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URBANISMO CORPORATIVO E O TENSIONAMENTO EM TORNO DO DIREITO À CIDADE: o empreendimento Horto Bela Vista (Salvador/BA)

CORPORATE URBANISM AND TENSIONS AROUND THE RIGHT TO THE CITY: the Horto Bela Vista enterprise (Salvador/BA)

URBANISME D’ENTREPRISE ET TENSIONS SUR LE DROIT À LA VILLE: l’entreprise horto bela vista (Salvador/BA)

Resumos

A produção corporativa das cidades brasileiras se dá sob condições de mercantilização do espaço urbano, associada à segregação socioespacial, especulação imobiliária e captura da dimensão coletiva e pública das cidades. Tal situação tem levado os moradores a acionarem estratégias para a defesa do direito à cidade, incluindo o sistema de justiça. O objetivo deste artigo é analisar a aplicabilidade e a eficácia de instrumentos jurídicos e urbanísticos na minimização dos impactos socioespaciais, tendo como estudo de caso o empreendimento Horto Bela Vista (HBV), no bairro do Cabula, na cidade de Salvador (BA). O estudo utiliza pesquisa bibliográfica e documental, particularmente sobre o processo constante no Ministério Público do Estado da Bahia. Como resultado, constatou-se que, apesar da importância das reparações e compensações conquistadas, os instrumentos acionados apresentam limites para sua efetividade, tensionados tanto na perspectiva do urbanismo corporativo quanto do direito à cidade.

Urbanismo corporativo; Direito à cidade; Termo de Ajustamento de Conduta; Impacto de vizinhança; Horto Bela Vista


Corporate production of Brazilian cities takes place under commodification conditions of human space, associated with socio-spatial segregation, real estate speculation, and capture of the collective and public dimension of cities. In response, citizens have mobilized strategies to defend the right to the city, including the legal system. This paper sought to analyze the applicability and effectiveness of law and urban tools in minimizing socio-spatial impacts, using the Horto Bela Vista (HBV) project, at the Cabula neighborhood, Salvador, Bahia, as a case study. Data were collected by means of bibliographical and documental research, particularly on the case at the Public Prosecutor’s Office of the State of Bahia. Results show that, despite of the importance of the reparations and compensations achieved, the tools used present limited effectiveness, and are tensioned both from the perspective of corporate urbanism and the right to the city.

Corporate Urbanism; Right to the City; Conduct Adjustment Agreement; Neighborhood Impact; Horto Bela Vista


La production corporative des villes brésiliennes se déroule dans des conditions de marchandisation de l’espace urbain, associées à la ségrégation socio-spatiale, à la spéculation immobilière et à la capture de la dimension collective et publique des villes. En réponse, les habitants ont mobilisé des stratégies pour défendre leur droit à la ville, y compris le système juridique. Cet article a cherché d’analyser l’applicabilité et l’efficacité du droit et des outils urbans pour minimiser les impacts socio-spatiaux, en utilisant le projet Horto Bela Vista (HBV), dans le quartier Cabula, à Salvador, Bahia, comme étude de cas. Les données ont été collectées par le biais des recherches bibliographiques et documentaires, notamment sur le procès auprès du ministère public de l’État de Bahia. Les résultats montrent que, malgré l’importance des compensations et des réparations obtenus, les outils utilisés présentent une efficacité limitée, et sont tendu aussi bien à partir de la perspective de l’urbanisme d’entreprise que de celle du droit à la ville.

Urbanisme d’entreprise; Droit à la ville; Accord d’ajustement de conduite; Impact sur les quartiers; Horto Bela Vista


INTRODUÇÃO

O processo de produção do espaço urbano nas cidades contemporâneas vem, cada vez mais, sendo pautado pela produção corporativa da cidade, com a implantação de grandes empreendimentos imobiliários. Esse modelo assume diversos formatos, tanto em relação à concepção urbanística quanto aos arranjos de gestão e interação com as instâncias do Estado, produzindo, via de regra, significativos impactos urbanos evidenciados pelo agravamento da segregação socioespacial, da gentrificação, do acirramento da especulação imobiliária, da fragmentação da cidade e da violação de direitos humanos.

Em Salvador, um dos primeiros megaempreendimentos concebidos como “enclave fortificado” (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000., p. 258) foi o Horto Bela Vista (HBV), implantado no bairro do Cabula, pela JHSF Empreendimentos e Incorporações S/A, empresa especializada no mercado imobiliário de alta renda. A área possuía remanescentes de Mata Atlântica e no entorno estão localizadas duas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) – Saramandaia e Pernambués –, conforme definidas no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), Lei nº 6.586/2004, vigente à época da aprovação do empreendimento, permanecendo afetadas pelo zoneamento especial nos planos diretores subsequentes, aprovados em 2008 e 2016 (Salvador, 2004SALVADOR. Lei nº 6586/2004, de 3 de agosto de 2004. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador – PDDU e dá outras providências. Diário Oficial do Município, Salvador, ano 18, n 3.747, 2004., 2008SALVADOR. Lei nº 7.400/2008, de 20 de fevereiro de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador – PDDU e dá outras providências. Diário Oficial do Município, Salvador, ano 22, 2008., 2016SALVADOR. Lei nº 9.069/2016, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador – PDDU e dá outras providências. Diário Oficial do Município, Salvador, ano 30, 2016.).

Para a implantação de grandes empreendimentos, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) prevê a elaboração prévia do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), tendo como referência a Constituição Federal de 1988, que avança no tratamento conferido pelas constituições anteriores1 1 A Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil de 1934, segundo Marés (2003), influenciada pela República de Weimar e pela Revolução Camponesa do México, buscou, ainda que de forma tímida, recepcionar a função social como instituto qualificativo da propriedade da terra. Nesse texto constitucional, há previsão de que o direito de propriedade não pode ser exercido contra o interesse social ou coletivo. e inclui a função social da propriedade no artigo 5º, inciso XXIII, como direito e garantia individual e coletiva, e prevê nos artigos 182 e 183 instrumentos e condicionantes para conferir efetividade ao princípio constitucional. O projeto Horto Bela Vista foi aprovado, entretanto sem a exigência do referido estudo, justificado pela Prefeitura Municipal do Salvador sob o argumento da inexistência da legislação específica. Em decorrência disso, e tendo em vista a magnitude do empreendimento, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) instaurou inquérito civil com o objetivo de apurar os possíveis danos socioambientais no território. Durante o inquérito, foi firmado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a empresa incorporadora – JHSF –, em outubro de 2009.

A ordem jurídica brasileira assimila a tutela do direito à cidade como direito difuso caracterizado por sua indivisibilidade e indeterminação dos seus titulares. De acordo com Miguel Reale (1997REALE, Miguel. Questões de direito público. São Paulo: Saraiva, 1997., p. 132), o interesse difuso é aquele que pertence a toda a coletividade como bem comum. Desse enquadramento decorre a legitimidade institucional do Ministério Público para promover a proteção da ordem urbanística, por meio da proposição de Ação Civil Pública, que em regra é precedida do inquérito civil para apuração da lesão ou ameaça de lesão à ordem urbanística, ou utiliza o instrumento do TAC para celebrar acordo com os agentes infratores, visando à promoção da compensação e/ou indenização pelos danos causados, ou até mesmo, com base no princípio da precaução, evitar o dano.

Os processos urbanos motivadores do acionamento do Ministério Público têm, como fatos comuns, o conflito entre valor de uso e valor de troca, e entre o interesse coletivo e o interesse individual. Entretanto não é propriamente a relação entre produção e consumo o núcleo das disputas urbanas e territoriais nas cidades, situado muito mais no conflito entre a arguição do valor de uso e do valor de troca pelos agentes sociais em ação. Destes, destacam-se o Estado, sem o qual não há como se pensar o “ato de fazer cidade” (FERNANDES, A., 2013), e, em particular, o poder público municipal, a quem caberia formular políticas de desenvolvimento urbano, pautadas no equilíbrio entre os interesses individuais dos proprietários e os interesses da sociedade como um todo.

Conforme previsto no Estatuto da Cidade (EC), artigo 2º, as diretrizes para o direito à cidade compreendem a cooperação em prol do interesse social, direito à cidade sustentável, regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas pela população de baixa renda, isonomia de condições para agentes públicos e privados em empreendimentos urbanos e planejamento do desenvolvimento urbano e atendimento aos interesses e necessidades da população, entre outros.

Entretanto, a despeito dos avanços contidos no EC, o planejamento urbano na cidade contemporânea vem se orientando pela lógica dos interesses do setor privado, em particular dos grandes incorporadores imobiliários, os quais disputam, cada vez mais, a concepção das normas e diretrizes de desenvolvimento urbano, definindo o uso e as funções urbanas, como pode ser detectado com fortes evidências no caso de Salvador (Figueiredo, 2011FIGUEIREDO, G. C. S. A hegemonia das empresas imobiliárias: tendências de uso e ocupação do espaço da produção imobiliária licenciada pelo município de Salvador de 2001 a 2009. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.; Rebouças, 2016REBOUÇAS, T. M. Planejamento urbano enquanto campo de disputa de poder: o caso do PPDU de Salvador/BA. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 191.02, abr. 2016. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.191/6005. Acesso em: 7 dez. 2022.
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). Nesse contexto, registram-se múltiplos modelos de intervenção que ocasionam a privatização do público em colisão com o exercício do direito à cidade.

Essa questão pode ser constatada pela utilização crescente, pelo setor imobiliário, dos instrumentos urbanísticos previstos na Lei nº 10.257/2001, considerados úteis à expansão das suas atividades – a exemplo das operações urbanas – em detrimento daqueles voltados para a afirmação da função social da propriedade e da cidade (Fix, 2003FIX, M. A “fórmula mágica” da “parceria”: operações urbanas em São Paulo. Cadernos de Urbanismo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 3, 2003.; Schvarsberg, 2011SCHVARSBERG, B. Estatuto da Cidade, EIV e a Gestão Democrática no Planejamento Urbano. In: SEMINÁRIO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA E A LEI DO EIV EM PORTO ALEGRE, 2011, Porto Alegre. Anais […]. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento Municipal, 2011. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/spm/usu_doc/bennyschasberg-eiv_e_ec_.pdf. Acesso em: 22 jun. 2016.
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). Quanto ao EIV e ao TAC, de interesse especial neste artigo, o campo de pesquisa quanto à capacidade de promover condições para a afirmação do direito à cidade ainda é pouco explorado. Para Schvarsberg (2011)SCHVARSBERG, B. Estatuto da Cidade, EIV e a Gestão Democrática no Planejamento Urbano. In: SEMINÁRIO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA E A LEI DO EIV EM PORTO ALEGRE, 2011, Porto Alegre. Anais […]. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento Municipal, 2011. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/spm/usu_doc/bennyschasberg-eiv_e_ec_.pdf. Acesso em: 22 jun. 2016.
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, o EIV não se encontra entre os instrumentos de interesse do mercado e, com essa leitura, aposta no “jogo das cidades” no sentido de “[…] construir a arena da possibilidade da construção de acordos de ganha-e-ganha, no sentido de que saibam retirar proveito público de mecanismos próprios da iniciativa privada” (Schvarsberg, 2011SCHVARSBERG, B. Estatuto da Cidade, EIV e a Gestão Democrática no Planejamento Urbano. In: SEMINÁRIO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA E A LEI DO EIV EM PORTO ALEGRE, 2011, Porto Alegre. Anais […]. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento Municipal, 2011. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/spm/usu_doc/bennyschasberg-eiv_e_ec_.pdf. Acesso em: 22 jun. 2016.
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, p. 7). Aposta semelhante é feita no caso do TAC, também sujeito ao jogo de forças dos agentes em disputa.

Com essa perspectiva de análise, este artigo realiza uma avaliação crítica acerca do conteúdo e desdobramentos do EIV e do TAC, abrangendo os arranjos jurídicos, urbanísticos e políticos, com vistas a identificar, no caso do TAC, seu potencial como mecanismo de pactuação e reparação de danos, ou ameaça de danos, causados pela atuação de grandes incorporadoras, tendo como estudo de caso o Horto Bela Vista (Salvador – BA). Três acionamentos combinados ancoram a implantação do referido empreendimento: a afirmação da ideologia do vazio; a minimização das interações com o entorno e com a cidade, além do recurso seletivo a instrumentos jurídicos que respaldem sua implantação e se colocam em colisão ao direito à cidade. Questiona-se, em vista disso: quais os limites e possibilidades desses instrumentos de tensionar a ordem urbanística hegemônica no sentido do direito à cidade?

A hipótese é que esses instrumentos são utilizados em alguns casos na perspectiva de legitimação-legalização do urbanismo corporativo e, em outros, para a afirmação do direito à cidade. Essa condição limiar é que o torna passível de transitar nas duas dimensões. O empreendimento em questão se revela representativo para a análise por inaugurar a implantação desse modelo de projeto urbano em Salvador e por tensionar simultaneamente lógicas de produção distintas, por um lado associadas aos bairros populares e, por outro, à dinâmica da nova centralidade da Região Metropolitana de Salvador (Centro Acesso Norte – Retiro).

O artigo está estruturado em três seções, além da introdução e da conclusão. O primeiro discute as tensões entre o direito à cidade e o urbanismo corporativo, e problematiza a ideia de vazio urbano como ideologia de mercado. O segundo apresenta o empreendimento Horto Bela Vista e discute sua inserção na cidade, no contexto do urbanismo corporativo. O terceiro traz uma análise da utilização de instrumentos jurídicos e urbanísticos na mediação de conflitos em sentidos contraditórios, ou seja, tanto da regulação e legitimação da produção corporativa da cidade quanto da afirmação do direito à cidade, considerando os arranjos institucionais envolvidos na implantação do empreendimento.

DIREITO À CIDADE, URBANISMO CORPORATIVO E O VAZIO URBANO COMO IDEOLOGIA DE MERCADO

A luta pelo direito à cidade se apresenta como ação política mais ou menos aderente à perspectiva transformadora trazida por Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 1991., Harvey (2005)HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. e Purcell (2002)PURCELL, M. Excavating Lefebvre: the right to the city and its urban politics of the inhabitant, GeoJournal, Alphen aan den Rijn, n. 58, 2002.. Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 1991., no contexto político da França, na década de 1960, traz a reflexão acerca da sociedade urbana, atentando para os problemas relativos à segregação social e de grupos étnicos, acenando com a perspectiva de implantação de uma reforma urbana fundamentada no respeito das diferenças e no encontro, constituindo-se, de modo geral, em um projeto utópico de cidade.

A formulação de Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 1991., desse modo, vai além do entendimento do direito à cidade apenas como o pleno acesso dos cidadãos à saúde, educação, mobilidade, moradia ou mesmo de sua incorporação em uma versão normativa. Trata-se de uma dimensão política mais ampla, na perspectiva de outra cidade possível, que não fosse predominantemente voltada para o capital. Esse conceito vem sendo revisitado por muitos teóricos ao longo dos anos, em decorrência das alterações políticas e das crises conjunturais do capitalismo internacional em diversas partes do mundo, podendo-se citar E. Fernandes (2007)FERNANDES, E. Constructing the ‘right to the city’ in Brazil. Social & Legal Studies, [s. l.], v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., Harvey (2005)HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005., Marcuse (2010)MARCUSE, P. Os direitos nas cidades e o direito à cidade. In: SUGRANYES, A.; MATHIVET, C. (org.). Cidades para todos: propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago: Habitat International Coalition, 2010., Mitchell (2003)MITCHELL, D. The right to the city: social justice and the fight for public space. Nova York: Guilford, 2003., Purcell (2002PURCELL, M. Excavating Lefebvre: the right to the city and its urban politics of the inhabitant, GeoJournal, Alphen aan den Rijn, n. 58, 2002., 2003PURCELL, M. Citizenship and the right to the global city: reimagining the capitalist world order. International Journal of Urban and Regional Research, [s. l.], v. 27, n. 3, p. 1564-1590, 2003.), Souza (2010)SOUZA, M. L. Which right to which city? In defense of political-strategic clarity. Interface, Botucatu, v. 2, p. 315-33, 2010. e Viveiros (2020)VIVEIROS, L. Direito à cidade e hegemonia: movimentos, articulações e disputas no Brasil e no mundo. Salvador: EDUFBA, 2020..

Para Harvey (2005)HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005., o direito à cidade é coletivo e está pautado no poder da sociedade sobre a condução dos processos urbanos, ligados diretamente à produção, apropriação e fruição do espaço. É o direito de fazer algo no futuro, de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. A cidade, assim compreendida, revela-se como corpo político em movimento e em nada se alinha a esse modo parcelar e “cirúrgico” de eliminação do conflito inerente à vida urbana. Purcell (2002)PURCELL, M. Excavating Lefebvre: the right to the city and its urban politics of the inhabitant, GeoJournal, Alphen aan den Rijn, n. 58, 2002. reexamina as formulações de Lefebvre para demonstrar sua radicalidade, vinculada a um projeto transformador.

No Brasil, a discussão sobre o direito à cidade foi incorporada em âmbito legal, associada ao conceito da função social da propriedade – mediante a promulgação da Constituição Federal (Brasil, 1990) e da Lei do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Vale ressaltar que a temática da reforma urbana no Brasil surge na década de 1960, sendo abortada no período da ditadura militar e retomada com vigor nos anos 1980, com atuação dos movimentos sociais urbanos e assessorias técnicas, nesse contexto já associada ao ideário do direito à cidade. A apropriação do direito à cidade traz como referências, segundo Tavolari (2016)TAVOLARI, B. Direito à cidade: uma trajetória conceitua. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 93-109, 2016., a junção de ideias formuladas por Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 1991., Castells (2009)CASTELLS, M. A questão urbana. Tradução de Arlene Caetano. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. e Harvey (2009)HARVEY, D. Social Justice and the City. Londres: University of Georgia Press, 2009., e propagadas por intelectuais militantes a partir do vínculo estabelecido entre estes intelectuais e os movimentos. De acordo com a autora, trata-se de

um amálgama entre o direito à cidade, de Lefebvre, e a noção de luta por acesso a equipamentos de consumo coletivo por parte de movimentos sociais urbanos, desenvolvida por Castells. Essa hipótese ajuda a entender como um conceito pensado a partir do diagnóstico de uma nova miséria urbana, em que a satisfação de necessidades básicas já não aparecia como problema central, pôde encontrar tanta aceitação no contexto brasileiro (TAVOLARI, 2016TAVOLARI, B. Direito à cidade: uma trajetória conceitua. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 93-109, 2016., p. 98).

Em países com profundas desigualdades, como o Brasil, o direito à cidade se associa diretamente à conquista do direito à moradia, assumindo a acepção de expansão desse direito, sem se desprender do sentido presente na acepção inaugural de Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 1991., incorporando ainda outros sentidos na inserção de agentes locais no ativismo transnacional pelo direito à cidade, como mostra a pesquisa realizada por Viveiros (2020)VIVEIROS, L. Direito à cidade e hegemonia: movimentos, articulações e disputas no Brasil e no mundo. Salvador: EDUFBA, 2020.. A dimensão jurídica, da mesma forma, ganha força diante da necessidade de tutela do Estado quanto aos direitos assegurados na política urbana instituída, que ainda estão longe de lograr a conquista material.

A respeito da relação entre o direito à cidade e a função social da propriedade, Crawford (2017)CRAWFORD, C. A função social da propriedade e o direito à cidade: teoria e prática atual. Texto para discussão. Brasília, DF: Ipea, 2017. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2282.pdf. Acesso em: 18 nov. 2019.
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salientou tratar-se de uma fusão jurídica de conceitos oriundos de fontes teóricas distintas, considerando-se que o “direito à cidade” tem origem a partir de um teórico marxista. Já o conceito da “função social da propriedade” é atribuído ao francês Duguit, em 1911, a partir de uma visão de propriedade que rejeitava a visão socialista, mas buscava atenuar os desdobramentos perversos da concepção liberal de propriedade na economia capitalista. Desse modo, “o casamento dessas duas ideias pode ser visto como uma novidade legal brasileira, respondendo às características especiais do desenvolvimento urbanístico no país”, aproveitando “os dois aspectos da propriedade – a interação individual e a interação social” (Crawford, 2017CRAWFORD, C. A função social da propriedade e o direito à cidade: teoria e prática atual. Texto para discussão. Brasília, DF: Ipea, 2017. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2282.pdf. Acesso em: 18 nov. 2019.
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, p. 21-22). Entretanto, segundo o autor, é necessário dar sentido concreto a essas formulações, cuja chave pode estar no sistema de participação pública previsto no EC, o que implica em ajuste social e gastos públicos.

Embora o EC tenha suas formulações iniciais no contexto da elaboração da Constituição de 1988, em que o político (MOUFFE, 2015MOUFFE, C. Sobre o político. São Paulo: Martins Fontes, 2015.), em alta, sustentava o processo de democratização do país, na sua longa tramitação legislativa passou por ajustes e pactuações, de modo que não representasse mais uma ameaça aos interesses imobiliários. Em uma conjuntura marcada pelas orientações neoliberais nas políticas públicas, sua implementação vai ser atravessada por contenções e aberturas a arranjos público-privados cada vez mais complexos, sobretudo a partir dos anos 1990. Tais processos se expressam na cidade, no urbanismo corporativo (Fernandes, A., 2013) ou, de forma mais ampla, no urbanismo neoliberal com a participação cada vez mais crescente do setor privado na produção da cidade, sobretudo com a financerização, e o papel central que adquirem o imobiliário e o espaço nos circuitos financeiros globais (Rolnik, 2021ROLNIK, R. Complexificando a avaliação do Estatuto da Cidade: 20 anos de luta e captura. Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, 20 jul. 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/complexificando-a-avaliacao-do-estatuto-da-cidade-20-anos-de-luta-e-captura/. Acesso em: 4 nov. 2022.
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).

Com a ascensão do neoliberalismo e da financeirização urbana, registram-se a flexibilização dos pactos participativos e a participação do Estado em grandes empreendimentos pontuais, assumindo os riscos e despesas, sem a respectiva distribuição social de seus ganhos, resultando no aprofundamento da cisão social. Nesse contexto, há o acirramento da tensão em relação ao “direito à cidade”, em decorrência da mercantilização do espaço urbano, capitaneado pelos grandes empreendedores, pelo capital corporativo e, em alguns casos, pelo poder local, na perspectiva do empresariamento urbano (Hoshino; Franzoni, 2016HOSHINO, T. A. P.; FRANZONI, J. A. Direito à Cidade S/A: a casa de máquinas da financeirização urbana. Le Monde Diplomatique Brasil, Brasília, DF, 7 jul. 2016. Disponível em: https://diplomatique.org.br/direito-a-cidade-sa-a-casa-de-maquinas-da-financeirizacao-urbana/. Acesso em: 15 dez. 2019.
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). Segundo Harvey (2005)HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005., “o direito à cidade, como ele está constituído agora, está extremamente confinado, restrito na maioria dos casos à pequena elite política e econômica, que está em posição de moldar as cidades cada vez mais ao seu gosto” (Harvey, 2005HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005., p. 87).

O urbanismo corporativo é, pois, viabilizado por meio de arranjos jurídico-urbanísticos específicos, envolvendo as esferas pública e privada, e em regra expressam processos urbanos de privatização, enclausuramento, dispersão e esvaziamento dos espaços públicos (Fernandes, A., 2013). Desde sua emergência e expansão nos anos 1980 e 1990, vem se expressando em diversos formatos de projeto urbano (VESCINA, 2010VESCINA, L. M. Projeto urbano, paisagem e representação. Alternativas para o espaço metropolitano. 2010. Tese (Doutorado em Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.), adaptando-se conforme o contexto em que se insere e na relação com os agentes com os quais se defronta (Viveiros, 2005VIVEIROS, L. Cidades estrategicamente planejadas no Brasil: Rio de Janeiro, Fortaleza, Juiz de Fora e Nova Iguaçu. 2005. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.).

Essa lógica de produção combinada de riqueza e escassez assume contornos específicos desde a emergência e afirmação do que Vainer (2016) denomina de urbanismo negocial ou ad hoc. Na sua lógica caso a caso, comparecem o planejamento flexível, as parcerias público-privadas e os instrumentos de pactuação/compromisso, estratégicos para legitimar e legalizar a produção corporativa da cidade, a partir de um sistema de governança que integra o Estado e os interesses corporativos.

Nesse contexto, importante contribuição é trazida por Marques (2016)MARQUES, E. De volta aos capitais para melhor entender as políticas urbanas. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 15-33 2016. relativamente à atuação dos agentes privados, os quais denomina de “capitais do urbano”. O autor amplia o conceito ao estabelecer a influência potencial e a relação desses capitais com as políticas urbanas, em vez de considerá-los simplesmente como “empresas ou atores privados”. Segundo o autor,

[...] para os capitais que tem seus processos de acumulação e lucratividade oriundos diretamente da produção da cidade, as características e as políticas urbanas importam no detalhe. [...] As relações e interações entre, de um lado, esses capitais, suas atividades e estratégicas de valorização e, de outro, o espaço urbano e o Estado são fundamentais para a compreensão das economias políticas do urbano. [...] são esses os capitais com interesses realmente urbanos e que se mobilizam de diversas formas para influenciar as políticas em seu proveito (MARQUES, 2016MARQUES, E. De volta aos capitais para melhor entender as políticas urbanas. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 15-33 2016., p. 17).

Esse autor identifica quatro grupos de capitais do urbano, dos quais interessam para esta análise o “capital incorporador” e o setor de construção civil – edificações e infraestruturas ou obras públicas em geral. Além desses, cita os capitais associados ao fornecimento de serviços públicos – transporte público, limpeza urbana, concessões urbanísticas de áreas – e os capitais associados à prestação de serviços de consultoria, apoio à gestão e ao gerenciamento do próprio Estado nas políticas urbanas. Para Marques (2016MARQUES, E. De volta aos capitais para melhor entender as políticas urbanas. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 15-33 2016., p. 31),

a presença e as estratégias desses capitais nas políticas são enquadradas pelas especificidades dos seus processos de valorização (originárias da valorização da terra ou do acesso ao fundo público), de suas relações com o Estado (como comprador único, comprador entre outros ou meramente regulador das atividades privadas no mercado) e com o espaço (através de fluxos ou com localizações singulares, influenciado ou não as remunerações).

Conforme exposto, o urbanismo corporativo está sempre em tensão na relação com o direito à cidade. Em sua defesa, comparecem os movimentos sociais, coletivos urbanos e redes que articulam, nas ocupações urbanas, protestos e manifestações, na apropriação de espaços comuns – praças, viadutos, prédios vazios e/ou subutilizados –, os quais vislumbram transformações, ainda que não plenamente satisfatórias ou permanentes: “A resistência conectada e multitudinária da metrópole biopolítica pode ajudar a forjar, parafraseando M. Foucault, dentro da caixinha de nossas ferramentas teóricas, dispositivos práticos ousados para promover um curto-circuito na casa de máquinas da financeirização urbana” (HOSHINO; FRANZONI, 2016HOSHINO, T. A. P.; FRANZONI, J. A. Direito à Cidade S/A: a casa de máquinas da financeirização urbana. Le Monde Diplomatique Brasil, Brasília, DF, 7 jul. 2016. Disponível em: https://diplomatique.org.br/direito-a-cidade-sa-a-casa-de-maquinas-da-financeirizacao-urbana/. Acesso em: 15 dez. 2019.
https://diplomatique.org.br/direito-a-ci...
). Nas suas práxis, esses agentes atualizam e revigoram o direito à cidade.

O vazio urbano como ideologia de mercado

Na perspectiva do urbanismo corporativo, o espaço livre com potencial construtivo, em regra, é considerado pelo poder público e pelo mercado imobiliário na ótica do valor de troca, e, mesmo quando apropriado e considerado importante para uma pequena parcela da população, formas de uso e atributos fora da lógica do mercado, a exemplo dos valores ambientais e culturais, são desconsiderados.

Nesse contexto, uma das dimensões do vazio urbano como ideologia está diretamente relacionada à lógica da produtividade urbana, que remonta aos anos 1990, figurando em discursos governamentais, inclusive das agências multilaterais financiadoras de projetos urbanos, compondo o léxico hegemônico da política urbana (VIVEIROS, 2020VIVEIROS, L. Direito à cidade e hegemonia: movimentos, articulações e disputas no Brasil e no mundo. Salvador: EDUFBA, 2020.). O caráter ideológico da noção de produtividade urbana é facilmente detectado quando se observa a incoerência do discurso ao se reportar aos vazios especulativos. Nesse caso, o discurso da produtividade urbana hiberna e somente reaparece em condições urbanísticas favoráveis ao mercado – legislação alvissareira e investimento público garantido – quando a apropriação privada da mais valia se torna possível.

Uma outra dimensão do vazio como ideologia encontra evidências quando associada à ideia de parcela detentora de atributos internos e próprios. Ou seja, quando o rompimento da relação do vazio com o contexto urbano se torna conveniente, o lote ou a parcela vazia se fecha em suas próprias delimitações. Essa visão de parcela, com seus limites físicos e simbólicos, encontra-se totalmente associada à noção de propriedade fundiária individual absoluta que segue naturalizada, tanto no campo jurídico como no urbanístico. Os projetos urbanos são planejados em regra nessa lógica restritiva, enquanto os processos urbanos e os empreendimentos em si seguem dialogando com as múltiplas escalas. O caráter ideológico do vazio se expressa nesse olhar de dentro para dentro com pontos seletivos que definem a relação com o exterior imediato e com a cidade.

Vale ressaltar, nesse contexto, a importante atuação do Estado e, particularmente, do poder público municipal e/ou estadual, que, ao aprovar e sancionar leis que alteram o potencial construtivo, ou implantar infraestrutura de transportes, ressignifica esses vazios no contexto da cidade, tornando-os bastante atrativos aos empreendedores imobiliários, efetivando aquilo que Rolnik e Santoro (2017ROLNIK, R; SANTORO, P. F. Novas frentes de expansão do complexo imobiliário-financeiro em São Paulo. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, p. 8-10, maio-ago. 2017. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002864741. Acesso em: 15 ago. 2019.
https://repositorio.usp.br/item/00286474...
, p. 420) definem como “agenda de processos de valorização da terra apoiada em instrumentos de reestruturação do espaço implementados pelo poder público”.

Como destaca Osório (2002), a propriedade, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, deve ter como princípio norteador sua função social e, assim, por meio do plano diretor, o poder público poderá exigir o cumprimento do dever do proprietário em benefício da coletividade, o que implicará numa destinação que atenderá ao interesse social. O problema é que o plano diretor, que deveria servir de ferramenta para atender ao bem-estar dos habitantes, por vezes acaba sendo ferramenta para maximizar os lucros do capital imobiliário, apoiado em uma lógica contrária aos princípios que o sustentam como instrumento de garantia das funções sociais da cidade e da propriedade.

É indiscutível a quantidade de leis que norteiam o direito urbanístico brasileiro. Com o fito, teoricamente, de solucionar problemas que refletem distorções do crescimento urbano, tentam garantir o cumprimento da função social. Porém o que se observa é que são aplicadas seletivamente e são questionáveis na sua eficácia social e urbanística, e, por vezes, utilizadas para atender a interesses individuais e corporativos. Os próprios juristas têm dificuldades na interpretação das leis, no que se refere ao direito à cidade, pois embasam suas decisões nos princípios civilistas. Como bem destaca E. Fernandes (2002FERNANDES, E. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. Revista da Faculdade de Direito do Alto de Paranaíba, Araxá, p. 12-33, 2002., p. 36), “os juristas brasileiros ainda olham para a cidade a partir da perspectiva do lote privado”.

Corroboram com esse entendimento, Martins e Patiño (2014MARTINS, M. L. R.; PATIÑO, A. R. Urbanismo de exceção e transformação da norma Medellín-Colômbia, São Paulo-Brasil. In: SEMINÁRIO DA REDE IBEROAMERICANA DE INVESTIGADORES SOBRE GLOBALIZAÇÃO E TERRITÓRIO, 13., 2014, Salvador. Anais […]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2014., p. 2) ao afirmarem que muitas das transformações urbanas vividas nas últimas décadas estão associadas às mudanças nos procedimentos e normas adotadas pelo Estado em nível local, que refletem diretamente na vida da cidade: “O impacto provocado por esses processos requer leituras e interpretações das expressões territoriais próprias de cada cidade como também o reconhecimento de aspectos gerais e comuns que merecem considerações mais específicas de cada uma e comparadas”.

No caso em análise, o local onde foi construído o empreendimento era considerado como “vazio” pelo poder público e pelo capital imobiliário. Essa noção de vazio é tergiversada e convertida em favor da especulação imobiliária, visto que o terreno onde foi implantado o empreendimento estava abandonado há décadas pelos proprietários, sem que o poder público municipal acionasse os instrumentos de indução à ocupação prevista na ordem jurídica brasileira.

Paradoxalmente, esse abandono especulativo tinha como contraponto o uso que se aproxima do exercício do direito à cidade, na medida em que os moradores do entorno promoviam sua utilização, conferindo-lhe valor de uso em detrimento do valor de troca. O terreno, conhecido como “Planalto” pelos moradores dos bairros do entorno, era utilizado com apropriações temporárias, realizadas pelo cultivo de hortaliças, caça, práticas de cultos afro-brasileiros e realização de campeonatos de futebol (Lima, 2019LIMA, A. N. V. Do direito autoconstruído ao direito à cidade: porosidades, conflitos e insurgências em Saramandaia. Salvador: EDUFBA, 2019.). Além disso, a área era ambientalmente representativa, com parte expressiva de cobertura vegetal de remanescente de Mata Atlântica, em estágio médio de regeneração, cumprindo, portanto, uma função socioambiental em uma área adensada.

Por sua vez, na ótica do capital imobiliário, a área somente passou a ser “produtiva” quando o PDDU/2004 aumentou consideravelmente seu potencial construtivo, criou um novo centro e concebeu um plano viário e de transporte estruturante para a área. Os instrumentos constitucionais de política urbana contentores da retenção especulativa do solo nunca foram aplicados.

EMPREENDIMENTO HORTO BELA VISTA: PERFIL DO URBANISMO CORPORATIVO EM SALVADOR

A implantação do empreendimento Horto Bela Vista, no bairro do Cabula, pela JHSF, se deu no contexto do boom imobiliário, ocorrido em 2008, em período de expansão do crédito imobiliário e crescente valorização dos imóveis. Esse momento é caracterizado principalmente pelo aporte significativo de recursos estrangeiros nas grandes construtoras, que acelerou o processo de aquisição de terrenos e aumentou significativamente o número de lançamentos imobiliários (Shimbo, 2010SHIMBO, L. Z. Habitação social, habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. 2010. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Escola de Engenharia de São Carlos, São Carlos, 2010.).

A empresa paulista JHSF firmou parceria com a Euluz Empreendimentos Imobiliários, o que foi crucial para dar relevância e garantia do resultado final, pois a segunda era uma empresa baiana e já tinha experiência em empreendimentos do tipo shoppings centers de grande porte na capital. A implantação do HBV por uma grande empresa do ramo imobiliário em Salvador, de modo semelhante a outras cidades brasileiras, está relacionada ao cenário contemporâneo de emergência do urbanismo corporativo.

O projeto tinha como concepção original uma urbanização integrada de uso misto – comercial, residencial e serviços –, em terreno de 330 mil m2 2 Dispoível em: https://sedur.salvador.ba.gov.br/images/arquivos_processos/2016/07/SSA_PDDU_MAPA_03_ZEIS.pdf. cesso em: 20 set. 2017. localizado no bairro do Cabula, área do miolo de Salvador, circundado por importantes vias – Acesso Norte (BA-324), Av. Luiz Vianna Filho (Paralela), Av. Antônio Carlos Magalhães e Av. Luís Eduardo Magalhães. Está localizado próximo a áreas com grande dinamismo econômico, com equipamentos geradores de renda e de grande fluxo de pessoas, como o Shopping Salvador (2,5 km), o Shopping da Bahia (1,7 km), a Estação Rodoviária (1,3 km) e o Centro Administrativo da Bahia (6 km), além de estar posicionado na confluência das principais avenidas da cidade e do principal acesso rodoviário (Planarq, 2010a, p. 26). (Figuras 1 e 2).

Figura 1
– Localização do Horto Bela Vista e entorno

Figura 2
– Vista do Empreendimento Horto Bela Vista

O bairro do Cabula tem configuração espacial resultante de formas de uso e ocupação do solo em distintos períodos históricos: os antigos núcleos quilombolas; as chácaras destinadas à produção agrícola; a implantação dos conjuntos habitacionais (Habitação e Urbanização do Estado da Bahia – URBIS e Instituto de Orientação Cooperativas Habitacionais – Inocoop) pelo Estado e, mais recentemente, pela atuação do capital imobiliário (Gouveia, 2010GOUVEIA, A. T. A. Um olhar sobre o bairro: aspectos do Cabula e suas relações com a cidade de Salvador. 2010. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.). Entre os anos de 1980 e 1990, o bairro cresceu de forma rápida – passando de 13.150 habitantes (1980) para 37.132 habitantes (1990), atingindo 47.283 habitantes (2000), e a vasta área verde foi desaparecendo com sucessivos desmatamentos para construção das vias de acesso do local (Fernandes, R. B., 2004; Fernandes; Regina, 2005FERNANDES, R. B.; REGINA, M. E. A segregação residencial em Salvador no contexto do “miolo” da cidade. Cadernos do Logepa, João Pessoa, v. 4, n. 1, p. 39-46, 2005.) e novos empreendimentos habitacionais.

No entorno do bairro está localizada a Zeis, que engloba os bairros de Pernambués e Saramandaia, como pode ser visto na Figura 3 (PDDU, 2016), em área valorizada e de intensa especulação imobiliária. Ambas têm como características principais a infraestrutura precária e a vulnerabilidade socioeconômica. Essas Zeis estão inseridas no principal centro econômico de Salvador e, portanto, suas dinâmicas de crescimento e adensamento ocorrem com forte interação e conflito com a expansão dessa centralidade. O empreendimento foi licenciado sem considerar os evidentes impactos socioambientais no contexto no qual se insere.

Figura 3
– Localização do Horto Bela Vista e da Zeis Saramandaia e Pernambués – PDDU 2016

2 2 Dispoível em: https://sedur.salvador.ba.gov.br/images/arquivos_processos/2016/07/SSA_PDDU_MAPA_03_ZEIS.pdf. cesso em: 20 set. 2017. A área compõe o novo Centro Acesso Norte-Retiro, conforme estabelecido no PDDU/2004, e integra-se física e simbolicamente à principal centralidade de Salvador (Centro Iguatemi/Camaragibe), colocando-se como enclave na sua relação com o entorno empobrecido, representado pelos bairros populares. Um conjunto de diretrizes e regras estabelecidas nessa versão do PDDU fomentava a expansão dessa centralidade, induzindo a reconfiguração dessa porção da cidade em termos de uso e ocupação, abrindo novas frentes para o aumento da produção imobiliária formal (Valverde, 2015VALVERDE, T. S. As estratégias de incorporação imobiliária e a configuração socioespacial de Salvador: O caso do empreendimento Horto Bela Vista. 2015. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015., p. 70).

Uma complexa operação foi acionada para o surgimento e a consolidação desse novo centro3 3 Entretanto, passados 16 anos, esse centro ainda não se consolidou e permanece substantivamente atrelado às suas atividades industriais e atacadistas. , abrangendo um conjunto de inputs externos, tais como: alterações da legislação urbanística e a implantação de um robusto programa de mobilidade do governo estadual, com desdobramentos diretos em sua reestruturação, tais como: Via Expressa Baía de Todos os Santos (com acesso à área portuária), construção de túneis, viadutos e passarelas. Quando da sua implantação, a primeira etapa do metrô já contemplava a estação Acesso Norte que passaria exatamente na frente do empreendimento, evidenciando a valorização significativa da área.

Proposições do governo municipal de elevação dos coeficientes de aproveitamento, aprovadas no PDDU/2004, “prepararam o terreno” para abrigar empreendimentos desse tipo na área. Vale ressaltar que o processo de implantação do HBV começou a tramitar em 2005, imediatamente após a aprovação do PDDU, e vai se valer do novo regramento (Valverde, 2015VALVERDE, T. S. As estratégias de incorporação imobiliária e a configuração socioespacial de Salvador: O caso do empreendimento Horto Bela Vista. 2015. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.), apresentando-se em dissonância com os bairros do entorno – Cabula, Pernambués e Saramandaia – e com os usos comerciais e industriais do Retiro.

Desse modo, o plano diretor, com as alterações no zoneamento, cria uma centralidade que absorve e, de certa forma, justifica a implantação de empreendimentos de grande porte, sustentado por diretrizes de mobilidade cujo programa se encontrava já delineado na ocasião. Além do mais, embora o PDDU/2004 tenha sido aprovado sob a égide do EC, não houve por parte do poder público a aplicação de qualquer instituto jurídico-urbanístico que contribuísse com a efetivação das diretrizes contidas nessa lei, tais como “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos” ou “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” (Brasil, 2002). Nesse sentido, o planejamento opera por omissão quando se esquiva da imposição de aplicação dos instrumentos de combate à especulação imobiliária e gestão social da mais valia fundiária.

O HBV, à época de sua implantação, dispunha de alvará de construção e licenciamento ambiental. Ou seja, a incorporadora JHSF havia, em tese, cumprido todos os trâmites legais relativos à aprovação do empreendimento. Entretanto, a liberação da construção pelos órgãos competentes ocorreu sem a exigência, pela Prefeitura de Salvador, do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), tampouco do EIV, conforme previsto no EC e no PDDU/2004 vigente à época, para empreendimentos de grande porte. A inexistência de legislação específica no âmbito municipal, dispondo sobre o EIV, serviu como argumento para ensejar a aprovação do empreendimento sem o mencionado estudo.

No processo de licenciamento ambiental, questionamentos sobre ações da empresa, a exemplo da instalação de stand de vendas e vias, antes da emissão da licença4 4 A licença foi concedida em 2009 pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam). , e supressão de vegetação de Mata Atlântica, ensejaram a instalação de Inquérito Civil pelo Ministério Público da Bahia (BAHIA, 2016). Esse procedimento teve como objeto a apuração de ofensa ou violação a ordem urbanística pelo empreendimento HBV, que possibilitou, de fato, a exposição do conflito e das tensões entre o urbanismo corporativo e o direito à cidade.

Desse modo, desvelar nuances da estratégia de concepção e implantação permite conhecer os recursos acionados para sua viabilização e identificar fragilidades e irregularidades, algumas das quais fortemente questionadas no processo deflagrado pelo MP-BA.

O INSTRUMENTO DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA (EIV) E O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC): ENTRE O URBANISMO CORPORATIVO E O DIREITO À CIDADE

A Constituição Federal de 1988 buscou incorporar uma gama de princípios, institutos e esferas públicas participativas que pudessem contribuir com a restauração do regime democrático no Brasil. Nesse contexto, houve uma aposta na ampliação dos poderes e competências do Ministério Público, de modo a alargar suas atribuições para além da perspectiva penal, sendo-lhe incumbida constitucionalmente a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, entre os quais está inserida a tutela do direito à cidade.

As décadas que se sucederam à aprovação do texto constitucional se caracterizaram pelo acirramento dos conflitos em torno do direito à cidade, levando, em muitos casos, os atores envolvidos nas lutas urbanas a eleger a esfera jurídica como campo privilegiado para dirimi-los. Se, por um lado, a centralidade assumida por esse campo pode ser considerada como possibilidade de ampliação da luta urbana, por outro, também é percebida como estratégia para evitar os constrangimentos e pressões da sociedade. Nesse sentido, segundo Mouffe (2003MOUFFE, C. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. Política e Sociedade, Florianópolis, n. 3, p. 11-23, out. 2003., p. 17-18):

As decisões políticas são encaradas como se fossem uma natureza técnica e mais bem resolvidas por juízes tecnocratas, considerados portadores de uma suposta imparcialidade. Hoje, devido à falta de uma esfera pública política democrática, na qual a confrontação agonística poderia acontecer, é o sistema jurídico que é frequentemente visto como o responsável por organizar a coexistência humana e por regular as relações sociais.

Ademais, ao transitar por esse campo, em muitos casos se verifica uma retração da participação social, seja em função da dificuldade de acesso ao chamado “mundo jurídico” ou pelos ritos adotados que exigem mediação de técnicos e conhecimentos especializados. No caso estudado, fica evidenciado que essa disputa se tornou ainda mais desigual, visto que teve como precedente o cerceamento da participação dos moradores da cidade nas esferas públicas democráticas. O Plano Diretor de Desenvolvimento do município de Salvador de 2004SALVADOR. Lei nº 6586/2004, de 3 de agosto de 2004. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador – PDDU e dá outras providências. Diário Oficial do Município, Salvador, ano 18, n 3.747, 2004., que estabeleceu as condições legais para a realização do empreendimento, foi aprovado sob tensionamento social, em função da interdição da participação social5 5 A falta de participação social na elaboração do Plano Diretor de Salvador foi denunciada por meio de Carta Aberta dos(as) moradores(as) das comunidades de Salvador no Fórum América Latina Habitar 2000 Brasil, e ensejou mobilizações no âmbito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para acessar os estudos técnicos elaborados (Lima, 2003). .

Nessa esteira de restrições ao exercício democrático, os licenciamentos urbanístico e ambiental que respaldaram a construção do HBV tramitaram sem que houvesse uma efetiva participação social, não atentando para as diretrizes contidas no EC que regem a gestão democrática da cidade, notadamente a necessidade de realização de audiências públicas.

Portanto é nesse contexto adverso, com base nas atribuições de tutela do direito à cidade, que a 5ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), considerando os danos ambientais e impactos urbanos potenciais do empreendimento, buscou intervir, por meio da instauração do inquérito civil, visando “apurar ofensa ou violação a ordem urbanística e em razão da implantação do empreendimento de urbanização integrada Horto Bela Vista” (Bahia, 2016, p. 1). Esse procedimento culminou na assinatura, em outubro de 2009, do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), instrumento extrajudicial celebrado para compor conflitos que envolvam direitos coletivos, pelo MP-BA e pela JHSF. O TAC foi firmado depois do início da comercialização do empreendimento, tendo como objeto a adoção de medidas para mitigar e compensar os impactos causados pela sua implantação.

O TAC é regulado pela Lei Federal nº 7.347 de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Nessa Lei, é estabelecido que “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial” (Brasil, 1985, p. 10649). O TAC é um instrumento que busca promover a reparação ou mitigação do dano, evitando o ajuizamento de ação judicial em face do Poder Judiciário. Após apurar e comprovar a existência de dano no âmbito do inquérito civil, o ofensor poderá assinar o acordo para o cumprimento de obrigação de fazer (positiva) ou em obrigação de não fazer (negativa).

Em tese, a realização do TAC tende a conferir certa celeridade, comparando-se ao tempo necessário para finalizar um processo judicial. Ademais, a Lei nº 7.347, de 1985, considera o TAC um título executivo extrajudicial, o que permite que, em caso de inadimplemento dos termos acordados, possa haver sua execução imediata, o que por si só diminui a burocracia e o lapso temporal até sua finalização.

A União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, o Ministério Público, a Defensoria Pública, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista têm legitimidade para firmar TAC. Compete ao MP fiscalizar a aplicação e o cumprimento dos dispositivos legais, defendendo, assim, os bens jurídicos. Desse modo, a participação do MP é obrigatória, ainda que este não seja o propositor do inquérito civil.

Diante das apurações realizadas pelo MP-BA, foi acordado que a Empresa JHSF deveria promover a reformulação do projeto do empreendimento Horto Bela Vista a fim de adequá-lo às regras e princípios do direito ambiental, elaborar um Plano Urbanístico do Centro Municipal Retiro – Acesso Norte e um Estudo de Impacto Urbano-Ambiental (Eiua) para área de influência do empreendimento Horto Bela Vista.

Com as medidas, a promotoria exige, por um lado, o diálogo do empreendimento com as dinâmicas da metrópole, a partir da inserção deste no contexto do plano proposto do Centro Retiro – Acesso Norte e, por outro, recorre a um instrumento de avaliação de impactos híbrido, colacionando os impactos ambientais e os impactos urbanísticos potencialmente causados pelo empreendimento. Essa decisão mostra cautela na imposição das medidas quando recorre a instrumentos de política urbana capazes de avaliar com maior rigor os danos ambientais e urbanísticos, e apresentar medidas adequadas e dimensionadas diante dos impactos identificados.

O Eiua foi elaborado em 2010 pela empresa de consultoria Planarq, atendendo à solicitação do MP-BA, tendo como objetivo identificar e avaliar os impactos decorrentes da inserção do empreendimento no território, bem como estabelecer medidas voltadas a compensar possíveis impactos a serem gerados (Planarq, 2010a).

A partir do estudo foram definidos eixos estruturantes que subsidiaram a formulação dos termos do TAC, quais sejam: minimizar e compensar a segregação física, funcional e social imposta pela concepção arquitetônico-urbanística do empreendimento, traduzido como integração com a vizinhança; minimizar um eventual esvaziamento do comércio e prestação de serviços locais provocado pelo shopping center, evocado na ideia de fortalecimento do comércio local; minimizar problemas identificados na circulação de pedestres, veículos motorizados e não motorizados, sintetizado enquanto mobilidade urbana e minimizar impactos provocados principalmente pela elevada verticalização e adensamento das edificações do empreendimento no sentido de garantia do conforto urbano e meio ambiente (Bahia, 2016BAHIA. Relatório de Arquivamento do Inquérito Civil. Inquérito Civil SIMP nº 003.0.176305/2008. Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia, 2016.). No desenrolar do TAC, diversos compromissos foram assumidos, podendo-se ressaltar aqueles relativos aos impactos na mobilidade e ambientais.

Importante destacar que as medidas de compensação social foram incluídas no decorrer do processo de discussão e consolidação do TAC, em particular as relativas às comunidades de Saramandaia e Pernambués, cujos representantes participaram ativamente de todas as audiências públicas realizadas, debatendo diversos pontos por intermédio de seus líderes comunitários.

Um primeiro termo aditivo ao TAC previu um rol de medidas compensatórias e reparadoras de mobilidade urbana, ambientais e relativamente aos impactos nas comunidades do entorno, podendo-se destacar, com referência às comunidades, a realização de obras de requalificação da Praça Artur Lago, em interligação com o Centro Social Urbano (CSU) existente em Pernambués, e a elaboração de projeto para a construção de quadra poliesportiva em Saramandaia. Nesse esforço, diversos agentes foram inseridos no processo a fim de prover subsídios técnicos ao MP-BA e assessorar as comunidades afetadas, com destaque para a UFBA, que, em áreas distintas de especialidade, contribuiu para o alinhamento, a correspondência e a efetividade do TAC diante dos impactos identificados.

Em 2014, foi realizado o segundo TAC Aditivo, no qual foram substituídas algumas obrigações que haviam sido firmadas no TAC e no aditivo, entre os quais se destaca uma praça em Saramandaia e alterações de medidas relativas à mobilidade. Os limites próprios ao processo de pactuação ficam evidenciados nas medidas para “minimizar e compensar a segregação física, funcional e social imposta pela concepção arquitetônico-urbanística do empreendimento” e assim “promover a integração com a vizinhança” (Bahia, 2008BAHIA. Inquérito Civil nº 003.0.176305/2008. Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia, 2008.). Entre as medidas recomendadas constam a substituição de muros por gradis nos trechos frontais, ajustes de calçadas e declividades de rampas. A integração com a vizinhança e mitigação da autossegregação do empreendimento exigiriam mudanças na própria concepção do empreendimento, o que certamente não estava em pauta.

Outros processos urbanos ocorreram simultaneamente no sentido de potencializar a resistência e luta dos moradores da região, destacando-se a elaboração do Plano de Bairro para Saramandaia, como atividade de extensão do Grupo de Pesquisa Lugar Comum da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFBA. Tensões foram potencializadas com a previsão de implantação de uma via pedagiada que cortaria o bairro de Saramandaia em duas porções, com significativos impactos socioterritoriais. Nesse contexto, a comunidade se fortaleceu e estendeu sua participação aos demais processos relacionados ao HBV, inclusive com o aumento das compensações ambientais.

Desde o primeiro TAC do empreendimento HBV, inúmeros impactos foram ocasionados no entorno do empreendimento. Os relatórios de acompanhamento e atas constantes dos autos do inquérito civil trazem evidências de que o TAC firmado interferiu nos rumos do empreendimento e produziu alterações no entorno. Mostram ainda a complexidade e as tensões envolvidas nas disputas territoriais, reconfiguradas no tempo pelas forças em ação. No jogo de forças, tal como enunciado por Schvarsberg (2011)SCHVARSBERG, B. Estatuto da Cidade, EIV e a Gestão Democrática no Planejamento Urbano. In: SEMINÁRIO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA E A LEI DO EIV EM PORTO ALEGRE, 2011, Porto Alegre. Anais […]. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento Municipal, 2011. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/spm/usu_doc/bennyschasberg-eiv_e_ec_.pdf. Acesso em: 22 jun. 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
, a capacidade de organização e articulação política das comunidades é decisiva para forçar a efetivação das compensações para esses territórios, como ficou evidenciado.

Entretanto a dificuldade de garantir ações estruturantes no conjunto das medidas mitigadoras coloca em questão a potencialidade tanto do EIV quanto do TAC de reverter efeitos danosos, muitas vezes devastadores, quer seja para as comunidades, quer seja para o ambiente, dos pontos de vista social e ambiental, decorrentes da implantação de empreendimentos de grande porte, o que, de certa forma, se torna extremamente favorável aos interesses do setor privado.

Mesmo considerando que o EIV deveria ter sido realizado de forma prévia ao consentimento do alvará de construção, já que condiciona a aprovação do projeto, o ganho político da medida acionada é inegável. É certo que sua elaboração a posteriori implica no descumprimento daquilo que deveria ser o seu principal objetivo, qual seja, evitar o dano, mas a iniciativa do MP-BA, além de criar as condições para a emergência do conflito, coloca o município diante da sua omissão na regulamentação do instrumento, abre o diálogo do empreendedor com as comunidades vizinhas e tensiona no sentido de restituir a relação do empreendimento com a cidade.

A implantação do HBV foi marcada por um processo tenso e complexo com o comparecimento de outros agentes estatais e da sociedade civil, com inserções e recursos de poder distintos. Está, portanto, nos arranjos políticos formados, a principal contribuição emanada da elaboração, formalização e acompanhamento do TAC. É importante ressaltar, conforme exposto anteriormente, que as compensações sociais foram inseridas posteriormente e tiveram, no curso da ação, maior aporte de recursos, demonstrando a importância da participação social nesse processo.

O caso aqui analisado envolve a pressão do setor imobiliário no sentido de impor uma ordem urbanística corporativa na cidade, com o recurso a regramento seletivo e ad hoc e estratégias para minimizar a execução de medidas compensatórias. Por outro lado, a inserção do MP e de agentes da sociedade civil e assessoria técnica revela a expressão do conflito como sociabilidade e ação política no sentido da conquista do direito à cidade. Essas esferas de tensão e interação colocam a produção da cidade como dimensão permanente de disputa.

CONCLUSÕES

Os embates em torno do direito à cidade são marcados por um forte desequilíbrio entre as forças que os travam. Os princípios da ordem urbanística, consagrados pela Constituição Federal de 1988, ainda são lidos e interpretados à luz de uma visão privatista do Código Civil de 1916, favorecendo a imposição de uma ordem corporativa. As reivindicações alavancadas pela sociedade, ao adentrar no campo jurídico, embora abram mais uma possibilidade de disputa, dificultam a participação direta, sobretudo dos setores populares.

Para procedermos a uma avaliação do potencial do instrumento do TAC na garantia do direito à cidade, é preciso apontar algumas ponderações iniciais. Em primeiro lugar, o instrumento deve ser analisado como medida corretiva, e não como meio de intervenção na cidade ou instrumento de política urbana. Desse modo, o TAC não substitui o planejamento urbano e os demais instrumentos de política urbana, devendo as análises sobre o instrumento serem feitas dentro dos limites das suas possibilidades legais. Análises que superestimam sua potencialidade para além dos limites tendem a tirar conclusões extremamente negativas sobre a atuação do MP. Por exemplo, não cabe ao órgão, por meio do TAC ou qualquer outro instrumento, promover a captação da mais valia fundiária, diretriz imposta pelo EC e ignorada na ocasião da elaboração do Plano Diretor, que aumentou drasticamente os coeficientes de aproveitamento para a zona de implantação do empreendimento.

Em segundo lugar, é necessário fazer uma leitura das camadas que compõem as limitações do TAC e da própria atuação do MP. A Constituição de 1988, ao encarregar o órgão na defesa do direito à cidade, buscou reforçar a atuação social, contudo o fetiche criado em torno das potencialidades do campo jurídico levou a algumas interpretações equivocadas por parte da própria sociedade, que, ao acionar essa instância, superestima seu papel e pode arrefecer os processos de mobilização social. Esse é um aspecto a merecer aprofundamento em pesquisas futuras.

Uma análise do processo e dos agentes envolvidos na execução do TAC do HBV traz a importância do tensionamento e explicitação dos conflitos de interesses, com evidentes ganhos no caso concreto e na formação de uma cultura urbanística de reparação de danos, colocando em xeque o pretenso laissez-faire da ação coorporativa da cidade, apontando para um devir do direito à cidade.

No caso específico, a assinatura do TAC, visando a determinação de medidas compensatórias decorrentes de danos socioambientais, significou um componente importante na luta pelo direito à cidade, ao colocar em questão o curso supostamente consensual e natural de implantação do empreendimento HBV, formalizado entre a JHSF S.A. e o município de Salvador. A assinatura do acordo extrajudicial, materializado no TAC, evitou a juridicização do processo, o que, em tese, significaria dar celeridade ao cumprimento das medidas compensatórias. Contudo essa via não demonstrou a rapidez esperada.

Para a comunidade de Saramandaia, o TAC possibilitou a agregação de novos agentes às suas lutas que, como visto, não estão restritas aos conflitos envolvendo o HBV, além do fortalecimento de vínculos de solidariedade para a ação política de uma comunidade formada nas lutas pelo direito à moradia. Essa experiência, por exemplo, fortaleceu os agentes locais na oposição firme contra a implantação da via pedagiada, cujos impactos diretos na comunidade e na cidade são ainda maiores, ampliou e fortaleceu a articulação com outras comunidades e com a universidade, dando visibilidade às suas lutas.

Coube ao instrumento de forma acertada, no âmbito do Eiua, incluir a elaboração do Plano Urbanístico para o novo centro, com vistas a subsidiar a definição de medidas mitigadoras para os impactos ambientais e urbanos na área de influência direta do HBV. Entretanto, em que pese sua relevância, o Plano Urbanístico precisa ser reconhecido e instituído pelo município, o que não ocorreu; nem mesmo foi levado em consideração no planejamento urbano municipal após a aprovação do TAC.

Os impactos identificados no Eiua demonstram que a liberação do alvará de construção de um megaempreendimento sem a exigência dos instrumentos de política urbana previstos no EC que possam mitigar ou compensar os efeitos negativos pode ser uma conduta lesiva ao interesse público e coletivo e ao direito à cidade. O Eiua do HBV identificou, por exemplo, que o empreendimento em oito anos iria causar significativo impacto no adensamento populacional, além de diversos comprometimentos na mobilidade urbana, o que somente foi possível avaliar com a exigência de sua elaboração imposta pelo TAC.

Entretanto, considerando a localização estratégica do empreendimento e os significativos impactos sociais e urbanos na região dos bairros de Cabula, Pernambués e Saramandaia, questiona-se a correspondência entre os impactos previstos e as medidas efetivadas, o que somente poderá ser verificado ao longo do tempo. Cabe destacar que as compensações previstas no TAC estiveram ancoradas em um instrumento jurídico, à época novo na ordem jurídica e ainda não regulamentado no âmbito do município de Salvador, dificultando a aferição da gradação dos impactos, bem como o cálculo financeiro para executar as medidas compensatórias.

É importante ressaltar que a implantação de empreendimento com as características do HBV em um bairro que até então era considerado de classes média e baixa incluía necessariamente a despossessão como requisito, que, segundo Harvey (2020)HARVEY, D. Os sentidos do mundo: textos essenciais. São Paulo: Boitempo, 2020., trata-se de acumulação típica do capitalismo financeiro. Esse processo tem várias facetas, tanto materiais quanto simbólicas. A retirada do espaço de lazer dos moradores do entorno representa uma das muitas perdas para as comunidades, não tendo sido considerada, por exemplo, a possibilidade de gentrificação nos bairros vizinhos, com a valorização decorrente do próprio empreendimento e a reestruturação viária. Ainda que os desdobramentos do TAC não tenham sido suficientes na perspectiva do atendimento amplo ao direito à cidade e da justiça social, deve-se reconhecer a importância do enfrentamento realizado pelo MP-BA, referendando o EIV como um importante instrumento de gestão.

Entretanto, o descumprimento do TAC não gera punibilidade efetiva, e a flexibilidade deste pode ocasionar lentidão, possibilitando ultrapassar inclusive o tempo de um processo judicial, o que prejudica a celeridade que deveria ser característica intrínseca do instrumento. A extensão do tempo de implementação das medidas contribui para que o empreendimento seja construído, comercializado, ainda que o TAC não seja integralmente cumprido. No estudo em questão, uma parte firmada do TAC foi cumprida, ainda que parcialmente. Entretanto, o estudo comprovou a necessidade de remodelação ao longo do tempo, restando evidente a flexibilização realizada na tentativa de viabilizar seu cumprimento.

A dilatação da execução do TAC por quase 11 anos teve, entre outras consequências, o esgarçamento e a fragmentação da participação social no acompanhamento do processo, diante das suas próprias fragilidades e da dinâmica das forças envolvidas. As alegações de falta de recursos e a extensão do prazo de implantação do empreendimento, na sua totalidade, postergaram a execução das cláusulas ajustadas. A aplicação do referido instrumento, no caso analisado, ficou sujeita a arranjos e negociações possíveis em um jogo de forças que se modifica no tempo.

Em suma, os resultados demonstram ser o TAC um instrumento com eficácia limitada para reparar e compensar danos à cidade. Apesar disso, deve-se ressaltar que, no caso específico analisado, representou um importante apoio na luta social e política para a afirmação e conquista do direito à cidade, pressionando o poder público no cumprimento do seu dever de executar a política urbana e garantir o bem-estar dos habitantes. Desse modo, as limitações do instrumento apontadas não chegam a anular as conquistas logradas no processo em questão. O tensionamento produzido para a colocação do EIV em pauta e evidência na agenda pública não pode ser desprezado, revelando-se como acionamento tático no sentido da efetivação da política urbana.

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  • 1
    A Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil de 1934, segundo Marés (2003)MARÉS, C. F. A função social da terra. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2003., influenciada pela República de Weimar e pela Revolução Camponesa do México, buscou, ainda que de forma tímida, recepcionar a função social como instituto qualificativo da propriedade da terra. Nesse texto constitucional, há previsão de que o direito de propriedade não pode ser exercido contra o interesse social ou coletivo.
  • 2
  • 3
    Entretanto, passados 16 anos, esse centro ainda não se consolidou e permanece substantivamente atrelado às suas atividades industriais e atacadistas.
  • 4
    A licença foi concedida em 2009 pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam).
  • 5
    A falta de participação social na elaboração do Plano Diretor de Salvador foi denunciada por meio de Carta Aberta dos(as) moradores(as) das comunidades de Salvador no Fórum América Latina Habitar 2000 Brasil, e ensejou mobilizações no âmbito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para acessar os estudos técnicos elaborados (Lima, 2003LIMA, A. N. V. Planejamento participativo à luz do Estatuto da Cidade: notas sobre a cidade de Salvador. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, Salvador, n. 206, p. 51-65, 2003. Disponível em https://cadernosdoceas.ucsal.br/index.php/cadernosdoceas/article/view/330/275. Acesso em: 4 nov. 2022.
    https://cadernosdoceas.ucsal.br/index.ph...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2020
  • Aceito
    28 Nov 2022
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