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Editorial

Editorial

No mês de junho uma das maiores companhias de refrigerantes do mundo reafirmou em comunicado na primeira página da Folha de São Paulo seu compromisso com a qualidade dos produtos que fabrica, tentando, com isto, dar satisfação a seus consumidores brasileiros sobre a contaminação do refrigerante mais famoso e vendido do planeta. A contaminação do refrigerante, segundo a própria empresa, foi provocada pelo uso de CO2inapropriado, e levou o governo belga a recolher mais de 15 milhões de garrafas e latas de refrigerantes de bares, restaurantes e supermercados. A crise do refrigerante na Bélgica ocorreu logo depois da crise da dioxina, que obrigou o governo belga a proibir a comercialização de 1100 produtos de origem animal, devido ao risco de contaminação com produtos tóxicos dessa classe de substâncias, altamente cancerígenas. Dos 22 arranjos estruturais possíveis da tetraclorodioxina, um deles é milhares de vezes mais tóxico que a segunda forma mais tóxica. Para aqueles que não se lembram, a dioxina foi a vilã do acidente ocorrido em julho de 1976, em Seveso, na Itália. Esta classe de compostos pode se formar durante a produção do herbicida ácido 2,3,5-triclorofenoxiacético (2,3,5-T). Foi isto que ocorreu durante a produção do 2,3,5-T na empresa química suiço-italiana, Industrie Chemica Meda, Societa Anonima (ICME-SA). Como consequência do acidente de Seveso, centenas de habitantes e de trabalhadores do ICME-AS tiveram de ser evacuados da cidade. Outro problema decorrente do acidente foi o descarte dos 41 tonéis de lixo tóxico que resultaram das operações de limpeza. Para isso, foi contratada uma firma francesa especializada nesse tipo de operação, que levou todo o material para a Alemanha Ocidental, com a permissão do governo desse país. Começou aí uma verdadeira odisséia, porque as populações não queriam permitir que os 41 tonéis com lixo tóxico atravessassem suas cidades, isto para não falar do armazenamento nas suas proximidades.

Agora é a vez da grande São Paulo, que corre sérios riscos com 1 milhão de toneladas de cal contaminada com dioxinas, armazenada, por sinal em péssimas condições, numa área equivalente ao tamanho de 20 campos de futebol, próxima da represa Billings, o principal manancial de água que abastece a cidade de São Paulo. Só se chegou ao problema indiretamente, porque pesquisas na Alemanha, começadas no ano passado, para descobrirem qual era a fonte de contaminação do leite e da manteiga por dioxina naquele país, chegaram a polpa cítrica utilizada na ração animal diária, importada do Brasil, que continha de 10 a 12 vezes teores superiores ao máximo tolerado pelas autoridades européias. Rastreando a contaminação, se chegou a conclusão que esta era devida a cal utilizada para neutralizar a acidez da polpa, de propriedade da companhia belga Solvay.

Essa mesma dioxina que provoca riscos a saúde, mesmo em quantidades-traço, pode estar sendo gerada durante a queima de lixo industrial e doméstico, para a redução de volume, depositados em aterros - os famosos lixões - em terrenos permeáveis e sem qualquer tipo de cobertura.

A Sociedade Brasileira a esta altura estará querendo respostas para algumas perguntas:

1) A mesma polpa cítrica que é exportada para a Europa é vendida no Brasil para ser utilizada em ração animal? Se o é, porque não se detetou os teores altos de dioxina, acima do permitido pela vigilância sanitária, no leite e nos derivados vendidos no mercado brasileiro?

2) Se a Solvay fosse uma empresa brasileira localizada em território belga, qual seria a atitude de governo daquele país? Por muito menos, na década de 80, éramos taxados de piratas porque as leis brasileiras não concediam patentes a produtos ou processos farmacêuticos. Sempre que se trata da defesa de seus interesses, e com toda a razão, as nações desenvolvidas não vacilam nas represálias, indo às últimas consequências.

3) Já que o G-7, as sete nações mais ricas do mundo, se preocupam tanto com as queimadas na Amazônia e com o desaparecimento de espécies da fauna e da flora mundial, aliás, também com toda a razão, porque não se preocupam com as grandes empresas transnacionais que têm o mal hábito de colocar a saúde das populações dos países do terceiro mundo em risco.

4) Quais as providências tomadas pelo governo de São Paulo e pelas autoridades federais para responsabilizar a Solvay por este desastre e obrigá-la a dar um fim, obedecendo a legislação vigente nos países ricos europeus, a 1 milhão de toneladas de cal que estão na cidade de Santo André, e que podem contaminar a represa Billings.

5) A Cetesb e a Feema, os dois ógãos responsáveis pelo meio ambiente dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, estão controlando adequadamente os lixões desses estados?

Pode ser que estas perguntas fiquem sem respostas da Solvay e do governo belga. Afinal, a Bélgica está do outro lado do Atlântico. Mas, que o governo de São Paulo e que nossas autoridades federais não se pronunciem oficialmente é inadmissível. Por muito menos a maior companhia de refrigerantes do mundo, mesmo sem convencer, se pronunciou.

Cabe a sociedade exigir das autoridades as providências necessárias para que estes e outros problemas de sáude pública não voltem a ocorrer. A universidade brasileira, apesar das cobranças que sofre da sociedade, vem cumprindo seu papel, através da pós-graduação em Química, dentre outras, formando mestres e doutores, muitos destes com especialização em Química Analítica que, inclusive, precisam de colocação no mercado. Se os concursos para as fundações estaduais de meio ambiente fossem abertos para estes profissionais, certamente a sociedade brasileira poderia ficar mais tranquila, porque os lixões e o ar das grandes cidades estariam sendo controlados.

Angelo da Cunha Pinto

Editorial

In June, in a statement on the front page of the Folha de São Paulo, one of the largest soft drink manufacturers in the world reaffirmed its commitment to the quality of its products thus trying to satisfy the concerns of its Brazilian consumers about contamination of the most famous and best selling soft drink on the planet. The contamination of the beverage, according to the manufacturer, was provoked by the use of inappropriate CO2, and resulted in the Belgian government removing more than 15 million bottles and cans of the refrigerant from bars, restaurants and supermarkets. The Belgian soft drink crises happened shortly after the dioxin scare that obliged the Belgian government to prohibit the commercialization of 1100 products of animal origin, due to the risk of contamination from toxic materials of this class of highly carcinogenic substances. Of the 22 possible skeletal arrangements for tetrachlorodioxin, one of these is thousands of times more toxic than the second most toxic form. For those who do not remember, dioxin was the villain of the accident that occurred in July of 1976, in Seveso, Italy. This class of compounds can form during the production of the herbicide 2,3,5-trichlorophenoxyacetic acid (2,3,5-T). Exactly this happened during the production of 2,3,5-T in the Swiss-Italian chemical company, Industrie Chemica Meda, Societa Anonima (ICME-SA). As a consequence of the Seveso accident, hundreds of habitants and workers of ICME-AS had to be evacuated from the city. Another problem resulting from the accident was the disposal of the 41 tons of toxic waste that resulted from the clean-up operation. For this, a French firm that specialized in this type of operation was contracted, that took all the material to West Germany with the permission of this countries government. Thus beginning a true odyssey, whereby populations did not want to let the 41 tons of toxic waste pass through their cities and much less the storage of the material in their proximity.

Today Greater São Paulo runs serious risks with 1 million tons of dioxin contaminated calcium oxide, stored, seemingly in inadequate conditions, in an area equivalent to the size of 20 football pitches near to the Billings dam, the principal source of water that sustains the city of São Paulo. The problem was discovered indirectly as research initiated in Germany last year, aiming to discover the source of the dioxin contamination of the milk and butter in that country, arrived at the citric pulp used in the animals daily ration, imported from Brazil, that contained 10 to 12 times greater than the maximum limits permitted by the European authorities. Back-tracing the contamination, the conclusion arrived at was that the calcium oxide used to neutralize the acidity of the pulp was property of the Belgian company Solvay.

This same dioxin that provokes health-risks, albeit in trace quantities, could be generated during the burning of industrial and domestic waste, for the reduction of volume, deposited in dumps, the well known land fill sites, of permeable terrain and without whatever type of cover.

At this point, the Brazilian society would like replies to some questions:

1) Is the same citric pulp that is exported to Europe sold in Brazil for use in animal ration? If it is, why have the high dioxin concentrations, above those permitted by the Health and Safety Inspectorate, in milk and other derivatives sold in Brazilian markets not been detected?

2) If Solvay was a Brazilian company located on Belgian soil, what would be the attitude of the government of that country? For much less, in the eighties, we were categorized as pirates because Brazilian law did not grant patents to products or pharmaceutical processes. Seemingly if you defend your own interests, with all due reason, the developed nations do not hesitate in their reprisals, using all their means.

3) Given that the G-7, the seven wealthiest nations in the world, are so preoccupied with the burning of the Amazon and with the disappearance of fauna and flora from the world, incidentally with all due reason, why are they not concerned with the large multinational companies that have the bad habit of putting at risk the health of populations in third world countries?

4) What are the measures taken by the government of São Paulo and by the federal authorities for responsibilizing Solvay for this disaster and obliging them to end this, obeying the present legislation of the wealthy European countries, and the 1 million tons of calcium oxide that is in the city of Santo André, and that could contaminate the Billings dam?

5) The CETESB and the FEEMA, the two organs responsible for the environment of the states of São Paulo and Rio de Janeiro, are adequately controlling the dump sites of these states?

It could be that these questions will remain without replies from Solvay and the Belgian government. After all, Belgium is on the other side of the Atlantic. But that the governor of São Paulo and our federal authorities do not officially speak out is unadmittable. For much less the worlds largest soft drinks company, even without convincing, expressed itself.

It is fitting that society demands of the authorities the measures necessary to prevent these and other public health problems from occurring. The Brazilian university, despite the demands made by society, is realizing its part, by means of the chemistry post-graduate courses, amongst others, forming masters and doctorates, many of whom specialize in analytical chemistry that need to be placed in the market work-force. If the competitions for the state foundations for the environment were opened for these professionals, Brazilian society could certainly be more at peace, as the waste dumps and the air of the large cities would be being controlled.

Angelo da Cunha Pinto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2002
  • Data do Fascículo
    1999
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