, inclusive o prêmio do seguro e a eventual franquia a ser aplicada em sobrevindo sinistro(s)” (Sindsegsp, 2016SINDSEGSP SINDICATO DAS SEGURADORAS, PREVIDÊNCIA E CAPITALIZAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO (SINDSEGSP). Underwriting: o que é isso? 2016. Disponível em: http://www.sindsegsp.org.br/site/noticia-texto.aspx?id=21887. Acesso em: 26 ago. 2017.
    http://www.sindsegsp.org.br/site/noticia...
    ).
  • 11
    De acordo com Aristide: “O Armistício Coreano estava em vigor, mas a ‘Emergência’ ainda estava ativada; pouco depois de nos instalarmos em Boston, a junta de recrutamento me notificou que eles só me deixariam terminar o semestre atual, de modo que eu tive que me reportar para à junta em janeiro de 1954 e comecei o treinamento básico em Fort Dix, em New Jersey. Já que eu era casado, o governo dos EUA forneceu um ‘subsídio de dependente’, o que permitiu que Vera abandonasse seu trabalho e iniciasse sua própria educação de pós-graduação, como auxiliar de pesquisa no próprio departamento de sociologia e antropologia da Universidade de Boston” (Zolberg, 2008ZOLBERG, A. Notes from an intruder: explorations in political macroanalysis. International journal of politics, culture, and society, v. 20, n. 1-4, p. 5-19, 2008. Disponível em: www.jstor.org/stable/40206144. Acesso em: 14 ago. 2017.
    www.jstor.org/stable/40206144...
    , p. 8).
  • 12
    O livro organizado por Mills e Gerth ampliou enormemente a recepção de Weber no mundo intelectual latino-americano, depois da tradução pioneira de Economia e Sociedade com introdução de Echavarría (1944), alcançando, no Brasil, mais de 20 edições.
  • 13
    Sobre a obra de Parsons, ver A sociologia de Talcott Parsons (2001) de José Maurício Domingues.
  • 14
    “Madison era um ótimo lugar para ser um professor-assistente, já que a universidade, com efeito, administrava seu próprio estado de bem-estar. Com nosso novo bebê, nós vivemos em uma comunidade habitacional de pares, completa com um sistema cooperativo de babá e um coro. No entanto, comunidades impõem suas próprias regras, que Vera logo violou, assumindo um emprego de meio período, ensinando Sociologia em uma faculdade católica, local para moças. Nós estávamos lendo Simone de Beauvoir; mas as irmãs dominicanas que administravam a Faculdade Edgewood do Sagrado Coração eram as mulheres mais ‘liberadas’ nos entornos de Madison, vislumbrando a altamente secular mãe judia, ensinando Sociologia como um modelo apropriado para suas alunas” (Zolberg, 2008ZOLBERG, A. Notes from an intruder: explorations in political macroanalysis. International journal of politics, culture, and society, v. 20, n. 1-4, p. 5-19, 2008. Disponível em: www.jstor.org/stable/40206144. Acesso em: 14 ago. 2017.
    www.jstor.org/stable/40206144...
    , p. 11-12, tradução nossa).
  • 15
    Donald Levine (1931-2015) foi um sociólogo norte-americano conhecido no Brasil pelos seus escritos sobre Georg Simmel, especialmente o livro Georg Simmel On Individuality and Social Forms (1972). Nos Estados Unidos, Levine obteve reconhecimento também pela pesquisa e dedicação aos alunos de graduação da Universidade de Chicago, onde era professor; além disso, foi responsável pelo programa de estudos sobre a civilização africana, que ele próprio havia inaugurado, na década de 1960, depois de vivido três anos na Etiópia, pesquisando e lecionando. Vera se referiu diversas vezes a Levine, ressaltando a importância de seu livro, Greater Ethiopia. The Evolution of a multiethnic society (1962), provavelmente devido à afinidade de interesses que ela, o marido e Levine mantinham pelas sociedades e culturas africanas.
  • 16
    O tema do primeiro projeto de doutorado não foi mencionado por Vera, e não foi possível encontrar informação sobre ele em outros materiais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2019
  • Aceito
    19 Set 2019
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