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Editorial

EDITORIAL

O progresso da ciência, nas últimas décadas, tem sido acompanhado pelo aumento exponencial na produção cientifica mundial, em periódicos científicos impressos e eletrônicos. Paralelamente, cresce também a preocupação da comunidade científica (incluindo associações e editoras) com a as transgressões éticas nas publicações científicas. Embora a fraude na pesquisa tenha sido descrita desde o século XIX, vem chamando a atenção o aumento de número de casos descritos na mídia.

Vale a pena lembrar que a atividade de pesquisa está vinculada aos mesmos valores que regem nosso dia a dia, dentre os quais: honestidade, justiça, objetividade, sinceridade e respeito pelos outros. Espera-se, portanto, que o pesquisador tenha integridade científica e que garanta padrões científicos de excelência e confiança no desenvolvimento da sua pesquisa. As violações mais sérias desse comportamento passaram a ser conhecidas coletivamente como "má conduta científica"1 e podem ser resumidas da seguinte forma: Fabricação, Falsificação ou Plágio (FFP) na elaboração de proposta, na realização ou na avaliação de pesquisa ou, ainda, no relato de resultados de pesquisa.2 São também consideradas práticas condenáveis, dentre outras: a inclusão de autores que não tiveram participação no trabalho, publicação redundante ou duplicada e a ausência intencional de citação bibliográfica. Recente editorial em Química Nova trata do assunto com mais detalhes.3 A publicação científica também depende do fator confiança: nos autores de que seu trabalho está livre de FFP; dos autores de que os editores escolherão assessores justos e imparciais para avaliarem seus trabalhos e dos leitores de que o processo de avaliação pelos pares seja eficiente.

O crescimento da fraude na pesquisa tem sido atribuído, em parte, ao aumento da pressão sobre os cientistas para publicarem a qualquer custo e, assim, ganharem mais verbas para pesquisa, promoções e prestígio. Embora maior publicidade venha sendo dada à fraude na área biomédica, vários casos na química foram desmascarados nos últimos anos.4 Periódicos de prestígio já sofreram o constrangimento de terem de exigir retratação de autores por trabalhos fraudulentos. Um estudo recente do provedor de dados acadêmicos Thomson Reuters mostrou que o número de artigos publicados em periódicos com sistema de avaliação por pares, nos últimos 20 anos, dobrou, enquanto o número de retratações aumentou 20 vezes, possivelmente como consequência do aparecimento de melhores sistemas de detecção, especialmente de plágio como o Déjà vu,5 e também porque editores vêm sendo cobrados para tomar medidas contra a má conduta.6

Mas será função de editores e dos revisores descobrirem fraude nos manuscritos que recebem? A revisão pelos pares não se constitui num sistema de detecção de fraude. Devido à sua experiência na área do trabalho, os revisores podem até detectar, por exemplo, se os autores copiaram a pesquisa de outro grupo. Entretanto, falsificação deliberada de dados só pode ser descoberta após a publicação do trabalho, quando outros não conseguem reproduzi-los. Por sua vez, a maioria dos editores de periódicos científicos, sobrecarregada devido ao grande número de submissões, atua confiante na conduta de honra que constitui o cerne da atividade científica e, portanto, da editoria científica. Assim sendo, dificilmente descobrem má conduta. Como lidar com esta situação? Certamente é essencial que os editores tenham consciência de que podem ser enganados.7 Medidas que visam a dificultar a publicação de trabalhos fraudulentos vêm sendo tomadas por vários editores de revistas científicas, inclusive do JBCS, como, por exemplo, atenção especial aos dados originais. Outra medida que deve ser abraçada pelos editores do JBCS é a solicitação de esclarecimento sobre as contribuições de cada um dos co-autores. Cabe também aos pesquisadores, enquanto leitores e assessores, levarem ao conhecimento dos editores qualquer má-conduta que venham a detectar.

É fundamental o papel da Sociedade Brasileira de Química - SBQ na promoção de iniciativas que auxiliem na prevenção de infrações éticas e promovam a integridade e a conduta responsável na pesquisa. Por exemplo, a SBQ deveria desenvolver urgentemente e divulgar um Código de Ética que inclua ética em publicação, elemento chave na promoção da integridade na pesquisa. Além disso, a SBQ poderia fomentar oportunidades visando à informação dos seus membros sobre pesquisa com responsabilidade, incluindo a elaboração e divulgação de materiais educativos e organização de eventos sobre o tema de ética na pesquisa científica.

Maria D. Vargas (UFF)

Ex-Editora JBCS

  • 1
    Committee on Publication Ethics. COPE; http://publicationethics.org/annualreport/2000, acessado Dez. 2009.
    » link
  • 2
    On Being a Scientist: responsible conduct in research; National Academies Press, 3rd ed., Washington, DC, 2009. Disponível em: http://www.nap.edu/catalog.php?record_id=12192
  • 3. Torresi, S. I. C.; Pardini, V. L; Ferreira, V. F.; Quim. Nova 2009, 32, 1371.
  • 4. Schulz, W. G.; C&ENews 2008, 86, 37.
  • 5. Errami, M.; Garner, H.; Nature 2008, 451, 397. //discovery.swmed.edu/dejavu/
  • 6. Corbyn, Z. Times Higher Education, 20 August 2009, //www.timeshighereducation.co.uk/story.asp?storycode=407838, acessado Dez. 2009.
  • 7. Editorial, Nature 2006, 444, Issue 7122, 971, //www.nature.com/nature/journal/v444/n7122/pdf/444971b.pdf, acessado Dez. 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2011
  • Data do Fascículo
    2009
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