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PLANEJAMENTO URBANO E PARTICIPAÇÃO: da Espanha ao Brasil 1 1 Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa “As políticas públicas de planejamento urbano na Espanha contemporânea: marco institucional e os Planes de Ordenación Urbana”, desenvolvida no Departamento de Sociología II (Ecología Humana y Población) da Universidad Complutense de Madrid (UCM), Espanha, com Bolsa de Pesquisa no Exterior concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo Fapesp nº 2015/11625-7).

URBAN PLANNING AND POLITICAL PARTICIPATION: from Spain to Brazil

PLANIFICATION URBAINE ET PARTICIPATION POLITIQUE: de l’Espagne au Brésil

Resumos

Este artigo analisa o ideal participativo no âmbito do planejamento urbano, examinando especialmente como o tema figura no marco institucional da política urbana da Espanha no período contemporâneo. Adota-se o parâmetro analítico de que normas institucionais condicionam os mecanismos participativos. A participação em processos de formulação e implantação de políticas públicas remete ao debate sobre as teorias democráticas e é abordada nos limites de seus enunciados normativos e de suas regras correspondentes. O marco institucional da participação, no caso espanhol, é identificado nos princípios constitucionais, na legislação ordinária e na Ley de Suelo, nos quais se constata baixo grau de institucionalização. Na sequência, são formulados alguns apontamentos sobre o caso brasileiro, no qual, a despeito dos retrocessos mais recentes, ainda vigora um grau superior de institucionalização participativa na política urbana. Metodologicamente, o artigo baseia-se em revisão bibliográfica interdisciplinar e em pesquisa documental de fontes institucionais.

Planejamento Urbano; Participação Política; Espanha; Planos Diretores; Política Urbana


This interdisciplinary bibliographic review, based on documentary research from institutional sources, analyzes the participatory ideal within urban planning, examining how such topic figures in the institutional framework of Spain’s urban policy in the contemporary period. Regarding analytical parameters, we assume that institutional norms determine participatory mechanisms. Participation in public policy formulation and implementation processes refers to debates about democratic theories and is discussed within their normative statements and corresponding rules. The participation institutional framework, in the Spanish case, lies in the constitutional principles, in the ordinary legislation and in the Land Law, which have a low degree of institutionalization. Next, we present some comparative notes on the Brazilian case, where, despite the most recent setbacks, still shows a higher degree of participatory institutionalization in urban policy.

Urban Planning; Political Participation; Spain; Master Plans; Urban Policy


Cet revue de littérature interdisciplinaire, basé sur une recherche documentaire institutionnelles, analyse l’idéal participatif dans le domaine de la planification urbaine, en examinant comment le thème apparaît dans le cadre institutionnel de la politique urbaine en Espagne à l’époque contemporaine. En ce qui concerne les paramètres analytiques, on suppose que les normes institutionnelles déterminent les mécanismes de participation. La participation aux processus de formulation et de mise en œuvre des politiques publiques renvoie au débat sur les théories démocratiques et est abordée dans les limites de ses énoncés normatifs et de leurs règles correspondantes. Le cadre institutionnel de la participation à la planification urbaine, en Espagne, est identifié dans les principes constitutionnels, dans la législation ordinaire et dans la loi foncière, dans lesquels on observe un faible degré d’institutionnalisation. Ensuite, on fait quelques observations sur le cas brésilien, dans lequel, malgré les revers les plus récents, un degré plus élevé d’institutionnalisation participative dans la politique urbaine est toujours en vigueur.

Urbanisme; Participation Politique; Espagne; Plans Directeurs; Politique Urbaine


INTRODUÇÃO

O debate sobre a participação em processos decisórios emergiu em vários países que experimentaram transições de regimes autoritários para democracias políticas ( Avritzer, 2008AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública , Campinas, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008. ; Blanco e Subirats, 2012BLANCO, I.; SUBIRATS, J. Políticas urbanas en España: dinámicas de transformación y retos ante la crisis. Geopolítica(s) , Beira, v. 3, n. 1, p. 15-33, 2012. ; Castells, 1980CASTELLS, M. Cidade, democracia e socialismo . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. ; Lavalle; Vera, 2011LAVALLE, A. G.; VERA, E. I. A trama da crítica democrática: da participação à representação e à accountability. Lua Nova , São Paulo, n. 84, p. 353-364, 2011. ; Linz; Stepan, 1996LINZ, J.; STEPAN, A. Problems of democratic transitions and consolidation. Southern Europe, South America, and post-communist Europe . Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1996. , Teixeira, 2020TEIXEIRA, A. C. C. Trajetórias do ideário participativo no Brasil. Caderno CRH , Salvador, v. 33, p. 1-15, 2020. ). Tal conjuntura aplica-se à Espanha e ao Brasil, países em que, não obstante as diferenças que os distinguem (políticas, socioeconômicas, culturais, territoriais ou cronológicas), a agenda da transição democrática registrou intensa mobilização societária e variadas demandas participativas nos processos de formulação e implantação de políticas públicas. Tal movimentação impactou a formatação institucional desses regimes políticos e também ecoou na esfera das teorias democráticas ( Miguel, 2005MIGUEL, L. F. Teoria da democracia atual: esboço de mapeamento. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n. 59, p. 5-42, 2005. ).

Este artigo analisa destacadamente a moldura institucional do sistema de planejamento urbano da Espanha no período subsequente à democratização e seus correspondentes dispositivos participativos, tomando como base revisão da bibliografia interdisciplinar (Urbanismo, Sociologia Urbana, Ciência Política/Políticas Públicas), tanto teórica como empírica/comparativa, e pesquisa documental de fontes institucionais (normas, legislação). A combinação desses instrumentos metodológicos permite fundamentar conceitualmente o controverso tema da democracia, situando as tentativas de alargamento de seus sentidos. A ideia de participação é tomada precisamente nesse sentido de ampliação do escopo normativo de quem efetivamente tem prerrogativas decisórias no campo no planejamento urbano espanhol, cuja análise é matizada pelo correspondente arranjo institucional. Portanto, tomou-se como suposto analítico que as normas institucionais condicionam o alcance e a efetividade dos mecanismos participativos.

O estudo confirma a hipótese de que os limites à participação são determinados, em grande medida, pelos constrangimentos institucionais, ou seja, o baixo grau de institucionalização e mesmo seu caráter genérico concorrem para que as experiências participativas tenham baixo impacto nas definições da política urbana.

Para que o exame do cenário espanhol não seja tratado de maneira insulada, subsidiariamente e sem a pretensão de formular uma análise comparativa abrangente e definitiva, também é examinado o arcabouço institucional brasileiro na forma de apontamentos que enfatizam seus aspectos mais relevantes.2 2 Uma análise comparativa completa exigiria um inventário minucioso e mais detalhado do caso brasileiro e de sua trajetória, que aqui não foi possível reproduzir em razão da limitação de espaço. Para uma análise do arcabouço institucional participativo do planejamento urbano no Brasil, ver: Avelino (2016) ; Avritzer (2008) ; Caldeira e Holston (2004) ; Goulart (2020) ; Rolnik (2009) ; Santos (2011) ; Teixeira (2020) . Essa abordagem concisa destaca tanto seus avanços quanto retrocessos recentes.

Afora os impactos das variáveis de natureza institucional, desde fins do século XX, a Espanha notabilizou-se pela difusão de uma nova concepção de planejamento urbano identificada no planejamento estratégico das cidades ( Castells; Borja, 1996CASTELLS, M.; BORJA, J. As cidades como atores políticos . Novos Estudos , São Paulo, n. 45, p. 152-166, 1996. ) sob a influência do ideário do empresariamento urbano ( Harvey, 1996HARVEY, D. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates – Revista de Estudos Regionais e Urbanos, ano XVI, n. 39, p. 48-64, 1996. ), paradigma evidenciado na gestão urbana de várias cidades ( Vainer, 2000VAINER, C. B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O. B. F.; VAINER, C. B.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. ). A influência desse modelo em paragens brasileiras disseminou-se na forma de grandes projetos urbanos, megaeventos, agressivo city marketing e limitação dos debates públicos na pólis ( Vainer, 2000VAINER, C. B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O. B. F.; VAINER, C. B.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. ).

Além desta Introdução, o artigo contempla mais quatro seções. Na próxima seção, “Democracia e governo representativo”, são apresentadas as bases conceituais desse debate em diálogo com múltiplos enfoques da literatura das teorias democráticas, além de uma análise da trajetória da agenda da participação na Espanha, da transição democrática até o período contemporâneo. A seção subsequente, “O marco institucional da participação na Espanha”, examina os mecanismos institucionais de participação no sistema de planejamento urbano espanhol. A quarta seção, “O caso brasileiro”, analisa, de forma sucinta, as principais características do sistema institucional de participação no Brasil, com ênfase em suas institucionalização e incidência no campo do planejamento urbano. A seção derradeira de conclusões, sem a pretensão de formular uma análise comparativa exaustiva, apresenta uma síntese relacionando o contexto institucional espanhol ao cenário brasileiro, identificando suas particularidades e ressaltando que, a despeito dos retrocessos nacionais no período recente, o grau de institucionalização participativa ainda é inferior na Espanha.

DEMOCRACIA E GOVERNO REPRESENTATIVO

O modelo de democracia que se consolidou na Europa ocidental na segunda metade do último século, e que se espraiou alhures, consagrou a perspectiva schumpeteriana segundo a qual sistemas democráticos equivalem à escolha de minorias legítimas que detêm autoridade para tomar decisões em nome da maioria do povo. Nessa acepção, o poder popular é limitado à definição dos procedimentos decisórios e à formação dos governos, pois estes são efetivamente os tomadores de decisões vinculatórias para todos ( Bobbio, 1986BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. ; Miguel, 2005MIGUEL, L. F. Teoria da democracia atual: esboço de mapeamento. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n. 59, p. 5-42, 2005. ; Schumpeter, 1984SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia . Rio de Janeiro: Zahar, 1984. ). A justificação do conceito é mais complexa e envolve múltiplas exigências – liberdades individuais; direito à contestação; instituições políticas sólidas; regras do jogo estáveis; acesso minimamente igualitário a recursos de poder materiais e imateriais; eleições periódicas; expectativa de alternância no exercício do poder; e imposição de limitações ao governo –, mas seu fundamento primário é inequívoco quanto ao caráter procedimental da democracia.3 3 O’Donnell (1998) assinala que, no caso dos países latino-americanos que restabeleceram sistemas democráticos, a cidadania se revela truncada em razão de cenários de extrema pobreza e desigualdade social, aos quais, para efeito de análise do regime político, deveriam ser acrescentadas a fragilidade dos direitos civis e uma accountability fraca. A essa concepção de democracia como método decisório, a literatura atribuiu a nomenclatura de modelo liberal-pluralista.

A rigor, as democracias que se consolidaram historicamente seriam governos representativos, cujas transformações não foram suficientes para assegurar governos do povo: “a representação nunca foi uma forma indireta ou mediada de autogoverno do povo. O governo representativo não foi concebido como um tipo particular de democracia, mas como um sistema político original baseado em princípios distintos daqueles que organizam a democracia” ( Manin, 1995MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais , São Paulo, v. 10, n. 29, p. 5-34, 1995. , p. 34).

Afora seu afastamento de qualquer aspiração valorativa de conteúdo – democracia como “governo do povo”, como sistema de igualdade ou como dispositivo de participação popular em decisões de interesse público –, as principais contestações ao conceito liberal-pluralista são de duas ordens: de um lado, pela radical apartação entre as esferas política e social, o que remete o estatuto de igualdade política a um alto grau de abstração porque ignora as inequidades no exercício de direitos civis e as desigualdades socioeconômicas próprias de sociedades capitalistas, ou seja, o princípio liberal de que todos são iguais perante a lei e de que o Estado tem caráter meramente normativo e sua verificação empírica não resiste aos fatos; e, de outro, pela “redução da política a um processo de escolha, no qual, por uma premissa metodológica, considera-se que todos os cidadãos são guiados por um ‘entendimento esclarecido de seus interesses’” ( Miguel, 2005MIGUEL, L. F. Teoria da democracia atual: esboço de mapeamento. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n. 59, p. 5-42, 2005. , p. 12). Abstraída qualquer pretensão substantiva, importam basicamente as formas através das quais a democracia se realiza, porque suas exigências essenciais são a legitimidade e a representação.

Em que pesem as objeções atribuídas a esse sistema político em que a participação do povo se limita à eleição de governantes, nem mesmo essa modalidade de governo representativo vigorou na Espanha durante o largo período do regime autoritário conduzido pelo franquismo (1939-1978).4 4 O general Francisco Franco assumiu a chefia do Estado em 1939, após a derrota da II República, e faleceu em 1975, mas o regime franquista ainda resistiu à morte de seu líder. Apesar da dissolução das cortes e da aprovação de dispositivos democratizantes (notadamente a reforma política) terem sido processadas pouco antes, o marco institucional de restabelecimento democrático é a Constituição de 1978. Somente no final da década de 1970 e no decênio seguinte, afirmou-se o processo de democratização do país, com o ingrediente inovador da emergência de movimentos citadinos de larga influência societária. A rigor, foram expressões que precederam e influíram no restabelecimento democrático institucional, razão pela qual a transição (do regime autoritário para uma democracia) não se limitou a tal dimensão, como parte da literatura politológica interpretou esses processos ( Linz; Stepan, 1996LINZ, J.; STEPAN, A. Problems of democratic transitions and consolidation. Southern Europe, South America, and post-communist Europe . Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1996. ).

O caso madrilenho foi paradigmático: multiplicaram-se movimentos nas décadas de 1970 e 1980 que envolviam associações de vizinhos, aposentados e donas de casa, organizações comunitárias juvenis, de mulheres e de consumidores, entidades e associações cívicas. Esses e outros movimentos ganharam notabilidade em um contexto de crise urbana , definida pela “experiência dos habitantes das grandes cidades que provém da crescente incapacidade da organização social capitalista assegurar a produção, distribuição e gestão dos meios de consumo coletivo necessários à vida cotidiana [moradia, educação, transportes, saúde, áreas verdes etc.]” ( Castells, 1980CASTELLS, M. Cidade, democracia e socialismo . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. , p. 20).5 5 Sobre a experiência participativa do Plan General de Madrid de 1985, ver Salgado (2011) . As demandas desses movimentos citadinos eram de dois tipos: em primeiro lugar, de conteúdo, por reivindicarem ações distributivas e políticas públicas capazes de partilhar a riqueza social e elevar a qualidade de vida; em segundo lugar, de forma, no sentido de tornar mais acessíveis e participativas as decisões relativas às suas reivindicações.

As décadas que se seguiram à democratização transformaram a fisionomia sociopolítica do país – com intensa urbanização e metropolização, terceirização da economia e crise do padrão fordista de produção, primazia do eixo econômico na agenda urbana e acentuada especulação imobiliária (Costa et al ., 2013), além da estabilização do sistema político6 6 Desde a democratização, o sistema político foi marcado por um modelo bipartidário em que o poder foi alternado entre o Partido Popular e o Partido Socialista Obrero Español . A partir de 2015, esse cenário foi alterado com a emergência de dois novos partidos relevantes: Podemos (esquerda) e Ciudadanos (centro-direita). A estratificação multipartidária foi modificada nas eleições de novembro de 2019 com a ascensão do Vox, partido de extrema-direita que se tornou a terceira bancada na Câmara dos Deputados. A respeito disso, ver: Franzé (2020) e Maass (2017) . –, todavia, a exigência da participação societária nas decisões públicas permaneceu na agenda política, ainda que essa evolução registre, de um lado, certo arrefecimento da vitalidade original daqueles movimentos e, de outro, algum nível de institucionalização dessas experiências com o estabelecimento de concejalías de participación ciudadana . Participação cidadã significava e continuou significando o alargamento dos espaços decisórios para além da representação e do sufrágio, movendo-se da sociedade civil em direção ao Estado e às suas instituições.

Em termos minimalistas, “la participación ciudadana se entende, en gobernanza, como implicación de la ciudadania en el desarrollo de la ciudad en tanto que espacio de responsabilidad compartida” ( Esteve; Gorgorió, 2009ESTEVE, J. M. P.; GORGORIÓ, M. T. Estrategia Territorial y Gobierno Relacional – Manual para Planificación Estratégica de 2ª Generación. Sevilla: Junta de Andalucía; Consejeria de Gobernación, 2009. , p. 157), ou seja, representa a inclusão de segmentos societários por meio de entidades e organizações sociais com o objetivo de que a sociedade tome parte em processos decisórios de políticas públicas. Gobernanza seria a materialização desse compartilhamento decisório e a forma de participação dos cidadãos e de suas associações.

Diferentemente de suas origens, quando os movimentos sociais citadinos aspiravam a construir espaços políticos para serem ouvidos e atendidos, “ahora la participación es um valor en sí misma del que depende la legitimidade del poder local” ( De La Fuente, 2010DE LA FUENTE, J. M. R. Contra la participación: discurso y realidad de las experiencias de participación ciudadana. Política y Sociedad , Madrid, v. 47, n. 3, p. 93-108, 2010. , p. 94). Em termos substantivos, trata-se de uma mudança crucial, na medida em que as ideias de transparência e accountability passaram a integrar o repertório da administração pública quase de forma imperativa, mesmo que essa exigência seja normativa em boa parte das vezes.

Martí-Costa e Bonet-Martí (2008)MARTÍ-COSTA, M.; BONET-MARTÍ, J. Los movimientos urbanos: de la identidad a la glocalidad. In: COLOQUIO INTERNACIONAL DE GEOCRITICA, 10., 2008, Barcelona. Anais […]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 2008. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-270/sn-270-121.htm. Acesso em: 12 fev. 2016.
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-270/sn-2...
identificam seis tipos de movimentos urbanos contemporâneos: a) aqueles relacionados à provisão e ao acesso à moradia e aos serviços urbanos; b) outros distinguidos pela defesa mais geral da comunidade; c) os que contestam as novas políticas de desenvolvimento urbano baseadas nos grandes eventos, que produzem invariavelmente algum tipo de gentrification ; d) associações e grupos que geram programas comunitários; e) movimentos de excluídos (pobres, marginalizados, imigrantes); e f) protestos urbanos glocalizados (de escala local, porém, com agenda de alcance global). Não obstante suas especificidades, tais movimentos se definem como uma rede “de individuos, grupos y organizaciones que dirigen sus demandas a la sociedad civil y a las autoridades e intervienen con cierta continuidade en la politización del espacio urbano a través del uso de formas convencionales y no convencionales de participación en la ciudad” ( Martí-Costa; Bonet-Martí, 2008MARTÍ-COSTA, M.; BONET-MARTÍ, J. Los movimientos urbanos: de la identidad a la glocalidad. In: COLOQUIO INTERNACIONAL DE GEOCRITICA, 10., 2008, Barcelona. Anais […]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 2008. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-270/sn-270-121.htm. Acesso em: 12 fev. 2016.
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, p. 6), e cada um tem diferentes estruturas de oportunidades políticas tanto para se organizar e mobilizar suas bases sociais quanto para pressionar e penetrar no sistema político com a intenção de terem atendidas suas demandas. Nesse cenário:

Están resurgiendo los movimientos urbanos como consecuencia de las oportunidades que se abren ante: 1) la emergencia de la gobernanza, 2) el cuestionamiento creciente de los límites de la democracia representativa , y 3) la trasformación de las ciudades, que sitúa de nuevo a lo urbano en el centro de las preocupaciones de la ciudadanía. Esta triple confluencia de factores permite que el movimiento urbano se apropie de la metodología comunitaria para dotar de contenido una orientación táctica que ordena y dota de horizonte a sus repertorios ( Telleria; Ahedo, 2016TELLERIA, I; AHEDO, I. Movimientos urbanos y democratización en la ciudad: una propuesta de análisis. Revista Española de Ciencia Política , n. 40, p. 91-115, 2016. , p. 105, grifo nosso).

Transpor os contornos da representação mantém-se como o desafio principal dos diferentes movimentos citadinos: busca-se o alargamento dos processos decisórios para além dos limites do governo representativo. As brechas participativas e decisórias que se abrem (nas formas de conselhos, referendos, consultas públicas, decisões concertadas com associações civis etc.) resultam da própria capacidade de organização societária para inserir suas demandas na agenda pública, das normas vigentes e das frestas consentidas pelos atores institucionais, ou seja, seria um equívoco interpretar essa relação efetivamente dialética como se resumisse a dois polos antagônicos e estanques: uma sociedade civil supostamente benfazeja e universalista na difusão de direitos e um Estado supostamente impermeável e refratário a qualquer fórmula democratizante. Há, com efeito, um e outro ingrediente, mas seria um engano metodológico e interpretativo ignorar a dimensão política da interação entre esses polos e as diferenças que marcam as distintas orientações ideológicas tanto dos governos quanto dos movimentos urbanos e suas múltiplas influências. Governos e políticas importam e fazem diferença.

Nessas condições, o objetivo comum desses movimentos persiste: atenuar o déficit democrático das instituições representativas. Processos participativos seriam a chave dessas novas modalidades decisórias, entendidas como a ampliação dos foros nos quais são decididas políticas públicas mediante inclusão dos cidadãos e decisões são compartilhadas por meio de consultas prévias.7 7 Sobre o tema, ver especialmente: Alguacil Gómez (2006) ; Echalecu Castaño (2001) ; Iglesias (2011) ; Martí-Costa e Pybus (2013) ; Parés (2010) ; Salgado (2011) .

A nomenclatura pode variar, mas as correntes críticas dos limites da representação são geralmente identificadas pelas expressões “democracia participativa” ou “democracia deliberativa”.8 8 A literatura sobre as tipologias democráticas é ampla e controversa. Aqui, toma-se a ideia de “democracia participativa” segundo define Pateman (1992) , ou seja, no sentido de que alarga os foros decisórios em todos os níveis (escolas, fábricas etc.) e estimula o interesse e o envolvimento do cidadão comum em todos os níveis da vida pública. A formulação teórica pioneira da noção de “democracia deliberativa” é de Habermas (1997) . Para uma sintaxe comparativa dessas teorias, ver Miguel (2005) . Essa esfera discursiva – segundo a qual os cidadãos e grupos não teriam posições prévias inflexíveis e os atores institucionais cumpririam papel secundário – permitiria que o debate e a persuasão produzissem soluções pactuadas fundadas em processos democraticamente deliberativos. Ação comunicativa, concertação e participação civil seriam a base dessa concepção. É indispensável, porém, registrar o caráter normativo desse ideário.

Seja qual for o modelo de democracia preconizado para reformar o governo representativo, o fato a destacar é que estão em curso mudanças importantes nas características e na expressão contemporânea dos movimentos societários. Assim, “los movimientos urbanos están adaptándose a los cambios en las ciudades, los modos de gobierno y la acción colectiva, aprovechando las oportunidades que se abren con la gobernanza” ( Telleria; Ahedo, 2016TELLERIA, I; AHEDO, I. Movimientos urbanos y democratización en la ciudad: una propuesta de análisis. Revista Española de Ciencia Política , n. 40, p. 91-115, 2016. , p. 109).Tais movimentos têm suporte no ideário da democracia participativa e se traduzem em expressões organizativas originais e mais horizontais, cujas ações se orientam no sentido do “refortalecimiento de la sociedad civil, así como a una estrategia de influencia que pretende aumentar su incidência en la gestión democrática de las ciudades” ( Telleria; Ahedo, 2016TELLERIA, I; AHEDO, I. Movimientos urbanos y democratización en la ciudad: una propuesta de análisis. Revista Española de Ciencia Política , n. 40, p. 91-115, 2016. , p. 109).

Isso não significa, porém, tratar a participação de forma quase mítica, como se fosse imune às imperfeições que caracterizam qualquer invento humano e, como “remédio milagroso”, tivesse a virtude mágica de solucionar todas as injustiças e desigualdades urbanas. Nesse sentido, distanciamento crítico é um ingrediente teórico-metodológico imperativo. Ademais, é preciso reconhecer que “el éxito de su acceso depende de los recursos que son capaces de movilizar, de su capacidad organizativa y de su aptitud para dominar el juego de interrelaciones con las autoridades administrativas” ( De La Fuente, 2010DE LA FUENTE, J. M. R. Contra la participación: discurso y realidad de las experiencias de participación ciudadana. Política y Sociedad , Madrid, v. 47, n. 3, p. 93-108, 2010. , p. 106). Os resultados quantitativos e qualitativos dos mecanismos participativos dependem da organização societária, da correspondente moldura institucional e dos atores institucionais (dos governos, sobretudo). Nesse sentido, atores de ambas as origens (sociedade civil e Estado) precisam reconhecer reciprocamente em seus interlocutores diferentes fontes de legitimidade, interação cuja resolução é altamente complexa porque não só não há simetria nas prerrogativas de poder entre esses atores, como situações de impasse remetem as decisões ao âmbito institucional.

No caso espanhol, estão bastante evidenciadas as “flaquezas e insuficiencias de una política estrictamente institucional, que estabelece como únicos cauces de participación las vías previstas da democracia representativa” ( Blanco; Subirats, 2012BLANCO, I.; SUBIRATS, J. Políticas urbanas en España: dinámicas de transformación y retos ante la crisis. Geopolítica(s) , Beira, v. 3, n. 1, p. 15-33, 2012. , p. 27). Ademais, as áreas do conhecimento que têm se dedicado a estudar os fenômenos urbanos em suas múltiplas dimensões – notadamente o Urbanismo, a Sociologia Urbana e a Ciência Política – ainda não produziram uma análise peremptória dessas experiências participativas, não raro enaltecendo acriticamente seus princípios sem que a esse juízo de valor correspondam estudos empíricos consistentes que confirmem seus postulados, e assim, “las experiencias de democracia participativa quedan envueltas em las nubes rosáceas del romanticismo, percibidas como algo intrinsecamente positivo, sin pararnos a reflexionar obetivamente cuál ha sido hasta ahora el balance de las mismas” ( De La Rosa, 2014DE LA ROSA, F. J. U. Sociología urbana: de Marx a Engels a las escuelas postmodernas. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2014. , p. 347).

O MARCO INSTITUCIONAL DA PARTICIPAÇÃO NA ESPANHA

Sumarizados os termos conceituais do debate, cumpre agora elencar os dispositivos institucionais da participação no sistema de planejamento urbano espanhol. Tais normas se situam basicamente em três fontes: na Constitución de España (CE), na legislação ordinária e na Ley de Suelo .

Os dispositivos constitucionais sobre a participação são genéricos e expressam mais princípios do que regras detalhadas, a saber: os cidadãos podem exercer sua soberania e têm “derecho a participar en los asuntos públicos, directamente o por medio de representantes” (Art. 23); o Estado é responsável pela promoção de condições igualitárias e assim “corresponde a los poderes públicos remover los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar la participación de todos los ciudadanos en la vida política, económica, cultural y social” (Art. 9.2); finalmente, garante-se que “las decisiones políticas de especial trascendencia” podem “ser sometidas a referéndum consultivo de todos los ciudadanos” (Art. 92.1), a ser “convocado por el Rey, mediante propuesta del Presidente del Gobierno, previamente autorizada por el Congreso de los Diputados” (Art. 92.2) ( Espanha, 1978ESPANHA. [Constituição (1978)]. Constitución Española de 1978. Boletín Oficial del Estado: núm. 311, de 29 de deciembre de 1978. Madrid: Congreso de los Diputados: Padres de la Constitución, 1978. ).

No plano infraconstitucional, a Ley Reguladora de las Bases del Régimen Local ( Espanha, 1985ESPANHA. Ley 7/1985, de 2 de abril de 1985. Reguladora de las Bases del Régimen Local. Boletín Oficial del Estado: núm. 80, de 03 de abril de 1985. Madrid: Jefatura del Estado, 1985. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/pdf/1985/BOE-A-1985-5392-consolidado.pdf. Acesso em: 28 jun. 2016.
https://www.boe.es/buscar/pdf/1985/BOE-A...
) prevê a “creación de órganos territoriales de gestión desconcentrada para facilitar la participación ciudadana en la gestión de los asuntos locales” (Art. 24); na sequência, os artigos 69 a 72 são dedicados à participação cidadã, prevendo “la más amplia información sobre su actividad y la participación de los ciudadanos en la vida local” (Art. 69) e que “todos los ciudadanos tienen derecho a obtener copias y certificaciones acreditativas de los acuerdos de las corporaciones locales y sus antecedentes, así como consultar los archivos y registros” (Art. 70.3). Ademais, se prevê consulta popular direta mediante convocação do Alcalde (prefeito), ratificada pelo Pleno (Parlamento) e autorizada pelo governo central: “someter a consulta popular aquellos asuntos de la competencia propia municipal y de carácter local que sean de especial relevancia para los intereses de los vecinos” (Art. 71).9 9 Há, ainda, as regras e dispositivos específicos dos Planes de Ordenación Urbana em sua tramitação autonômica e/ou municipal, contudo, não é possível reportar detalhadamente tais ordenamentos para cotejá-los em razão de sua amplitude (o país contabiliza 8.122 municípios). A utilização de tais fontes de dados implicaria outra investigação, que foge ao escopo limitado do presente estudo.

Ainda na regulação territorial, a Ley de Medidas para la Modernización del Gobierno Local ( Espanha, 2003ESPANHA. Ley 57/2003, de 16 de diciembre. Medidas para la modernización del gobierno local. Boletín Oficial del Estado: núm. 301, de 17 de diciembre de 2003. Madrid: Jefatura del Estado, 2003. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/pdf/2003/BOE-A-2003-23103-consolidado.pdf. Acesso em: 30 jun. 2016.
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) ratificou o papel das Juntas Municipales de Distrito e dos Consejos Sectoriales como órgãos territoriais descentralizados e facilitadores da participação cidadã na agenda municipal. Trata-se de “aspecto cualitativamente definidor del modelo participativo español, ya que se da un papel protagónico a la participación de base asociativa en perjuicio de la participación del ciudadano individual y se fomenta su intervención en los asuntos locales” ( De La Fuente, 2010DE LA FUENTE, J. M. R. Contra la participación: discurso y realidad de las experiencias de participación ciudadana. Política y Sociedad , Madrid, v. 47, n. 3, p. 93-108, 2010. , p. 98).

O quadro institucional da participação é completado com a legislação específica da ordenação territorial, a Ley de Suelo ( Espanha, 1992ESPANHA. Real Decreto Legislativo 1/1992, de 26 de junio. Aprueba el texto refundido de la Ley sobre el Régimen del Suelo y Ordenación Urbana. Boletín Oficial del Estado: núm. 156, de 30 de junio de 1992, p. 22238-22274. Madrid: Ministerio de Obras Públicas y Transportes, 1992. Disponível em: https://www.boe.es/boe/dias/1992/06/30/pdfs/A22238-22274.pdf. Acesso em: 14 jul. 2021.
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). O tema aparece de forma difusa e relativamente dispersa:

[Como garantia da ordenação territorial e urbanística]: derecho a la información de los ciudadanos y de las entidades representativas de los intereses afectados por los procesos urbanísticos, así como la participación ciudadana en la ordenación y gestión urbanísticas (Art. 4.2.c);

[Como direito do cidadão]: acceder a la información de que dispongan las Administraciones Públicas sobre la ordenación del territorio, la ordenación urbanística y su evaluación ambiental, así como obtener copia o certificación de las disposiciones o actos administrativos adoptados, en los términos dispuestos por su legislación reguladora” (Art. 5.c) e “participar efectivamente en los procedimientos de elaboración y aprobación de cualesquiera instrumentos de ordenación del territorio o de ordenación y ejecución urbanísticas y de su evaluación ambiental mediante la formulación de alegaciones, observaciones, propuestas, reclamaciones y quejas y a obtener de la Administración una respuesta motivada, conforme a la legislación reguladora del régimen jurídico de dicha Administración” (Art. 5.e);

[Como agente do processo urbanizador]: en la ejecución de las actuaciones sobre el medio urbano, además de las Administraciones Públicas competentes y las entidades públicas adscritas o dependientes de las mismas, podrán participar: a) las comunidades y agrupaciones de comunidades de propietarios, b) las cooperativas de viviendas, c) los propietarios de construcciones, edificaciones y fincas urbanas y los titulares de derechos reales o de aprovechamiento, d) las empresas, entidades o sociedades que intervengan por cualquier título en dichas operaciones y e) las asociaciones administrativas que se constituyan de acuerdo con lo previsto en la legislación sobre ordenación territorial y urbanística o, en su defecto, por el artículo siguiente (Art. 9.4).

Esse conjunto de enunciados consagra o princípio do direito à informação e fortalece o ideário da participação dos cidadãos nas decisões públicas, mas não impõe a obrigatoriedade de processos participativos e tampouco desenvolve detalhamento sobre como eles seriam realizados. Com efeito, são declarações normativas. Com base nesse arcabouço, vigora um cenário de baixa institucionalização participativa e de alta dependência dos governos autonômicos e municipais na concepção e execução de políticas urbanas e de planos urbanísticos, pois a estes compete regulamentar e efetivar as instituições participativas. A participação, portanto, não é propriamente uma política de Estado, ainda que possa ser incorporada e praticada em diversos processos localizados de elaboração e implantação de Planes de Ordenación Urbana . Nessas condições, o planejamento urbano em geral e os planos urbanísticos em particular poderão ser mais participativos quanto mais mobilizados forem os movimentos societários e se existirem dispositivos institucionais específicos que os estimulem, bem como governos (autonômicos e locais) suscetíveis à democratização de processos decisórios. Em suma, na Espanha, “se precisa la institucionalización de canales de participación ciudadana” ( Echalecu Castaño, 2001ECHALECU CASTAÑO, A. I. La participación ciudadana en los planes de ordenación urbana. Análisis y propuesta. El caso concreto de Pamplona-Iruñea. Azkoaga , Logroño, n. 8., p. 123-138, 2001. , p. 136), ainda que ela não assegure per se resultados qualitativamente superiores.

A análise sobre os erros mais frequentes no urbanismo espanhol destaca as falhas na tramitação das informações públicas na concepção e execução do planejamento urbano, de modo que “la fase de participación ciudadana es quizás la más importante en el proceso de elaboración del plan, en la medida en que permite que los ciudadanos y las entidades sociales presenten las propuestas concretas sobre el modelo de ciudad que desean o sobre el régimen urbanístico” ( Medrano, 2015MEDRANO, J. A. R. Los 10 errores más básicos y frecuentes en El urbanismo español. Actualidad Jurídica Ambiental , Sória, n. 52, p. 1-23, 2015. , p. 18). O problema é tão relevante que há diversos casos em que o Judiciário invalidou planos urbanísticos pela ausência de mecanismos de participação e consulta.10 10 Exemplos a esse respeito ocorreram com a suspensão dos Planos de Toledo e Castellón e do Plan de Ordenación Territorial de la Costa del Sol Occidental , na província de Málaga.

A participação em ordenação urbana e em processos de formulação de Planes é modesta e sua intensidade está mais vinculada a legislações e condutas de governos autonômicos e municipais que incorporaram tal requisito por convicção programática ou ideológica ou ainda pelas pressões societárias. Esse cenário é confirmado por diversos estudos, como se verá na sequência.

Levantamento de De La Fuente (2010)DE LA FUENTE, J. M. R. Contra la participación: discurso y realidad de las experiencias de participación ciudadana. Política y Sociedad , Madrid, v. 47, n. 3, p. 93-108, 2010. revela alguns dados emblemáticos sobre a capital, Madri. Primeiro exemplo: em seus 21 distritos, metade dos correspondentes Conselhos Territoriais (50.5%) era composta por representantes de associações vicinais, muitas das quais dependiam financeiramente do próprio Ayuntamiento (Prefeitura); outros 32.52% da delegação são dominados por representantes vinculados a grupos e partidos políticos; e somente 17.52% da representação é constituído por moradores de perfil aleatório. Segundo exemplo: das 26 consultas populares autorizadas no país entre 1986 e 2007, somente 7 (26%) foram relacionadas diretamente ao tema da ordenación urbana .

A experiência madrilenha também revela que a participação (inclusive quando envolve a agenda do planejamento urbano) sempre foi desigual na medida em que é uma prerrogativa experimentada majoritariamente pelos segmentos sociais que dispõem de melhores meios para praticá-la, isto é, “la participación en esa fase se rigidiza en base al conocimiento de los límites del derecho urbanístico y es ejercida fundamentalmente por los agentes económicos, que de esta forma transforman el documento en base a un marco socio-económico que les es propicio” ( Salgado, 2011SALGADO, C. F. Democracia y participación: el Plan General de Madrid de 1985. Cuadernos de Investigación Urbanística – Ci[ur] , Madrid, Año IV, n. 79, 2011. , p. 61). Isso não denota que os segmentos socioeconômicos de baixo da pirâmide social não participam, apenas comprova padrões desiguais de envolvimento em que o acesso a bens materiais (renda, riqueza, poder) e imateriais (conhecimento, cultura etc.) são variáveis importantes para determinar diferentes graus de interesse e participação. As regras impostas previamente são determinantes para se aquilatar a amplitude, o alcance e a intensidade da participação, assim, vale dizer que “el problema de la participación en el planeamiento, es participar con unas reglas de juego impuestas y recortadas” ( Salgado, 2011SALGADO, C. F. Democracia y participación: el Plan General de Madrid de 1985. Cuadernos de Investigación Urbanística – Ci[ur] , Madrid, Año IV, n. 79, 2011. , p. 61).

No período recente, emergiram formas e dispositivos inovadores na tentativa de generalizar e aprofundar a experimentação participativa como princípios do governo madrilenho, sobretudo na gestão do agrupamento Ahora Madrid .11 11 Coalizão de esquerda que governou a capital de 2015 até 2019, sob a liderança da prefeita Rafaela Carmena. Essas formas e dispositivos materializam-se na abertura de espaços de participação em diversos projetos políticos ( Presupuesto Participativo ) ou urbanísticos ( Remodelación de La Plaza España ; Madrid Puerta Norte ; Plan Madrid Recupera: Recupera tu casa; Recupera tu barrio; Recupera tu ciudad ), e, ainda, especificamente quanto à revisão do Plan General e a respectiva agenda de consultas, normas urbanísticas e Memoria Participación (documento no qual constam regulamentos, propostas distritais etc.).12 12 A esse respeito, havia uma Área de Gobierno de Participación Ciudadana, Transparencia y Gobierno Abierto . Disponível em: http://www.madrid.es/ . Sobre o Plan de Ordenación , também há portal específico. Disponível em: http://www.madrid.es/portales/munimadrid/es/Inicio/Vivienda-y-urbanismo/ .

O estudo de Martí-Costa e Pybus (2013)MARTÍ-COSTA, M.; PYBUS, M. La participación en el urbanismo: los planes de ordenación urbanística municipal en Cataluña. Gestión y Análisis de Políticas Públicas, Nueva Época , Madrid, n. 10, p. 1-14, 2013. sobre 93 casos de Planes de Ordenación Urbanística Municipal (POUM) participativos na Cataluña, realizados e concluídos entre 2002 e 2009, revela que em 37.6% dos casos prevaleceu o caráter informativo e em outros 9.97% predominou a forma de apoio às decisões, enquanto em apenas 16.1% ocorreram modelos deliberativos. Isso posto, e consideradas as principais variáveis explicativas dessa análise (o marco legislativo institucional, as características da equipe redatora e a ideologia do governo13 13 As diferenças de desempenho entre governos de centro-direita e de centro-esquerda confirmam as expectativas: os segundos têm uma proporção três vezes superior aos primeiros na adoção de modelos deliberativos. ), “la primera conclusión a la que llegamos es la poca importancia que aún tiene la participación, tanto a nivel formal como a nivel substantivo” ( Martí-Costa; Pybus, 2013MARTÍ-COSTA, M.; PYBUS, M. La participación en el urbanismo: los planes de ordenación urbanística municipal en Cataluña. Gestión y Análisis de Políticas Públicas, Nueva Época , Madrid, n. 10, p. 1-14, 2013. , p. 11-12), ensejando uma “participação simbólica mínima”, mesmo sem uma apreciação qualitativa da participação.

O exemplo específico de Pamplona-Iruñea não foge à regra da limitação participativa às consultas protocolares, uma vez que “la práctica de la participación ciudadana en el Plan Municipal de Ordenación Urbana parece apoyarse exclusivamente en las figuras que la legislación establece” ( Echalecu Castaño, 2001ECHALECU CASTAÑO, A. I. La participación ciudadana en los planes de ordenación urbana. Análisis y propuesta. El caso concreto de Pamplona-Iruñea. Azkoaga , Logroño, n. 8., p. 123-138, 2001. , p. 132), a saber, o período protocolar de exposição pública do plano urbanístico, quando os cidadãos podem apresentar sugestões. Não surpreende que a interpretação desse caso também seja demasiado normativa, invariavelmente orientada pelos contrastes entre a idealização e a realidade de regulamentos e de como a participação deveria ser, daí abundarem expressões como “é necessário”, “deveriam existir” etc. Nesse sentido, “en casi todas ellas [reuniones] ha habido críticas de la ‘parte social’ por falta de información sobre los proyectos” ( Echalecu Castaño, 2001ECHALECU CASTAÑO, A. I. La participación ciudadana en los planes de ordenación urbana. Análisis y propuesta. El caso concreto de Pamplona-Iruñea. Azkoaga , Logroño, n. 8., p. 123-138, 2001. , p. 136).

A análise comparativa de Telleria e Ahedo (2016)TELLERIA, I; AHEDO, I. Movimientos urbanos y democratización en la ciudad: una propuesta de análisis. Revista Española de Ciencia Política , n. 40, p. 91-115, 2016. sobre três importantes capitais de províncias espanholas – Pamplona, Bilbau e Barcelona – toma como principais variáveis a estrutura de oportunidades políticas (EOP) e as estratégias adotadas pelos movimentos urbanos (MU), e chega a contextos díspares quanto à intensidade participativa:

La importancia del paradigma de la identidad en el caso de Pamplona y Bilbao, unido al cierre de las oportunidades de acceso, les posibilita alimentar de forma más acabada el marco maestro de la democracia participativa. En ambos casos, el MU es capaz de poner en marcha planes comunitarios por su cuenta, que quizá no obtengan resultados prácticos tan espectaculares como los alcanzados en Barcelona, pero que les permiten una mayor autonomía que garantiza la continuidad de su centralidad en ambos barrios en la actualidad, reconstruyendo nuevos significados y redes sobre y en la ciudad ( Telleria; Ahedo, 2016TELLERIA, I; AHEDO, I. Movimientos urbanos y democratización en la ciudad: una propuesta de análisis. Revista Española de Ciencia Política , n. 40, p. 91-115, 2016. , p. 110).

Tal evolução explicaria as razões pelas quais “cuando la EOP se cerró a mediados de la pasada década, el movimiento urbano perdió rápidamente su centralidad y dinamismo” ( Telleria; Ahedo, 2016TELLERIA, I; AHEDO, I. Movimientos urbanos y democratización en la ciudad: una propuesta de análisis. Revista Española de Ciencia Política , n. 40, p. 91-115, 2016. , p. 112). Em todos esses casos, a tática defensiva permitiria acumular forças para obter melhores resultados no acesso ao sistema político.

A análise de Iglesias et al. (2011) sobre os governos locais e as políticas urbanas em grandes cidades (Madri, Barcelona, Valência, Sevilha, Bilbau, Múrcia e Vigo) revela que os processos participativos em Planes de Ordenación Urbana não foram objeto de análise porque a agenda do planejamento urbano foi dominada e limitada às ações de planificación estratégica . Através desse modelo de planejamento, formar-se-ia uma nova governança e, assim, seriam estabelecidos novos consensos entre governantes e governados sob a liderança de governos locais, isto é, “el plan estratégico actúa como unificador de esfuerzos y dinamizador de los temas claves de la ciudad. Se trata de un instrumento de gobernanza que establece un marco de cooperación público-privada, con la participación de los agentes económico-sociales” (Iglesias et al ., 2011, p. 28). Nesses termos, pretende-se que, por meio da formulação do plano urbanístico, seja possível “generar un contexto de confianza, de facilitación de diálogo y de construcción de espacios de consenso, además de marcar un horizonte común para los actores más importantes de la ciudad” (Iglesias et al ., 2011, p. 29). O desdobramento dessa abordagem é que a agenda do planejamento urbano e as demandas participativas são substituídas por outras variáveis e determinações: primazia da pauta econômica (globalização, competitividade econômica, reconversão produtiva, novas tecnologias etc.), mercantilização generalizada (inclusive da cultura e de seus símbolos), adoção de lógicas decisórias baseadas nas técnicas de mercado e participação reduzida à concertação com segmentos privados. Tais exemplos evidenciam os efeitos perversos do planejamento estratégico das cidades e as limitações impostas à participação.

Para Parés (2010)PARÉS, M. (coord.). Participación y calidad democrática: evaluando las nuevas formas de democracia participativa. Barcelona: Ariel, 2010. , a legitimidade de políticas públicas concebidas e implantadas por meio de processos participativos pode ser identificada na percepção dos novos atores que se incorporam às decisões – substantivamente nos resultados produzidos e metodologicamente nos meios utilizados –, ou seja, é uma concepção oposta à tradição do modelo liberal-pluralista, que reduz a legitimidade democrática à formação dos governos. As análises que abordam processos participativos e experiências de regeneração urbana, contudo, se limitam às regras, às estruturas e ao funcionamento dos espaços estáveis de participação cidadã dos casos barcelonês e aragonês, o que certamente representa um obstáculo metodológico para conclusões generalizantes face à restrição de sua base empírica.

Em síntese, sistematização de dados dispersos, análises comparativas relativamente limitadas e estudos de caso restritos não possibilitam conclusões definitivas sobre os processos participativos nos Planes de Ordenación Urbana na Espanha – mesmo porque tais investigações adotam diferentes metodologias e bases comparativas –, mas sugerem pistas importantes. De modo geral, as normas participativas são limitadas e genéricas, remetendo sua efetividade aos arranjos promovidos pelos governos autonômicos e municipais, o que, com efeito, enseja uma baixa institucionalização.

Aqui cabe um esclarecimento importante: na ordenação institucional espanhola, os Planes de Ordenación Urbana são competência dos governos das comunidades autônomas (equivalentes aos estados no Brasil). Esse modelo guarda ambiguidade porque, embora os governos locais ( ayuntamientos ) devam propor os Planes e disponham de atribuições aplicativas complementares, os Planes são apreciados técnica e politicamente no âmbito das comunidades autônomas. Essa definição remonta à sentença 61/97 do Tribunal Constitucional – após a reforma da Ley de Suelo de 1992 –, que deliberou pela competência “exclusiva” das comunidades autônomas em matéria de política urbana ( urbanismo y vivienda ).

Todos os estudos indicam uma gobernanza limitada, pois os formatos participativos foram predominantemente consultivos e restritos. Embora não haja uma análise exaustiva sobre as tensões entre as fontes de legitimidade da representação e da participação , é plausível presumir que prevaleceu a primeira: os governos mantiveram um alto controle sobre as decisões relativas ao planejamento urbano em geral e aos Planes de Ordenación Urbana em particular. Essa primazia foi determinada pelas razões mencionadas – fragilidade institucional das formas compartilhadas e prerrogativas de poder dos atores institucionais, que, dentre outras competências, deliberam sobre as regras participativas – e pela própria complexidade das normas urbanísticas, cujo conhecimento técnico torna-se uma fonte de domínio adicional sobre o processo de tomada de decisões.

O CASO BRASILEIRO

A Constituição de 1988 ( Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 . Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 jul. 2021.
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) foi generosa na difusão de direitos de cidadania e na democratização: a representação é a base do sistema democrático e, a despeito de reconhecer que “todo o poder emana do povo”, admite que este “o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (Art. 1º). A essa compreensão, sucederam-se a institucionalização de dispositivos como o referendo e o plebiscito, além de mecanismos partilhados como conselhos de políticas públicas e outras formas de participação civil nas decisões públicas (consultas, conferências, audiências públicas etc.). Outra originalidade da Carta é que reconhece os municípios como entes federativos, aos quais compete “executar a política de desenvolvimento urbano” (Art. 182).

O inédito capítulo da Constituição dedicado à política urbana (Artigos 182 e 183) também ratificou o princípio da função social da propriedade e da cidade, e a Lei Federal n. 10.257/2001 – o Estatuto da Cidade (Brasil, 2002), que regulamentou tais princípios constitucionais e detalhou os instrumentos urbanísticos correspondentes – é categórica quanto à exigência participativa: “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (Art. 2º). Outros enunciados emblemáticos dessa legislação merecem registro: “garantia da participação da sociedade civil no controle dos instrumentos de políticas urbanas” (Art. 4º, parágrafo 3º); “instituição de instrumentos de gestão democrática da cidade” (Art. 43, incisos I, II, III e IV); “debates, audiências e consultas públicas” e “conferências municipais sobre temas urbanos” (Art. 43, inciso II); “gestão orçamentária participativa” (Art. 44); “referendo popular e plebiscito, conforme previsão constitucional e da Lei Federal nº 9.709/1998” (Brasil, 2002, p. 229-231).

Essa concepção democratizante está relacionada a algumas razões determinantes: à atmosfera democrática que pautou o processo constitucional e influiu decisivamente no comportamento dos constituintes, não obstante sua maioria conservadora ( Pilatti, 2008PILATTI, A. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lumen Juris: Ed. PUC-RJ, 2008. ; Rocha, 2013ROCHA, A. S. Genealogia da Constituinte: do autoritarismo à democratização. Lua Nova , São Paulo, n. 88, p. 29-87, 2013. ); à maciça presença de atores extraparlamentares na dinâmica constitucional, inclusive por meio de apresentação de emendas populares ( Michiles et al., 1989MICHILES, C. et al. Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989 ), da qual se origina a proposta da política urbana incorporada ao texto constitucional; e à dispersão das forças políticas, isto é, “a inexistência de um projeto hegemônico capaz de organizar o processo político significou a ausência de controle da agenda da Constituinte” ( Goulart, 2013GOULART, J. O. Processo constituinte e arranjo federativo. Lua Nova , São Paulo, n. 88, p. 185-215, 2013. , p. 196).

Os enunciados participativos, contudo, têm caráter normativo e uma efetivação relacionada a outras variáveis que transcendem o arranjo jurídico, dentre as quais merecem registro: os gargalos institucionais, os contextos socioeconômico e político, além da conduta dos atores institucionais e da capacidade organizativa dos movimentos e entidades civis. Não obstante, comparativamente ao arranjo institucional espanhol, os preceitos participativos no âmbito do planejamento urbano no Brasil estão muito mais normatizados, isto é, existe um complexo sistema de exigências participativas na legislação que independe do governo de turno. Esse arcabouço que se refletiu na concepção da política urbana tem origem no ideário da reforma urbana ( Rolnik, 2009ROLNIK, R. Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para a implementação de uma agenda de Reforma Urbana no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais , Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 31-50, 2009. ).

Esse cenário permite que Avritzer (2008)AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública , Campinas, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008. identifique três modelos de desenho participativo no Brasil democrático: o Orçamento Participativo (“de baixo para cima”, o qual permitiria o livre acesso dos cidadãos, tornando-o efetivamente mais democrático); os conselhos gestores de políticas públicas (desenho “de partilha”, pois combinam representação institucional e civil); e os Planos Diretores (“de ratificação pública”, uma vez que não são objeto de prévia formulação participativa). O fato de serem homologatórios – na medida em que existem normas legais que exigem protocolos participativos – tornaria os Planos Diretores menos dependentes dos atores institucionais, contudo, reduziria seu potencial democratizante porque as decisões substantivas seriam tomadas ex ante , prescindindo da participação popular de modo que “os casos de ratificação são os mais efetivos quando há necessidade da sanção por parte do judiciário e do ministério público para a manutenção das formas de participação previstas em lei” ( Avritzer, 2008AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública , Campinas, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008. , p. 60).

A existência de normas participativas legais obrigatórias, porém, não torna essas experiências homogêneas – efetivamente limitadas em sua capacidade democratizante –, posto que as condutas dos atores institucionais e a capacidade organizativa da sociedade civil são variáveis decisivas para um juízo conclusivo sobre seu alcance quanto a tornar mais acessíveis e participativas as decisões relativas ao planejamento urbano. Ademais, é preciso observar que tais normas – debates, audiências e consultas públicas, conferências, conselhos – são genéricas, o que confere uma autonomia razoável aos governos que as implantam.

A literatura tem demonstrado que, mesmo após a vigência das novas bases institucionais da política urbana – sintetizadas na Constituição ( Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 . Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 jul. 2021.
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), no Estatuto da Cidade (Brasil, 2002) e na criação do Ministério das Cidades, em 2003 –, as experiências participativas têm sido limitadas ( Avelino, 2016AVELINO, D. P. Cidade e cidadania: considerações sobre a gestão democrática na política urbana brasileira. In: COSTA, M. A. (org.). O Estatuto da Cidade e a Habitat III: um balanço de quinze anos da política urbana no Brasil e a Nova Agenda Urbana. Brasília: IPEA, 2016. p. 131-157. ; Goulart; Terci; Otero, 2016; Maricato, 2015MARICATO, E. Para entender a crise urbana . São Paulo: Expressão Popular, 2015. ; Rolnik, 2009ROLNIK, R. Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para a implementação de uma agenda de Reforma Urbana no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais , Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 31-50, 2009. ; Santos Jr.; Montandon, 2011). Tal constatação tem explicações complementares. Embora inovador, esse novo arranjo institucional se distingue pela incompletude: “apesar de centenas de municípios experimentarem processos inovadores de participação, a difusão de mecanismos de participação, na maioria das vezes, ficou restrita à instituição de conselhos de políticas públicas e à realização de conferências setoriais” ( Santos, 2011SANTOS, M. R. M. O sistema de gestão e participação democrática nos planos diretores brasileiros. In: SANTOS JR., O. A.; MONTANDON, D. T. (org.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011. , p. 255-256).

Uma segunda explicação relaciona-se à organização do Estado no campo do desenvolvimento urbano e suas relações com o sistema decisório, ensejando um cenário em que a descentralização da gestão urbana, descolada de um modelo de organização estatal mais adequado e (in)capaz de sedimentar estratégias urbanísticas de longo prazo, na prática condena “a prática de planejamento urbano local a um exercício retórico que, assim como em outros vários corpus normativos, funciona no mesmo registro da ‘ambiguidade constitutiva’: trata-se de uma lei que pode ou não ser implementada, a depender da vontade e capacidade do poder político local de inseri-la no vasto campo das intermediações do sistema político” ( Rolnik, 2009ROLNIK, R. Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para a implementação de uma agenda de Reforma Urbana no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais , Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 31-50, 2009. , p. 45-46).

Uma terceira razão limitante, específica dos Planos Diretores, é que eles são submetidos a liturgias homologatórias que ratificam conteúdos decididos previamente pelos atores institucionais ( Avritzer, 2008AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública , Campinas, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008. ). Tal constatação corrobora a percepção de que o “caráter participativo na elaboração dos Planos Diretores transcorre com largo controle exercido pelos atores estatais, mesmo quando existiram formalmente espaços compartilhados como os conselhos municipais de política urbana” (Goulart; Terci; Otero, 2016, p. 473).

Finalmente, é oportuno fazer dois registros derradeiros sobre a trajetória recente do arcabouço institucional participativo no Brasil: o primeiro tem caráter geral e o segundo é diretamente ligado à política urbana. Em 2014, a Câmara dos Deputados, por meio do Decreto Legislativo n. 1.491, revogou o Decreto Presidencial n. 8.243, que havia instituído a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social no governo de Dilma Rousseff. Filigranas jurídicas à parte – no sentido de que tal matéria deveria tramitar como legislação ordinária por meio de projeto de lei –, o fato é que foi bloqueada uma importante iniciativa de consolidação e ordenação institucional da estrutura participativa em todos os níveis de governo, bloqueio incrementado com o referendo do Supremo Tribunal Federal ( Teixeira, 2020TEIXEIRA, A. C. C. Trajetórias do ideário participativo no Brasil. Caderno CRH , Salvador, v. 33, p. 1-15, 2020. ).

O segundo registro é mais recente, de 2019: dentre suas primeiras medidas como presidente da República, Jair Bolsonaro suprimiu o Ministério das Cidades e baixou o Decreto n. 9.759/2019, por meio do qual limitou e extinguiu conselhos e órgãos colegiados que previam participação societária. Tais medidas unilaterais (sem qualquer consulta prévia aos interlocutores ) confirmaram a inflexão autoritária do governo atual, representando um enorme retrocesso à arquitetura institucional participativa que se seguiu à Constituição cidadã de 1988, tendo como uma de suas consequências a desarticulação do Conselho Nacional das Cidades.14 14 A propósito dos efeitos dessas medidas, ver o “Dossiê do desmonte da Política Urbana Federal nos governos Temer e Bolsonaro e seus impactos sobre as cidades” (Santos Jr.; Diniz; Saule Jr., 2020), organizado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e editado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados evidenciam que, a despeito dos enormes retrocessos recentes, o grau de institucionalização participativa na política urbana ainda é maior no caso brasileiro ( Figura 1 ), como acontece em outras políticas públicas,15 15 As raízes dessas exigências podem ser identificadas nos enunciados constitucionais (como na regulação descentralizada do Sistema Único de Saúde), na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e em diversas regulações específicas de políticas públicas. o que concorreu para um deslocamento dos estudos correspondentes de seu lugar original, na sociedade civil, para espaços partilhados do âmbito do próprio Estado, isto é, o objeto de análise se moveu para “espaços participativos” ( Lavalle; Vera, 2011LAVALLE, A. G.; VERA, E. I. A trama da crítica democrática: da participação à representação e à accountability. Lua Nova , São Paulo, n. 84, p. 353-364, 2011. ). Ademais, a participação tem sido exercida basicamente por meio de mecanismos representativos, o que desautoriza a pretensão de tratar tais experiências como “democracia direta” ( Miguel, 2005MIGUEL, L. F. Teoria da democracia atual: esboço de mapeamento. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n. 59, p. 5-42, 2005. ).

Figura 1
– Quadro Comparativo dos Dispositivos Participativos da Política Urbana: Espanha/Brasil

Os espaços participativos no âmbito das políticas de planejamento e desenvolvimento urbano são principalmente de dois tipos: primeiro, no período de formulação dos Planos Diretores, para os quais a legislação exige diversos procedimentos como consultas e audiências públicas, conferências e congressos; segundo, na gestão urbana por meio de consultas e audiências púbicas, inciativa popular legislativa, gestão orçamentária compartilhada, conselhos partilhados de diferentes denominações e escopos, tanto gerais como específicos (mobilidade, habitação etc.).

Na Espanha, diversamente, o grau de institucionalização dos canais de participação é mais frágil ( Echalecu Castaño, 2001ECHALECU CASTAÑO, A. I. La participación ciudadana en los planes de ordenación urbana. Análisis y propuesta. El caso concreto de Pamplona-Iruñea. Azkoaga , Logroño, n. 8., p. 123-138, 2001. ), posto que os enunciados legais são mais escassos, genéricos e imprecisos, remetendo a implantação de dispositivos participativos em matéria de política urbana aos governos autonômicos e locais, sendo que aos primeiros competem as prerrogativas de implantar suas correspondentes legislações de ordenação territorial (em conformidade com a Ley de Suelo , de escala nacional) e de aprovar os Planes de Ordenación Urbana .

Na prática, no caso espanhol, o espaço de participação limita-se ao período de exposição pública das propostas de legislação urbanística – notadamente dos Planes de Ordenación urbana , além de planos de intervenção de escopo territorial mais localizado, tais como projetos pontuais de requalificação urbana e similares –, sobre as quais se pode fazer observações críticas, oferecer sugestões e eventualmente apresentar propostas complementares e/ou alternativas por meio de cidadãos individualmente ou por entidades e movimentos.

Além dessas características institucionais, um derradeiro fator tem comprometido o ideal participativo, aspecto comum à Espanha e ao Brasil: trata-se da disseminação da concepção mercantilizada das cidades e da política urbana que encontra amparo teórico no empresariamento urbano e em diferentes modalidades de planejamento estratégico das cidades , respectivamente, uma concepção de permuta do tradicional modelo de gerenciamento pelo empreendedorismo da cidade ( Harvey, 1996HARVEY, D. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates – Revista de Estudos Regionais e Urbanos, ano XVI, n. 39, p. 48-64, 1996. ) e um mecanismo de supressão da esfera pública (do conflito e, portanto, da política) que reduz a cidade ao status de mercadoria. Assim, “enquanto o modelo modernista acionava noções e conceitos cuja universalidade parecia inquestionável – racionalidade, ordem e funcionalidade –, agora é a cidade, em seu conjunto e de maneira direta, que aparece assimilada à empresa” ( Vainer, 2000VAINER, C. B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O. B. F.; VAINER, C. B.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. , p. 85).

Reduzida à lógica competitiva da gestão empresarial, a cidade passa a reclamar atores supostamente mais qualificados para essa missão, o que obviamente limita os espaços decisórios aos mesmos protagonistas que supostamente reuniriam melhor qualificação técnica. Logo, “a melhor solução é recorrer a quem entende do métier se de empresa se trata, convoquem-se os empresários; se o assunto é business, melhor deixá-lo nas mãos de businessmen ” ( Vainer, 2000VAINER, C. B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O. B. F.; VAINER, C. B.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. , p. 87). Como “tecnocracia e democracia são antitéticas”, a premissa subliminar é que “a tecnocracia pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos” ( Bobbio, 1986BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. , p. 34). Nessas condições em que prevalece a concepção do empresariamento na gestão urbana, o ideal participativo não só declina como perde sua potência originalmente transformadora e inclusiva que distingue o repertório democrático.

Em síntese, a luta pela superação dos limites da democracia representativa traduzida no ideário do planejamento urbano participativo ainda se depara com bloqueios de toda ordem: tanto institucionais como de concepção de gestão urbana, seja na Espanha ou no Brasil.

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  • 2
    Uma análise comparativa completa exigiria um inventário minucioso e mais detalhado do caso brasileiro e de sua trajetória, que aqui não foi possível reproduzir em razão da limitação de espaço. Para uma análise do arcabouço institucional participativo do planejamento urbano no Brasil, ver: Avelino (2016)AVELINO, D. P. Cidade e cidadania: considerações sobre a gestão democrática na política urbana brasileira. In: COSTA, M. A. (org.). O Estatuto da Cidade e a Habitat III: um balanço de quinze anos da política urbana no Brasil e a Nova Agenda Urbana. Brasília: IPEA, 2016. p. 131-157. ; Avritzer (2008)AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública , Campinas, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008. ; Caldeira e Holston (2004)CALDEIRA, T. P. R.; HOLSTON, J. Estado e espaço urbano no Brasil: do planejamento modernista às intervenções democráticas. In: AVRITZER, L. (org.). A participação em São Paulo . São Paulo: Ed. Unesp, 2004. p. 215-255. ; Goulart (2020)GOULART, J. O. O debate sobre a participação no planejamento urbano no Brasil contemporâneo. Oculum Ensaios , Campinas, v. 17, p. 1-17, 2020. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/oculum/article/view/4488/3040. Acesso em: 30 jul. 2021.
    https://periodicos.puc-campinas.edu.br/s...
    ; Rolnik (2009)ROLNIK, R. Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para a implementação de uma agenda de Reforma Urbana no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais , Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 31-50, 2009. ; Santos (2011)SANTOS, M. R. M. O sistema de gestão e participação democrática nos planos diretores brasileiros. In: SANTOS JR., O. A.; MONTANDON, D. T. (org.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011. ; Teixeira (2020)TEIXEIRA, A. C. C. Trajetórias do ideário participativo no Brasil. Caderno CRH , Salvador, v. 33, p. 1-15, 2020. .
  • 3
    O’Donnell (1998)O’DONNELL, G. Poliarquias e a (in)efetividade da lei na América Latina. Novos Estudos , São Paulo, v. 2, n. 51, p. 37-61, 1998. assinala que, no caso dos países latino-americanos que restabeleceram sistemas democráticos, a cidadania se revela truncada em razão de cenários de extrema pobreza e desigualdade social, aos quais, para efeito de análise do regime político, deveriam ser acrescentadas a fragilidade dos direitos civis e uma accountability fraca.
  • 4
    O general Francisco Franco assumiu a chefia do Estado em 1939, após a derrota da II República, e faleceu em 1975, mas o regime franquista ainda resistiu à morte de seu líder. Apesar da dissolução das cortes e da aprovação de dispositivos democratizantes (notadamente a reforma política) terem sido processadas pouco antes, o marco institucional de restabelecimento democrático é a Constituição de 1978.
  • 5
    Sobre a experiência participativa do Plan General de Madrid de 1985, ver Salgado (2011)SALGADO, C. F. Democracia y participación: el Plan General de Madrid de 1985. Cuadernos de Investigación Urbanística – Ci[ur] , Madrid, Año IV, n. 79, 2011. .
  • 6
    Desde a democratização, o sistema político foi marcado por um modelo bipartidário em que o poder foi alternado entre o Partido Popular e o Partido Socialista Obrero Español . A partir de 2015, esse cenário foi alterado com a emergência de dois novos partidos relevantes: Podemos (esquerda) e Ciudadanos (centro-direita). A estratificação multipartidária foi modificada nas eleições de novembro de 2019 com a ascensão do Vox, partido de extrema-direita que se tornou a terceira bancada na Câmara dos Deputados. A respeito disso, ver: Franzé (2020)FRANZÉ, J. ¿Una VOX en el desierto? Nueva Sociedad , Buenos Aires, out. 2020. Disponível em: https://www.nuso.org/articulo/una-vox-en-el-desierto/. Acesso em: 2 jun. 2021.
    https://www.nuso.org/articulo/una-vox-en...
    e Maass (2017)MAASS, G. El poder de la calle ¿Hacia dónde va Podemos? Nueva Sociedad , Buenos Aires, mar. 2017. Disponível em: http://nuso.org/articulo/el-poder-de-la-calle/. Acesso em: 27 mar. 2017.
    http://nuso.org/articulo/el-poder-de-la-...
    .
  • 7
    Sobre o tema, ver especialmente: Alguacil Gómez (2006)ALGUACIL GÓMEZ, J. (ed.). Poder local y participación democrática . Madrid: El Viejo Topo, 2006. ; Echalecu Castaño (2001)ECHALECU CASTAÑO, A. I. La participación ciudadana en los planes de ordenación urbana. Análisis y propuesta. El caso concreto de Pamplona-Iruñea. Azkoaga , Logroño, n. 8., p. 123-138, 2001. ; Iglesias (2011)IGLESIAS, M. et al. (ed.). Políticas urbanas en España. Grandes ciudades, actores y gobiernos locales . Barcelona: Icària, 2011. ; Martí-Costa e Pybus (2013)MARTÍ-COSTA, M.; PYBUS, M. La participación en el urbanismo: los planes de ordenación urbanística municipal en Cataluña. Gestión y Análisis de Políticas Públicas, Nueva Época , Madrid, n. 10, p. 1-14, 2013. ; Parés (2010)PARÉS, M. (coord.). Participación y calidad democrática: evaluando las nuevas formas de democracia participativa. Barcelona: Ariel, 2010. ; Salgado (2011)SALGADO, C. F. Democracia y participación: el Plan General de Madrid de 1985. Cuadernos de Investigación Urbanística – Ci[ur] , Madrid, Año IV, n. 79, 2011. .
  • 8
    A literatura sobre as tipologias democráticas é ampla e controversa. Aqui, toma-se a ideia de “democracia participativa” segundo define Pateman (1992)PATEMAN, C. Participação e teoria democrática . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. , ou seja, no sentido de que alarga os foros decisórios em todos os níveis (escolas, fábricas etc.) e estimula o interesse e o envolvimento do cidadão comum em todos os níveis da vida pública. A formulação teórica pioneira da noção de “democracia deliberativa” é de Habermas (1997)HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. . Para uma sintaxe comparativa dessas teorias, ver Miguel (2005)MIGUEL, L. F. Teoria da democracia atual: esboço de mapeamento. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n. 59, p. 5-42, 2005. .
  • 9
    Há, ainda, as regras e dispositivos específicos dos Planes de Ordenación Urbana em sua tramitação autonômica e/ou municipal, contudo, não é possível reportar detalhadamente tais ordenamentos para cotejá-los em razão de sua amplitude (o país contabiliza 8.122 municípios). A utilização de tais fontes de dados implicaria outra investigação, que foge ao escopo limitado do presente estudo.
  • 10
    Exemplos a esse respeito ocorreram com a suspensão dos Planos de Toledo e Castellón e do Plan de Ordenación Territorial de la Costa del Sol Occidental , na província de Málaga.
  • 11
    Coalizão de esquerda que governou a capital de 2015 até 2019, sob a liderança da prefeita Rafaela Carmena.
  • 12
    A esse respeito, havia uma Área de Gobierno de Participación Ciudadana, Transparencia y Gobierno Abierto . Disponível em: http://www.madrid.es/ . Sobre o Plan de Ordenación , também há portal específico. Disponível em: http://www.madrid.es/portales/munimadrid/es/Inicio/Vivienda-y-urbanismo/ .
  • 13
    As diferenças de desempenho entre governos de centro-direita e de centro-esquerda confirmam as expectativas: os segundos têm uma proporção três vezes superior aos primeiros na adoção de modelos deliberativos.
  • 14
    A propósito dos efeitos dessas medidas, ver o “Dossiê do desmonte da Política Urbana Federal nos governos Temer e Bolsonaro e seus impactos sobre as cidades” (Santos Jr.; Diniz; Saule Jr., 2020), organizado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e editado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).
  • 15
    As raízes dessas exigências podem ser identificadas nos enunciados constitucionais (como na regulação descentralizada do Sistema Único de Saúde), na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e em diversas regulações específicas de políticas públicas.
  • 1
    Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa “As políticas públicas de planejamento urbano na Espanha contemporânea: marco institucional e os Planes de Ordenación Urbana”, desenvolvida no Departamento de Sociología II (Ecología Humana y Población) da Universidad Complutense de Madrid (UCM), Espanha, com Bolsa de Pesquisa no Exterior concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo Fapesp nº 2015/11625-7).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    4 Jan 2018
  • Aceito
    14 Jun 2021
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