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O CONCEITO DE REGIME POLÍTICO NA TEORIA DA DEMOCRACIA 1 1 Este texto faz parte do projeto de pesquisa “Empresariado e elite econômica no Brasil: teoria, valores e ação política”, que contou com apoio financeiro e bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As atividades deste projeto foram desenvolvidas no Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná, Brasil. Manifestamos também nosso reconhecimento às contribuições indicadas nos pareceres.

THE CONCEPT OF POLITICAL REGIME IN THE THEORY OF DEMOCRACY

LE CONCEPT DE RÉGIME POLITIQUE DANS LA THÉORIE DE LA DÉMOCRATIE

Resumos

O objetivo deste artigo é verificar como se apresentam na literatura as estratégias de análise da democracia enquanto regime político, tendo como questão central a forma como é pensada a correlação entre os indicadores fundamentais deste tipo de sociedade, as instituições políticas democráticas, e o contexto, seja histórico, econômico, social ou cultural, com o qual elas se articulam. Verificamos que esta literatura pode ser pensada através de modelos, os quais se constituem a partir de autores fundamentais e se expressam nas análises sobre a experiência da democracia no Brasil. Entendemos que o conceito de regime político possui grande importância teórica e metodológica, em especial na produção de agendas de pesquisa sobre as experiências concretas de democracia, inclusive e especialmente sobre o caso brasileiro, e até mesmo na sua constituição enquanto projeto de sociedade e de nação.

Regime político; Regime político democrático; Democracia; Teoria da Democracia


The objective of this article is to verify how the approach of democracy as a political regime are presented in the literature, that is, how the correlation between the main indicators of this type of society, the democratic political institutions , and the context , whether historical, economic, social or cultural, with which they are articulated. We verified that this literature can be thought from models , which are constituted from fundamental authors and expressed in the analyzes about the experience of democracy in Brazil. We think that the concept of political regime has great theoretical and methodological importance, especially in the production of research agendas about concrete experiences of democracy, including and especially about Brazil, and even in its constitution as a project of society and nation.

Political regime; Democratic political regime; Democracy; Theory of Democracy


L’objectif de cet article est verifier la manière dont les stratégies d’analyse de la démocratie en tant que régime politique sont présentées dans la littérature, c’est-à-dire la corrélation entre les indicateurs fondamentaux de ce type de société, les institutions politiques démocratiques et le contexte historique, économique, social ou culturel, avec lequel ils sont articulés. Nous avons vérifié que cette littérature peut être pensée à partir de modèles , constitués par des auteurs fondamentaux et exprimés dans les analyses sur l’expérience de la démocratie au Brésil. Nous comprenons que le concept de régime politique revêt une grande importance théorique et méthodologique, en particulier dans la production de recherches sur des expériences concrètes de la démocratie, y compris et surtout à propos du cas brésilien, et même dans sa constitution comme projet de société et de nation.

Régime politique; Régime politique démocratique; Démocracie; Theorie de la démocracie


INTRODUÇÃO

Nos anos 1960, Maurice Duverger defendia a importância de uma “Sociologia dos Regimes Políticos”, argumentando que tal sociologia teria evoluído menos do que aquela sobre partidos políticos, sistemas partidários, eleições e grupos de pressão. Segundo Duverger, as pesquisas sobre esses aspectos específicos da política afetaram a análise dos regimes políticos, mas o atraso no estudo do regime político, ou seja, do todo , também limitava a compreensão daquilo que seriam suas partes ( Duverger, 1968DUVERGER, M. Introdução a uma Sociologia dos regimes políticos. In GURVITCH, G. (Ed.), Tratado de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 1968. ).

A partir desta proposição, o objetivo deste artigo é enfatizar a importância da construção de estratégias de análise da democracia enquanto regime político . Desde já, deve ficar claro que não pretendemos debater a pertinência das proposições de Duverger, que nos parecem incontestáveis, nem retomar sua preocupação em criar uma tipologia dos regimes políticos em geral ou mais particularmente das democracias. E não se trata também de propor modelos de análise das democracias , a maneira de C. B. Macpherson (1978)MACPHERSON, C. B. A democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. , David Held (1987)HELD, D. Modelos de democracia. Belo Horizonte: Paideia, 1987. ou Arendt Lijphart ( Lijphart, 1989LIJPHART, A. As democracias contemporâneas. Lisboa: Gradiva, 1989. , 2003LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ), nem um escrutínio das particularidades institucionais das democracias contemporâneas.2 2 Sobre tais particularidades, ver, por exemplo, Planas (1997) e Gasiorowsky (1990) . Voltaremos à questão dos modelos de análise mais adiante.

Nosso objetivo é defender que a análise sociológica das democracias contemporâneas não pode prescindir da consideração, em maior ou menor profundidade, de uma questão central e específica: a correlação entre os indicadores fundamentais deste tipo de sociedade, ou seja, as instituições políticas democráticas , e o contexto , seja histórico, econômico, social ou cultural, com o qual elas se articulam. Entendemos que isso pode ser apreendido através de um conceito específico de regime político democrático , pensado a partir das observações de Duverger acima mencionadas.

Isso exige que estabeleçamos com precisão qual é conceito de regime político aqui subjacente e o seu estatuto. Também em relação a isso, Duverger apresenta dois argumentos importantes para os nossos objetivos: por um lado, regime político remete a “[...] uma combinação bem definida em que entram um sistema de partidos, um modo de fazer os escrutínios, um (ou vários) tipo de decisão, uma (ou várias) estrutura de grupos de pressão” ( Duverger, 1968DUVERGER, M. Introdução a uma Sociologia dos regimes políticos. In GURVITCH, G. (Ed.), Tratado de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 1968. , p.33-34). Enfim, remete às “estruturas políticas”. Mas, por outro lado, complementa Duverger, o regime político não pode ser considerado somente enquanto “organização técnica do governo”, dado que “... corresponde sempre a certa ideologia, a uma doutrina do poder”. Portanto, os regimes políticos seriam “estruturas materiais − instituições, organismos, hierarquias de homens e de grupos, processos de decisão, etc.”, e também “... conjuntos de ideias e de imagens que as pessoas têm acerca das estruturas e do seu funcionamento” (Duverger, 1968, p.33-34).3 3 Outro conceito próximo ao de Duverger é o de Lucio Levi: “o conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício, bem como a prática dos valores que animam tais instituições” ( Levi, 1991 , p.1081). Waldner faz uma revisão do uso do conceito de regime político, indicando que, apesar da diversidade de significados presentes na literatura, há sempre a referência às regras e instituições, formais ou informais, relacionadas à distribuição e organização do poder e dos atores políticos ( Waldner, 2001 ).

Guilhermo O’Donnell entende que a Ciência Política contemporânea voltada para a questão da democracia deveria se limitar ao estudo do regime político, que ele define como:

[...] os padrões, formais e informais, e explícitos e implícitos, que determinam os canais de acesso às principais posições de governo, as características dos atores que são admitidos e excluídos de tal acesso, os recursos e as estratégias permitidas para realizá-lo, e as instituições através das quais esse acesso ocorre e pelas quais, uma vez realizado, são tomadas as decisões governamentais ( O’Donnell, 2013O’DONNELL, G. Democracia, desenvolvimento humano e direitos humanos. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan.abr, 2013. , p.1084).

O’Donnell chega a dizer que ultrapassar esta questão implicaria em riscos de natureza normativa na análise da democracia.

Em suma, consideramos que, ao tratarmos de regimes políticos democráticos , estamos privilegiando a questão das instituições políticas democráticas e do contexto no qual elas se inserem. Desta forma, o conceito de regime político democrático aqui proposto não se apresenta como um referencial teórico específico ou inédito, mas sim como uma forma de abordar a literatura e ver como ela se caracteriza quanto ao estatuto ou a posição da questão das instituições políticas nas análises de particularidades das democracias contemporâneas. A ideia não é propor algo que ainda não tenha sido feito pelos próprios analistas, mas sim reforçar a importância de fazê-lo de forma mais sistemática, a partir da verificação do modo como o fizeram ou sugerem como isso poderia ser feito.

Para tanto, verificamos o que alguns dos trabalhos fundamentais sobre a democracia nas sociedades contemporâneas indicam, de modo mais ou menos explícito, acerca de como deveria ser a análise das instituições políticas democráticas e de seu contexto , do qual faz parte o regime político democrático , contemplando desde autores fundamentais até análises sobre a experiência da democracia no Brasil.

Enfim, pretendemos, por um lado, enfatizar e reforçar a proposição de Duverger, presente de forma difusa na vasta literatura sobre a democracia, acerca da importância da articulação entre a Sociologia das partes e a Sociologia do todo na análise das democracias nas sociedades capitalistas contemporâneas. E por outro, propor uma tipologia das diversas abordagens sobre a questão do regime político democrático , presentes nos estudos sobre as experiências históricas de democracia . O objetivo geral é contribuir para a construção de agendas de pesquisa e para o desenvolvimento de novas metodologias e novas questões teóricas para a análise da democracia.

Nosso procedimento metodológico se caracteriza por uma revisão de literatura que pode ser caracterizada como narrativa ou tradicional. Considerando as particularidades da literatura que pode ser associada à Teoria da Democracia , o objetivo não é propor uma estratégia que cubra toda essa produção, o que, salvo a partir de recortes muito específicos, seria quase inviável. O argumento que serviu de base para a seleção e a análise dos trabalhos comentados é o da necessidade de, por um lado, identificar como nesta literatura se coloca a questão do regime político e, por outro, sustentar a proposição uma forma de abordá-la e de organizá-la, o que, por sua vez, pretende contribuir para uma Sociologia do todo (Duverger) a respeito do funcionamento das democracias nas sociedades contemporâneas.

O texto a seguir tem início com uma discussão sobre a forma como se coloca a questão do regime político na Teoria da Democracia contemporânea, a partir da qual se propõe e se apresenta um conjunto de modelos , constituídos a partir das formas como é tratada a questão do regime político nesta teoria. Em suma, a localização e a caracterização de tais modelos , presentes na literatura sobre as experiências de democracia, inclusive no Brasil. Na sequência, apresentamos nossas conclusões.

O REGIME POLÍTICO NA LITERATURA SOBRE AS DEMOCRACIAS CONTEMPORÂNEAS

Um breve percurso pela extensa literatura sobre as democracias contemporâneas é suficiente para comprovar a relevância da questão do regime político, no sentido que aqui estamos considerando. Além disso, podemos constatar que existem modelos de tratamento desta questão.4 4 Como vimos acima, nosso objetivo com a expressão modelos não é apresentar uma alternativa de tipologia ou classificação das experiências históricas de democracia, mas sim uma forma de abordagem das estratégias de análise de tais experiências históricas, aqui orientada pelo modo como é colocada a questão do regime político. Estamos privilegiando as formas de análise do contexto geral das instituições políticas , formas que variam de acordo com os objetivos gerais e o referencial teórico adotado para a análise da democracia. Assim, trata-se de algo intrinsicamente ligado à Teoria da Democracia. 5 5 Dada a diversidade de sentidos que se pode atribuir à expressão Teoria da Democracia , mais do que pretender apresentar mais uma, entendemos que é melhor remeter às proposições de Giovanni Sartori (1994) , que entende “teoria” como a busca por bons argumentos e discussões logicamente corretas, sendo, por sua vez, a Teoria da Democracia, “... em primeiro lugar e acima de tudo, em argumentos corretos corretamente articulados” na construção de estratégias eficazes para a análise das experiências históricas de democracia.

As análises das democracias podem se pautar exclusivamente por certas instituições ou até por aspectos não institucionais. Sendo assim, ressalvando que esta tipologia dos modelos de análise não pretende simplesmente alocar autores e enfoques em grupos arbitrários, que alguns autores podem ser inscritos em mais de um grupo, que as análises podem articular e combinar abordagens ou modelos diferentes e que um empreendimento desta natureza sempre está sujeito a reparos, a pergunta que nos guia é: quais seriam os principais modelos de análise dos regimes políticos democráticos ? Destacaremos também as implicações desses modelos sobre a importância e as características da pesquisa empírica na análise dos regimes democráticos e como a partir deles podemos pensar a literatura sobre o caso brasileiro.

O modelo liberal de análise do regime político democrático

Em primeiro lugar, podemos destacar o modelo liberal . Estamos nos referindo à abordagem que, seja quando pretende ser analítica ou descritiva, seja quando implícita ou explicitamente assume uma natureza normativa ou prescritiva, toma por referência o conjunto das prerrogativas e direitos individuais e as formas concretas do exercício de suas liberdades, considerando o fato de que, nas democracias, elas seriam estendidas a todos os cidadãos, ou seja, estariam articuladas à igualdade. Em suma, este é o elemento para pensar o surgimento, a história, as particularidades e o funcionamento das instituições políticas e seu contexto. 6 6 Por exemplo, para Norberto Bobbio o “regime liberal democrático” é aquele no qual “... todos os cidadãos têm o direito de participar mesmo que indiretamente da tomada das grandes decisões, e cuja regra é a regra da maioria” ( Bobbio, 1994 , p. 89). Assim, a análise do regime político democrático tende a girar em torno da questão qualidade da democracia , em especial no que tange à representação política dos indivíduos/cidadãos e da efetivação daquelas prerrogativas nas relações entre governantes e governados. 7 7 Scott Mainwaring e outros ( Mainwaring, Brinks, & Pérez-Liñán, 2001 ) fazem uma interessante classificação dos regimes políticos na América Latina que é um bom exemplo do desdobramento deste modelo, exatamente em relação à questão do regime político. André Kaiser e outros debatem com Arendt Lijphart também em torno da questão da qualidade da democracia ( Kaiser, 1997 ; Kaiser, A; Lehnert, M; Sieberer, 2002 ). A análise de Guilhermo O’Donnell (2013) também é exemplar no que diz respeito à articulação entre a Teoria da Democracia, a questão do regime político e a preocupação com a qualidade da democracia, do ponto de vista que aqui estamos denominando de liberal .

Esta abordagem remete desde a Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill, passando por Max Weber e Joseph Schumpeter, até autores contemporâneos que tratam de temas diversos e relacionados à teoria da democracia a partir desta perspectiva, tais como Carole Pateman (Pateman, 1992, 2012), Bernard Manin (Manin, 1995; Manin, B.; Przeworsky,A; Stokes, 2006) e Ian Shapiro (Shapiro, 2003).

Entretanto, para os nossos objetivos o exemplo mais destacado deste modelo é o conceito de poliarquia de Robert Dahl (Dahl, 1997). Nele estão presentes desde questões relacionadas à articulação entre liberdade e igualdade, presente nas reflexões sobre a democracia do Século XIX aos dias de hoje, até as “garantias institucionais” da responsividade , a qual comporta, de um lado, a liberdade , pensada a partir do conceito de “liberalização”, e de outro, a igualdade , ou seja, a extensão equânime desta capacidade, ao menos no campo político, expressa na ideia de “inclusividade”.8 8 Para um exercício de classificação de regimes políticos a partir das proposições de Dahl, ver Coppedge e Reinicke (1990) e Figueiredo Filho et al. (2012) . Em outro trabalho, Coppedge, Alvarez e Maldonado (2008) também trabalham a partir dos critérios estabelecidos por Dahl, ou seja, contestação e inclusividade , para pensar uma forma de mensuração e classificação dos regimes políticos democráticos. Este trabalho serviu de referência para o estudo de Figueiredo Filho et al. (2012) sobre aglomerados (“clusters”) de diferentes grupos de regimes democráticos.

O conceito de poliarquia de Dahl está sendo destacado por ser um exemplo privilegiado da tentativa de transformar os princípios e questões liberais por excelência em uma agenda de pesquisa e um modelo de análise da democracia, na qual a questão das suas instituições políticas, ou seja, do regime político democrático , remete de forma privilegiada à questão do seu contexto , no caso, as condições para a efetivação daquilo que se entende que deveria ser a sua substância: as garantias dos direitos e das liberdades individuais. E isso se apresenta enquanto questão sociológica , ou seja, como referência para a análise concreta dos regimes políticos, e não meramente como uma proposição normativa ou prescritiva.9 9 Um exemplo da articulação entre preocupação sociológica e posição normativa é a análise de Juan Linz e Alfred Stepan sobre a transição e a consolidação da democracia na Europa e na América Latina, ao explicitarem que o trabalho partia de uma “posição normativa”: “as transições democráticas completas e as consolidações das democracias são desejáveis” ( Linz, J.; Stepan, 1999 , p.11).

Em suma, trata-se de um modelo de análise do regime político democrático que tem na questão da qualidade das instituições democráticas , em especial as representativas, – mais uma vez, no que tange às prerrogativas individuais acima mencionadas −, um núcleo e um critério fundamental, que remete às bases teóricas da abordagem liberal , mas que também serve de base para se pensar o arranjo das instituições políticas e seu contexto nas democracias historicamente existentes e até mesmo, como o próprio Dahl propõe, do processo de transformação de sociedades não-poliárquicas em poliarquias .

Este núcleo do modelo liberal acerca do regime político democrático é o mais difuso na Teoria da Democracia e pode ser localizado em diversas abordagens, inclusive aquelas que serão alocadas em outros dos modelos que analisaremos a seguir, o que faz dela uma espécie de grande matriz a partir da qual os demais modelos vão se constituindo, de forma mais ou menos próxima, ou até em contraposição. Exemplos desta natureza fundamental é a forma como Dahl incorpora questões que vão para além das instituições políticas, por exemplo, quando coloca entre as variáveis, cuja ocorrência pode ser favorável ou desfavorável à poliarquia , aspectos relacionados ao funcionamento da economia, à distribuição de renda e até aos valores políticos dos “ativistas políticos”.

Além disso, convém destacar que este modelo tende a se basear em pesquisas empíricas sobre as instituições democráticas e a se referir mais intensamente ao todo quando analisa as partes das formas institucionais da democracia, embora tal articulação se dê mais pela referência geral à questão da responsividade , enquanto critério para avaliar a qualidade da democracia , do que das relações entre tais instituições, em toda a sua diversidade, e destas com a sociedade, a economia, a cultura e o processo histórico.

Entre os autores que se voltam para a experiência da democracia no Brasil e que poderiam representar esta forma de abordagem do regime político democrático podemos colocar, por exemplo, desde trabalhos clássicos como o de Vitor Nunes Leal sobre o processo eleitoral e o sistema político durante a Primeira República no Brasil (1889-1930), através do conceito de coronelismo ( Leal, 1975LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1975. ), passando por Maria Vitória Benevides, que analisou a articulação entre estabilidade econômica e estabilidade política durante o Governo Juscelino Kubitschek ( Benevides, 1976BENEVIDES, M. V. O governo Kubtischek – Desenvolvimento econômico e estabilidade política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. ), Simon Schwartzman, que analisa a “longa tradição autoritária” no Brasil (Schwartzman, 1988), Maria do Carmo Campello de Souza, que estuda o sistema partidário entre 1930 e 1964 ( Souza, 1985SOUZA, M. DO C. C. DE. (1985). A democracia populista: bases e limites. In. ROUQUIÉ, A. et al. (Ed.). Como renascem as democracias. São Paulo: Brasiliense, p.73-103, 1985. ), até Sérgio Abranches, quando apresenta o importante conceito de “presidencialismo de coalizão” ( Abranches, 1988ABRANCHES, S. H. H. de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro. v. 31, n. 1, 1988, p. 5 a 34. ) e Guilhermo O’Donnell e sua noção de “democracia delegativa” como forma de analisar a retomada da democracia em países como o Brasil e a Argentina nos anos 1980 ( O’Donnell, 1991O’DONNELL, G. Democracia delegativa? Novos Estudos Cebrap, (31), p. 25-40, outubro de 1991. )10 10 Podemos destacar também a apresentação de Fernando Limongi à primeira edição brasileira de Poliarquia (Dahl, 1999). e Luiz Felipe Miguel e sua análise da natureza procedimental da democracia (Miguel, 2002). Entre os trabalhos mais recentes podemos destacar o de Marco Cepik (2005)CEPIK, M. Regime político e sistema de inteligência no Brasil: legitimidade e efetividade como desafios institucionais. Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, nº 1, 2005. .11 11 Este trabalho de Marco Cepik é exemplar deste modelo não apenas por fazer referência direta ao conceito de Dahl como forma de pensar a democracia, mas também por estabelecer com precisão o que entende ser um regime democrático e seus principais indicadores como substrato para a análise do sistema de inteligência no Brasil.

O modelo da teoria econômica da democracia de análise do regime político democrático

De certa forma, também articulado ao modelo liberal, podemos destacar a Teoria Econômica da Democracia e a Teoria da Escolha Racional a ela associada, aqui representada por Antony Downs (Downs, 1999) e Mancur Olson (Olson, 1999), em função da forma específica pela qual se coloca a questão dos regimes políticos democráticos, da referência a autores fundamentais da abordagem liberal, tais como Max Weber (1991)WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: UnB, 1991. e Joseph Schumpeter (1961)SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo, democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. , e também pela presença na análise da experiência da democracia no Brasil.

Nesta abordagem, a questão do regime político democrático também remete ao indivíduo , mas é colocada em torno do problema da racionalidade dos atores políticos , em especial os eleitores e os políticos, como chave explicativa para compreender e até mesmo fazer prospecções sobre a política em geral e a democracia em particular. Ainda que em termos mais metodológicos do que normativos, o indivíduo é a categoria analítica fundamental, assim como a base ou o critério para a avaliação da qualidade da democracia.

Em suma, o estudo da “política partidária nas democracias”, bem como a estratégia de análise do regime político democrático proposta por Downs, são feitos a partir da questão da racionalidade de governantes e governados na busca da “renda de utilidade” e nas formas e condições de articulação entre meios e fins. As instituições e o regime político democrático são tratados tanto como espaço ou meios de atuação dos indivíduos , quanto também como atores, igualmente racionais . Assim, a compreensão dos fins buscados e das condições objetivas nas quais essa busca se dá, seja por parte dos indivíduos, seja pelas instituições, as informações de que dispõem, o grau de incerteza a que estão sujeitos e as escolhas e ações decorrentes, compõem a grande questão da análise do regime político democrático. Por fim, para esse modelo , embora a pesquisa empírica seja de fundamental importância, o contexto das instituições democráticas se refere à essas condições nas quais os atores processam seus interesses e realizam suas ações, o qual é pensado em torno do processo histórico de constituição das instituições políticas. Esta seria a referência para as pesquisas empíricas sobre o regime político democrático neste modelo.

Entre os exemplos desta abordagem podemos destacar os trabalhos de Georges Tsebelis (Tsebelis, 1998, 2009)12 12 Georges Tsebelis é um exemplo típico de que a sua inserção em um dos modelos não significa que o autor não considere alguns dos elementos fundamentais de outros, embora o faça a partir do critério central que caracteriza o seu modelo. Para o autor, a questão dos regimes políticos, não apenas os democráticos, se coloca em torno do problema dos “atores com poder de veto” e suas relações com o processo de produção das “decisões programáticas”, o que não implicaria em desconsiderar a validade do estudo da cultura, da ideologia, das normas e das instituições, dado que o fundamental seria a compreensão das preferências que produziram certos resultados. Esta variável seria a mais reveladora das características da democracia e do regime político democrático (Tsebelis, 2009). Isso reforça que o mais importante da ideia de modelos aqui proposta é a ênfase na forma como se coloca a questão das instituições políticas democráticas e do seu contexto , que contempla o regime político democrático , ou seja, o ponto de vista teórico da análise do todo , dadas as implicações disso na análise das partes . , Adam Przeworsky (Przeworsky, 1995), Morris Fiorina (Fiorina, 1978) e James Coleman (Coleman, 1990).13 13 Uma apresentação crítica destas proposições pode ser encontrada em Patrick Baert ( Baert, 1997 ). No Brasil, exemplos que poderiam ser associados a este modelo por levarem em conta a análise da racionalidade e das percepções dos agentes políticos no estudo do regime político democrático são os de Cláudio Shikida e Leonardo Monastério a respeito do impacto da mudança no regime político entre 1970 e 1995 sobre a atuação dos grupos de interesse de trabalhadores e empresários (Shikida; Monastério, 2000), de Scott Mainwaring sobre o sistema partidário (Mainwaring, 2001), de Fábio Wanderley Reis acerca de questões da teoria da democracia (Reis, 2009a e 2009b), de Fabiano Santos sobre a relação entre Executivo e Legislativo (Santos, 2003), de Lúcio Rennó, no estudo sobre a questão da corrupção entre os eleitores (Rennó, 2007) e de Luciana Fernandes Veiga e outros sobre partidos e eleições (Veiga, 2007 e Veiga, Souza, & Cervi, 2007).

O modelo neo-institucionalista de análise do regime político democrático

Como é sabido, em especial na literatura de Ciência Política, há diversas perspectivas dentro do chamado neo-institucionalismo. 14 14 Sobre esta característica do novo institucionalismo, ver Hall e Taylor, que o dividem “institucionalismo histórico”, “institucionalismo da escolha racional” e o “institucionalismo sociológico” (Hall, P.;Taylor, 2003). Ver também Helen Immergut (Immergut, 1998). Para nossos interesses, recorreremos a uma definição precisa feita por um autor que também é exemplo da análise do regime político democrático nos termos que aqui estamos propondo. Robert Putnam entende que haveria dois pontos em comum nas várias correntes do neo-institucionalismo: 1) as instituições moldam a política e o comportamento político e influenciam os resultados, dado que moldam a identidade, o poder e a estratégia dos atores; 2) as instituições são historicamente moldadas: a escolha dos indivíduos se dá entre as instituições e as regras pré-existentes ( Putnam, 1996PUTNAM, R. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. ).

Esta proposição de Putnam descreve bem as características deste modelo de análise dos regimes políticos democráticos, ou seja, voltar-se para as instituições e para o processo histórico de sua constituição e de seu funcionamento, não apenas como objeto ou indicadores , mas sim como a questão e a variável fundamental da análise da política e das democracias. Mas, podemos acrescentar que a preocupação do modelo neo-intitucionalista com as instituições políticas, questão fundamental para o conceito de regime político democrático aqui proposto, não implica necessariamente a consideração daquilo que estamos chamando de contexto , ao menos para além da História enquanto a variável independente. Para este modelo, a análise dos condicionantes históricos sobre as instituições democráticas e destas sobre as estratégias e o comportamento dos atores deixa de lado, de forma mais ou menos deliberada, variando de acordo com cada uma de suas correntes, outros fatores e variáveis que são considerados fundamentais por outros modelos , como veremos a seguir. Além disso, o estudo empírico das particularidades das instituições políticas democráticas, ou seja, de determinadas partes , não necessariamente é feita de forma articulada ao processo de constituição histórica do todo , ou seja, do regime político democrático .

Como fundamentos da constituição desta abordagem podemos destacar as obras clássicas de Max Weber e Schumpeter ( Schumpeter, 1961SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo, democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. ), e também Dahl (1997)DAHL, R. A. Poliarquia. São Paulo: Editora da USP, 1997. , March e Olsen (2008)MARCH, J. G.; OLSEN, J. P. Neo-institucionalismo: fatores organizacionais na vida política. Revista de Sociologia E Política, 16(31), p. 121-142, 2008. , Arend Lijphart (1989LIJPHART, A. As democracias contemporâneas. Lisboa: Gradiva, 1989. ; 2003LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ), Shugart e Carey (1992)SHUGART, M. S; CAREY, J. Presidents and Assemblies. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. e George Tsebelis (1997)TSEBELIS, G. Processo decisório em sistemas políticos: veto players no presidencialismo, parlamentarismo, multicameralismo e pluripartidarismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12(34), 1997. . Entre os exemplos de autores que trataram do caso brasileiro a partir deste modelo, além de Maria do Carmo Campello de Souza ( Souza, 1985SOUZA, M. DO C. C. DE. (1985). A democracia populista: bases e limites. In. ROUQUIÉ, A. et al. (Ed.). Como renascem as democracias. São Paulo: Brasiliense, p.73-103, 1985. ) e sua análise sobre a democracia no Brasil de 1946-1964, podemos citar as reflexões sobre a crise político-institucional no início dos anos 1960 de Wanderley Guilherme dos Santos ( W. G. Santos, 1986SANTOS. W. G. Sessenta e quatro: anatomia da crise. Vértice: São Paulo, 1986. e 2003PUTNAM, R. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. ), das instituições políticas nos anos 1980 de Olavo Brasil de Lima Junior (Lima Junior, 1993), da relação entre Executivo e Legislativo de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi ( Figueiredo e Limongi, 1999FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. , 2012FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Que instituições políticas importam e para que importam: lições dos estudos legislativos no Brasil. In Horizonte da política: questões emergentes e agendas de pesquisa. São Paulo: Unesp, 2012. ), a revisão da literatura sobre governabilidade de Vicente Palermo ( Palermo, 2000PALERMO, V. Como se Governa o Brasil? O Debate sobre Instituições Políticas e Gestão de Governo. Dados, 43(3),2000. ), o estudo do papel do Legislativo por Fabiano Santos ( Santos, 2003SANTOS, W. G. O cálculo do conflito: estabilidade e crise na política brasileira. 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Opinião Pública, 11(2), p. 249-286, 2005. ,15 15 Scott Mainwaring chama a atenção para a importância de se considerar as características do regime político e as situações em que há a possibilidade de uma mudança relevante no regime e o impacto disso nos partidos políticos. Para o autor, é necessário produzir “instrumentos teóricos” que permitam compreender como os objetivos e as estratégias dos partidos são “modelados” em função desses “contextos” de mudança. Enfim, o horizonte de mudança no regime é a variável independente que explicaria o comportamento dos partidos (Mainwaring, 2002). sobre os atores políticos por Barry Ames ( Ames, 2003AMES, B. Os entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003. ), de reformas eleitorais por André Marenco ( Marenco, 2006MARENCO, A. Path-Dependency, instituciones políticas y reformas electorales en perspectiva comparada. 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Dados, 56(2), p. 383-412, 2013.16 16 Para uma revisão da literatura sobre o arranjo institucional no presidencialismo de coalizão brasileiro, ver Timothy Power (Power, 2015). . Estas abordagens sobre o caso brasileiro indicam as características da pesquisa empírica sobre o regime político democrático deste modelo.

O modelo da cultura política de análise do regime político democrático

Em princípio, assim como os anteriores, o modelo da cultura política também poderia ser inscrito no modelo liberal de abordagem do regime político democrático, dado que a ideia de que as atitudes e valores contam para o surgimento e a preservação das democracias também remete à questão geral das prerrogativas, direitos e liberdades individuais e também à questão da qualidade da democracia . Mas, a particularidade desta abordagem é enfatizar a relevância das atitudes e valores relacionados à construção e à conservação da democracia.

Portanto, a implicações sobre a forma como se coloca a questão do regime político democrático permite destacá-lo como um modelo a parte, no qual a análise busca verificar como os aspectos relacionados aos valores e atitudes se relacionam com as instituições políticas democráticas e nas práticas dos atores políticos. Tais aspectos não são tomados por este modelo como suficientes para a análise e a própria existência das democracias, e podem estar ausentes ou até serem refutados, como vimos, nos modelos da Teoria Econômica da Democracia e do Neo-institucionalismo. 17 17 Um exemplo desta abordagem “não culturalista” é a de Przeworky e outros, na qual se propõe que fatores econômicos e institucionais seriam suficientes para explicar a dinâmica das democracias, tornando desnecessário “recorrer à cultura” (Przeworsky, A.; Cheibub, J.A.; Limongi, 2003, p.10).

Em suma, a consideração da cultura política democrática seria a marca fundamental para analisar a constituição, o funcionamento e a transformação do regime político democrático. A pesquisa empírica, por sua vez, embora fundamental e muito forte neste modelo, volta-se principalmente para as atitudes e valores, entre as quais se destaca as questões da confiança , interpessoal ou nas instituições, e da satisfação com as instituições democráticas, que, segundo Ronald Inglehart (1988INGLEHART, R. The Renaissance of Political Culture. American Political Science Review, 82(4), p.1203-1230, 1988. ;1993) comporiam uma “síndrome” decisiva para a experiência de democracia. Ou seja, tal abordagem valoriza muito a pesquisa empírica, mas nem sempre ela se dá de forma articulada a outros fatores, como os indicadores sociais e econômicos e principalmente as particularidades das instituições democráticas, ou mesmo a diferenciação entre elites e não-elites.

As bases deste modelo, que orientam as pesquisas empíricas, remetem a autores que vão de, mais uma vez, Alexis de Tocqueville (2004)TOCQUEVILLE, A. Democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 2004. , passando pelos trabalhos mais reconhecidos desta área de pesquisa da Ciência Política, tais como Gabriel Almond e Sidney Verba (1989)ALMOND, G., VERBA, S. The civic culture – Political Attitudes and Democracy in Five Nations. California: Sage Publications, 1989. , até autores como o próprio Robert Dahl, ao atentar, como vimos acima, para a importância das ideias dos ativistas políticos, e Robert Putnam ( Putnam, 1996PUTNAM, R. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. ) e sua discussão sobre o capital social , e chegando até Ronald Inglehart (1988INGLEHART, R. The Renaissance of Political Culture. American Political Science Review, 82(4), p.1203-1230, 1988. ; 1993INGLEHART, R. Democratização em perspectiva global. Opinião Pública1, Campinas, v. I, nº 1, Julho/Agosto, 1993, p. 09-67 ) e a questão do “renascimento” da cultura política, ou Pippa Norris e sua pesquisa sobre os valores enquanto suporte para a democracia ( Norris, 1999NORRIS, P. Critical Citizens - Global support for democratic governance. (P. Norris, Ed.). Oxford: Oxford University Press, 1999. ). No Brasil, entre os autores que se voltam para esta agenda de pesquisa podemos mencionar as obras e coletâneas de José Álvaro Moisés e Rachel Meneguello ( Moisés, 2010MOISÉS, J. A. Democracia e confiança: porque os cidadãos comuns desconfiam das instituições. São Paulo: Editora da USP, 2010. ; Moisés, J.A.; Meneguello, 2013MOISÉS, J. A.; MENEGUELLO, R. A desconfiança política e os seus impactos na qualidade da democracia. São Paulo: Editora da USP, 2013. ) e Timothy Power ( Power, 2002POWER, T. J. La confianza interpersonal brasileña en perspectiva comparada. America Latina Hoy, (32), 2002. ) e os trabalhos de Fuks, Casalechi e Araújo, 2017FUKS, M.; CASALECHI, G. A.; ARAÚJO, M. M. Are dissatisfied democrats critical? Reevaluating the concept of the critical citizen. Opinião Pública, v. 23, nº 2, 2017. e de Fuks, Paulino e Casalechi, 2019FUKS, M.; PAULINO, R. O.; CASALECHI, G. A. Socialization and Political Regimes: the Impact of Generation on Support for Democracy in Latin America. Brazilian Political Science Review, 12 (1), 2018. .

O modelo marxista de análise do regime político democrático

Considerando os modelos de análise do regime político democrático aqui apresentados, o marxista é o que mais se afasta e se contrapõe ao modelo liberal . Neste último, a importância do pertencimento a certos coletivos, por exemplo, as classes ou grupos de interesse, para a análise do regime político democrático, mantem como referência aquele conjunto de prerrogativas, direitos e liberdades individuais, como é o caso de Weber e Schumpeter. No caso do marxismo, tal análise se dá a partir da ideia de que a sociedade se caracteriza pela existência de classes sociais antagônicas, em última instância referida às relações de produção e de apropriação, e que tal característica marcaria profundamente não apenas os processos econômicos, mas também a política e as ideologias , independentemente das características do regime político.

Portanto, para o modelo marxista a questão fundamental para a análise do regime político democrático é a dinâmica das práticas das classes sociais em luta, seja no âmbito econômico, político ou ideológico, não apenas entre as classes fundamentais, burguesia e proletariado, como também, e em especial, no interior daquelas que seriam as classes dominantes . É o que podemos constatar já nas chamadas obras históricas de Marx, em especial As lutas de classe na França e O Dezoito de Brumário de Luiz Bonaparte , nas quais é possível encontrar uma análise das instituições democráticas e de sua transformação a partir daquela chave analítica.18 18 Sobre a questão da análise das instituições políticas em Marx, ver Adriano Codato e Renato Perissinotto (Codato, A.; Perissinotto, 2011a). Suas análises sobre a história francesa de meados do Século XIX são o grande exemplo de abordagem das particularidades da conjuntura e da dinâmica das instituições políticas à luz da leitura dos processos econômicos subjacentes e da dinâmica das lutas de classe, no caso, aplicada ao que Engels chama de “fragmento da história”. Enfim, a base deste modelo vai muito além da ideia do Estado e das ideologias enquanto superestrutura constituída a partir da infraestrutura econômica, e implica em considerar o regime político democrático como decorrente ou correlato ao Tipo de Estado e à natureza de classe , no caso, burguesa , da democracia e, correlatamente, de suas instituições políticas.

Este tipo de formulação tem nas obras de Nicos Poulantzas um caso exemplar, dado que, além dos conceitos de “forma de Estado”, “forma de regime” e “cena política” ( Poulantzas, 1977POULANTZAS, N. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes,1977. ), podemos encontrar comentários sobre aspectos institucionais típicos dos regimes políticos democráticos, tais como a personalização e a concentração de poderes no chefe do poder Executivo, a politização do Judiciário e a tendência à “osmose” entre o aparelho de Estado e o “partido de governo”, tendo como base a análise das mudanças no âmbito das relações de classe decorrentes das particularidades de um dado estágio do modo de produção capitalista ( Poulantzas, 1985POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1985. ).

Göran Therborn trata da democracia enquanto uma “forma de Estado”, descrita a partir dos mesmos indicadores liberais (existência de eleições livre e igualitárias, liberdade de opinião e expressão etc.), mas com a ressalva que o aparato de Estado possui uma composição de classe burguesa e que o poder de Estado, inclusive o democrático, atua no sentido de manter e de promover as relações capitalistas de produção e a característica de classe daquele aparato ( Therborn, 1977THERBORN, G. The Rule of the Capital and the Rise of Democracy. New Left Review, nº I/103, 1977. ). Claus Offe, por sua vez, articula as proposições de Marx às de Max Weber, Robert Michels e Rosa de Luxemburgo para analisar a relação entre capitalismo e democracia e as particularidades da competição política partidária ( Offe, 1984OFFE, C. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. ). Por sua vez, Wolfgang Streech analisou a relação entre as recentes crises econômicas e o “capitalismo democrático” a partir da questão das classes e da luta de classes ( Streech, 2011STREECH, W. The crises of democratic capitalism. New Left Review, nº 71, p. 05-29, 2011. ).

Entre os autores brasileiros, podemos mencionar Décio Saes, que faz um interessante exercício teórico de pensar a democracia de um ponto de vista marxista, inclusive a respeito da democracia como “regime político burguês”, no qual apresenta de forma peculiar aquilo que seria uma abordagem marxista dos indicadores de democracia acima referidos ( Saes, 1989SAES, D. Democracia. São Paulo: Ática, 1989. ). Cabe destaque também a forma como Florestan Fernandes trata das possibilidades da democracia no Brasil em sua análise da formação da sociedade capitalista no Brasil (Fernandes, 1984), e outros trabalhos de Décio Saes, que se voltam para análise da experiência da democracia e da cidadania na história do Brasil da Primeira República ao início da democracia de 1988 ( Saes, 1996SAES, D. Democracia e capitalismo no Brasil: balanço e perspectivas. Revista de Sociologia e Política, (6/7), 1996. ), e as análises de Armando Boito Junior ( Boito & Berringer, 2014BOITO, A., BERRINGER, T. Social Classes, Neodevelopmentalism, and Brazilian Foreign Policy under Presidents Lula and Dilma. Latin American Perspectives, 41(5), 94-109, 2014. ; Boito Junior, 2007BOITO JUNIOR, A. Estado, política e classes sociais: ensaios teóricos e históricos. São Paulo: Unesp, 2007. ).

Em suma, para este modelo, as particularidades históricas do regime político democrático, quando analisadas, só poderiam ser apreendidas a partir desta grande chave explicativa que é a história e a dinâmica da luta de classes, esta como base da pesquisa empírica sobre o que seria “regime democrático burguês”. Assim, da mesma forma que o modelo liberal , mas a ele contraposta teórica e politicamente, a análise do regime político democrático pelo modelo marxista tende a considerar as particularidades das partes a partir das características da forma como se entende o todo e o contexto . Mas, talvez exatamente por isso, as análises típicas deste modelo não implicaram em aprofundamento da pesquisa empírica, como se deu nos outros modelos. Isso não necessariamente implicaria na adoção das mesmas metodologias usadas pelos demais modelos, mas coloca o desafio de, por exemplo, comprovar e caracterizar a natureza de classe das ações dos grupos e indivíduos e da dinâmica das instituições democráticas e das políticas delas resultantes.

O modelo da Teoria das Elites de análise do regime político democrático

Podemos localizar outro modelo de análise das instituições políticas e do regime político democrático nos autores clássicos da chamada Teoria das Elites , em particular naquilo que remete à questão das elites políticas . Esta abordagem, de um lado, não se encaixa totalmente em nenhum dos modelos acima mencionados, e, de outro, se contrapõe tanto ao modelo liberal quanto ao marxista . Além disso, para os objetivos deste artigo, interessa destacar outra de suas particularidades, ou seja, o impacto que continua exercendo em análises mais recentes da política e da democracia, como mencionamos acima o exemplo de Claus Offe, inclusive no Brasil.

Deixando de lado as diferenças, Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels sugerem que a análise do regime político democrático não poderia ser sociologicamente eficaz se baseada na ideia de um governo da maioria, dada a inviabilidade, historicamente comprovada, desta forma de relação entre governantes e governados. Além disso, a Teoria das Elites também indica que a democracia não poderia ser pensada a partir da questão das classes sociais no sentido marxista, dado que todas as formas históricas, mesmo as democracias, seriam, inescapavelmente, o governo de minorias . O mesmo pode ser colocado em relação aos modelos neo-institucionalista e o da Cultura Política , ou seja, também não poderiam escapar da dimensão inelutável da questão das minorias políticas .

Schumpeter e o próprio Weber poderiam ser incluídos neste grupo ao remeterem à questão do papel das minorias políticas. Mas, em tais autores encontramos a defesa das prerrogativas individuais e a crença de que o regime político democrático, a despeito de suas características nas sociedades de massa, poderia e deveria nelas se basear, dado que seria exatamente nos políticos profissionais, no campo da política, assim como nos empresários, no campo econômico, que se manifestariam de forma mais intensa e efetiva aquelas prerrogativas individuais fundamentais para o modelo liberal . Esta é a base das análises sociológicas e dos projetos de sociedade de Weber e Schumpeter, o que os coloca como autores fundamentais do modelo liberal .

Em suma, para a Teoria das Elites não faria sentido pensar isoladamente nas características das instituições democráticas, nas suas relações com processos sociais ou culturais para explicar o regime político democrático. Assim, para este modelo, o elemento fundamental na análise do regime político democrático seria o processo de formação e a atuação das elites , da classe política dirigente ou das oligarquias . As questões relacionadas às características do recrutamento e do comportamento das elites políticas, por exemplo, presentes nos conceitos de “estrutura política” e “fórmula política’ de Mosca (1992)MOSCA, G. La clase política. México: Fondo de Cultura Econômica, p. 106-131, 1992. , é que permitiriam pensar nas particularidades, na estabilidade e na transformação das instituições políticas e do regime democrático.19 19 O conceito de “estrutura política” de Mosca se refere às características gerais da forma como se dá a relação entre a minoria governante e a maioria governada, o que remete à questão da “classe política dirigente” e, por sua vez, “fórmula política” aponta para a questão dos fundamentos do poder, em geral aceitos pelos dominados, de uma dada classe dirigente: vontade do povo, vontade de Deus, Nação, messianismo, tradição, dinastia etc. (Mosca, 1966). As instituições democráticas em si seriam pensadas, de um lado, enquanto espaços nos quais as elites políticas se constituem e atuam e, de outro, o local ou a posição ocupada por aqueles que compõem a elite , e a partir da qual exercem o seu poder.

Houve um complexo desdobramento das questões tratadas pelos clássicos da Teoria das Elites , tais como os trabalhos de C. W. Mills ( Mills, 1981MILLS, C. W. A Elite do Poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. ), Robert Dahl ( Dahl, 1961DAHL, R. A. Who governs? Democracy and power in an American city. New Haven and London: Yale University Press, 1961. ), Christopher Lasch (1995)LASCH, C. A rebelião das elites e a traição da democracia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995. ; Robert Putnam (1976)PUTNAM, R. The Comparative Study of Political Elites. New Jersey: Prentice Hall, 1976. e Antony Giddens (1974)GIDDENS, A. Elites in the British Class Structure. In STANWORTH; A.; GIDDENS, P (Ed.), Elites and power in British Society. Cambridge: Cambridge University Press, 1974, p. 154-176. . Em trabalhos de alguns autores brasileiros, podemos notar tanto a presença destas questões na análise da política e no estudo do regime político democrático no Brasil pós 1988, quanto a sua articulação com os modelos acima mencionados e em particular com o modelo que propomos a seguir, entre os quais podemos mencionar, por exemplo, o de André Marenco sobre a relação entre instituições e elites ( Marenco, 2008MARENCO, A. Estudos de elites políticas explicam como instituições tornam-se instituições? BIB, (65), p. 5-26, 2008. ), o de Cláudio Couto sobre a questão do conceito de oligarquia ( Couto, 2012COUTO, C. G. Oligarquia e processos de oligarquização: o aporte de Michels à análise política contemporânea. Revista de Sociologia E Política, 20(44), p. 47-62, 2012. ), e outros sobre recrutamento político, como os de Maria do Socorro Braga ( Braga;Veiga, & Miríade, 2009BRAGA, M. do S. S., VEIGA, L. F., MIRÍADE, A. Recrutamento e perfil dos candidatos e dos eleitos à Câmara dos Deputados nas eleições de 2006. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 24(70), p.123-142, 2009. ), Renato Perissinotto e Luciana Veiga ( Perissinotto & Veiga, 2014)PERISSINOTTO, R. M.; VEIGA, L. F. Profissionalização política, processo seletivo e recursos partidários: uma análise da percepção dos candidatos do PT, PMDB, PSDB e DEM nas eleições para Deputado Federal de 2010. Opinião Pública, 20(1), 49-66, 2014. , Emerson Cervi et al. ( Cervi et al. 2015CERVI, E.et.al.. Dinheiro, profissão e partido: a vitória na eleição para deputado federal no Brasil em 2010. Sociedade E Estado, 30(1), 189-205, 2015. ) e Bruno Bolognesi ( Bolognesi, 2013BOLOGNESI, B. A seleção de candidaturas no DEM, PMDB, PSDB e PT nas eleições legislativas federais brasileiras de 2010: percepções dos candidatos sobre a formação das listas. Revista de Sociologia e Política, 21(46), 45-68, 2013. ).

O modelo da Sociologia Política de análise do regime político democrático

O último modelo que propomos é o da Sociologia Política da democracia . Esta abordagem está relacionada tanto aos fundamentos da Teoria Política quanto ao processo de desenvolvimento e complexificação da própria área de Ciência Política, não no sentido de ser o resultado de uma suposta evolução ou um estágio superior do estudo da política em geral ou da democracia em particular, mas sim por remeter à necessidade de combinar a recuperação ou manutenção de questões e abordagens clássicas com a igualmente necessária incorporação dos avanços teóricos e metodológicos das diversas correntes desta área. Portanto, mais intensamente do que os modelos anteriores, a Sociologia Política da Democracia não se refere a uma escola ou corrente , claramente bem delimitada, definida, estabelecida, coerente e harmônica internamente, mas sim a uma agenda de pesquisa , a qual por sua vez, ainda está no início.

Este modelo remete a autores fundamentais dos demais modelos: Tocqueville, por levantar a importância de aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais na explicação das “causas” da democracia; Marx ao articular os fatores políticos aos econômicos e sociais e ao colocar a questão das classes sociais na análise da política; Weber, quando afirma que por trás dos partidos políticos existe uma sociedade diversificada em termos de interesses econômicos e ao atentar para a manutenção das “bases psicológicas” da nação enquanto um dos desafios a serem enfrentados pela “classe dirigente”; da vasta produção do neo-institucionalismo , o reconhecimento da relevância dos constrangimentos institucionais; da Cultura Política , a ideia de que, assim como as instituições , os valores também contam ; e da Teoria da Elites , a questão do recrutamento, da características, da transformação e da ação das elites. 20 20 E podemos lembrar que mesmo Schumpeter, quando trata das condições do êxito da democracia, coloca, entre outros fatores, o desenvolvimento da educação formal, a existência de uma elite política disposta a enfrentar os desafios do poder e da democracia, e a importância do “autocontrole democrático”, o que significava que os indivíduos tentassem se abster de práticas ilegais e desleais, além de uma burocracia composta por especialistas e fora do controle dos políticos (Schumpeter, 1961). Isso nos permite ao menos relativizar ou a qualificar melhor a atribuição a este autor de uma concepção minimalista de democracia.

Portanto, a Sociologia Política da democracia implica em uma agenda de questões que, embora se articule com as contribuições dos demais modelos e deles retire algumas contribuições, possui na forma de tratamento da questão do regime político democrático a seguinte particularidade: a forma como enfatiza a importância das condições extra políticas dos processos políticos, em toda a sua diversidade, nos moldes indicados por S. M. Lipset (1971)LIPSET, S. M. O homem político. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. , e de implicar em um “híbrido interdisciplinar”, que liga Sociologia e Ciência Política, e que consistiria na tentativa de combinar as variáveis explicativas sociais e institucionais para explicar os fenômenos e processos políticos, como proposto por Giovanni Sartori (1972)SARTORI, G. Da sociologia da política à sociologia política. In LIPSET, S. M. (Ed.), Política e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 65-78. .21 21 Para uma discussão mais aprofundada sobre a Sociologia Política , ver Perissinotto (Perissinotto, 2004) e Codato e Perissinotto (Codato, A.; Perissinotto, 2011b). Ou seja, trata-se de uma agenda de pesquisa sobre o regime político democrático que seria marcada pela articulação entre variáveis estruturais sociais, econômicas, culturais e políticas, mesmo que os fundamentos de tal articulação possam variar em termos de seus fundamentos teóricos e metodológicos e da recorrência às proposições dos modelos acima apresentados.

Em suma, a Sociologia Política do regime político democrático seria diversificada não apenas em termos de objeto, como também no referencial teórico subjacente à forma como é colocada a questão das instituições democráticas.22 22 Por exemplo, Adam Przeworsky analisou a experiência da social-democracia europeia, articulando questões típicas do marxismo com a Teoria da Escolha Racional (Przeworsky, 1989). Neste sentido, instituições políticas, classes, grupos e movimentos sociais, recrutamento de elites e atitudes e valores culturais comporiam de forma articulada esta agenda de pesquisa, na qual tais objetos e questões seriam partes , não estritamente políticas ou claramente institucionalizadas, que se articulariam a um todo , que, por sua vez, se caracterizaria pela consideração de variáveis de naturezas diversas.23 23 Outro exemplo importante desta abordagem são os estudos de Pippa Norris sobre o recrutamento político e sua relação com a dinâmica institucional (Norris, 2013) e sobre as bases sociais da “nova direita radical” ( Norris, 2005) .

Desta articulação decorre não apenas uma forma específica de pensar as instituições políticas e o regime político democrático, mas também a preocupação em atentar para os resultados e impactos de seu funcionamento, mais particularmente, das políticas públicas, e dos comportamentos dos agentes sociais decorrentes desta articulação e com o modo como isso impacta na manutenção e na transformação das formas da democracia.

No Brasil, entre os estudos fundamentais para este modelo também estão aqueles que o são para a própria constituição da Sociologia e da Ciência Política no país. Alguns já foram mencionados, tais como, o de Vitor Nunes Leal ( Leal, 1975LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1975. ), Florestan Fernandes sobre a constituição da ordem capitalista “burguesa” ( Fernandes, 1984FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1984. ) e Décio Saes sobre a democracia brasileira de 1989 a meados dos anos 1990 ( Saes, 1996SAES, D. Democracia e capitalismo no Brasil: balanço e perspectivas. Revista de Sociologia e Política, (6/7), 1996. ). Mas outros tantos podem ser mencionados, por exemplo, sobre populismo e nacionalismo por Fernando Henrique Cardoso ( Cardoso, 1968CARDOSO, F. H. Hegemonia burguesa e independência econômica: raízes estruturais da crise do populismo e do nacionalismo. In: FURTADO, C. 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A Figura 1 indica de forma esquemática os modelos e as articulações entre eles, com destaque para o modelo liberal .

Figura 1
Distribuição dos modelos de análise do regime político democrático

CONCLUSÃO

Em primeiro lugar, verificamos que, em vários dos modelos acima propostos, autores clássicos como Tocqueville, Marx, Weber e Schumpeter foram citados. Tal referência se dá porque neles se encontram as questões fundamentais da análise das instituições políticas e do regime democrático que vão ecoar por todo o Século XX, até os dias de hoje. Em linhas gerais, tais questões seriam, de um lado, a relação entre as formas institucionais e as liberdades individuais, a opinião pública e os valores políticos, e de outro, a questão das classes sociais e das minorias ou elites . Esta foi a base de toda a discussão sobre os regimes políticos democráticos.

Em segundo lugar, procuramos deixar claro que tal tipologia não tem como objetivo contemplar, enquadrar ou meramente rotular as inúmeras e diversificadas obras relacionadas à análise sociológica da democracia nas sociedades capitalistas. Sem a pretensão de comparação em termos de magnitude teórica e metodológica, buscamos proceder como Weber em relação ao conceito de tipo puro ideal , ou seja, exagerar algumas características das abordagens, visando incrementar a capacidade de compreensão daquilo que se pretende compreender, compreensão esta que, por excelência, é interpretativa, e, com isso, contribuir para uma Sociologia dos regimes políticos democráticos . E mesmo a análise das novas formas de ação, manifestação, participação e representação, por exemplo, aquelas associadas ao advento da internet e das redes sociais, ou mesmo de processos que passaram a chamar maior atenção dos analistas, como as questões de gênero e raça ou da corrupção, implica na questão do regime político, no caso, as instituições políticas democráticas tradicionais , e não deixam de remeter, ou ecoar , as questões colocadas pelos clássicos acima mencionados.25 25 Sobre a questão da participação política, além dos trabalhos de Carole Pateman acima mencionados, para o caso brasileiro e latino-americano ver as coletâneas organizadas por Evelina Dagnino e outros ( Dagnino, 2002 ; Dagnino, E.; Tatagiba, 2007 ; Dagnino, E; Olveira, A.J.; Panfichi, 2006 ), e de Thamy Pogrebinschi e Fabiano Santos ( Pogrebinschi e Santos, 2011) e Luis Filipe Miguel (2017) . Sobre internet e política, ver Braga e outros ( S. Braga, Nicolás, & Becher, 2013 ). Sobre corrupção, ver Speck (2000) e Filgueiras e Avritzer (2011) .

Há semelhanças e diferenças na forma dos modelos analisarem as experiências históricas e buscarem evidências empíricas, parcialmente expressas na Figura 1 , as quais não podemos desenvolver neste momento, inclusive no que tange à dimensão normativa, ou seja, a referência a o que regime democrático deveria ser . Embora tenhamos enfatizado tal dimensão ao descrever o modelo liberal , ela pode ser localizada também nos demais, inclusive no marxista .

Podemos destacar que a literatura sobre o caso brasileiro também comporta outra problemática interessante sobre o regime político, a qual pode ser distribuída pelos modelos aqui propostos, ou seja, a questão da transição de regime autoritário para o democrático e da consolidação da democracia no Brasil. Entre os diversos trabalhos que tratam de tal questão podemos citar os de Décio Saes (1996)SAES, D. Democracia e capitalismo no Brasil: balanço e perspectivas. Revista de Sociologia e Política, (6/7), 1996. , Juan Linz e Alfred Stepan (1999)LINZ, J.; STEPAN, A. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. , Maria D’Alva Gil Kinzo (2001)KINZO, M. D. G. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo em Perspectiva. v. 15, n. 4, p.03-12, 2001. , Carlos Arturi (2001)ARTURI, C. S. O debate teórico sobre mudança de regime político: o caso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, nº 17, p.11-31, 2001. , Marco Cepik (2005)CEPIK, M. Regime político e sistema de inteligência no Brasil: legitimidade e efetividade como desafios institucionais. Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, nº 1, 2005. , Adriano Nervo Codato (2005)CODATO, A. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 25, p. 83 a 106, 2005. e André Marenco (2007)MARENCO, A. Devagar se vai ao longe? A transição para a democracia no Brasil em perspectiva comparada. In MELO, C. R.; SÁEZ, M. A. (orgs.) A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o Século 21. Belo Horizonte, UFMG, 2007, p. 73-105. .

Por último, esta revisão da literatura visou chamar a atenção para a importância de se definir com precisão o viés, mais ou menos explícito, adotado para a análise das instituições democráticas e para os estudiosos analisarem qual seria a perspectiva subjacente de abordagem do arranjo institucional que está por trás do estudo de uma dimensão ou de um processo específicos da democracia. Para além dos rótulos, é importante sabermos o quanto nossa análise da democracia se aproxima ou se afasta dos modelos propostos. Podemos levar em conta também o quanto contextualizamos nossas pesquisas empíricas específicas e vincularmos o nosso objeto ao todo e ao contexto , e o quanto isso pode ser interessante para a compreensão da parte sobre a qual nos debruçamos, e vice-versa.

O Quadro 1 a seguir sintetiza os comentários feitos acima a respeito das abordagens ou modelos de análise dos regimes políticos democráticos nas sociedades capitalistas contemporâneas, tomando por referência as questões e os objetivos que guiaram este capítulo. Portanto, não se trata de um quadro das abordagens e conceitos fundamentais da análise política, mas sim da forma como seria colocada a questão do regime político democrático.

Quadro 1
Os modelos de análise do Regime Político Democrático (RPD)

Como foi colocado acima, dos diversos autores aqui mencionados poucos realizam um estudo direta e exclusivamente voltado para o que estamos chamando de regime político democrático , mas todos sugerem, de uma forma ou de outra, um modo de analisar as instituições democráticas, enquanto partes , e de relacioná-las com aquilo que seria o todo.

Devemos ressalvar também que não pretendemos cobrar ou atribuir aos autores algo que eles não pretenderam fazer, mas sim fazer o exercício de imaginar como eles tratariam das instituições democráticas, seu arranjo e seu contexto , caso essa fosse uma questão fundamental e o objetivo de seus trabalhos. Como vimos acima, tal abordagem tem como objetivo enfatizar a importância da articulação entre as partes e o todo , entre as particularidades e o contexto das instituições políticas na análise das democracias nas sociedades contemporâneas.

Toda tipologia ou revisão da literatura tende a agrupar de forma muitas vezes artificial autores que podem estar em mais de um dos agrupamentos, aqui denominados de modelos , ou em zonas intermediárias ou até de forma que eles próprios não se identificariam. No entanto, o percurso acima feito pela literatura sobre democracia teve por referência e pretendeu dar conta estritamente dos nossos objetivos, ou seja, defender não só a pertinência, mas a necessidade de se estudar as instituições políticas em seu arranjo , em seu contexto e em suas implicações sobre as diversas dimensões da vida social nas democracias existentes nas modernas sociedades capitalistas, em particular em democracias recentes como a do Brasil do pós 1988, postura que está subjacente e é constitutiva da forma como aqui definimos o regime político democrático .

Coppedge, Alvarez e Maldonado (2008) ressaltam que o conceito de democracia é tão multifacetado e complexo que se torna necessário que ele seja simplificado para que possa ser medido ou submetido à análise empírica. Daí, segundo esses autores, a pertinência da forma como Dahl fez tal simplificação, ao trabalhar com as duas dimensões, a contestação e a inclusividade , as quais, como dissemos acima, replicam de forma mais sociológica a questão da articulação entre liberdade e igualdade que preocupava concretamente autores como Tocqueville e John Stuart Mill. Tal proposição poderia ir de encontro com o que aqui se apresenta, a partir de Duverger, como uma análise do todo . Ao contrário, a forma como esses autores desenvolvem as proposições de Dahl tem como objetivo exatamente mensurar a democracia, enquanto o próprio Dahl tentava verificar um conjunto de condições necessárias para uma formação política poder ser considerada poliárquica ou para dela se aproximar. Como propôs Duverger, a Sociologia do todo não significa deixar de lado os estudos das partes , mas, ao contrário, reconhecer que tal estudo ganha em eficácia explicativa quando procura levar em conta regime político democrático .

De modo mais ou menos desenvolvido e mais ou menos explícito, toda análise da democracia remete a um conceito de regime político democrático e implica em um critério para caracterizar as formas realmente existentes de democracia, sejam elas em maior ou menor grau perpassadas por lógicas institucionalizadas. Portanto, a forma e a intenção aqui subjacentes a este conceito se mostraram importantes para verificar como cada obra trata do conjunto das instituições que fariam com que um regime político possa ser chamado de democrático , remetendo, assim, ao próprio conceito de democracia. Enfim, além da referência à importância da Sociologia do todo defendida por Duverger, o conceito de regime político democrático remete à forma de operacionalização do conceito ou da teoria subjacente , mais ou menos explícitos e bem desenhados, acerca da democracia, em especial na análise de suas experiências históricas .

Vimos que, em geral, os indicadores de democracia são os mesmos, ou seja, giram em torno das liberdades políticas e das instituições democráticas. Mas, se não cabe aqui discutir sobre a óbvia distinção nas diversas formas de tratar estes indicadores , ou seja, os conceitos de democracia subjacentes, nem deles separar ou diferenciar os conceitos de regimes democráticos, é importante atentar para o fato de que são esses conceitos que vão expressar com clareza a teoria da democracia subjacente e principalmente a sua operacionalização na análise das experiências históricas. Daí o impacto negativo da não definição com maior precisão do conceito de regime político democrático , dado que este é um momento privilegiado, de um lado, da apresentação do conceito fundamental de democracia, e de outro, da definição da estratégia geral de análise das experiências históricas.

Além disso, há outro aspecto fundamental tanto da Teoria da Democracia quanto, e sobretudo, das próprias experiências históricas de democracia: a centralidade da questão da representação política e a natureza predominantemente representativa das democracias contemporâneas. Ou seja, das análises dos primeiros passos da democracia feita pelos clássicos no Século XIX, às análises das suas formas em funcionamento no Brasil dos dias de hoje, nos seus diversos matizes, e a despeito das diversas tentativas de superar aquilo que seriam os seus limites e a propor novas formas e alternativas, a questão predominante continua sendo a qualidade da representação política democrática .

Mesmo quando não se tem a pretensão de Giovanni Sartori (1994)SARTORI, G. Teoria democrática revisitada. São Paulo: Ática, 1994. de buscar uma corrente dominante na Teoria da Democracia da qual se derivasse uma agenda de pesquisa sobre os regimes políticos democráticos, não há como desconsiderar que os autores e as ideias que aqui associamos ao modelo liberal colocou a grande questão que marcou, de forma mais ou menos explícita, a grande maioria dos estudos sobre as experiências concretas de democracia nas sociedades capitalistas. E esta questão é a da qualidade da democracia , a qual está presente até entre aqueles que lhe denunciam a natureza de classe. 26 26 De um lado, um exemplo de análise das formas de organização da sociedade que considera a questão da qualidade da democracia no Brasil e no México é o trabalho de ( Houtzager & Acharya, 2011) . De outro lado, devemos considerar que a crítica à natureza de classe da democracia burguesa remete a um projeto de sociedade, portanto, também possui uma dimensão normativa, cuja característica é se diferenciar radicalmente da sociedade capitalista, mesmo a democrática. Sobre isso, ver Décio Saes (1989) .

De uma forma ou de outra, tal questão, que aflige tanto os analistas quanto os cidadãos que buscam a democracia ou que nela vivem, tende a orientar os estudos sobre as formas históricas de democracia, e ela gira predominantemente em torno das implicações desta forma de sociedade sobre as liberdades e o desenvolvimento do indivíduo, mesmo quando pensado a partir de sua inserção ou pertencimento a uma dada classe . A diversidade de abordagens, mesmo entre os autores que se reconhecem como liberais no sentido que aqui estamos adotando, sobre o que seria e a natureza deste conjunto de prerrogativas e direitos individuais, não ofusca o fato de que esse critério predomina e transborda mesmo para correntes críticas, como a Teoria das Elites e o marxismo. A importância desta questão para o estudo dos regimes políticos democráticos se deve ao fato de que tanto a Sociologia das partes quanto a Sociologia do todo no que diz respeito ao funcionamento das democracias recebe o impacto desta questão e não há sinal de que isso venha a se alterar.

Por fim, constatamos acima que algumas análises do regime se pautam por certas instituições ou a elas se atribui a condição de variável independente. E há análises da democracia que se pautam por aspectos não estritamente institucionais, tais como a cultura política , as elites políticas , os direitos e prerrogativas individuais ou as classes sociais . Ou seja, como mostra o conceito de regime político aqui adotado, uma abordagem deve não apenas contemplar aspectos estritamente institucionais, mas também a articulação entre tais instituições e as diversas outras dimensões da vida em sociedade. Vimos que das análises mais centradas nas instituições como questão ou variável independente, àquelas que remetem à questão da cultura política ou das classes sociais , não deixam de se referir à questão das instituições políticas. É a essa articulação que remete, ao nosso ver, o conceito de regime político, e que, no caso da democracia, remete à importância teórica e metodológica do conceito de regime político democrático, em especial na produção de agendas de pesquisa sobre as experiências concretas de democracia, mas até mesmo na sua construção enquanto projeto de sociedade e de nação.

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  • WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: UnB, 1991.
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  • 1
    Este texto faz parte do projeto de pesquisa “Empresariado e elite econômica no Brasil: teoria, valores e ação política”, que contou com apoio financeiro e bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As atividades deste projeto foram desenvolvidas no Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná, Brasil. Manifestamos também nosso reconhecimento às contribuições indicadas nos pareceres.
  • 2
    Sobre tais particularidades, ver, por exemplo, Planas (1997)PLANAS, P. Regímenes Políticos Contemporáneos. Fondo de Cultura Económica, Ed. Lima, 1997. e Gasiorowsky (1990)GASIOROWSKY, M. J. The political regimes project. Studies in Comparative International Development, 25(1), p.109-136, 1990. . Voltaremos à questão dos modelos de análise mais adiante.
  • 3
    Outro conceito próximo ao de Duverger é o de Lucio Levi: “o conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício, bem como a prática dos valores que animam tais instituições” ( Levi, 1991LEVI, L. Regime Político. In BOBBIO,G; MATTEUCCI, N., PASQUINO, N. (Ed.), Dicionário de Política. Brasília: UnB, 1991, p.1081-1084. , p.1081). Waldner faz uma revisão do uso do conceito de regime político, indicando que, apesar da diversidade de significados presentes na literatura, há sempre a referência às regras e instituições, formais ou informais, relacionadas à distribuição e organização do poder e dos atores políticos ( Waldner, 2001WALDNER, D. Policy History: Regimes. In: Smelser, Neil J. & Baltes, Paul B. (eds.). International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences. New York: Elsevier, 2001. ).
  • 4
    Como vimos acima, nosso objetivo com a expressão modelos não é apresentar uma alternativa de tipologia ou classificação das experiências históricas de democracia, mas sim uma forma de abordagem das estratégias de análise de tais experiências históricas, aqui orientada pelo modo como é colocada a questão do regime político.
  • 5
    Dada a diversidade de sentidos que se pode atribuir à expressão Teoria da Democracia , mais do que pretender apresentar mais uma, entendemos que é melhor remeter às proposições de Giovanni Sartori (1994)SARTORI, G. Teoria democrática revisitada. São Paulo: Ática, 1994. , que entende “teoria” como a busca por bons argumentos e discussões logicamente corretas, sendo, por sua vez, a Teoria da Democracia, “... em primeiro lugar e acima de tudo, em argumentos corretos corretamente articulados” na construção de estratégias eficazes para a análise das experiências históricas de democracia.
  • 6
    Por exemplo, para Norberto Bobbio o “regime liberal democrático” é aquele no qual “... todos os cidadãos têm o direito de participar mesmo que indiretamente da tomada das grandes decisões, e cuja regra é a regra da maioria” ( Bobbio, 1994BOBBIO, N. Liberalismo e democracia (5a ed.). São Paulo: Brasiliense, 1994. , p. 89).
  • 7
    Scott Mainwaring e outros ( Mainwaring, Brinks, & Pérez-Liñán, 2001MAINWARING, S., BRINKS, D., PÉREZ-LIÑÁN, A. Classificando Regimes Políticos na América Latina, 1945-1999. Dados, 44(4), p. 645-687, 2001. ) fazem uma interessante classificação dos regimes políticos na América Latina que é um bom exemplo do desdobramento deste modelo, exatamente em relação à questão do regime político. André Kaiser e outros debatem com Arendt Lijphart também em torno da questão da qualidade da democracia ( Kaiser, 1997KAISER, A. Types of democracy - From classical to neoinstitutionalism. Journal of Theoretical Politics, 9(4), 1997. ; Kaiser, A; Lehnert, M; Sieberer, 2002KAISER, A; LEHNERT, M; SIEBERER, U. The Democratic Quality of Institutional Regimes: a Conceptual Framework. Political Studies, v. 50, p. 313-331, 2002. ). A análise de Guilhermo O’Donnell (2013)O’DONNELL, G. Democracia, desenvolvimento humano e direitos humanos. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan.abr, 2013. também é exemplar no que diz respeito à articulação entre a Teoria da Democracia, a questão do regime político e a preocupação com a qualidade da democracia, do ponto de vista que aqui estamos denominando de liberal .
  • 8
    Para um exercício de classificação de regimes políticos a partir das proposições de Dahl, ver Coppedge e Reinicke (1990)COPPEDGE, M.; REINICKE, W. H. Measuring Polyarchy. Studies in Comparative International Development, 25 (1), p.11-52, 1990. e Figueiredo Filho et al. (2012)FIGUEIREDO FILHO, et.al. Classificando regimes políticos utilizando análise de conglomerados. Opinião Pública, 18(1), p. 109-128, 2012. . Em outro trabalho, Coppedge, Alvarez e Maldonado (2008)COPPEDGE, M; ALVAREZ, A.; MALDONADO, C. Two Persistent Dimensions of Democracy: Contestation and Inclusiveness. The Journal of Politics, Vol. 70, nº 3, p. 632-647, 2008. também trabalham a partir dos critérios estabelecidos por Dahl, ou seja, contestação e inclusividade , para pensar uma forma de mensuração e classificação dos regimes políticos democráticos. Este trabalho serviu de referência para o estudo de Figueiredo Filho et al. (2012)FIGUEIREDO FILHO, et.al. Classificando regimes políticos utilizando análise de conglomerados. Opinião Pública, 18(1), p. 109-128, 2012. sobre aglomerados (“clusters”) de diferentes grupos de regimes democráticos.
  • 9
    Um exemplo da articulação entre preocupação sociológica e posição normativa é a análise de Juan Linz e Alfred Stepan sobre a transição e a consolidação da democracia na Europa e na América Latina, ao explicitarem que o trabalho partia de uma “posição normativa”: “as transições democráticas completas e as consolidações das democracias são desejáveis” ( Linz, J.; Stepan, 1999LINZ, J.; STEPAN, A. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. , p.11).
  • 10
    Podemos destacar também a apresentação de Fernando Limongi à primeira edição brasileira de Poliarquia (Dahl, 1999).
  • 11
    Este trabalho de Marco Cepik é exemplar deste modelo não apenas por fazer referência direta ao conceito de Dahl como forma de pensar a democracia, mas também por estabelecer com precisão o que entende ser um regime democrático e seus principais indicadores como substrato para a análise do sistema de inteligência no Brasil.
  • 12
    Georges Tsebelis é um exemplo típico de que a sua inserção em um dos modelos não significa que o autor não considere alguns dos elementos fundamentais de outros, embora o faça a partir do critério central que caracteriza o seu modelo. Para o autor, a questão dos regimes políticos, não apenas os democráticos, se coloca em torno do problema dos “atores com poder de veto” e suas relações com o processo de produção das “decisões programáticas”, o que não implicaria em desconsiderar a validade do estudo da cultura, da ideologia, das normas e das instituições, dado que o fundamental seria a compreensão das preferências que produziram certos resultados. Esta variável seria a mais reveladora das características da democracia e do regime político democrático (Tsebelis, 2009). Isso reforça que o mais importante da ideia de modelos aqui proposta é a ênfase na forma como se coloca a questão das instituições políticas democráticas e do seu contexto , que contempla o regime político democrático , ou seja, o ponto de vista teórico da análise do todo , dadas as implicações disso na análise das partes .
  • 13
    Uma apresentação crítica destas proposições pode ser encontrada em Patrick Baert ( Baert, 1997BAERT, P. Algumas limitações das explicações da escolha racional na Ciência Política e na Sociologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, nº 35, 1997. ).
  • 14
    Sobre esta característica do novo institucionalismo, ver Hall e Taylor, que o dividem “institucionalismo histórico”, “institucionalismo da escolha racional” e o “institucionalismo sociológico” (Hall, P.;Taylor, 2003). Ver também Helen Immergut (Immergut, 1998).
  • 15
    Scott Mainwaring chama a atenção para a importância de se considerar as características do regime político e as situações em que há a possibilidade de uma mudança relevante no regime e o impacto disso nos partidos políticos. Para o autor, é necessário produzir “instrumentos teóricos” que permitam compreender como os objetivos e as estratégias dos partidos são “modelados” em função desses “contextos” de mudança. Enfim, o horizonte de mudança no regime é a variável independente que explicaria o comportamento dos partidos (Mainwaring, 2002).
  • 16
    Para uma revisão da literatura sobre o arranjo institucional no presidencialismo de coalizão brasileiro, ver Timothy Power (Power, 2015).
  • 17
    Um exemplo desta abordagem “não culturalista” é a de Przeworky e outros, na qual se propõe que fatores econômicos e institucionais seriam suficientes para explicar a dinâmica das democracias, tornando desnecessário “recorrer à cultura” (Przeworsky, A.; Cheibub, J.A.; Limongi, 2003, p.10).
  • 18
    Sobre a questão da análise das instituições políticas em Marx, ver Adriano Codato e Renato Perissinotto (Codato, A.; Perissinotto, 2011a).
  • 19
    O conceito de “estrutura política” de Mosca se refere às características gerais da forma como se dá a relação entre a minoria governante e a maioria governada, o que remete à questão da “classe política dirigente” e, por sua vez, “fórmula política” aponta para a questão dos fundamentos do poder, em geral aceitos pelos dominados, de uma dada classe dirigente: vontade do povo, vontade de Deus, Nação, messianismo, tradição, dinastia etc. (Mosca, 1966).
  • 20
    E podemos lembrar que mesmo Schumpeter, quando trata das condições do êxito da democracia, coloca, entre outros fatores, o desenvolvimento da educação formal, a existência de uma elite política disposta a enfrentar os desafios do poder e da democracia, e a importância do “autocontrole democrático”, o que significava que os indivíduos tentassem se abster de práticas ilegais e desleais, além de uma burocracia composta por especialistas e fora do controle dos políticos (Schumpeter, 1961). Isso nos permite ao menos relativizar ou a qualificar melhor a atribuição a este autor de uma concepção minimalista de democracia.
  • 21
    Para uma discussão mais aprofundada sobre a Sociologia Política , ver Perissinotto (Perissinotto, 2004) e Codato e Perissinotto (Codato, A.; Perissinotto, 2011b).
  • 22
    Por exemplo, Adam Przeworsky analisou a experiência da social-democracia europeia, articulando questões típicas do marxismo com a Teoria da Escolha Racional (Przeworsky, 1989).
  • 23
    Outro exemplo importante desta abordagem são os estudos de Pippa Norris sobre o recrutamento político e sua relação com a dinâmica institucional (Norris, 2013) e sobre as bases sociais da “nova direita radical” ( Norris, 2005)NORRIS, P. A tese da “nova clivagem” e a base social do apoio à direita radical. Opinião Pública, 11(1), p. 1-32, 2005. .
  • 24
    Alguns estudos sobre a relação entre empresários e política também se enquadram nesta agenda ( Costa, 1998COSTA, P. R. N. Democracia nos anos 50: burguesia, corporativismo e parlamento. São Paulo: Hucitec, 1998. ; Costa, Costa, & Nunes, 2014; Costa, Roks, & Santos Filho, 2012; Costa & Engler, 2008Costa, P. R. N., Engler, Í. G. da F. Elite empresarial: recrutamento e valores políticos (Paraná, 1995-2005). Opinião Pública, p. 486-514, 2008. ; Costa, 2007, 2012, 2014)COSTA, P. R. N. Empresariado, instituições democráticas e reforma política. Revista de Sociologia E Política, p. 99-116, 2007. , 2012COSTA, P. R. N. A elite empresarial e as instituições democráticas: cultura política, confiança e padrões de ação política. Opinião Pública, 18(2), p. 452-469, 2012. , 2014COSTA, P. R. N. Elite empresarial e elite econômica: o estudo dos empresários. Revista de Sociologia e Política, 22(52), p.47-57, 2014. ).
  • 25
    Sobre a questão da participação política, além dos trabalhos de Carole Pateman acima mencionados, para o caso brasileiro e latino-americano ver as coletâneas organizadas por Evelina Dagnino e outros ( Dagnino, 2002DAGNINO, E. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo/Campinas: Paz e Terra/Unicamp, 2002. ; Dagnino, E.; Tatagiba, 2007DAGNINO, E.; TATAGIBA, L. Democracia, sociedade civil e participação. Chapecó: Argos, 2007. ; Dagnino, E; Olveira, A.J.; Panfichi, 2006DAGNINO, E; OLVERA, A. J.; PANFICHI, A. A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo/Campinas: Paz e Terra/Unicamp, 2006. ), e de Thamy Pogrebinschi e Fabiano Santos ( Pogrebinschi e Santos, 2011)POGREBINSCHI, T.; SANTOS, F. Participação como representação: o impacto da Conferências Nacionais de Política Públicas no Congresso Nacional. Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, 2011, p. 259- 305. e Luis Filipe Miguel (2017)MIGUEL, L. F. Resgatar a participação: democracia participativa e representação política no debate contemporâneo. Lua Nova, São Paulo, 100: p. 83-118, 2017. . Sobre internet e política, ver Braga e outros ( S. Braga, Nicolás, & Becher, 2013BRAGA, S., NICOLÁS, M. A., BECHER, A. R. Clientelismo, internet e voto: personalismo e transferência de recursos nas campanhas online para vereador nas eleições de outubro de 2008 no Brasil. Opinião Pública, 19(1), p. 168-197, 2013. ). Sobre corrupção, ver Speck (2000)SPECK, B. Mensurando a corrupção: uma revisão de dados provenientes de pesquisas empíricas. Cadernos Adenauer, Fundação Konrad Adenauer, São Paulo, p. 02-40, 2000. e Filgueiras e Avritzer (2011)FILGUEIRAS, F. & AVRITZER, L. Corrupção e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2011. .
  • 26
    De um lado, um exemplo de análise das formas de organização da sociedade que considera a questão da qualidade da democracia no Brasil e no México é o trabalho de ( Houtzager & Acharya, 2011)HOUTZAGER, P. P.; ACHARYA, A. K. Associations, active citizenship, and the quality of democracy in Brazil and Mexico. Theory and Society, 40(1), p.1-36, 2011. . De outro lado, devemos considerar que a crítica à natureza de classe da democracia burguesa remete a um projeto de sociedade, portanto, também possui uma dimensão normativa, cuja característica é se diferenciar radicalmente da sociedade capitalista, mesmo a democrática. Sobre isso, ver Décio Saes (1989)SAES, D. Democracia. São Paulo: Ática, 1989. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2018
  • Aceito
    15 Mar 2022
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