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MORADIA PROVISÓRIA ENTRE BOLIVIANOS EM SÃO PAULO: ambiguidade e contingência

TEMPORARY HOUSING AMONG BOLIVIANS IN SÃO PAULO: ambiguity and contingency

LOGEMENT PROVISOIRE PARMIS LES BOLIVIENS À SÃO PAULO: ambiguité et contingence

Resumos

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a questão da moradia entre imigrantes bolivianos em São Paulo, buscando investigar até que ponto existe uma correlação entre a “ilusão do provisório” – inerente à condição do imigrante (Sayad, 1998) – e as formas precárias de habitar na cidade. Tais formas podem ser definidas como moradias da pobreza e (ou) “nomadismo urbano” (Véras, 2003b; 2016a). A pesquisa, utilizando-se da combinação de método qualitativo, pelas entrevistas com bolivianos (nos bairros do Brás e Grajaú), e o quantitativo, por meio de levantamento dos dados de Censos Demográficos do IBGE, indica uma interdependência entre as formas precárias de habitar dos bolivianos e a ideia de provisoriedade que eles têm de sua permanência no país.

Imigração; Bolivianos; Cidade; Moradia; Provisoriedade


This article approaches the housing conditions of Bolivian immigrants in São Paulo, inquiring to what extent there is a correlation between the “illusion of the provisional” – which is inherent to the immigrant’s condition (Sayad, 1998) – and the precarious housing solutions of these immigrants in the city, which can be defined as home of poverty and (or) “urban nomadism” (Véras, 2003b; 2016a). Both qualitative methods (mainly composed by interviews conducted with Bolivians in the districts of Brás and Grajaú) and quantitative methods (mainly composed by the study of the Demographic Census of IBGE) were used. The research findings show interdependence between the precarious housing solutions of these immigrants and the idea that they will only stay provisionally in this country.

Immigration; Bolivians; City; Housing; Provisional


Cet article vise à refléchir sur la question du logement parmi les immigrés boliviens à São Paulo, cherchant à déterminer dans quelle mesure il existe une corrélation entre “l’illusion du provisoire” inhérente à la condition de l’immigré (Sayad, 1998) et les formes précaires du logement dans la ville – des formes qui peuvent être définies comme des habitations de pauvreté et (ou) “ nomadisme urbain” (Véras, 2003b, 2016a). La recherche, en utilisant la combinaison de la méthode qualitative, des entretiens avec des Boliviens (dans les quartiers de Brás et Grajaú), et l’enquête quantitative des données du recensement démographique de l’IBGE, indique une interdépendance entre les formes précaires d’habiter des Boliviens et l’idée de leur présence provisoire ou temporaire dans le pays.

Immigration; Boliviens; Ville; Logement; Provisoire


INTRODUÇÃO

São Paulo é, em certa medida, uma cidade construída por imigrantes. Desde a segunda metade do século XIX, espanhóis, italianos e portugueses se firmaram ao longo das “orlas ferroviárias”, nos bairros de Belém, Brás, Bom Retiro, Pari, Mooca, Lapa e Ipiranga, inseridos no ciclo do café e de nossa primeira industrialização, ensejando quase uma nova fundação da cidade (Rolnik, 2001ROLNIK, R. São Paulo. São Paulo: Publifolha, 2001.; Véras, 2003a). Por volta de 1900, dois terços da população residente na cidade eram estrangeiros (Véras, 2003a). Na segunda metade do século XX, após a segunda grande guerra, como se sabe, diminuiu a imigração estrangeira e houve um aumento no número de migrantes nacionais nesses bairros, especialmente nordestinos e mineiros. Em 1970, já ganhava importância o ramo da confecção no cenário econômico da capital, o qual era preenchido por imigrantes coreanos (Véras, 2000VÉRAS, M. P. B. (Coord.) Da diáspora: identidades e mediações culturais. Estrangeiros na Metrópole: espacialização, trajetórias e redes de sociabilidade dos imigrantes em São Paulo. Relatório de Andamento. São Paulo: CNPq, 2000. 346 p.), embora, nas décadas de 1990 e 2000, mais e mais bolivianos estivessem inseridos nesse setor da costura.

A imigração boliviana teve início na década de 1950, formada por jovens que queriam estudar e trabalhar no Brasil (principalmente trabalhadores liberais). A partir de 1980, no entanto, os bolivianos passam a constituir numerosa mão de obra no ramo da costura, indo trabalhar para os coreanos (Silva, 1997SILVA, S. A. da. Costurando Sonhos – Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997.). Depois, alguns bolivianos também acabam se tornando patrões e empregando seus compatriotas.

No Gráfico 1, observa-se que a maior frequência entre os imigrantes bolivianos é masculina, e as faixas etárias predominantes nesse subconjunto são de 20 a 34 anos. Para as mulheres, predominam as faixas de 20 a 29 anos. No que se refere ao total da presença boliviana, há divergências e dificuldades de mensuração quanto ao seu número real na cidade, pois existem muitos indocumentados, além de retornos, idas e vindas, o que prejudica a elaboração de estimativas corretas. A Pastoral do Imigrante estimava que, em 2005, havia perto de 80 mil na cidade de São Paulo (Silva, 2005SILVA, S. A. da. Bolivianos: A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.). Segundo consulta realizada com a Polícia Federal, durante o período de 2006 a 2012, mais 73.377 bolivianos ingressaram no Brasil portando vistos. Em São Paulo, ainda segundo a Polícia Federal, há 59.526 nacionais da Bolívia efetivamente registrados no Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (SINCRE). Segundo o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICa (IBGE): Censo demográfico: 2010 : famílias e domicílios : resultados da amostra. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domicilios_amostra.pdf. Acesso em: 02. 12. 2019.
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, os bolivianos constituem o segundo grupo de imigrantes na cidade de São Paulo, precedidos apenas pelo contingente de portugueses. São considerados oficialmente como residentes no município paulistano 21.680 pessoas oriundas da Bolívia, que representam 14,3% dos estrangeiros registrados nesse recenseamento, na primeira década do século XXI.

Gráfico 1
– Pirâmide etária dos nascidos na Bolívia, residentes no Município de São Paulo

Em uma tentativa de resgatar o tema na literatura existente, o primeiro trabalho sobre bolivianos em São Paulo é de Sidney Antônio da Silva (Silva, 1997), no qual ele analisa a diáspora boliviana na cidade, as condições precárias de trabalho, a difícil inserção cultural, entre outros dados. Em seguida, o autor estudou a religiosidade e as festas tradicionais desses imigrados (Silva, 2003SILVA, S. A. da. Virgem/Mãe/Terra: festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: HUCITEC/ FAPESP, 2003.). Além disso, há pesquisas que relacionam a subcontratação de mão de obra de bolivianos com a reestruturação produtiva que ocorre no setor das confecções em São Paulo (Freire da Silva, 2008FREIRE DA SILVA, C. Trabalho informal e redes de subcontratação: dinâmicas urbanas da indústria de confecções em São Paulo. 2008. (Dissertação de Mestrado)- Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo.; Freitas, 2009FREITAS, P. T. Imigração e Experiência Social: o circuito de subcontratação transnacional de força-de-trabalho boliviana para o abastecimento de oficinas de costura na cidade de São Paulo. 2009. (Dissertação de Mestrado) - Departamento de Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas.; Preturlan, 2012PRETURLAN, R. B. Mobilidade e classes sociais: o fluxo migratório boliviano para São Paulo. 2012. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de São Paulo.).

Outro grupo de trabalhos se debruça sobre os assuntos do tráfico de pessoas e da escravização de bolivianos (Azevedo, 2005AZEVEDO, F. A. G. de. A presença de trabalho forçado urbano na cidade de São Paulo: Brasil/Bolívia. 2005. (Dissertação de Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM), Universidade de São Paulo.; Illes; Timóteo; Fiorucci, 2008; Timóteo, 2011TIMÓTEO, G. L. S. Os trabalhadores bolivianos em São Paulo: uma abordagem jurídica. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo.). Ainda há um conjunto de pesquisas que focaliza a questão da territorialidade e das trajetórias residenciais dos bolivianos, procurando compreender sua mobilidade espacial e sua configuração socioespacial na Região Metropolitana de São Paulo (Souchaud, 2011SOUCHAUD, S. “Presença estrangeira na indústria das confecções e evoluções urbanas nos bairros centrais de São Paulo” In: LANNA, A. L. D. et al. (Orgs.) São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo: Alameda, 2011.; Xavier, 2010XAVIER, I.R. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.). Quanto à questão da moradia, há o trabalho de Simone (2014)SIMONE, A. dos S. Os cortiços na paisagem do Brás e Belenzinho, São Paulo: um estudo de caso. 2014. Dissertação (Mestrado em Geografia Física) - Programa de Pós-Graduação em Geografia Física, Universidade de São Paulo., que versa sobre a relação entre o “encortiçamento” de imóveis nos bairros do Belenzinho e Brás, e a presença de imigrantes bolivianos em oficinas de costura.

Pucci (2011)PUCCI, F. M. S. A Inserção dos Bolivianos nos bairros do Bom Retiro, Brás e Pari e a Produção da Alteridade: como são vistos pela vizinhança. Relatório Científico, São Paulo, CNPq. 316p, 2011. e Vidal (2012)VIDAL, D. “Convivência, alteridade e identificações: brasileiros e bolivianos nos bairros centrais de São Paulo”. In: BAENINGER, R. (Org.) Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/ Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa, 2012. 316p. Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/textos/publicacoes/livros/bolivianos/livro_bolivianos.pdf#page=10. Acesso em: 27. 08. 2014.
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abordam a presença dos bolivianos nos bairros do Bom Retiro, Brás e Pari sob a perspectiva da alteridade, ou seja, a partir de como a vizinhança percebe a presença desses imigrados, por meio de reações muitas vezes preconceituosas e xenófobas. Baeninger e Simai (2010)BAENINGER, R.; SIMAI, S. Práticas discursivas da negação do racismo em São Paulo. In: ANPOCS, 35., 2010, Caxambu. Anais[...] Caxambu: ANPOCS, 2010. se aproximam dessa temática ao estudar o discurso de bolivianos e brasileiros sobre o preconceito. Este estudo identifica que os bolivianos acabam internalizando um discurso de estigmatização produzido pelos brasileiros, encontrando-se também trabalhos que enfocam a questão da segunda geração de bolivianos e dos conflitos produzidos, tanto entre bolivianos de primeira e segunda geração, como entre bolivianos de segunda geração e os brasileiros de mesma idade (Camargo de Oliveira, 2012CAMARGO DE OLIVEIRA, G. A segunda geração de latino-americanos na Região Metropolitana de São Paulo. 2012. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas.; Huayhua, 2007HUAYHUA, G. L. Primeira e segunda geração de jovens imigrantes argentinos, bolivianos e peruanos em São Paulo: um estudo psicossocial da identidade e aculturação. 2007. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.; Paes, 2011PAES, V. G. Trânsito de identidades e estratégias de negociação familiar:deslocamentos populacionais entre a Bolívia e o Brasil. 2011. Dissertação (Mestrado em História Social)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de São Paulo.).

Outros estudos se voltam para a sociabilidade entre bolivianos e brasileiros nas escolas públicas, bem como no acesso deles às políticas de educação (Pucci, 2011PUCCI, F. M. S. A Inserção dos Bolivianos nos bairros do Bom Retiro, Brás e Pari e a Produção da Alteridade: como são vistos pela vizinhança. Relatório Científico, São Paulo, CNPq. 316p, 2011.; Pontedeiro Oliveira, 2012; Magalhães, 2010MAGALHÃES, G. M. Fronteiras do direito humano à educação: um estudo sobre os imigrantes bolivianos nas escolas públicas de São Paulo. 2010. (Dissertação de Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.). Por fim, há um grupo de trabalhos cujo objetivo é estudar o acesso desses imigrantes à saúde, em São Paulo (Aguiar, 2013AGUIAR, M. E. Tecnologias e cuidado em saúde: a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o caso do imigrante boliviano e coreano no bairro do Bom Retiro – SP. 2013. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.; Aguiar; Mota, 2014AGUIAR, M. E.; MOTA, A. “Os imigrantes bolivianos e coreanos no bairro do Bom Retiro através das lentes do Programa Saúde da Família.” In: MOTA, A.; MARINHO, M. G. S. M. C. (Orgs.) Saúde e História de Migrantes e Imigrantes: direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina: UFABC, 2014.; Faleiros, 2012FALEIROS, S. M. Universalidade e Políticas Públicas: a experiência dos imigrantes no acesso à saúde. 2012. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).; Khouri, 2010KHOURI, S. Mulheres bolivianas em um Hospital Público em São Paulo. 2010. Monografia (Especialização em Serviço Social) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília (UnB).; Martinez, 2010MARTINEZ, V. N. Equidade em saúde: o caso da tuberculose na comunidade de bolivianos no município de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública)- Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.; Mascaro, 2014MASCARO, L. D. M. “Imigrantes bolivianos: abordagem de direitos humanos ao direito ao desenvolvimento.” In: MOTA, A.; MARINHO, M. G. S. M. C. (Org.) Saúde e História de Migrantes e Imigrantes: direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina: UFABC, Universidade Federal do ABC: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014.; Silveira et al., 2014).

Entre tantos assuntos abordados pelas teses e dissertações sobre bolivianos em São Paulo, nos interessa, especificamente, as questões relativas a territorialidade, moradia e alteridade. Este artigo se baseia em reflexões e em pesquisa de campo1 1 A pesquisa empírica, para dissertação de mestrado, sob a orientação de Maura Véras, envolveu 22 entrevistas com imigrantes bolivianos nos dois bairros. Adotou-se como estratégia de campo o estabelecimento de contato com organizações não-governamentais de assistência aos imigrantes e as governamentais. Foram realizadas entrevistas em duas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) no município de São Paulo, uma no Grajaú e outra no Brás. Foi obtido o consentimento livre e esclarecido dos entrevistados. (Pucci, 2016) que estudou duas regiões paulistanas: um bairro central (Brás, por concentrar grande contingente de bolivianos e abrigar um importante espaço de sociabilidade desse grupo, a Rua Coimbra), e um distrito periférico (Grajaú, por ter havido um importante aumento de bolivianos na região, formando uma “ilha” com significativo contingente deles.). Tal estudo objetivou analisar as condições de moradia dos bolivianos em São Paulo, a exclusão desse grupo das políticas sociais (principalmente, as de habitação e saúde) e o seu envolvimento em movimentos de luta por moradia. Ao tratar da questão do acesso e condições de moradia desse grupo, pretende-se aqui, mais especificamente, observar a questão de como a “ilusão do provisório” (Sayad, 1998SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.) – inerente à própria condição do imigrante – predispõe esses imigrados a se deslocarem, tornarem-se “nômades urbanos” (Véras, 2003b), condição caracterizada pela rotatividade de residência em moradias muito precárias e, na maioria das vezes, provisória.

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS CONCEITUAIS

Apresenta-se, a seguir, o breve quadro teórico que fundamentou a pesquisa, ao enlaçar os temas da imigração, sua provisoriedade, territorialidade, alteridade e segregação. A questão da habitação foi tomada como âncora de fixação dos bolivianos em um território e sua possibilidade de inserção na sociedade receptora, observando-se o paradoxo de ser um imigrante. Tomou-se, como principal referência, a obra A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade, de Sayad (1998)SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998., que resgata a ambiguidade de pertencer e não pertencer a nenhum lugar. Para o autor, a contradição constitutiva do imigrante se dá no sentimento de provisoriedade com que é vivida sua imigração:

[...] não se sabe mais se se trata de um estado provisório que se gosta de prolongar indefinidamente ou, ao contrário, se se trata de um estado mais duradouro, mas que se gosta de viver com um intenso sentimento do [de] provisoriedade (Sayad, 1998SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998., p. 45).

Analisar-se-ão, neste artigo, as consequências da ambiguidade em que vivem esses imigrados, suas formas de habitar em São Paulo e suas escolhas contingentes.

No que se refere ao tema das migrações internacionais, em tempos de globalização, considera-se a teoria da transmigração, segundo a qual se superam as antigas categorizações, como as do imigrante “temporário”, “de retorno” ou “permanente”, uma vez que ele ainda mantém relações com a sociedade de origem (Sasaki; Assis, 2000SASAKI, E.; M.; ASSIS, G. O. Teorias das migrações internacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABEP, XII., Anais[...], Caxambu, out. 2000. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/migt16_2.pdf. Acesso em 11. 05. 2014.
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). Além disso, busca-se levar em conta tanto a abordagem neoclássica, segundo a qual a motivação para migrar se baseia em um cálculo individual racional, quanto a histórico-estrutural, pela qual o indivíduo vê as suas escolhas limitadas pelo contexto social mais amplo (Muniz, 2002MUNIZ, J. O. Um ensaio sobre as causas e características da migração. In: UFMG/Cedeplar/Demografia– Avaliação (Componentes de Dinâmica Demográfica), 2002. Disponível em http://www.ssc.wisc.edu/~jmuniz/ensaio_migracao.pdf. Acesso em: 08. 05. 2014.
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; Patarra, 2006PATARRA, N. L. Migrações internacionais: teorias, políticas e movimentos sociais. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n. 57, p. 7-24, 2006.). Nesse sentido, é possível ainda optar por uma terceira alternativa, uma abordagem domiciliar (ou familiar), que considera que as decisões são tomadas por grupos de pessoas, como famílias e domicílios (Muniz, 2002MUNIZ, J. O. Um ensaio sobre as causas e características da migração. In: UFMG/Cedeplar/Demografia– Avaliação (Componentes de Dinâmica Demográfica), 2002. Disponível em http://www.ssc.wisc.edu/~jmuniz/ensaio_migracao.pdf. Acesso em: 08. 05. 2014.
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). Já sobre a territorialidade, tomam-se Véras (2003a), Santos (1987)SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: NOBEL, 1987. e Carneiro (2009)CARNEIRO, S. de S. Tu mora onde? Território e produção de subjetividade no espaço urbano carioca. In: CARNEIRO, S. de Sá; SANT’ANNA, M. J. G. (Orgs.) Cidade, olhares e trajetórias. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. como referências. Os territórios, considerados como lugares em que há identificação de seus ocupantes (Santos, 1987SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: NOBEL, 1987.), são “espaços de permanência e simultaneamente de passagem dos imigrantes que promovem sua adaptação às novas condições de vida” (Silveira et al., 2014, p. 97). Por isso, a moradia é de grande importância, pois fixa em um território, quer como opção, quer como contingência possível.

Em seu amplo significado, morar vai além de ocupar uma edificação em si (teto, parede e piso), mas abrange o acesso ao solo urbano e suas benfeitorias de infraestrutura (abastecimento de água, saneamento, serviços de eletricidade, transporte, sistema viário), equipamentos sociais (principalmente educação, saúde e cultura) e paisagem. No capitalismo, as classes trabalhadoras precisam, com seus salários, buscar condições de vida e, em especial, o acesso à moradia e a reprodução da força de trabalho, representada pela habitação adequada, que é obstaculizada pelos altos preços no mercado de terra e da construção civil. A casa, encarada como propriedade privada, torna-se mercadoria cara e custosa, e segmentos numerosos necessitam de subsídios ou financiamentos para sua aquisição ou mesmo locação.

O solo urbano, produzido coletivamente, é apropriado individualmente e por quem pode pagar e se distribui por estratos sociais que dispõem ou não dos meios de consumo coletivo. Tais espaços são discriminados pelo preço da terra, apresentando contrastes entre bairros de excelentes localizações e outros vistos como malditos, jogados na subalternidade. O jogo entre capital e Estado desempenha grande papel nisso, resultando em cidades heterogeneamente divididas, geralmente pela renda de seus moradores, eventualmente segregados por razões étnicas e culturais (Véras, 1980VÉRAS, M. P. B. A vida em conjunto: um estudo da política da habitação popular. 1980. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo., 2003bVÉRAS, M. P. B. Novos nômades urbanos na cidade contemporânea: desigualdade e exclusão sociais. In: CHAIA, M.; SILVA, A.A. da (Org.) Sociedade, cultura e política: ensaios críticos. São Paulo: EDUC, 2003b. p. 323- 367.).

O Estado, ao favorecer as condições necessárias ao capital, implanta os serviços e equipamentos urbanos de forma desigual, acentuando as desigualdades sociais e no território. Políticas sociais, no tocante à habitação popular no Brasil, sempre se mostraram ancoradas em mecanismos seletivos e financeiros, exigindo estabilidade de emprego e de renda, o que alijou parcelas consideráveis da população que não dispunham de tais condições. Grande parte da demanda por habitações para a faixa de baixa renda não é atendida, e a saída dessa situação é a busca por soluções precárias, como favelas, cortiços, loteamentos irregulares de periferia, ocupações de áreas de risco e zona de mananciais, além de outras formas do mercado informal, constituindo-se uma cidade ilegal, ao arrepio das exigências e posturas municipais. Um quadro com estatísticas estimativas sobre tais segmentos da precariedade em São Paulo, oscilando em cerca de 40% dos residentes no município, pode ser buscado em diversas fontes e na própria municipalidade (Pasternak, 2016PASTERNAK, S. “Favelas: fatos e boatos”. In: KOWARICK, L.; FRUGOLI JUNIOR, H. (Orgs.) Pluralidade urbana em São Paulo, vulnerabilidade, marginalidade, ativismos. São Paulo: Editora 34/FAPESP, 2016 .; Véras, 1987VÉRAS, M. P. B.” Os impasses da crise habitacional em São Paulo ou os nômades urbanos no limiar do século XXI”. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação SEADE, v.1, n. 1, 1987., 2003bVÉRAS, M. P. B. Novos nômades urbanos na cidade contemporânea: desigualdade e exclusão sociais. In: CHAIA, M.; SILVA, A.A. da (Org.) Sociedade, cultura e política: ensaios críticos. São Paulo: EDUC, 2003b. p. 323- 367., 2016aVÉRAS, M. P. B. Dimensões sociais das desigualdades urbanas: moradias da pobreza, segregação e alteridade em São Paulo. Revista Brasileira de Sociologia, Sociedade Brasileira de Sociologia, v.4, n.07, p.186-210, 2016a.).

Para tratar a questão da ausência de direitos na cidade, especialmente no que tange à questão de moradia, Kowarick (2009)KOWARICK, L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34, 2009. nos aponta que se vive em um contexto de “fragilização da cidadania”, que pode ser entendido como a:

[...] perda ou ausência de direitos e [...] precarização de serviços coletivos que garantiam uma gama mínima de proteção pública para grupos carentes de recursos – dinheiro, poder, influência – para enfrentar intempéries nas assim denominadas metrópoles do subdesenvolvimento industrializado (Kowarick, 2009KOWARICK, L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34, 2009., p. 76, grifos do autor).

A maior parcela da massa assalariada não consegue adquirir habitação no mercado regular. Disso decorre o fato de que a “crise de habitação”, ou o seu “déficit”, “nada mais é do que a existência de grandes faixas populacionais sem meios para comprá-la” (Véras, 2003b, p. 327). Assim, o que leva a isso é a escassez da produção de moradia, o encarecimento do custo de vida e o preço elevado da terra, acima do seu valor real (potenciado pela mercantilização, financeirização e especulação imobiliária).

No que tange à questão do significado da casa própria e sua matriz conservadora, segundo Bonduki (1998)BONDUKI, N. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade: FAPESP, 1998., resgata-se a origem: “para o trabalhador urbano, a casa própria simbolizava o progresso material. Ao viabilizar o acesso à propriedade, a sociedade estaria valorizando o trabalho, demonstrando que ele compensa, gera frutos e riqueza” (Bonduki, 1998BONDUKI, N. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade: FAPESP, 1998., p. 84). Contudo a produção de moradia – sob a ótica capitalista – se conforma às leis de oferta e procura e enfoca a “demanda solvável”, ou seja, aquela parcela que, de fato, tem condições de quitar um imóvel em um período de tempo razoável (já que é um investimento de longo prazo). A ausência ou os vícios mercantis da intervenção do Estado causam um “estrangulamento das condições de reprodução da força de trabalho” (Véras, 2003b, p. 329).

“Em síntese, a cidade capitalista dificulta seu consumo para os pobres, pois é vista como capital constante pelos proprietários que usam o ‘ambiente construído’, assim como usaram a máquina na produção fabril” (Véras, 2003b, p. 334).

Assim, surgem pessoas designadas pela condição precária em que vivem – favelados, encortiçados, moradores da periferia, além dos moradores de rua, “homeless, sansabris, underclass” (Véras, 2003b, p. 332, grifos da autora). Ou ainda, segundo termo usado pela autora, constituem os “novos nômades urbanos”. Nesse conceito se abrigam os moradores da precariedade, que costumam ser removidos, quer pelos chamados projetos de obras públicas, como no caso de favelados, de loteamentos irregulares, sem a legalidade da posse de um lote, quer para os inquilinos informais despejados dos cortiços. Há ainda a população moradora de rua – todos sem direito à raiz, ao território, continuamente expulsos, desalojados, removidos, relegados e vítimas de discriminação.

Marques (2005)MARQUES, E. Elementos conceituais da segregação, da pobreza urbana e da ação do Estado. In: MARQUES, E.; TORRES, H. (Orgs.) São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais, São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005. reforça o conceito de “segregação” como separação e desigualdade de acesso, destacando que quanto maior é a segregação de um grupo, mais se reforça o discurso do racismo em relação a ele. No tema da alteridade, considera-se a importância do outro em nossa própria formação identitária; há certa gradação entre o outro próximo e o outro distante, e nesse caso, um “não-nós”. Assim, as relações com o “outro-nós” e o com o “outro-estranho” vêm sofrendo mudanças nas cidades de hoje, que nos apresentam uma diversidade de pessoas e possibilidades de conhecimento. O outro aparentemente vai se tornando comum, mas nem sempre acolhido e, mesmo que não inusitado, quando esse estranho passa a frequentar espaços antes exclusivos de determinados grupos, ou sua aparência não representar vantagens aos dominantes, será visto como ameaçador. No momento em que terminar o encontro espontâneo, o estigma irá se explicitar (Jodelet, 1998JODELET, D.”Alteridade como produto e processo psicossocial”. In: ARRUDA, A. (Org). Representando a alteridade. Petrópolis: Vozes, 1998.). Ainda como referência importante, há os conceitos de estabelecidos e outsiders, que nos revelam como um grupo mantém o outro em condição de subalternidade por meio da estigmatização (Elias; Scotson, 2000ELIAS, N.; SCOTSON, J. L. Estabelecidos e outsiders. São Paulo: Zahar, 2000.).

No que se refere ao conceito de “identidade”, remete-se a Castells (1999)CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999., que formula o conceito de “identidade de resistência”, que é “criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação” (Castells, 1999CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999., p. 24). Para Hall (2003)HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003., um tema caro na abordagem sobre imigrantes é a identidade cultural, ou as possibilidades de mudança, que se imbricam no “hibridismo” e se referem a “um processo de tradução cultural, agonístico, uma vez que nunca se completa”, mas que permanece sem uma decisão. (Hall, 2003HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003., p. 74). Esse processo implica uma revisão por parte da cultura de seus próprios sistemas de referência, normas e valores. O reconhecimento das diferenças, ou a intolerância e, no limite, o racismo, surgem nesse contexto.

Atualmente, existe uma nova forma de estigmatizar, que Wieviorka (2006)WIEVIORKA, M. Em que mundo viveremos? São Paulo: Perspectiva, 2006. denomina “novo racismo”:

[...] o “novo racismo” descreve diversos grupos a partir de suas particularidades culturais que os constituem como subconjuntos considerados inassimiláveis, perigosos e nocivos, prontos a espezinhar os valores morais da nação e a abusar dos sistemas que ela elaborou para assegurar a seus membros uma certa solidariedade (Wieviorka, 2006WIEVIORKA, M. Em que mundo viveremos? São Paulo: Perspectiva, 2006., p. 169).

Daí a necessidade de resgatar o conceito de “assimilação”, nos termos de Truzzi (2012)TRUZZI, O. M. S. Assimilação ressignificada: novas interpretações de um velho conceito. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 517-553, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582012000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23. 12. 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582012000200008.
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, no que se refere à capacidade de recuperar a problemática de incorporação de imigrantes. No entanto, é necessário fazer isso sem incorrer no que esse conceito pode carregar de etnocentrismo – quando considera que os imigrantes devem fatalmente ser assimilados a um padrão cultural vigente na sociedade receptora. Esse conceito de “assimilação ressignificada” aborda a relação dos imigrantes com a sociedade receptora como uma via de mão dupla, na qual ambos os lados se influenciam reciprocamente; aponta subconjuntos que nunca serão assimilados totalmente, como a “segmentada”.

CONDIÇÕES DE MORADIA DOS BOLIVIANOS EM SÃO PAULO: provisoriedade, ambiguidade e contingência

Nesse conjunto, os imigrantes de baixa renda vêm convivendo historicamente com a precariedade (Véras, 2016a). Das 4.805 unidades domiciliares na cidade de São Paulo cujo responsável é boliviano, 77,3% são alugadas, enquanto 22,3% adquiriram ou financiaram a casa própria. A fonte (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICa (IBGE): Censo demográfico: 2010 : famílias e domicílios : resultados da amostra. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domicilios_amostra.pdf. Acesso em: 02. 12. 2019.
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) não especifica se esse aluguel é pago pelos próprios moradores bolivianos ou se eles recebiam o valor do aluguel como parte integrante do salário2 2 Segundo o IBGE, em suas notas metodológicas relativas ao Censo Demográfico de 2010, considerou-se o domicílio como “alugado” quando “o aluguel era pago por um ou mais moradores”, mas também quando “o empregador (de qualquer um dos moradores) pagava, como parte integrante do salário, uma parcela em dinheiro para o pagamento do aluguel.” (Grifos nossos). Disponível em:<ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Familias_e_Domicilios/censo_fam_dom.pdf>. (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICa (IBGE): Censo demográfico: 2010 : famílias e domicílios : resultados da amostra. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domicilios_amostra.pdf. Acesso em: 02. 12. 2019.
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).

Os indícios atuais apontam que os bolivianos vivem em condições habitacionais inadequadas. A maioria reside de aluguel em moradias coletivas mistas, com o uso de atividade da confecção de oficinas de costura, improvisando adaptações nos imóveis, o que os torna inseguros. Segundo o IBGE (Censo Demográfico de 2010), há diferentes variáveis que podem ser levadas em conta no momento de avaliar a adequação ou não de um domicílio.3 3 Segundo as notas técnicas do Censo Demográfico de 2010, a moradia é considerada adequada quando atende “a todas as seguintes condições: até dois moradores por dormitório; abastecimento de água por rede geral de distribuição; esgotamento sanitário por rede geral de esgoto ou pluvial, ou por fossa séptica; e lixo coletado, diretamente por serviço de limpeza ou em caçamba de serviço de limpeza” (IBGE, 2010, p, p. 34). No Município de São Paulo (MSP), dos 11.253.504 habitantes em 2010, 7.237.446 (64,3%) vivem em moradias adequadas. Enquanto isso, do total de bolivianos que viviam na cidade de São Paulo em 2010 (21.680), apenas 8.988 (41,5%) estavam alojados em moradias adequadas. Isso revela uma porcentagem muito menor de bolivianos vivendo em moradias adequadas do que a média no MSP (41,5% contra 64,3%).

Segundo o Censo Demográfico de 2010, a média de moradores por dormitório nos domicílios dos bolivianos residentes no município de São Paulo é 2,62, enquanto a média no MSP é de 2,16 moradores por dormitório4 4 O IBGE (2010) considera adequados os domicílios com até 02 moradores por dormitório. Entretanto, segundo a metodologia da Fundação João Pinheiro (FJP, 2018) – que é adotada oficialmente pelo Governo Federal do Brasil –, há “densidade excessiva de moradores por dormitório” quando há, em média, mais de três moradores por dormitório. Já para a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2018), esse número pode variar a depender do tamanho e do tipo de moradia, do tamanho dos quartos e das características de seus moradores (idade, gênero e tipo de relacionamento que estabelecem entre si). Assim, por exemplo, uma moradia pode ser considerada com densidade excessiva caso haja dois moradores por dormitório, mas não será no caso de esses moradores serem cônjuges (WHO, 2018, p, p. 22). . Esses dados sugerem a presença de quartos superlotados nos domicílios de bolivianos. Ainda para essa fonte, dos 15.812 bolivianos que têm alguma ocupação no município de São Paulo, dois terços (67,7%) trabalham no próprio domicílio. Segundo alguns autores de referência (Dornelas, 2009DORNELAS, S. M. Para sair do confinamento: a experiência das visitas ás oficinas de costura de imigrantes bolivianos no quadro do projeto Somos Hermanos. Travessia – Revista do Migrante, São Paulo, n. 63, p. 20-25, 2009.; Illes; Timóteo; Fiorucci, 2008; Silva, 1997SILVA, S. A. da. Costurando Sonhos – Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997.), a conjugação dos espaços de trabalho com o de moradia gera promiscuidade, convivência forçada e, em alguns casos, até mesmo danos à saúde dos trabalhadores.

É relevante destacar que o aluguel é um problema para os bolivianos, sendo os principais óbices encontrados a formalidade exigida pelos contratos, os altos preços cobrados e a resistência de alguns proprietários. Como consequência, procuram por alternativas como o apoio dos parentes. No entanto, Xavier (2010)XAVIER, I.R. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. revela que esses imigrados têm o desejo de se tornar independentes de seus patrões e parentes, ou seja, querem poder bancar a própria moradia. Como consequência, é cada vez maior a presença de bolivianos que residem em cortiços, favelas e ocupações (Pucci, 2011PUCCI, F. M. S. A Inserção dos Bolivianos nos bairros do Bom Retiro, Brás e Pari e a Produção da Alteridade: como são vistos pela vizinhança. Relatório Científico, São Paulo, CNPq. 316p, 2011., 2016PUCCI, F. M. S. Viver “outramente”: moradia, condições de vida e a produção da alteridade dos bolivianos em São Paulo. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Faculdade de Ciências Sociais, PUC-SP.; Xavier, 2010XAVIER, I.R. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.).

Muitas constatações apontam que os bolivianos podem ser considerados como “nômades urbanos” (Véras, 2003b). A principal característica é o aluguel e a rotatividade. Os bolivianos relatam dificuldades de adquirir a casa própria e até mesmo de alugar imóveis. Tanto no bairro do Brás quanto no do Grajaú, eles sofrem uma “discriminação das imobiliárias”. A fala seguinte ilustra bem esse fato:

Geralmente, aqui no Brasil, ou aluga uma casa para moradia ou aluga uma casa comercial. Ou é residencial ou é comercial. Mas nós, bolivianos, que trabalhamos em casa, alugamos a casa para trabalhar e para morar. Ou seja, que muitas imobiliárias, a maioria, não aceita isso. A discriminação começa em que eles pedem fiador. (Rodriguez, boliviano, dono de um empreendimento no Brás, há 33 anos no país)

Os bolivianos apresentam uma peculiaridade com a qual as imobiliárias não estão acostumadas a lidar, que é a conjugação de trabalho com moradia. Muitos imigrantes procuram alugar casa com o objetivo de montar um negócio, e não simplesmente morar. As imobiliárias, então, colocam como condição o pagamento de três a cinco aluguéis adiantados, para evitar que os locatários permaneçam menos tempo do que isso. A alternativa, muitas vezes, é alugar um quarto de cortiço no mercado informal, o que ocorre principalmente no bairro do Brás. A “discriminação das imobiliárias”, no entanto, é ainda maior quando se trata da aquisição de casa própria. Os bolivianos dificilmente possuem meios para comprovar estabilidade no país, como um emprego registrado, que os permita adquirir um financiamento de longo prazo. A maior parte deles trabalha no ramo da costura, na informalidade. Os bancos não aceitam oferecer crédito imobiliário aos migrantes, uma vez que receiam decisão de não residir mais no país.

Esse “descrédito” dificulta muito a aquisição da casa própria e impulsiona os bolivianos a praticarem todas as formas de “nomadismo urbano”, seja a autoconstrução nas periferias (como o Grajaú), seja o aluguel de cortiços nos bairros centrais (como o Brás). Os altos preços dos aluguéis no Brás fazem com que muitos bolivianos acabem se mudando, assim que decidem montar a própria oficina e trabalhar por conta própria. Observe-se que, ao chegarem ao país, eles costumam morar na oficina de um patrão e, portanto, não necessitam pagar um aluguel. As trajetórias residenciais dos imigrantes – a partir desse primeiro impulso de sair da casa do patrão – são marcadas por muitas inconstâncias, descontinuidades e incertezas.

Mesmo no Grajaú, onde o aluguel é mais acessível do que no Brás,5 5 Segundo os entrevistados, o aluguel de uma casa no Brás estava entre R$ 1.500,00 e R$ 2.000,00 em 2015, enquanto, no Grajaú, variava entre R$ 500,00 e R$ 700,00. os preços fazem com que eles tenham de viver em regiões cada vez mais afastadas. Isso ocorreu com um casal de bolivianos residente no distrito do Grajaú, que só conseguiu adquirir uma casa própria próxima à represa Billings, no bairro do Jardim Belcito, considerando-se que as áreas mais próximas do Terminal Grajaú da CPTM valorizaram muito, e se tornaram inviáveis financeiramente. A seguinte fala exemplifica a dificuldade desse casal em adquirir a casa própria, devido ao “descrédito” dado aos bolivianos e à própria especulação imobiliária:

Tem uma imobiliária aqui, no Parque América. Assim que a gente entrou, ele falou assim: “Você quer [o] que?”. Aí eu falei: “Eu to procurando casa”. [Ele respondeu:] “A gente só tem acima de 500 mil”. Assim, de cara, né? Assim, como pra falar pra gente, né, que a gente não poderia ceder a essa casa de 500 mil, né? Mas ele não sabe o nosso potencial, não sabe como a gente faz para ganhar nosso dinheiro. Aí eles meio que barram a gente, né? Assim, que a gente não pode, ou não merece ganhar, ter uma casa bonita, né? (Tamires, boliviana, trabalha como salgadeira, há 8 anos no país, moradora do Jardim Belcito, no Grajaú)

Nessa fala é possível perceber dois elementos. O primeiro é aquele, já mencionado, de que as imobiliárias não confiam crédito aos estrangeiros, uma vez que eles não possuem carteira registrada e, portanto, não conseguem comprovar que possuem meios para pagar um financiamento de longo prazo. O segundo elemento é o de que as empreiteiras só estão interessadas em oferecer casas de alto padrão, acima de R$ 500 mil, pois são mais rentáveis. Isso cria um gargalo no mercado, que não é preenchido pela iniciativa privada, gerando a já mencionada “demanda não solvável” (Véras, 2003b). No entanto, para além desses dois elementos (de natureza lógica, econômica), há outro (de natureza subjetiva, qualitativa). É interessante destacar que a entrevistada citada acima menciona que se sentiu subestimada pela imobiliária que procurou. Diz a entrevistada que: “Mas ele [o vendedor da imobiliária] não sabe, o nosso potencial, não sabe como a gente faz para ganhar nosso dinheiro.”

A entrevistada está reclamando do fato de que as imobiliárias estão engessadas para suprir a demanda de apenas um estilo de vida, de uma forma de se habitar. Mas não estão preparadas para lidar com outras formas de se habitar, de se viver. Os bolivianos possuem outra lógica na forma de habitar, daí a denominação: “viver outramente”. As formas como as construtoras ou imobiliárias entendem que seus consumidores devem morar não se coadunam, entretanto, com esse “viver outramente” dos bolivianos (Pucci, 2016PUCCI, F. M. S. Viver “outramente”: moradia, condições de vida e a produção da alteridade dos bolivianos em São Paulo. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Faculdade de Ciências Sociais, PUC-SP.). Eles possuem especificidades, como a conjugação de moradia e trabalho, e maior presença no mercado de trabalho informal. Mas isso não significa que sejam menos capazes de honrar com seus aluguéis ou com suas parcelas de financiamento da moradia.

O próprio significado que os bolivianos atribuem à casa própria é muito diferente do significado que dela têm os brasileiros, por exemplo. Isso tudo faz com que eles sejam vistos como inquilinos ou promitentes compradores (de casa própria) indesejáveis pela maior parte de construtoras, imobiliárias ou locadores. Como afirma a entrevistada citada acima: “eles [construtoras, imobiliárias, locadores] meio que barram a gente, né? Assim, que a gente não pode, ou não merece ganhar, ter uma casa bonita, né?”. Ou seja, segundo construtoras, imobiliárias e locadores, os bolivianos não merecem ter uma “casa bonita”, ou de alto padrão, uma vez que a relação deles com a moradia é outra, que não aquela imposta por essas entidades. Como os bolivianos não aceitam a forma padrão de lidar com a moradia, então lhes é negada a possibilidade de ter uma “casa bonita”.

Esse padrão impositivo obstrui a possibilidade de se aprender com esse “viver outramente” dos bolivianos. Isso nos impede de:

[...] crescer através de processos de encontro com o desconhecido. Coisas e pessoas que são estranhas podem perturbar ideias familiares e verdades estabelecidas; o terreno não familiar tem uma função positiva na vida de um ser humano. Essa função é a de acostumar o ser humano a correr riscos, [...] [a] enriquecer as suas percepções, a sua experiência, e de aprender a mais valiosa de todas as lições humanas: a habilidade para colocar em questão as condições já estabelecidas de sua vida. (Sennett, 1988SENNETT, R. O Declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Cia. Das Letras, 1988., p. 359-60, grifos nossos).

Ora, a atitude restritiva de construtoras, imobiliárias e locadores vai no sentido contrário, que é o de impedir a reflexão. O encontro com o estrangeiro nos oferece a oportunidade de colocar em questão nossas formas de morar e de lidar com a cidade. Ele nos permite questionar esses padrões e nos perguntar até que ponto existem outras formas de vida urbana e, mais especificamente, outras formas de habitar (Silvestri, 2011SILVESTRI, G. O caminho para a cidade: viagem e a condição estrangeira em relação ao transcurso espacial. In: LANNA, A. L. D. et al. (Orgs.) São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo: Alameda, 2011.). Segundo a autora, “o olhar estrangeiro é o da distância, mas essa distância, às vezes, nos revela coisas nas quais nem sequer pensávamos” (Silvestri, 2011SILVESTRI, G. O caminho para a cidade: viagem e a condição estrangeira em relação ao transcurso espacial. In: LANNA, A. L. D. et al. (Orgs.) São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo: Alameda, 2011., p. 484).

Ainda segundo Silvestri (2011)SILVESTRI, G. O caminho para a cidade: viagem e a condição estrangeira em relação ao transcurso espacial. In: LANNA, A. L. D. et al. (Orgs.) São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo: Alameda, 2011., a forma de habitar dos estrangeiros – um tanto nômade, sem ter uma residência fixa – pode ser ilustrada pela metáfora de um barco que viaja por um rio, sendo esse barco entendido como uma “pátria flutuante”. Na viagem de barco:

[...] não se mede o espaço pelo relógio, mas pelas mudanças da luz ou do clima que anunciam dia e noite; pelas mínimas variações das margens ou pela qualidade da água que anunciam a proximidade de uma cidade; pela cor do horizonte que rapidamente pode ser apagada pelo nevoeiro ou nas nuvens de tormenta. Na viagem de barco se aprecia a verdadeira distância das coisas (Silvestri, 2011SILVESTRI, G. O caminho para a cidade: viagem e a condição estrangeira em relação ao transcurso espacial. In: LANNA, A. L. D. et al. (Orgs.) São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo: Alameda, 2011., p. 485).

Essa metáfora propicia uma forma distinta de refletir sobre o que é habitar, por meio da experiência do tempo e do espaço. Pensar o barco como “pátria flutuante” permite imaginar identidades menos rígidas do que as nacionalidades fixadas ou endereços estabelecidos. Heráclito6 6 Heráclito, filósofo grego pré-socrático, nascido em 535 a. C. diz que não nos banhamos duas vezes em um mesmo rio. E que é a própria corrente que faz do rio o que ele é. Nesse sentido, importa mais o caminho do que o resultado. Assim, pátria, para o imigrante, é esse barco em que ele navega os rios de sua trajetória, uma metáfora para se pensar que importa menos o resultado do percurso, mas, antes, o percorrer do caminho.

Essa metáfora nos põe a refletir sobre as diferentes formas de habitar dos estrangeiros, a qual se denomina aqui de “viver outramente”. Na cidade capitalista, indiferente a essas lógicas diversas, essas diferentes formas de habitar se traduzem em precariedade e provisoriedade. Os tripulantes da “pátria flutuante” (Silvestri, 2011SILVESTRI, G. O caminho para a cidade: viagem e a condição estrangeira em relação ao transcurso espacial. In: LANNA, A. L. D. et al. (Orgs.) São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo: Alameda, 2011.) se convertem em “nômades urbanos” (Véras, 2003b): os moradores de cortiços e também aqueles que improvisam suas moradias nas periferias por meio da autoconstrução.

Nesse sentido, Sayad (1998)SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. atentou muito bem para o fato de que o imigrante vivencia sua trajetória com um intenso sentimento de provisoriedade, ainda que ela seja definitiva, de fato. Segundo o autor, essa “ilusão do provisório” permite que o imigrante esteja contente com uma moradia degradante, ou seja, permite que ele se resigne à sua condição de “nômade urbano”:

[...] posto que o caráter provisório do imigrante e de sua imigração não passa de uma ilusão coletivamente mantida, ele permite a todos que se sintam contentes com a habitação precária degradada e degradante, que se atribui ao imigrante (Sayad, 1998SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998., p. 78).

A maior parte dos bolivianos pretende vir ao país para trabalhar, juntar dinheiro e voltar a seu país de origem. Mesmo quando eles já estão muito bem estabelecidos no país – com filhos na universidade e morando em casa própria – a ideia do retorno não deixa de rondar suas mentes. A seguinte fala exemplifica bem esse fenômeno:

Como aqui não é meu país, a gente sempre se considera menos que os brasileiros. Porque não é minha terra aqui. Então sempre tenho esse pensamento de voltar. Mesmo eu estando bem aqui no país, meu pensamento sempre é de voltar. De eu voltar pra lá. Mas tem coisas que também não dá. Eu tenho meu filho, por que minha filha tem 18 anos, então não quer voltar. (Cláudio, boliviano, empresário, bairro do Grajaú, há 20 anos no país)

A questão da moradia, portanto, é uma dessas preocupações cotidianas e emergenciais na vida do imigrante. A “ilusão do provisório” (Sayad, 1998SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.) faz com que ele não queira assumir compromissos de longo prazo, como a aquisição de uma casa própria. Assim, os imigrantes vivem no país de destino “como um provisório que se eterniza e impede os projetos de alguma importância” (Champagne, 2012CHAMPAGNE, P. Uma família integrada. In: BOURDIEU, P. (Org.) A Miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 103-16, p. 105). A ideia de adquirir uma casa vai se arrastando, pois representaria um enraizamento que é ambíguo, desejado e indesejado ao mesmo tempo. Nesse sentido, a presença dos bolivianos nos cortiços se justifica, entre outras dificuldades, por essa decisão pela casa própria:

A experiência da oficina-cortiço evidencia que o enraizamento (em terras brasileiras) não faz parte do projeto migratório dos bolivianos. O objetivo está em trabalhar no Brasil e em gastar o mínimo possível, de maneira a conseguir juntar o capital necessário para algum projeto futuro, provavelmente em seu país. Neste sentido, o cortiço continua a atuar como habitação de transitoriedade, que se move e aglutina os tempos em sua materialidade e em sua biografia (Simone, 2014SIMONE, A. dos S. Os cortiços na paisagem do Brás e Belenzinho, São Paulo: um estudo de caso. 2014. Dissertação (Mestrado em Geografia Física) - Programa de Pós-Graduação em Geografia Física, Universidade de São Paulo., p. 210).

A “ilusão do provisório” (Sayad, 1998SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.) obstrui a fixação dos bolivianos em terras brasileiras, que se consubstanciaria por meio da aquisição da casa própria. Há apenas uma exceção, na qual esse enraizamento passa a fazer parte do projeto do imigrante, quando passa a desejar uma estabilidade para seu filho. Vale dizer que, mediante o desejo de que seu filho se integre à sociedade receptora, o imigrante suspende por um instante o provisório, e passa a cogitar, então, do pertencimento. A seguinte fala ilustra bem esse fenômeno:

Aí, esse é trabalho de estilista. Aí, se cobra muito mais. O meu dia de estilista é 500 reais o dia. Então, aí, eu comecei a pensar. Eu estou fazendo trabalho de estilista? Então eu vou estudar para estilista. E seja o que Deus quiser, eu vou fazer isso. E com esse dinheiro vou comprar uma casa. Pra que minha filha tenha estabilidade (Maria, boliviana, modelista, há 15 anos no país, Brás).

Maria, por exemplo, quer estudar para se tornar estilista e ganhar mais dinheiro, com o intuito de comprar uma casa própria e oferecer estabilidade à sua filha. Segundo ela, a casa própria dá segurança e torna a vida mais simples. Ela diz que quer a casa própria para que nunca mais tenha de pensar em mudar de bairro, ou seja, para que nunca mais ela e a filha sejam deslocadas, em nomadismo constante. A ideia da fixação, da estabilidade, de aportar o barco e experimentar uma pátria menos flutuante aparece apenas mediante o desejo de integração da segunda geração. O mesmo fenômeno é ilustrado pela fala de um casal:

Porque a gente tem um sonho né? [...] Um dia comprar uma residência pra gente, pelas crianças. Não por nós. Eles perguntam por que a gente se mudou. A gente começou a falar que era por causa do aluguel (Berenice, boliviana, costureira, há 17 anos no país, Grajaú).

Nesse depoimento está presente a questão do “nomadismo urbano”, pois o casal procura sair do aluguel, que faz com que eles tenham de se mudar. Percebe-se que eles desejam esse enraizamento, não por eles, mas por causa dos filhos. Desvenda-se o mesmo desejo de integração de seus filhos na sociedade receptora, como na fala anterior. Portanto, apenas mediante a preocupação com os filhos é que surge o desejo de se enraizar no país por meio da aquisição de uma moradia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para concluir, constata-se que o sentido que a casa própria tem para esses imigrantes aponta para um desejo de que os seus filhos venham a “assimilar-se” (Truzzi, 2012TRUZZI, O. M. S. Assimilação ressignificada: novas interpretações de um velho conceito. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 517-553, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582012000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23. 12. 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582012000200008.
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). Ao dizerem que querem adquirir a casa para seus filhos, revelam que desejam a estabilidade para eles. A estabilidade é, nesse sentido, a motivação de que seus descendentes diretos venham a se integrar à sociedade receptora e sejam aceitos por essa sociedade. Ou seja, almejam que haja uma “mudança de fronteiras” (Truzzi, 2012TRUZZI, O. M. S. Assimilação ressignificada: novas interpretações de um velho conceito. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 517-553, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582012000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23. 12. 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582012000200008.
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)7 7 Uma “mudança de fronteiras” (Truzzi, 2012) ocorre quando um grupo como um todo deixa de ser outsider para se tornar estabelecido (Elias; Scotson, 2000). É um processo lento e duradouro, que ocorre ao longo das gerações. , que seus filhos se integrem plenamente à sociedade brasileira, e que esse processo não seja apenas uma “assimilação segmentada”8 8 A assimilação segmentada “enfatiza a consolidação de um determinado grupo como minoria prejudicada e marginal, impossibilitada de ascender socialmente” (Truzzi, 2012, p, p. 547). (Truzzi, 2012TRUZZI, O. M. S. Assimilação ressignificada: novas interpretações de um velho conceito. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 517-553, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582012000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23. 12. 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582012000200008.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Almejam para seus filhos algo que reconhecem que não poder atingir para si próprios. Nesse sentido, há um desejo de que seus filhos sejam vistos como brasileiros, não apenas como descendentes de bolivianos:

Pra minha filha [desejo] que ela seja aceita. Que ela se integre nessa sociedade. Ela é brasileira, pelo amor de Deus, discriminada em seu próprio país. Porque chamam a minha filha de boliviana. Bom, depreciativamente [pejorativamente]. (Maria, boliviana, modelista, há 15 anos no país, Brás).

Portanto, o significado que os bolivianos dão à casa própria demonstra que eles desejam que seus filhos se integrem à sociedade receptora. Vale dizer, portanto, que a “ilusão do provisório” (Sayad, 1998SAYAD, A. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.) deixa de ter vigência quando a primeira geração de imigrantes bolivianos projeta uma estabilidade para a segunda geração. Estabilidade que não conseguem projetar para si mesmos (uma vez que a ideia do retorno está sempre presente), mas apenas para seus filhos, revelando a ambiguidade e a contingência de suas escolhas quanto a esse aspecto tão vital para sua sobrevivência na cidade.

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  • 1
    A pesquisa empírica, para dissertação de mestrado, sob a orientação de Maura Véras, envolveu 22 entrevistas com imigrantes bolivianos nos dois bairros. Adotou-se como estratégia de campo o estabelecimento de contato com organizações não-governamentais de assistência aos imigrantes e as governamentais. Foram realizadas entrevistas em duas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) no município de São Paulo, uma no Grajaú e outra no Brás. Foi obtido o consentimento livre e esclarecido dos entrevistados. (Pucci, 2016PUCCI, F. M. S. Viver “outramente”: moradia, condições de vida e a produção da alteridade dos bolivianos em São Paulo. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Faculdade de Ciências Sociais, PUC-SP.)
  • 2
    Segundo o IBGE, em suas notas metodológicas relativas ao Censo Demográfico de 2010, considerou-se o domicílio como “alugado” quando “o aluguel era pago por um ou mais moradores”, mas também quando “o empregador (de qualquer um dos moradores) pagava, como parte integrante do salário, uma parcela em dinheiro para o pagamento do aluguel.” (Grifos nossos). Disponível em:<ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Familias_e_Domicilios/censo_fam_dom.pdf>.
  • 3
    Segundo as notas técnicas do Censo Demográfico de 2010, a moradia é considerada adequada quando atende “a todas as seguintes condições: até dois moradores por dormitório; abastecimento de água por rede geral de distribuição; esgotamento sanitário por rede geral de esgoto ou pluvial, ou por fossa séptica; e lixo coletado, diretamente por serviço de limpeza ou em caçamba de serviço de limpeza” (IBGE, 2010, pINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICa (IBGE): Censo demográfico: 2010 : famílias e domicílios : resultados da amostra. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domicilios_amostra.pdf. Acesso em: 02. 12. 2019.
    https://servicodados.ibge.gov.br/Downloa...
    , p. 34).
  • 4
    O IBGE (2010)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICa (IBGE): Censo demográfico: 2010 : famílias e domicílios : resultados da amostra. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domicilios_amostra.pdf. Acesso em: 02. 12. 2019.
    https://servicodados.ibge.gov.br/Downloa...
    considera adequados os domicílios com até 02 moradores por dormitório. Entretanto, segundo a metodologia da Fundação João Pinheiro (FJP, 2018)FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP). Déficit habitacional no Brasil: 2015. Belo Horizonte: FJP, 2018. – que é adotada oficialmente pelo Governo Federal do Brasil –, há “densidade excessiva de moradores por dormitório” quando há, em média, mais de três moradores por dormitório. Já para a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2018)WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Housing and health guidelines. Geneva: World Health Organization, 2018., esse número pode variar a depender do tamanho e do tipo de moradia, do tamanho dos quartos e das características de seus moradores (idade, gênero e tipo de relacionamento que estabelecem entre si). Assim, por exemplo, uma moradia pode ser considerada com densidade excessiva caso haja dois moradores por dormitório, mas não será no caso de esses moradores serem cônjuges (WHO, 2018, pWORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Housing and health guidelines. Geneva: World Health Organization, 2018., p. 22).
  • 5
    Segundo os entrevistados, o aluguel de uma casa no Brás estava entre R$ 1.500,00 e R$ 2.000,00 em 2015, enquanto, no Grajaú, variava entre R$ 500,00 e R$ 700,00.
  • 6
    Heráclito, filósofo grego pré-socrático, nascido em 535 a. C.
  • 7
    Uma “mudança de fronteiras” (Truzzi, 2012)TRUZZI, O. M. S. Assimilação ressignificada: novas interpretações de um velho conceito. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 517-553, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582012000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23. 12. 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582012000200008.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ocorre quando um grupo como um todo deixa de ser outsider para se tornar estabelecido (Elias; Scotson, 2000)ELIAS, N.; SCOTSON, J. L. Estabelecidos e outsiders. São Paulo: Zahar, 2000.. É um processo lento e duradouro, que ocorre ao longo das gerações.
  • 8
    A assimilação segmentada “enfatiza a consolidação de um determinado grupo como minoria prejudicada e marginal, impossibilitada de ascender socialmente” (Truzzi, 2012, pTRUZZI, O. M. S. Assimilação ressignificada: novas interpretações de um velho conceito. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 517-553, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582012000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23. 12. 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582012000200008.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 547).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2018
  • Aceito
    27 Nov 2019
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