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SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL POR RAÇA E CLASSE EM FORTALEZA, SALVADOR E SÃO PAULO

RESIDENTIAL SEGREGATION BY RACE AND CLASS IN FORTALEZA, SALVADOR AND SÃO PAULO

SÉGRÉGATION RÉSIDENTIELLE PAR RACE ET CLASSE À FORTALEZA, SALVADOR ET SÃO PAULO

Resumos

Este artigo trata da importância da variável raça para os contornos da segregação residencial em cidades brasileiras. Nossa hipótese é a de que haveria um padrão geral de segregação caracterizado pela articulação entre raça e classe, ou seja, não podemos reduzi-la a uma ou a outra dessas dimensões. Não obstante, esse padrão deve apresentar variações de acordo com contextos regionais e locais. Nossa estratégia empírica envolveu a categorização da população em diferentes grupos de raça e classe, e a mensuração da segregação residencial entre cada um desses grupos por meio de técnicas amplamente empregadas. Os resultados apontam que São Paulo e Salvador se enquadram bem no padrão postulado, com evidentes diferenciais raciais nas localizações residenciais. Já Fortaleza apresenta menores níveis de segregação racial e maior prevalência da segregação por classe social. O artigo enseja um maior aprofundamento da pesquisa sobre aspectos raciais da segregação e uma ampliação dos estudos comparativos.

Segregação residencial; Raça; Classe social; Relações raciais; Sociologia urbana


This article deals with the importance of the race variable for the residential segregation contours in Brazilian cities. Our hypothesis is that there would be a general pattern of segregation characterized by the articulation between race and class, that is, we cannot reduce it to one of these dimensions or the other. However, this pattern should vary according to regional and local contexts. Our empirical strategy involved categorizing the population in different race and class groups and measuring residential segregation between each of these groups by widely used techniques. The results show that São Paulo and Salvador fit well into the postulated pattern, with evident racial differences in residential locations. Fortaleza, on the other hand, has lower levels of racial segregation and a higher prevalence of social class segregation. Thus, the article calls for further research on racial aspects of segregation and an expansion of comparative studies.

Residential segregation; Race; Social class; Race relations; Urban sociology


Cet article traite de l’importance de la variable race pour les contours de la ségrégation résidentielle au Brésil. Il existerait, on suppose, un modèle général de ségrégation caractérisé par l’articulation entre race et classe, c’est-à-dire qu’on ne peut pas le réduire à l’une ou l’autre de ces dimensions. Ce schéma devrait pourtant varier en fonction des contextes régionaux et locaux. Notre stratégie empirique consiste à classer la population en différents groupes de race et de classe en mesurant la ségrégation résidentielle au sein de chacun de ces groupes à l’aide de techniques largement utilisées. Les résultats indiquent que São Paulo et Salvador correspondent bien au modèle postulé, avec des différences raciales évidentes dans les lieux résidentiels. Fortaleza présente des niveaux de ségrégation raciale plus faibles et une prévalence de ségrégation par classe plus élevée. L’article encourage donc des recherches sur les aspects raciaux de la ségrégation et le développement des études comparatives.

Ségrégation résidentielle; Race; Classe sociale; Relations raciales; Sociologie urbaine


INTRODUÇÃO

O fenômeno da segregação racial em cidades brasileiras costuma ser depreciado, tanto no senso comum quanto por parte de alguns pesquisadores. Os discursos visando rechaçá-lo envolvem comparações pouco contextualizadas com casos tidos como paradigmáticos – como o Jim Crow ou os guetos norte-americanos – e argumentos que afirmam que, dada a preponderância da segregação por classe social em nossas cidades, a segregação por raça não teria significância. Em trabalhos anteriores ( França, 2010FRANÇA, D. Raça, classe e segregação residencial no município de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. , 2022FRANÇA, D. S. N. Segregação racial em São Paulo: residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI. São Paulo: Blucher, 2022. ), a partir do exame empírico da segregação residencial na região metropolitana de São Paulo, introduzimos a hipótese de que a peculiaridade da segregação no Brasil seria justamente o fato de as distâncias residenciais serem delineadas a partir da articulação entre raça e classe. Este artigo verifica, através de uma análise comparativa, à que medida podemos identificar tal padrão – ou variações dele – também em Salvador e Fortaleza, regiões metropolitanas que representam distintos contextos regionais, demográficos e de desigualdades.

Na primeira seção, trataremos da noção de segregação e a forma como esse fenômeno tem sido abordado pela Sociologia. Em seguida, apresentaremos sumariamente a discussão sobre segregação por raça no Brasil. Na terceira seção, será abordado um panorama das desigualdades e, depois, empregaremos alguns dos métodos mais utilizados para descrever a segregação em três regiões metropolitanas brasileiras – São Paulo, Salvador e Fortaleza –, apontando as peculiaridades locais da articulação entre raça e classe para, enfim, caracterizar tal fenômeno. Na última seção, retomaremos e discutiremos os principais resultados deste estudo.1 1 Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo financiamento e ao grupo coordenado pelo prof. dr. José Marcos Pinto da Cunha, no Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” da Universidade Estadual de Campinas (NEPO-Unicamp), pelo acolhimento e suporte institucional. Também sou grato aos pareceristas anônimos e à equipe editorial da Caderno CRH.

SEGREGAÇÃO: DEFINIÇÃO E ABORDAGENS

Das diferentes formulações do conceito de segregação na literatura das Ciências Sociais, prevalece a ideia de que esse fenômeno diz respeito a processos e circunstâncias nas quais determinados grupos sociais se separam uns dos outros, evitando o convívio e a interação. Tal separação é fundada, em geral, sobre relações de desigualdades, hierarquias e discriminações entre os grupos sociais implicados. Seu objetivo seria evitar contatos, interações e, principalmente, a mistura com grupos subordinados ( Brun, 1994BRUN, J. Essai critique sur la notion de ségrégation et sur son usage en géographie urbaine. In: BRUN, J.; RHEIN, C. La segregation dans la ville. Paris: L’Harmattan, 1994. p. 21-57. ; Grafmeyer, 1994GRAFMEYER, Y. Regards sociologiques sur la ségrégation. In: BRUN, J.; RHEIN, C. La segregation dans la ville. Paris: L’Harmattan, 1994. p. 85-118. ; Johnson, 1943JOHNSON, C. Patterns of negro segregation. New York: Harper & Brothers Publishers, 1943. ).2 2 Freeman (1978) acrescenta, ainda, que tais limitações à interação também podem ser construídas a partir de ações dos próprios grupos subordinados.

É na separação de grupos sociais no contexto urbano que a segregação assume seu sentido mais comum na pesquisa sociológica: enquanto segregação residencial, isto é, o espaço habitado é o principal objeto. Para Bourdieu (1997)BOURDIEU, P. Efeitos de Lugar. In: BOURDIEU, P. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 159-166. , o espaço físico habitado seria uma simbolização do espaço social, dando substrato material às hierarquias e distâncias sociais: as hierarquizações dos espaços correspondem a hierarquias sociais e as naturalizam. A posse de capitais – econômico, cultural, social etc. –, na qual se baseia a organização do espaço social, molda o espaço físico que, por sua vez, atua na própria reprodução das estruturas do espaço social.3 3 “O capital permite manter à distância as pessoas e as coisas indesejáveis ao mesmo tempo que se aproximar de pessoas e coisas desejáveis […]: a proximidade no espaço físico permite que a proximidade no espaço social produza todos os seus efeitos facilitando ou favorecendo a acumulação de capital social” ( Bourdieu, 1997 , p. 164). Ver também Mendonça (2003) .

A linhagem dos estudos de segregação, a partir do fundamento segundo o qual recortes espaciais corresponderiam a clivagens sociais, é predominantemente norte-americana e tem suas raízes na clássica escola de Chicago de Sociologia. Dentro dessa tradição de pesquisa, o estudo da segregação residencial foi tomado como um importante indicador do estágio de assimilação de minorias e grupos imigrantes à sociedade norte-americana e das possibilidades de convivência e integração entre grupos. Não obstante, a partir da década de 1970, com a virada da economia política na sociologia urbana norte-americana, a segregação passou a ser pensada também como barreira para as possibilidades de acesso à cidade, ou seja, a recursos, materiais e simbólicos, e a oportunidades presentes na cidade.

Em ambas as formulações, o estudo empírico da segregação tem enfocado os “diferenciais de localização” das residências de grupos delimitados por sua posição social, raça, origem etc. Ou seja, a mensuração do fenômeno costuma ser pautada pela verificação de em que medida a distribuição das residências de grupos sociais pelas áreas da cidade seria mais ou menos uniforme, com concentração em áreas mais ou menos valorizadas ou desfavorecidas ( Marques; Torres, 2005MARQUES, E. C.; TORRES, H. G. (org.). São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades. São Paulo: Editora Senac, 2005. ; Sposati et al. , 2004).

Assim, a maior parte das pesquisas sobre segregação residencial utiliza dados censitários para averiguar a distribuição de segmentos da população em unidades espaciais delimitadas pelos respectivos Censos. Neste trabalho, recorremos aos microdados da amostra do Censo brasileiro de 2010, verificando a distribuição dos grupos no conjunto de “áreas de ponderação”, definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para cada uma das regiões metropolitanas abordadas.4 4 Mais detalhes metodológicos são apresentados juntamente com os resultados.

SEGREGAÇÃO POR RAÇA NO CONTEXTO BRASILEIRO

Conforme apontado na seção anterior, o estudo da segregação residencial é um tema tradicional da sociologia norte-americana que também ostenta o maior volume de produção acadêmica sobre esse fenômeno. Ocorre que, nos Estados Unidos, a segregação é considerada um dos princípios organizadores das relações raciais ( Massey; Denton, 1993MASSEY, D. S.; DENTON, N. A. American apartheid: segregation and the making of the underclass. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993. ; Telles, [2004] 2012). A separação de residências foi um dos elementos de um regime mais geral de segregação que, resguardado por dispositivos legais, objetivava o distanciamento físico entre negros e brancos de modo a evitar todo tipo de contatos, relacionamentos, amizades, casamentos e misturas interraciais. Não apenas a maior parte dos negros foi mantida nas posições mais baixas da hierarquia social, mas, de certa forma, a segregação também criou algo como uma estratificação social paralela, uma vez que os negros que ascendiam socialmente eram igualmente obrigados a permanecer nos guetos. No entanto, deve ser ressaltado que nesse país ocorreram historicamente diversos tipos de situações de segregação – que não se restringem aos casos dos guetos –, principalmente se considerarmos diferenças regionais.

De todo modo, mesmo após a década de 1960 – com as reformas dos direitos civis e as leis contra a discriminação na moradia –, os índices de segregação vêm diminuindo muito lentamente, os negros pobres continuam confinados em guetos, locais que foram abandonados pelos negros de classe média. Porém estes últimos, em geral, ainda vivem em subúrbios distintos daqueles onde moram os brancos de semelhante posição social, de maneira que a segregação entre negros e brancos perdura independentemente da classe social ( Iceland; Wilkes, 2006ICELAND, J.; WILKES, R. Does socioeconomic status matter? Race, class, and residential segregation. Social Problems, v. 53, n. 2, p. 248-273, 2006. ).

No Brasil, a despeito de enormes desigualdades socioeconômicas entre negros e brancos serem amplamente documentadas pela pesquisa acadêmica e publicamente conhecidas, a segregação por raça tem sido uma dimensão pouco contemplada. Mesmo importantes referências da pesquisa sobre relações raciais no Brasil chegaram a menosprezar a segregação. É o caso de Donald Pierson (1971PIERSON, D. Brancos e pretos na Bahia. São Paulo: Editora Nacional, 1971. V. 241. (Brasiliana). , p. 106), que o faz através de uma comparação explícita com os Estados Unidos: “Consideração importante é a de que não existia, na Bahia, esforço proposital de segregar as raças a fim de manter distinções de casta, como naquela época em várias partes dos Estados Unidos”.

O fato é que não são muitos os estudos dedicados ao exame desse fenômeno no Brasil. Dentre os nossos clássicos, Cardoso e Ianni (1960CARDOSO, F. H.; IANNI, O. Cor e mobilidade social em Florianópolis: aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil meridional. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960. V. 307. (Coleção Brasiliana). , p. 158) notaram que, em Florianópolis, o “grau de contiguidade entre os grupos raciais diminui […] à medida que subimos na escala social”, mas ligaram isso à diminuição da proporção de negros nas camadas médias e altas. Mesmo assim, diferenciações raciais na convivência entre vizinhos e a existência de outras barreiras aos negros levam os autores a falarem sobre “indícios de segregação”. Já Costa Pinto (1998PINTO, L. A. C. O negro no Rio de Janeiro: relações de raça numa sociedade em mudança. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998. , p. 146), ao evidenciar a sobrerrepresentação de negros em favelas e áreas mais pobres do Rio de Janeiro, afirma se tratar, claramente, de segregação, mas também vincula o fato à maior concentração dos elementos de “cor” nas camadas mais pobres. Logo, as evidências de segregação por raça foram explicadas como decorrentes da separação entre ricos e pobres, não havendo uma identificação explícita da relevância da raça para a segregação.

Já na década de 1990, o sociólogo norte-americano Edward Telles (1993TELLES, E. Cor da pele e segregação residencial no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, [s. l], n. 24, p. 5-22, 1993. , 1995TELLES, E. Race, Class and space in Brazilian cities. International Journal of Urban and Regional Research, [s. l.], v. 19, n. 3, p. 395-406, 1995. , 1996TELLES, E. Identidade racial, contexto urbano e mobilização política. Afro-Ásia, Salvador, n. 17, 1996. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/20860. Acesso em: 1 nov. 2022.
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, 2012TELLES, E. O significado da raça na sociedade brasileira. 1ª edição [2004]. [S. l.]: [s. n.], 2012. Disponível em: https://static1.squarespace.com/static/5d3230eb29908c00018b7fcf/t/6036dac48025463935a4b9be/1614207694389/livro_o_significado_da_raca_na_sociedade_brasileira.pdf
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) reintroduziu a discussão sobre segregação por raça através de um tratamento mais sistemático. O autor utilizou dados censitários de 1980 para constituir indicadores sintéticos, visando à mensuração do fenômeno em 35 regiões metropolitanas brasileiras. A partir do resultado de indicadores tradicionais de segregação, como o índice de dissimilaridade (ID), Telles concluiu – novamente com base em comparações com os Estados Unidos – que havia moderados graus de segregação racial nas cidades brasileiras, mas que se tornavam mais agudos nas faixas de renda mais altas. Posteriormente, realizaram-se pesquisas interessadas na mensuração da segregação residencial por raça em metrópoles como Belo Horizonte ( Rios Neto; Riani, 2007RIOS NETO, E.; RIANI, J. de L. R. Desigualdade raciais nas condições habitacionais da população urbana. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2007. ; Silveira, 2014SILVEIRA, L. S. Segregação residencial e diferencial racial de renda: estrutura e distribuição geográfica por raça na região metropolitana de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. ), Salvador ( Carvalho; Barreto, 2007CARVALHO, I. M. M. de; BARRETO, V. S. Segregação residencial, condição social e raça em Salvador. Cadernos Metrópole, São Paulo, n. 18, p. 251-273, 2007. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/8737. Acesso em: 1 nov. 2022.
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; Garcia, 2006GARCIA, A. Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro. 2006. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. ), Rio de Janeiro ( Garcia, 2006GARCIA, A. Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro. 2006. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. ; Préteceille; Cardoso, 2008PRÉTECEILLE, E.; CARDOSO, A. Río de Janeiro y São Paulo: ¿ciudades duales? Comparación con Paris. Ciudad y Territorio: Estudios Territoriales, [s. l.], v. 40, n. 158, p. 617-640, 2008. Disponível em: https://recyt.fecyt.es/index.php/CyTET/article/view/75891. Acesso em: 1 nov. 2022.
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; Ribeiro, 2007RIBEIRO, L. C. de Q. Status, cor e desigualdades socio-espaciais na metrópole do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO DA ANPUR, 12., 2007, Belém. Anais […]. Belém: [s. n.], 2007. ) e São Paulo ( França, 2010FRANÇA, D. Raça, classe e segregação residencial no município de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. , 2015FRANÇA, D. Desigualdades e segregação residencial por raça e classe. In: MARQUES, E. (org.). A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp, 2015. , 2022FRANÇA, D. S. N. Segregação racial em São Paulo: residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI. São Paulo: Blucher, 2022. ; Préteceille; Cardoso, 2008PRÉTECEILLE, E.; CARDOSO, A. Río de Janeiro y São Paulo: ¿ciudades duales? Comparación con Paris. Ciudad y Territorio: Estudios Territoriales, [s. l.], v. 40, n. 158, p. 617-640, 2008. Disponível em: https://recyt.fecyt.es/index.php/CyTET/article/view/75891. Acesso em: 1 nov. 2022.
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).

Porém, apesar dessas pesquisas, importantes estudos urbanos brasileiros enfatizaram que os padrões habitacionais nas metrópoles brasileiras se organizam, basicamente – senão unicamente –, a partir das desigualdades de classe social. Flavio Villaça (em SPOSATI et al., 2004SPOSATI, A. et al. A pesquisa sobre segregação: conceitos, métodos e medições. Espaço & Debates: Revista de Estudos Regionais e Urbanos, São Paulo, v. 24, n. 45, p. 87-109, 2004. ), por exemplo, afirma que segregação racial só existiria à medida que fosse determinada pela segregação por classe social, esta, de fato, existente e significativa. Para ele, segregação por raça nas cidades brasileiras só existiria porque há mais negros entre os pobres. A constante alusão à classe como fator preponderante frente à raça conclama por estudos que avaliem a segregação a partir da consideração de ambas as dimensões: raça e classe.

Além disso, devemos assumir que, nas cidades brasileiras, os padrões espaciais de negros e brancos devem decorrer de processos específicos e devem gerar efeitos nas relações raciais de maneiras diferentes do que tem sido observado no contexto norte-americano. Devemos, portanto, considerar as diferentes especificidades históricas, políticas, urbanas e socioeconômicas de cada país ou local, e que o fenômeno deve ter diferentes propriedades e funções em cada contexto ( Maloutas, 2012MALOUTAS, T. Introduction: residential segregation in context. In: MALOUTAS, T.; FUJITA, K. (org.). Residential segregation in comparative perspective: making sense of contextual diversity. London: Ashgate, 2012. p. 17-52. ).

Em nossos trabalhos ( França, 2015FRANÇA, D. Desigualdades e segregação residencial por raça e classe. In: MARQUES, E. (org.). A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp, 2015. , 2022FRANÇA, D. S. N. Segregação racial em São Paulo: residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI. São Paulo: Blucher, 2022. ), adotamos como postulado a interpretação de que a estrutura social brasileira pode ser descrita segundo uma segmentação entre classes médias e altas brancas e classes baixas multirraciais ( Azevedo, 1966AZEVEDO, T. de. Classes sociais e grupos de prestígio. In: AZEVEDO, T. de. Cultura e situação racial no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 30-43 ; Telles, 2012TELLES, E. O significado da raça na sociedade brasileira. 1ª edição [2004]. [S. l.]: [s. n.], 2012. Disponível em: https://static1.squarespace.com/static/5d3230eb29908c00018b7fcf/t/6036dac48025463935a4b9be/1614207694389/livro_o_significado_da_raca_na_sociedade_brasileira.pdf
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). Haveria, então, um padrão geral de segregação em nossas cidades análogo a essas estruturas. Ou seja, brancos de classes altas e médias estariam mais próximos entre si ao passo que a população negra – de qualquer classe – estaria fisicamente mais próxima dos pobres.

Esse padrão geral foi identificado empiricamente na região metropolitana de São Paulo. Demonstramos que é baixa a segregação residencial entre negros e brancos nas classes baixas, mas que ela se torna bem significativa em camadas médias e altas. Os brancos de classes médias e superiores residem nas áreas com as localizações mais privilegiadas da metrópole, com terrenos mais valorizados, melhores condições urbanas e maior oferta de equipamentos públicos, culturais e de consumo. São evidências que divergem da tese de que, no Brasil, a segregação seria apenas por classe social, mas que também apresentam um cenário muito diferente das metrópoles norte-americanas, onde a segregação por raça atravessa todas as classes. Assim, ultrapassando a querela sobre se a segregação no Brasil seria por raça ou por classe social, expusemos evidência que demonstram se tratar de uma segregação residencial por raça e classe.

Contudo, assumimos que o padrão identificado em São Paulo deve se manifestar através de distintas configurações, em diferentes regiões ou localidades. Portanto, retomaremos, aqui, algumas das conclusões desta pesquisa e verificaremos possíveis reincidências ou variações desse padrão nos contextos específicos das regiões metropolitanas de Salvador e Fortaleza.

DESIGUALDADES E SEGREGAÇÃO NAS TRÊS REGIÕES METROPOLITANAS

Nesta seção, examinaremos os resultados de algumas medidas de segregação residencial nas regiões metropolitanas de São Paulo (RMSP), Salvador (RMS) e Fortaleza (RMF), visando identificar as especificidades da segregação por raça e classe em cada uma delas. Assim, seguindo estratégia empregada em pesquisas anteriores ( França, 2015FRANÇA, D. Desigualdades e segregação residencial por raça e classe. In: MARQUES, E. (org.). A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp, 2015. , 2022FRANÇA, D. S. N. Segregação racial em São Paulo: residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI. São Paulo: Blucher, 2022. ) e visando ressaltar as articulações entre raça e classe, o diagnóstico da segregação será operacionalizado não apenas por meio de grupos de classe – por exemplo, ricos versus pobres – ou raciais – negros versus brancos –, mas a partir da identificação dos diferenciais de localização de grupos de raça-classe – negros ricos, brancos ricos, negros de classe média, brancos pobres etc.

Contudo, coerentemente com a ideia de que o padrão corresponderia à estrutura social vigente nos contextos locais, iniciaremos a seção apresentando um quadro geral da população e das desigualdades raciais em cada metrópole.

A região metropolitana de São Paulo concentra cerca de 10% da população do país, ao passo que Fortaleza e Salvador são aglomerados urbanos de porte menor e semelhantes entre si – ambas com cerca de 3,6 milhões de habitantes. Há importantes diferenças no que tange à composição racial da população, o que gera questões sobre a maneira pela qual tais diferenciais de composição impactariam as desigualdades raciais e a segregação. São Paulo apresenta uma população majoritariamente branca (59%), enquanto Salvador destaca-se pelo baixo contingente desse grupo (17,9%) e pela maior proporção de pretos (26,8%). Um significativo contraponto pode ser encontrado na RM F, onde há uma maioria de pardos (60,2%).

Considerando os valores absolutos das rendas médias, a população ocupada de São Paulo tem a maior média de renda, e a de Fortaleza, a menor, ocupando Salvador a posição intermediária. Nas três regiões metropolitanas, as médias de renda de pretos e pardos são mais próximas entre si e são cerca da metade da renda média dos brancos, dando evidências das desigualdades raciais nesses locais. Contudo, a vantagem dos brancos é particularmente aguda em Salvador. Em São Paulo, é mais pronunciada a clivagem entre brancos e negros, dada a semelhança nas rendas de pretos e pardos, e, em Salvador e Fortaleza, há maior vantagem para os pardos com relação aos pretos.

A Tabela 3 apresenta aspectos gerais da estrutura sócio-ocupacional das três regiões metropolitanas. Operamos uma simplificação do “esquema” EGP de classificações ocupacionais, no qual a população ocupada é classificada em estratos ocupacionais hierarquizados. Trata-se de uma sistemática de estratificação sócio-ocupacional utilizada internacionalmente em estudos comparativos. Tal “esquema” foi proposto por Erikson, Goldthorpe e Portocarrero (1979) e adaptado para a estratificação da RMSP por Barbosa e Marschner (2013)BARBOSA, R.; MARSCHNER, M. Uma proposta de padronização de classificações em pesquisas do IBGE (Censos 1960-2010) e PNADs (1981-2011): educação, setores de atividade econômica e ocupação (ISCO-88, EGP11 e ISEI). São Paulo: Cebrap, 2013. Mimeografado. . Agrupamos as oito categorias EGP em três camadas,5 5 A hierarquização e agrupamento dessas categorias teve como base as médias de renda e escolaridade de cada uma delas. ou estratos sociais: superior, médio e baixo.6 6 Nas camadas superiores estão as categorias de proprietários e empregadores e de profissionais de alto nível; as camadas intermediárias são compostas por profissionais de nível baixo, técnicos e supervisores do trabalho manual, e trabalhadores não-manuais de rotina de alto nível; as camadas baixas reúnem trabalhadores não-manuais de rotina de baixo nível, trabalhadores manuais qualificados e trabalhadores manuais, semiqualificados ou não qualificados.

Tabela 1
– Dados populacionais das regiões metropolitanas

Tabela 2
– Média de renda do trabalho principal (em R$, 2010) e relação percentual com a renda dos brancos

Tabela 3
– Estratos sócio-ocupacionais (2010)

Comparando as estruturas ocupacionais das regiões metropolitanas, notamos que há maior concentração da população ocupada em categorias inferiores – trabalhadores manuais e trabalhadores não manuais de nível baixo – em Fortaleza do que em Salvador, e em São Paulo – nessa ordem. São Paulo destaca-se por possuir um maior contingente de profissionais do que as outras duas metrópoles. Em suma, em São Paulo há a maior proporção de empregos mais bem pagos e que demandam maior qualificação e, em Fortaleza, a menor, mantendo Salvador uma posição intermediária entre essas duas metrópoles.

Há significativas diferenças na distribuição de negros e brancos nos estratos sócio-ocupacionais. Enquanto os brancos encontram-se mais bem distribuídos pelos distintos estratos, os negros concentram-se nas categorias ocupacionais mais baixas nas três regiões metropolitanas. Em Salvador e São Paulo, é maior a vantagem dos brancos na ocupação de posições mais altas.

Logo, a região metropolitana de Fortaleza é a mais pobre das três consideradas, com menor renda média e maior proporção da população em ocupações de menor status. Em São Paulo, ao contrário, há maior renda média e mais população ocupada em empregos de maior status, mas há maior desequilíbrio racial na inserção ocupacional. Em Salvador, notamos um efeito combinado de desigualdade racial e de classe nos diferenciais de renda, sendo muito maiores as vantagens dos brancos.

Uma vez exposto esse pequeno panorama das desigualdades, passemos à análise da segregação por raça nas três metrópoles. Teremos como ponto de partida os resultados do ID entre negros e brancos para as regiões metropolitanas de São Paulo, Salvador e Fortaleza. O ID é uma tradicional medida de segregação residencial que capta o grau em que dois grupos sociais não estão uniformemente distribuídos no espaço de uma cidade ( Massey; Denton, 1988MASSEY, D. S.; DENTON, N. A. The dimensions of residential segregation. Social Forces, [s. l.], v. 67, n. 2, p. 281-315, 1988. https://doi.org/10.1093/sf/67.2.281
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). Nesse sentido, a uniformidade se define a partir da proporção de cada grupo na composição da população total da cidade e do quanto que a distribuição desses grupos, pelas diversas áreas da cidade, replica essa composição. Ou seja, o indicador evidencia a relação entre a composição da população de cada unidade espacial e a composição da população de toda a cidade. O ID varia de 0 a 1, significando 1 uma segregação total e 0, uma uniformidade total na distribuição dos grupos.7 7 O resultado costuma ser interpretado como indicando a proporção da população de um determinado grupo da cidade que teria que trocar de área com outro para que se obtivesse um padrão residencial uniforme, do ponto de vista da proporção de cada grupo na composição da população da cidade. Por exemplo, no caso de o ID resultar em 0,40, considera-se que 40% da população de um grupo deveria trocar de área para que se obtivesse uma distribuição uniforme dos grupos considerados no cálculo do índice. Contudo, o valor do índice para uma mesma cidade pode sofrer variações de acordo com a escala adotada: o índice tende a ser maior, se o calculamos a partir de unidades espaciais menores, e menor, se as unidades espaciais forem maiores. Neste trabalho, os índices foram calculados para a escala das áreas de ponderação definidas pelo Censo de 2010. Trata-se de uma forma de mensuração que resulta em diferentes “graus” de segregação, de modo que em diferentes “graus” alguns grupos estariam “mais separados” entre si, enquanto outros estariam “mais juntos”.

Na Tabela 4 , os resultados do ID apontam maior grau de segregação por raça na região metropolitana de São Paulo (0,29), seguida por Salvador, que exibe um valor muito próximo (0,27), ao passo que Fortaleza seria a metrópole menos racialmente segregada delas (0,14). Já a Tabela 5 apresenta os IDs entre os três estratos sócio-ocupacionais delimitados neste estudo, entre cada um deles e o restante da população em cada região metropolitana.

Tabela 4
– Índice de dissimilaridade entre negros e brancos (2010)

Tabela 5
– Índice de dissimilaridade entre estratos sócio-ocupacionais (2010)

Os resultados dos índices indicam que nas três regiões metropolitanas há um particular isolamento das camadas superiores – especialmente em Salvador – e das camadas baixas, sendo a camada média aquela mais bem distribuída pela área urbana dessas regiões. A comparação entre os três locais demonstra que a segregação por classe social é maior em Salvador, seguido de perto por São Paulo. Nota-se que em Fortaleza, apesar dos valores dos IDs entre os estratos sociais serem menores que os das outras regiões, eles são sempre maiores que o índice de segregação racial, indicando uma maior proeminência da segregação por classe nessa metrópole.

Para uma análise articulada da segregação por raça e classe, cada um dos estratos sociais foi dividido entre negros e brancos. Resultando, portanto, em seis grupos de raça-classe, os quais terão seus resultados da segregação residencial avaliados e explicitados nas Tabelas 6 , 7 e 8 .

Tabela 6
– Índice de dissimilaridade entre grupos raciais e estratos sócio-ocupacionais na região metropolitana de São Paulo, 2010

Tabela 7
– Índice de dissimilaridade entre grupos raciais e estratos sócio-ocupacionais na região metropolitana de Salvador, 2010

Tabela 8
– Índice de dissimilaridade entre grupos raciais e estratos sócio-ocupacionais na região metropolitana de Fortaleza, 2010

Primeiramente, deve ser apontada a existência de segregação entre negros e brancos pertencentes às mesmas classes sociais, confirmando a tese de que nas cidades brasileiras há um componente racial na segregação independente da classe social. Afinal, se a segregação fosse apenas por classe não deveria haver separações raciais no interior das classes. A segregação racial dentro das classes segue o padrão da Tabela 4: é muito maior em São Paulo e em Salvador do que em Fortaleza. Nas três metrópoles a segregação racial é mais branda nas classes baixas, tornando-se paulatinamente mais significativa nos estratos intermediários e superiores. Além disso, a segregação de classe entre brancos é maior do que entre negros nas três metrópoles. Ou seja, negros de diferentes classes estão mais próximos entre si.

Considerando as primeiras linhas das Tabela 6 , 7 e 8 , que apresentam o índice de segregação de cada grupo com relação ao restante da população, os brancos de classe superior são sempre o grupo mais segregado. Brancos de classe intermediária e negros de classe baixa também aparecem entre os mais segregados, especialmente em São Paulo e Salvador. Os grupos mais bem distribuídos nas áreas urbanas são os brancos de classe baixa e os negros de classe intermediária.

Nos três aglomerados urbanos analisados, os maiores indicadores de segregação nas três metrópoles são entre os brancos de classe superior com relação a negros e brancos de classe baixa e negros de classe intermediária. Esses três últimos grupos aparecem sempre mais próximos entre si. Os brancos de classe intermediária estão mais próximos dos brancos de classe superior. Isto é, há uma constatação geral de que os negros dos estratos médios estão mais próximos da pobreza, enquanto os brancos desses mesmos estratos médios estão residencialmente mais próximos das classes mais altas, revelando uma significativa clivagem de raça e classe.

Contudo, Salvador e Fortaleza demonstram algumas variações. Em Salvador, os brancos de classe baixa estão mais próximos dos negros dessa mesma classe do que dos negros de classe média. Logo, na pobreza, a segregação é mais por classe do que racial. Tal assertiva também é válida para Fortaleza, onde, ademais, há maior proximidade entre negros e brancos nas classes superiores.

Da análise do ID, inferimos que São Paulo tem a maior segregação racial, pouco maior que Salvador. Porém, a forte segregação por classe em Salvador torna a segregação raça-classe especialmente perniciosa. Em Fortaleza, apesar da segregação por classe apresentar valores comparativamente menores, ainda assim suplanta a segregação racial.

As mensurações apresentadas acima não nos revelam onde cada um dos seis grupos se concentra no espaço urbano das metrópoles. Apresentaremos, então, uma análise da segregação a partir do índice de Moran ( Anselin, 1995ANSELIN, L. Local Indicator of Spatial Association – LISA. Geografical Analysis, [S. l.], v. 27, n. 2, p. 93-115, 1995. 10.1111/j.1538-4632.1995.tb00338.x ), outra técnica de mensuração de segregação residencial amplamente empregada. O índice de Moran é uma medida de autocorrelação espacial, ou seja, para além da distribuição de grupos por áreas, tal medida leva em conta a contiguidade das áreas onde se concentram os diferentes grupos. Trata-se, em outras palavras, da medida à qual os grupos considerados têm grande concentração em conjuntos de áreas vizinhas umas das outras. A distribuição espacial do índice de Moran resulta nos chamados Local Indicator of Spatial Autocorrelation (LISA Maps), mapas que representam a autocorrelação espacial dos grupos que analisamos. As áreas em cinza-médio denotam alta concentração da variável em questão nas áreas vizinhas entre si. As áreas em cinza-escuro expressam a contiguidade de áreas de baixa concentração dessa variável. Áreas em cinza-claro não tiveram resultado estatisticamente significativo.

Figura 1
– LISA Maps dos grupos de raça-classe na região metropolitana de São Paulo

Figura 2
– LISA Maps dos grupos de raça-classe na região metropolitana de Salvador

Figura 3
– LISA Maps dos grupos de raça-classe na região metropolitana de Fortaleza

Na RMSP, os mapas dos brancos de classe superior e dos brancos de classe intermediária são bem similares (Mapas 7 e 9), isto é, há forte sobreposição das áreas de alta concentração desses grupos, notadamente no centro expandido do município de São Paulo e nas áreas mais valorizadas. Esse grande conjunto demarca importantes oposições: não só agrega as áreas de alta concentração de brancos de classes superiores e intermediárias, como também representa o principal aglomerado de áreas de baixa concentração de negros de classe intermediária e de classe baixa (Mapas 10 e 12), assim como de brancos de classe baixa (Mapa 11). Contudo, para além desse conjunto central, nota-se fortes semelhanças entre os mapas dos brancos de classes superiores e intermediárias, por um lado, e dos negros de classes intermediárias e baixas, por outro. Tais marcadores, tão inequívocos, só podem ser expressão do fato de que São Paulo é a região metropolitana de maior segregação racial – na escala das áreas de ponderação – dentre as aqui analisadas. Completa esse quadro a peculiar distribuição espacial dos negros de classes superiores (Mapa 8): com caráter fragmentário, há alta concentração nas bordas da região de maior presença de brancos das classes mais altas, mas seus aglomerados vermelhos tendem sempre a se estender na direção de regiões periféricas, em especial nas chamadas periferias consolidadas.

Nos LISA Maps da RMS,8 8 Em comparação com a RMSP, os mapas da RMS e da RMF apresentam algumas especificidades: a) menor proporção relativa de áreas urbanizadas; b) menor quantidade de áreas de ponderação, a unidade espacial na qual se baseia o cálculo dos índices – na RMSP são 633, na RMS e RMF são igualmente 107 áreas –; c) a maior parte dessas 107 áreas concentram-se nos municípios-sedes da RMS e da RMF, sendo que a maior parte dos municípios ao redor delas possuem um pequeno número de áreas de ponderação caracterizadas por grande extensão, o que prejudica o cálculo do indicador e a explicitação dos diferenciais externos ao município-sede. percebemos grande semelhança entre brancos de classe superior e intermediária (Mapas 7 e 8), assim como de negros de classe superior (Mapa 9). Os três grupos apresentam alta concentração num conjunto de áreas que inicia no centro tradicional – arredores da Vitória – e vai em direção à orla do Atlântico. Deve-se notar, no entanto, que a alta concentração dos brancos de classe superior restringe-se a um número menor de áreas. O LISA Map dos negros de classe intermediária (Mapa 10) é o mais peculiar dentre os seis da RMS: eles possuem áreas de alta concentração ao norte do centro tradicional e no chamado “Miolo” ( Carvalho; Pereira, 2008CARVALHO, I. M. M. de; PEREIRA, G. C. Como anda Salvador. 2. ed. Salvador: Edufba, 2008. ); a parte sul do centro tradicional e a orla atlântica são áreas de baixa concentração desse grupo. Brancos e negros de classes baixas apresentam baixa concentração no centro tradicional e na orla atlântica (Mapas 11 e 12).

Na RMF também há fortes semelhanças, nos LISA Maps, de brancos de classe superior e intermediária e de negros de classe superior (Mapas 13, 14 e 15). Os três grupos apresentam alta concentração em áreas a leste do centro da cidade de Fortaleza, incluindo o próprio centro, a praia do Futuro e bairros adjacentes à avenida Washington Soares. Já os negros de classes intermediárias têm maior concentração em áreas ao sul e oeste do centro (Mapa 16). As áreas que apresentam alta concentração dos quatro grupos citados são áreas de baixa concentração de negros e brancos de classe baixa (Mapas 17 e 18). Na RMF há uma grande diferença entre os mapas referentes aos negros de classes intermediárias e aos de classes baixas. Nota-se, contudo, que os negros mais pobres estão muito mais afastados do núcleo metropolitano do que os brancos.

Os LISA Maps das três metrópoles apresentaram sobreposição de áreas de concentração de brancos de classes superiores e intermediárias. Em Fortaleza e Salvador, os negros de classe superior apresentam distribuição similar a esses dois primeiros grupos, ao passo que em São Paulo eles exibem maior dispersão no espaço da metrópole. Os mapas 4, 10 e 16 sugerem que os negros de classes intermediárias possuem formas peculiares de distribuição nas respectivas áreas urbanas, contribuindo para nosso argumento de que a clivagem social-racial se reproduz nos padrões de segregação. Ademais, convém notar que, por um lado, as classes médias em seu conjunto apesentam os menores índices de dissimilaridade com relação ao resto da população nas três regiões metropolitanas, ou seja, estão mais dispersas no espaço urbano; por outro lado, quando separadas entre negros e brancos, apresentam os maiores contrastes intraclasses nos LISA Maps, seja em São Paulo, Salvador ou Fortaleza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância da segregação por raça no Brasil foi depreciada por diversos estudiosos das relações raciais brasileiras, que tomaram o contexto estadunidense de segregação legalmente amparada como um caso paradigmático. No entanto, é justamente pelo fato de não ter havido explícita proteção legal à segregação no Brasil que deveríamos dar especial atenção aos contornos de segregação racial identificados em nossas cidades. Cabe questionar os processos e mecanismos constitutivos da segregação por raça no Brasil a despeito da propalada “falta de esforços abertos” para separar negros e brancos.

Este artigo dá especial atenção aos diferenciais raciais nas localizações das residências dos habitantes de três das principais metrópoles brasileiras: São Paulo, Salvador e Fortaleza. Além disso, trabalhamos com a hipótese de que nossas metrópoles teriam como peculiaridade a segregação por raça e classe. Desse modo, não se trata de uma segregação racial que atravessa igualmente todas as camadas sociais, mas, também, não é suficiente uma descrição da segregação apenas em linhas de classe, uma vez que observamos separações entre negros e brancos pertencentes a uma mesma classe social.

A partir de nossos estudos sobre a RMSP, elaboramos a seguinte caracterização do que seria um padrão de segregação por raça e classe: há maior proximidade entre negros e brancos nas classes baixas, mas com afastamento racial paulatinamente crescente, conforme consideramos posições mais altas na estratificação social; os brancos de classe alta estão mais isolados de todos os outros grupos, inclusive dos negros de classe alta, porém, aproximam-se dos brancos de classe média. Este artigo procurou verificar em que medida podemos observar repetições ou variações desse padrão nas regiões metropolitanas de Salvador e Fortaleza.

Das três metrópoles comparadas, São Paulo e Salvador são as que melhor se enquadram no padrão postulado. Contudo, é em São Paulo onde os diferenciais raciais na segregação estão mais explícitos, sendo seguida de perto por Salvador.

A RMF é a que mais destoa do nosso padrão de referência. Como nas outras duas, os brancos de classes altas formam o grupo mais isolado, mas, diferentemente, o grupo mais próximo deles é o dos negros de classes altas. Os dados sugerem que em Fortaleza a segregação por classe é mais proeminente do que por raça, apesar de haver, tal como em São Paulo e Salvador, separação entre negros e brancos pertencentes e uma mesma classe, mas em graus muito menores.9 9 A RMF e a de Recife possuem grande proporção de autoclassificados “pardos” em suas populações e menores índices de segregação racial em comparação com outras regiões metropolitanas brasileiras ( França, 2021 ). É possível cogitar que a maioria de pardos na população tenha um efeito de abrandamento na segregação racial de Fortaleza. Quando desagregamos os dados das Tabelas 6, 7 e 8 entre brancos, pretos e pardos, notamos que, em Fortaleza, os pardos estão mais próximos dos brancos do que em Salvador e São Paulo. Ademais, a prevalência, em Fortaleza, de autoclassificação como pardo (61%) bem como a menor proporção de autoclassificados pretos (5%) das capitais nordestinas parece estar atrelada a narrativas de formação da população do estado do Ceará, marcadas pelo apagamento da presença negra e pelo enaltecimento da contribuição indígena para a mestiçagem cearense ( Mattos, 2022 , p. 35).

Convém ressalvar que os mapas e os resultados dos índices de segregação são importantes pontos de partida, mas uma análise centrada nas concentrações residenciais não é capaz de descrever todas as dimensões do fenômeno. Deve-se levar em conta a qualidade do contato dos indivíduos com a infraestrutura e o ambiente construído da cidade, os circuitos e mobilidades que diferentes grupos de indivíduos constituem a partir de suas residências, assim como a espacialização das diversas redes sociais construídas pelos indivíduos. Trata-se de características contextuais que nuançariam e dariam significados variados aos valores de indicadores, permitindo uma discussão que não se restrinja ao grau da segregação, mas que revele os aspectos da segregação racial em cada uma das regiões metropolitanas, para, enfim, aventarmos quais seriam as decorrências desses aspectos para as experiências dos habitantes dessas metrópoles. Nesse sentido, defendemos aqui uma maior variedade de métodos de investigação da segregação, visando um aprofundamento das peculiaridades do fenômeno nas três metrópoles estudadas.10 10 O trabalho de Mattos (2022) , por exemplo, dá forte ênfase à segregação racial em Fortaleza a partir do estudo de caso do bairro de Aldeota.

Os resultados apresentados no presente artigo realçam, por um lado, a importância da consideração da variável raça na descrição da segregação nas cidades brasileiras e nos estudos urbanos de um modo geral; por outro, chama atenção para a segregação enquanto dimensão relevante para o estudo da questão racial no Brasil e para um questionamento acerca de peculiaridades regionais e locais nas relações raciais. Constatamos, desse modo, não apenas a necessidade de mais estudos sobre o tema e de maiores explorações empíricas em São Paulo, Salvador e Fortaleza, mas também uma ampliação dos estudos comparativos,11 11 Como o de França (2021) . visando incluir mais cidades brasileiras nas análises.

REFERÊNCIAS

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  • TELLES, E. Race, Class and space in Brazilian cities. International Journal of Urban and Regional Research, [s. l.], v. 19, n. 3, p. 395-406, 1995.
  • 1
    Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo financiamento e ao grupo coordenado pelo prof. dr. José Marcos Pinto da Cunha, no Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” da Universidade Estadual de Campinas (NEPO-Unicamp), pelo acolhimento e suporte institucional. Também sou grato aos pareceristas anônimos e à equipe editorial da Caderno CRH.
  • 2
    Freeman (1978)FREEMAN, L. Segregation in Social Networks. Sociological Methods and Research, [s. l.], v. 6, n. 4, p. 411-429, 1978. acrescenta, ainda, que tais limitações à interação também podem ser construídas a partir de ações dos próprios grupos subordinados.
  • 3
    “O capital permite manter à distância as pessoas e as coisas indesejáveis ao mesmo tempo que se aproximar de pessoas e coisas desejáveis […]: a proximidade no espaço físico permite que a proximidade no espaço social produza todos os seus efeitos facilitando ou favorecendo a acumulação de capital social” ( Bourdieu, 1997BOURDIEU, P. Efeitos de Lugar. In: BOURDIEU, P. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 159-166. , p. 164). Ver também Mendonça (2003)MENDONÇA, J. Belo Horizonte: a metrópole segregada. In: MENDONÇA, J.; GODINHO, M. H. (org.). População, espaço e gestão na metrópole: novas configurações, velhas desigualdades. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2003. p. 119-158. .
  • 4
    Mais detalhes metodológicos são apresentados juntamente com os resultados.
  • 5
    A hierarquização e agrupamento dessas categorias teve como base as médias de renda e escolaridade de cada uma delas.
  • 6
    Nas camadas superiores estão as categorias de proprietários e empregadores e de profissionais de alto nível; as camadas intermediárias são compostas por profissionais de nível baixo, técnicos e supervisores do trabalho manual, e trabalhadores não-manuais de rotina de alto nível; as camadas baixas reúnem trabalhadores não-manuais de rotina de baixo nível, trabalhadores manuais qualificados e trabalhadores manuais, semiqualificados ou não qualificados.
  • 7
    O resultado costuma ser interpretado como indicando a proporção da população de um determinado grupo da cidade que teria que trocar de área com outro para que se obtivesse um padrão residencial uniforme, do ponto de vista da proporção de cada grupo na composição da população da cidade. Por exemplo, no caso de o ID resultar em 0,40, considera-se que 40% da população de um grupo deveria trocar de área para que se obtivesse uma distribuição uniforme dos grupos considerados no cálculo do índice. Contudo, o valor do índice para uma mesma cidade pode sofrer variações de acordo com a escala adotada: o índice tende a ser maior, se o calculamos a partir de unidades espaciais menores, e menor, se as unidades espaciais forem maiores. Neste trabalho, os índices foram calculados para a escala das áreas de ponderação definidas pelo Censo de 2010.
  • 8
    Em comparação com a RMSP, os mapas da RMS e da RMF apresentam algumas especificidades: a) menor proporção relativa de áreas urbanizadas; b) menor quantidade de áreas de ponderação, a unidade espacial na qual se baseia o cálculo dos índices – na RMSP são 633, na RMS e RMF são igualmente 107 áreas –; c) a maior parte dessas 107 áreas concentram-se nos municípios-sedes da RMS e da RMF, sendo que a maior parte dos municípios ao redor delas possuem um pequeno número de áreas de ponderação caracterizadas por grande extensão, o que prejudica o cálculo do indicador e a explicitação dos diferenciais externos ao município-sede.
  • 9
    A RMF e a de Recife possuem grande proporção de autoclassificados “pardos” em suas populações e menores índices de segregação racial em comparação com outras regiões metropolitanas brasileiras ( França, 2021FRANÇA, D. Atlas da segregação racial em metrópoles brasileiras. Campinas: Librum, 2021. ). É possível cogitar que a maioria de pardos na população tenha um efeito de abrandamento na segregação racial de Fortaleza. Quando desagregamos os dados das Tabelas 6, 7 e 8 entre brancos, pretos e pardos, notamos que, em Fortaleza, os pardos estão mais próximos dos brancos do que em Salvador e São Paulo. Ademais, a prevalência, em Fortaleza, de autoclassificação como pardo (61%) bem como a menor proporção de autoclassificados pretos (5%) das capitais nordestinas parece estar atrelada a narrativas de formação da população do estado do Ceará, marcadas pelo apagamento da presença negra e pelo enaltecimento da contribuição indígena para a mestiçagem cearense ( Mattos, 2022MATTOS, G. O luxo da aldeia: a produção social de lugares da branquitude em Fortaleza. Revista Eletrônica Espaço Acadêmico, Maringá, v. 21, p. 28-40, 2022. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/60198. Acesso em: 1 nov. 2022.
    https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
    , p. 35).
  • 10
    O trabalho de Mattos (2022)MATTOS, G. O luxo da aldeia: a produção social de lugares da branquitude em Fortaleza. Revista Eletrônica Espaço Acadêmico, Maringá, v. 21, p. 28-40, 2022. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/60198. Acesso em: 1 nov. 2022.
    https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
    , por exemplo, dá forte ênfase à segregação racial em Fortaleza a partir do estudo de caso do bairro de Aldeota.
  • 11
    Como o de França (2021)FRANÇA, D. Atlas da segregação racial em metrópoles brasileiras. Campinas: Librum, 2021. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2020
  • Aceito
    28 Nov 2022
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