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Alquimia no século 21

EDITORIAL

Alquimia no Século 21

Editoriais são normalmente textos desacompanhados de tabelas, gráficos ou ilustrações. Este editorial foge à regra porque a sua mensagem pode ser facilmente descoberta por qualquer pessoa que observe a tabela 1 que o acompanha. Esta tem três colunas que listam países, sua importância econômica medida pelo produto interno bruto - PIB - e o valor da sua produção química. A correlação entre o PIB desses países e o seu produto químico é muito boa: os países mais ricos são também os maiores produtores químicos e vice-versa. Entretanto, há algumas exceções, que são os países cuja posição como produtores químicos é superior à sua posição segundo o PIB. Trata-se da China, Brasil, Índia e Coréia do Sul, ou seja, um grupo de países que tem se saído bem desde a recente crise econômica global.

A observação da tabela permite duas conclusões: não existe país com produção econômica vultosa que não tenha também uma grande produção química, e os países que são hoje os mais dinâmicos economicamente podem ser facilmente identificados pelo seu destaque na produção química.

Isso nos leva a uma reflexão sobre o passado e a outra, sobre o futuro. No início dos anos 80, ouvia-se, com freqü ência, no Brasil, a seguinte afirmação: "países desenvolvidos estão exportando suas indústrias poluidoras para os países pobres, que são mais corruptos e, por isso, exercem menos controle ambiental". Essa frase foi muito usada, por exemplo, por adversários do PADCT, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do então governo federal, que revolucionou a Química brasileira. Trinta anos depois, vemos a realidade: os países ricos mantiveram-se em posições destacadas como produtores químicos e, não por acaso, os Estados Unidos são os maiores produtores globais de ácido sulfúrico - o mais básico de todos os produtos industriais - respondendo por quase metade do que se fabrica desse ácido no mundo todo. A preservação, renovação e ampliação da indústria química exigiram políticas nacionais e regionais bem estruturadas e consumiram enormes investimentos. Por exemplo, a Alemanha reunificada transformou a sucata de Leuna Werke, que teve momentos de glória nos tempos da IG Farben, em um sítio produtor vigoroso, limpo e que hoje é até mesmo fotogênico.

Mais importante, porém, é pensar o futuro. Se o Brasil realmente optar pelo crescimento econômico, o vigor da sua já pujante indústria química deve aumentar, o que requer grandes esforços empresariais, tecnológicos, científicos e de planejamento. Portanto, requer investimentos importantes.

Muitos documentos de governo produzidos nos últimos seis anos ignoram tudo que foi mostrado acima. Os planos do Ministério de Ciência e Tecnologia, em particular, são notáveis pelo desuso da palavra "química", seja como substantivo ou adjetivo, com maiúscula ou minúscula. O mais incrível é que isso tem ocorrido enquanto a indústria química brasileira, em um rasgo de visão e ousadia sem precedentes no mundo, está incorporando os produtos da biomassa aos seus insumos, realizando a sua parte na transição para uma economia do pós-petróleo. Esse pioneirismo tem raízes históricas profundas, representadas pela Usina Serra Grande em Alagoas, nos anos 20, e pela primeira grande usina alcoolquímica do mundo, então no município de Campinas, inaugurada em 1942.

Estamos agora iniciando a celebração do Ano Internacional da Química. 3 No Brasil, podemos fazê -lo com a certeza de estarmos celebrando, antes de mais nada, a melhoria das condições de vida de grandes populações humanas, principalmente das mais carentes. Estamos celebrando mais alimentos, mais água potável, mais energia, mais bens culturais e mais conforto para todos. Sempre atentos às lições da História, sabemos que podemos errar e muito, mas sabemos também como evitar ou corrigir os erros.

Neste Ano Internacional da Química, os que se dedicam a ela podem e devem sentir-se seguros do seu destacado papel na grande saga da humanidade. Essa segurança nos deve dar novas forças para a principal de todas as tarefas: a da formação de novas gerações de pessoas que conheçam a Química e utilizem esse conhecimento nas suas tomadas de decisão. Que consigam criar, produzir e utilizar cada vez mais Química, para o bem geral.

Fernando Galembeck - Unicamp

Referências

  • 1
    International Monetary Fund, World Economic Outlook Database, October 2010: Nominal GDP list of countries. Data for the year 2009.
  • 2
    http://www.americanchemistry.com/s_acc/sec_directory.asp?CID=292&DID=747, acessado em dezembro de 2010.
    » link
  • 3. Pinto, A. C.; J. Braz. Chem. Soc. 2009, 20, No. 3, iii.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Fev 2011
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