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A Indústria Química Brasileira: desafios e oportunidades

EDITORIAL

A química é um setor estratégico em todas as economias, com presença marcante em praticamente todas as cadeias produtivas. Não é mera coincidência que as maiores economias do mundo também sejam líderes na fabricação de produtos químicos. Muitos países se desenvolveram, criaram inúmeras oportunidades de trabalho, agregaram valor →s suas matrizes industriais a partir de investimentos que se iniciaram com a expansão da capacidade produtiva da química.

O faturamento líquido da indústria química brasileira alcançou US$ 130 bilhões em 2010. O Brasil ocupa a oitava posição no ranking mundial de países fabricantes de produtos químicos, que é liderado pelos Estados Unidos, seguidos de China, Japão, Alemanha, França, Itália e Coréia.

O crescimento previsto da economia brasileira de, pelo menos, 4% ao ano entre 2010 e 2020, implicaria uma demanda de produtos químicos em 2020, da ordem de US$ 260 bilhões, 80% superior → de 2008.

Apesar das expectativas favoráveis de crescimento, há uma forte preocupação quanto → atual situação da balança comercial do setor. O déficit comercial brasileiro de produtos químicos saltou de US$ 1,2 bilhão em 1990 para US$ 20,7 bilhões em 2010. Preocupada com o agravamento do déficit e com a falta de perspectivas para novos investimentos, a ABIQUIM (Associação Brasileira da Indústria Química) elaborou o Pacto Nacional da Indústria Química,1 com o objetivo de analisar a situação da indústria química e projetar a demanda futura para um horizonte de dez anos.

De acordo com o Pacto, o Brasil possui oportunidades que podem demandar investimentos na indústria química da ordem de US$ 167 bilhões nos próximos dez anos. Essas oportunidades foram classificadas em quatro grandes frentes:

1ª) Crescimento econômico: apenas para acompanhar o crescimento vegetativo do país, o potencial de investimentos é da ordem de US$ 87 bilhões, a serem utilizados na instalação de novas unidades, bem como na ampliação e manutenção das plantas atuais.

2ª) Recuperação do déficit comercial: para substituir algumas importações e aumentar as exportações, visando → reversão da tendência de crescimento do déficit comercial em produtos químicos, projetam-se investimentos de US$ 45 bilhões.

3ª) Química renovável: dada a biodiversidade brasileira, bem como o clima e solo favoráveis, o Brasil poderá tornar-se líder mundial desse mercado. Estudos indicam que, em 2020, os produtos químicos obtidos a partir de matérias-primas renováveis responderão por cerca de 10% da oferta global de produtos químicos. Os investimentos previstos para que o país alcance essa liderança estão estimados em US$ 20 bilhões.

4ª) Pré-sal: a agregação de valor →s matérias-primas provenientes do petróleo e do gás a serem extraídos do pré-sal exigirá investimentos de US$ 15 bilhões a serem aplicados na construção de centrais petroquímicas e de unidades de segunda geração.

A elevação da produção decorrente dessas quatro frentes exigirá uma forte agenda de inovação. Os investimentos projetados em pesquisa, desenvolvimento e inovação deverão alcançar cerca de US$ 32 bilhões até 2020 ou o equivalente a 1,5% do faturamento líquido anual do setor previsto para o período. Atualmente, o setor investe 0,8% do seu faturamento líquido anual em P&D.

O estudo ressalta que essas oportunidades só se transformarão em investimentos efetivos se forem sanadas algumas deficiências que desestimulam a expansão da capacidade de produção, bem como a implantação de novas unidades. O apoio decisivo do Governo será fundamental para a solução destas questões:

a) Matérias-primas básicas competitivas em preços e com garantia de volumes no longo prazo, com o fornecimento estabelecido em contrato. Parcela importante do atual déficit comercial de produtos químicos poderia ser eliminada com a produção local de produtos obtidos a partir do uso do gás natural como matéria-prima. A lei do gás, publicada em março de 2009, remete ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) o "estabelecimento de diretrizes para o uso do gás natural como matéria-prima em processos produtivos industriais, mediante a regulamentação de condições e critérios específicos que visem a sua utilização eficiente e compatível com os mercados interno e externo". Criou-se, desta forma, o arcabouço legal necessário ao Governo para a adoção de uma política de estímulo → realização de importantes investimentos no setor.

b) Solução de distorções do sistema tributário, com a desoneração da cadeia produtiva, a aplicação do princípio da isonomia tributária para produtos sucedâneos e a defesa contra a concorrência desleal. É preciso encontrar mecanismos que coíbam a concessão de vantagens fiscais ao produto importado em detrimento ao produto fabricado no país.

c) O Brasil também precisa acelerar os investimentos para a melhoria da infraestrutura logística, com a disponibilidade de portos, rodovias e outras soluções modais, aumentando, assim, a eficiência do sistema e a competitividade dos produtos aqui fabricados. Além do benefício direto que o setor teria com os investimentos em infraestrutura, haveria também o benefício indireto, em razão de uma extensa gama de produtos químicos a serem utilizados na construção civil e no saneamento básico.

d) A indústria química pede também maior apoio do Estado ao desenvolvimento tecnológico e à inovação. No setor químico, há investimentos que requerem uma escala intermediária antes da decisão da construção da fábrica - a implantação de uma unidade-piloto para testar processos e produtos. O apoio do setor público a esses projetos - os chamados investimentos pré-competitivos - por meio de mecanismos adequados de financiamento, é essencial para reduzir o risco do investidor e estimular a inovação.

e) É necessário ainda que o acesso ao crédito seja facilitado, principalmente para pequenas e médias empresas, visando ao fortalecimento da cadeia produtiva.

A concretização dos investimentos previstos trará benefícios importantes para o país. Dentre os principais, destacam-se a criação de mais de dois milhões de empregos, o aumento da atratividade para investimentos externos diretos, o aumento da importância do Brasil no comércio internacional, o estímulo ao desenvolvimento do setor de bens de capital, o fortalecimento do mercado de capitais e a redução da vulnerabilidade externa. Acrescentam-se, ainda, a ampliação do potencial de aproveitamento da biomassa e o estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias.

O setor tem ainda o cenário internacional e seus principais movimentos a considerar. Como atrair plantas de escala mundial para o Brasil, quando a decisão do investimento é global e as empresas têm a opção de realizá-los em locais cuja matéria-prima é abundante ou a um custo mais baixo? Como concorrer com a China e a Índia, com seus excedentes mundiais que atualmente invadem o mercado brasileiro? Como tratar a questão dos ganhos de competitividade no mercado americano com o advento do shale gas?2

Parece haver um consenso nacional de que o Brasil não pode prescindir de uma indústria forte, principalmente em setores estratégicos da economia. Porém, a grande pergunta que se coloca é: como o país pretende suprir a demanda futura prevista para a química? Aumentará a produção local, trazendo → sociedade todos os benefícios mencionados no Pacto ou irá simplesmente optar pela elevação da parcela importada, contribuindo negativamente para os resultados do balanço de pagamentos? Essa definição, além de importante, pede urgência, principalmente, porque alguns projetos podem demandar, após sua decisão, cinco anos para sua completa maturação. O Brasil não pode correr o risco de, no médio prazo, pela demora na decisão, não ter mais a opção da escolha.

Pedro Wongtschowski

Presidente do Grupo ULTRA e Vice-Presidente da ABIQUIM

  • 1
    ABIQUIM, Associação Brasileira da Indústria Química, Pacto Nacional da Indústria Química, São Paulo, Brasil, junho de 2010. Disponível em: http://www.abiquim.org.br/pacto/Pacto_Nacional_Abiquim.pdf
  • 2. Shale gas - gás natural não convencional, acumulado nos espaços porosos de rochas de reservatórios de arenitos ou carbonáticos. In Costamilan, L.,O Impacto do Shale Gas no Mercado Global de Gás Natural, ENAIQ 2010,15ş. Encontro Anual da Indústria Química, ABIQUIM, São Paulo, Brasil, 10 de dezembro 2010.
  • A Indústria Química Brasileira

    -
    Desafios e Oportunidades
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      2011
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