Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da efetividade e segurança do protocolo de infusão de insulina de Yale para o controle glicêmico intensivo

Assessment of effectiveness and safety of Yale insulin infusion protocol in a brazilian medical and surgical Intensive Care Unit

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O controle glicêmico intensivo ocupa lugar de destaque no manuseio dos pacientes críticos. O objetivo desde estudo foi avaliar a efetividade e a segurança do protocolo de insulinoterapia por via venosa de Yale nos pacientes críticos internados em unidade de terapia intensiva geral em hospital comunitário. MÉTODO: Foi realizado um estudo retrospectivo e comparativo entre 2 coortes de pacientes críticos, antes e após a implantação do controle glicêmico intensivo. Os desfechos de interesse do estudo foram glicemia média durante o tratamento, tempo para atingir a faixa alvo de 80 a 140 mg/dL, percentual de glicemia dentro desta faixa e incidência de hipoglicemia. RESULTADOS: Foram estudados 112 pacientes, divididos em dois grupos. Sessenta pacientes constituíram o grupo controle (GC) e 52 o grupo protocolo (GP). A glicemia média no GP foi de 131,2 ± 14,7 mg/dL versus 181,7 ± 36,1 mg/dL no GC. Os pacientes no GP alcançaram a faixa alvo mais rápido [mediana 7h (4 - 10h) versus mediana 96h (46 - 278h)] no GC. O percentual de glicemia dentro da faixa-alvo foi de 65% no GP e de 32% no GC. Não houve diferença estatística significativa na incidência de hipoglicemia grave; 4 pacientes no GP versus 2 pacientes no GC. CONCLUSÕES: O protocolo de insulinoterapia por via venosa contínua de Yale, mostrou-se efetivo e seguro para o manuseio do controle glicêmico em unidade de terapia intensiva que atende pacientes clínicos e cirúrgicos.

Doença crítica; hiperglicemia; insulina; protocolos; terapia intensiva


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Actually tight glycemic control is a major concern in critical care. The objective of this study was to evaluate effectiveness and safety of Yale insulin infusion protocol in a Brazilian medical and surgical intensive care unit. METHODS: Retrospective, before-after cohort study. Selected end-points were mean blood glucose levels, time-to-reach target range of 80 - 140 mg/dL, and percent of blood glucose in target range and hypoglycemia incidence. RESULTS: Were studied 112 patients: 60 in control group (CG) and 52 in protocol group (PG). Bedside blood glucose was measured 5392 times for a mean value of 131.2 ± 14.7 mg/dL in the PG versus 2485 times for a mean value of 181.7 ± 36.1 mg/dL in the CG. Blood glucose values were in the target range 65% and 32% of the times, respectively for PG and CG groups (p < 0.001). The median time to reach glucose target range was 7 h (range 4 -10 h) for PG and 96 hr (range 46 - 278 h) for CG (p < 0.001). Incidence of severe hypoglycemia did not reach difference statistically significant: 4 patients in PG versus 2 patients in CG. CONCLUSIONS: Yale insulin infusion protocol was effective and safe to improve blood glucose control in a Brazilian medical and surgical intensive care unit.

Critical illness; hyperglycemia; insulin; intensive care; protocols


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da efetividade e segurança do protocolo de infusão de insulina de Yale para o controle glicêmico intensivo* * Recebido do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital de Caridade de Florianópolis, SC

Assessment of effectiveness and safety of Yale insulin infusion protocol in a brazilian medical and surgical Intensive Care Unit

José Roberto Carvalho DienerI; Carlos Eduardo Elias dos PrazeresII; Cilmar Mello da RosaIII; Urubatan Collaço AlbertonIV; Carla Cristina Souza RamosV

IMestre em Medicina pela UFSC. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Médico Chefe do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital de Caridade de Florianópolis, SC. Coordenador da Equipe de Terapia Nutricional do Hospital Universitário da UFSC

IIGraduando do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

IIIEspecialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Médico do Serviço de Terapia Intensiva e da Equipe de Terapia Nutricional do Hospital de Caridade de Florianópolis, SC

IVEspecialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Médico do Serviço de Terapia Intensiva e do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Caridade de Florianópolis, SC

VEspecialista em Enfermagem Intensiva e Emergência pela UNISUL. Enfermeira Chefe do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital de Caridade de Florianópolis, SC

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. José Roberto Carvalho Diener Rua Menino Deus 376 – Centro 88020-210 Florianópolis, SC Fone: 48-3221-7521 / Fax: 48-3221-7589 E-mail: jrdiener@hotmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O controle glicêmico intensivo ocupa lugar de destaque no manuseio dos pacientes críticos. O objetivo desde estudo foi avaliar a efetividade e a segurança do protocolo de insulinoterapia por via venosa de Yale nos pacientes críticos internados em unidade de terapia intensiva geral em hospital comunitário.

MÉTODO: Foi realizado um estudo retrospectivo e comparativo entre 2 coortes de pacientes críticos, antes e após a implantação do controle glicêmico intensivo. Os desfechos de interesse do estudo foram glicemia média durante o tratamento, tempo para atingir a faixa alvo de 80 a 140 mg/dL, percentual de glicemia dentro desta faixa e incidência de hipoglicemia.

RESULTADOS: Foram estudados 112 pacientes, divididos em dois grupos. Sessenta pacientes constituíram o grupo controle (GC) e 52 o grupo protocolo (GP). A glicemia média no GP foi de 131,2 ± 14,7 mg/dL versus 181,7 ± 36,1 mg/dL no GC. Os pacientes no GP alcançaram a faixa alvo mais rápido [mediana 7h (4 - 10h) versus mediana 96h (46 - 278h)] no GC. O percentual de glicemia dentro da faixa-alvo foi de 65% no GP e de 32% no GC. Não houve diferença estatística significativa na incidência de hipoglicemia grave; 4 pacientes no GP versus 2 pacientes no GC.

CONCLUSÕES: O protocolo de insulinoterapia por via venosa contínua de Yale, mostrou-se efetivo e seguro para o manuseio do controle glicêmico em unidade de terapia intensiva que atende pacientes clínicos e cirúrgicos.

Unitermos: Doença crítica, hiperglicemia, insulina, protocolos, terapia intensiva.

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Actually tight glycemic control is a major concern in critical care. The objective of this study was to evaluate effectiveness and safety of Yale insulin infusion protocol in a Brazilian medical and surgical intensive care unit.

METHODS: Retrospective, before-after cohort study. Selected end-points were mean blood glucose levels, time-to-reach target range of 80 - 140 mg/dL, and percent of blood glucose in target range and hypoglycemia incidence.

RESULTS: Were studied 112 patients: 60 in control group (CG) and 52 in protocol group (PG). Bedside blood glucose was measured 5392 times for a mean value of 131.2 ± 14.7 mg/dL in the PG versus 2485 times for a mean value of 181.7 ± 36.1 mg/dL in the CG. Blood glucose values were in the target range 65% and 32% of the times, respectively for PG and CG groups (p < 0.001). The median time to reach glucose target range was 7 h (range 4 -10 h) for PG and 96 hr (range 46 - 278 h) for CG (p < 0.001). Incidence of severe hypoglycemia did not reach difference statistically significant: 4 patients in PG versus 2 patients in CG.

CONCLUSIONS: Yale insulin infusion protocol was effective and safe to improve blood glucose control in a Brazilian medical and surgical intensive care unit.

Key Words: Critical illness, hyperglycemia, insulin, intensive care, protocols.

INTRODUÇÃO

A hiperglicemia ocorre com freqüência nos pacientes críticos diabéticos e não diabéticos. Admite-se que ela seja causada por aumento da gliconeogênese e por resistência periférica à ação da insulina em resposta à secreção de hormônios contra-regulatórios e de citocinas inflamatórias1.

Ela aceita previamente como uma resposta apropriada e mesmo benéfica ao estresse, atualmente a hiperglicemia é reconhecida como um fator de risco para evolução clínica desfavorável e aumento de mortalidade2. Em situações agudas como infarto agudo do miocárdio, cirurgia cardiovascular, acidente vascular encefálico e traumatismo craniano, a glicemia elevada se associa à pior prognóstico3-6. Acredita-se que os efeitos deletérios estejam relacionados principalmente a depressão da função imune e a indução de um estado pró-inflamatório e pró-coagulante7-9.

A atitude frente à hiperglicemia no paciente crítico se modificou substancialmente após a publicação do estudo de Van den Berghe e col.10 em 2001. Esse estudo demonstrou que o controle rigoroso da glicemia entre 80 e 110 mg/dL, utilizando infusão venosa contínua de insulina, reduziu significativamente a mortalidade e a incidência de complicações, num grupo de 1548 pacientes predominantemente cirúrgicos10. O controle estrito da glicemia passou a ser considerada conduta ideal11 e a utilização da insulinoterapia venosa contínua generalizou-se nas unidades de terapia intensiva em todos os países.

O Colégio Americano de Endocrinologia11 recomenda manter a glicemia abaixo de 110 mg/dL em todos os pacientes críticos como proposto por Van den Berghe e col.10. Outras diretrizes recomendam insulinoterapia venosa contínua só para glicemias acima de 140 a 150 mg/dL por considerar que este nível reduz o risco de hipoglicemia e é uma propostamais realista fora dos ambientes de pesquisa clínica12-14.

Independentemente da faixa glicêmica escolhida é fundamental para a implementação do controle estrito da glicemia a utilização de um protocolo de insulinoterapia que permita manter a glicemia dentro da faixa selecionada e que evite ou reduza a ocorrência de hipoglicemia. Na literatura existem vários protocolos descritos com diferentes estratégias e recomendações10,15-20.

Este estudo teve por objetivos avaliar a efetividade e a segurança do protocolo de insulinoterapia venosa de Yale18, empregado para manter a glicemia entre 80 e140 mg/dL, em pacientes críticos internados em unidade de terapia intensiva geral.

MÉTODO

O estudo foirealizado no Serviço de Terapia Intensiva do Hospital de Caridade de Florianópolis, hospital comunitário geral. A UTI dispõe de sete leitos e atende em média 600 pacientes adultos clínicos e cirúrgicos por ano. O atendimento médico é prestado por intensivistas diaristas e plantonistas. O serviço de enfermagem é coordenado por enfermeiro-chefe e cada turno de atendimento conta com um enfermeiro assistencial e seis técnicos de enfermagem.

O desenho do estudo foi retrospectivo, comparativo, entre coortes, antes e após a implantação do controle glicêmico estrito. A Comissão de Ética dispensou a assinatura do termo de consentimento informado por tratar-se de coleta retrospectiva de dados sobre prática terapêutica, já em uso na UTI desde outubro de 2004.

Foram incluídos no estudo 112 pacientes, divididos em dois grupos. Sessentapacientes constituíram o grupo controle (GC) e 52 o grupo protocolo (GP). No GP foram incluídos os pacientes internados na UTI, entre dezembro de 2004 a outubro de 2005 que receberam insulina venosa contínua para manter a glicemia na faixa de 80 a 140 mg/dL, guiada pelo protocolo de Yale18. Este protocolo, descrito por Goldberg e col., exige mensurações inicialmente horárias de glicemia e foi desenvolvido para ser controlado pela equipe de enfermagem. Após a decisão médica de iniciar insulinoterapia intensiva as determinações de glicemia, capilar ou arterial, foram realizadas à beira do leito com glicosímetro portátil Accu-Check Advantage Roche® e a suataxa de infusão foi modificada de acordo com as instruções detalhadas pelo protocolo, conforme descrito no anexo 1 Anexo 1 Clique para ampliar . A insulinoterapia intensiva, neste período, foi recomendada para glicemias > 200 mg/dL, porém não houve uma exigência rigorosa para iniciar somente acima deste valor. A insulina regular, diluída em solução fisiológica na concentração de 1 U/mL, foi administrada em bomba perfusora B. Braun, empregando-se seringa de 50 mL.

No GC foram incluídosos pacientes internados na UTI, um ano antes da implantação do protocolo, dezembro de 2002 a outubro de 2003, que apresentaram pelo menos 1 medida deglicemia > 200 mg/dL e que receberam tratamento com insulina por viasubcutânea ou venosa por mais de 24 horas. Neste período a administração de insulina subcutânea ou venosa era realizada conforme a orientação do médico intensivista do turno, sem haver um protocolo que padronizasse o controle glicêmico.

Foram coletados do prontuário osdados referentes ao sexo, idade, peso, razão para admissão na UTI, história de diabete melito, escore APACHE II e glicemia no início do tratamento. Registrou-se o uso de fármacos vasoativos, nutrição parenteral ou enteral, corticoterapia e ventilação mecânica. Foram anotados as medidas de glicemia capilar ou arterial e o tempo necessário para atingir a faixa terapêutica de 80 a 140 mg/dL. No GP registrou-se a taxa de infusão horária de insulina durante o período de sua utilização.

Definiu-se como efetividade o poder do protocolo em atingir e manter a faixa glicêmica estabelecida de 80 a 140 mg/dL. A segurança foi avaliada em relação ao número de episódios de hipoglicemia ocorridos. Considerou-se como hipoglicemia moderada valores de glicemia capilar < 60 mg/dL e hipoglicemia grave valores < 40 mg/dL.

A análise estatística foi realizada com o programa Epiinfo 6.04. As variáveis contínuas foram comparadas utilizando o teste t de Student e as proporções empregando o teste do Qui-quadrado. O tempo para a glicemia diminuir até < 140 mg/dL foi comparado entre os 2 grupos utilizando-se a curva de sobrevida de Kaplan-Meier com o teste de log-rank do pacote estatístico SPSS versão 8.0. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos para todos os testes.

RESULTADOS

Foram incluídos 112 pacientes, 60 no GC e 52 no GP, representando 459 e 423 dias-pacientes. As características dos 2 grupos estão demonstradas na tabela 1. Não houve diferença significativa quanto ao sexo, idade, peso, admissão clínica ou cirúrgica, diagnóstico de diabete melito, uso de nutrição parenteral e corticosteróides. O escore de gravidade APACHE II foi significativo maior no GP e também houve significativamente mais uso de vasopressores e nutrição enteral neste grupo. O GC apresentou média glicêmica mais elevada no início da insulinoterapia.

Realizaram-se 2485 mensurações de glicemia capilar ou arterial no GC e 5392 no GP. A média de determinações diárias foi de 5,4 ± 1,2 no GC e 14,8 ± 4,2 no GP.

O GP alcançou a faixa-alvo de 80 a 140 mg/dL significativamente mais rápido como mostra a análise da curva de sobrevida de Kaplan-Meier na figura 1 (p < 0,001 pelo teste do log-rank). A mediana do tempo necessário para alcançar a faixa foi de 7 horas (intervalo 25%-75% de 4-10 horas) no GP e de 96 horas (intervalo 25%-75% de 46-278 horas) no GC. Todos os pacientes do GP atingiram a faixa enquanto que no GC só 32 pacientes a alcançaram.


A mediana do tempo de uso de insulina foi de 97 horas no GC e de 156 horas no GP. A infusão horária média de insulina por viavenosa no GP foi de 2,2 ± 0,1 (mediana 2) unidades.

Durante o tratamento a média glicêmica no GP foi de 131,2 ± 14,7 mg/dL (mediana 123 mg/dL) e no GC 181,7 ± 36,1 mg/dL (mediana 166 mg/dL). As médias dos valores glicêmicos diários dos 2 grupos, durante os 7 primeiros dias de tratamento, apresentaram diferença estatística significativa (p < 0,001), conforme demonstrado na figura 2.


No GPdas 5392 glicemias realizadas à beira do leito, 3527 (65%) se situaram entre 80 e 140 mg/dL, 1597 (30%) acima e 266 (5%) abaixo desta faixa. No GC, das 2485 mensurações, 799 (32%) ficaram entre 80 e 140 mg/dL, 1619 (65%) ficaram acima e 68 (2,7%) abaixo, conforme demonstrado na tabela 2.

Ocorreram 44 episódios de hipoglicemia moderada em 18 pacientes e 4 episódios de hipoglicemia grave em 4 pacientes distintos no GP. Já no GC observaram-se 19 episódios de hipoglicemia moderada em 11 pacientes e três episódios de hipoglicemia grave em dois pacientes. Quando comparado o total de pacientes que desenvolveram hipoglicemia, houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. No GC 13 pacientes e GP 22 pacientes desenvolveram hipoglicemia, respectivamente (p < 0,05). Não houve diferença estatística significativa no número de pacientes com hipoglicemia grave; foram 2 pacientes no GC e 4 no GP. Não se observou nenhum evento clínico adverso grave relacionado aos episódios hipoglicêmicos.

DISCUSSÃO

Nos últimos anos o controle glicêmico intensivo, obtido pela infusão venosa contínua de insulina, passou a ocupar lugar de destaque no manuseio dos pacientes críticos. Alguns autores chegam a citá-lo como o maior avanço ocorrido na terapia intensiva desde a introdução da reanimação volêmica e da ventilação mecânica com pressão expiratória positiva21. A premissa é de que a manutenção da normoglicemia está associada a menores taxas de infecções e de falências orgânicas e, conseqüentemente, a menor mortalidade10.

Para a implementação do controle glicêmico intensivo é recomendável que se disponha de um protocolo com estratégias definidas para manter a glicemia na faixa escolhida e para prevenir e tratar as complicações, principalmente a hipoglicemia. Entre os benefícios de uma abordagem protocolizada citam-se a aplicação de melhores práticas baseadas em evidências, a padronização do tratamento, a redução da variabilidade no atendimento, a redução de complicações e melhor desfecho clínico22.

O protocolo de Yale foi selecionado para uniformizar o controle glicêmico na UTI do Hospital de Caridade de Florianópolis por contar com instruções detalhadas e objetivas de manuseio e também por adotar uma faixa glicêmica considerada mais segura, do que a faixa de 80 a 110 mg/dL, preconizada por Van den Berghe e col.10. O presente estudo avaliou a efetividade e a segurança da insulinoterapia venosa contínua administrada conforme este protocolo. Os resultados demonstram que ele foi efetivo e melhorou significativamente o controle glicêmico numa população heterogênea de pacientes críticos clínicos e cirúrgicos, comparativamente ao controle glicêmico antes praticado.

Após a implantação do protocolo, a glicemia média foi reduzida de 181,7 ± 36,1 mg/dL para 131,2 ± 14,1 mg/dL e também houve um aumento significativo na proporção das glicemias dentro da faixa-alvo que subiu de 32% para 65%. O tempo necessário para as glicemias atingirem a faixa de controle também diminuiu significativamente.

A hipoglicemia é considerada a principal complicação associada a insulinoterapia venosa contínua e ocorre em torno de 4% a 7% dos pacientes. Ela pode causar manifestações adrenérgicas como sudorese, taquicardia, ansiedade, palpitações e manifestações neuroglicopênicas como cefaléia, confusão mental, convulsões e coma. Nos pacientes críticos a detecção dos episódios hipoglicêmicos fica dificultada nos inconscientes e naqueles em ventilação mecânica. São fatores de risco para o desenvolvimento de hipoglicemia; protocolos de insulinoterapia venosa contínua com faixas estreitas de controle glicêmico, insuficiência renal aguda com necessidade de hemodiálise, sepse, utilização de fármacos vasoativos, corticóides e qualquer redução na administração de terapia nutricional sem redução concomitante na taxa de infusão da insulina21. Um protocolo de manuseio adequado deve incluir determinações freqüentes de glicemia, recomendações específicas para alterar as taxas de infusão e exigir administração imediata de glicose hipertônica na vigência de um evento hipoglicêmico16.

Neste estudo o protocolo utilizado pode ser considerado seguro pois, embora tenha se observado um aumento estatisticamente significativo na taxa de hipoglicemia total no GP, não houve aumento significativo na taxa de hipoglicemia grave comparativamente ao período anterior. Os episódios de hipoglicemia foram prontamente detectados e corrigidos pela administração venosa de glicose a 50% de acordo com as instruções do protocolo. Também não se observou manifestações clínicas adversas ou complicações relacionadas aos eventos hipoglicêmicos. O percentual de pacientes que apresentou hipoglicemia grave é comparável com aqueles encontrados por zimmerman e col.19 em UTI cardiotorácica e por Vriesendorp e col.23 em UTI geral clínica e cirúrgica.

Os resultados observados com o controle glicêmico intensivo no presente estudo, numa população mista de pacientes críticos clínicos e cirúrgicos, aproximam-se bastante dos resultados encontrados por Goldberg e col. no estudo original que descreveu o protocolo de Yale e que foi realizado numa população exclusiva de pacientes clínicos18. Esses autores encontraram uma mediana de tempo de nove horas para atingir a faixa glicêmica de 80 a 140 mg/dL em comparação com sete horas no atual estudo. A proporção de glicemias dentro da faixa foi similar: 66% no estudo de Yale e 65% neste estudo. A taxa de infusão horária de insulina venosa foi 50% menor no nosso estudo (mediana 2 unidades/hora versus 4 unidades/hora) porém os pacientes receberam infusão de insulina por período mais prolongado (mediana 156 horas versus 61 horas). Quanto à ocorrência de hipoglicemia grave, foram três episódios na casuística de Goldberg e col. e quatro na atual. Até onde se pode verificar este é o primeiro estudo a relatar o desempenho do protocolo de Yale numa realidade assistencial diferente daquela dos estudos publicados por Goldberg e col.18,24-25.

Dentre as limitações do presente estudo salienta-se o fato de ser um levantamento retrospectivo, portanto sujeito a viés na coleta dos dados. Também a comparação entre dois períodos diferentes pressupõe que as práticas terapêuticas tenham sido similares. Apesar de não ter sido detectada nenhuma mudança nas práticas na unidade durante estes períodos, que não a implantação do controle glicêmico intensivo, não se pode afastar a influência do efeito Hawthorne, devido à utilização do próprio protocolo.

Ainda existem muitas dúvidas a respeito do controle glicêmico intensivo nos pacientes críticos para serem esclarecidas. A interrupção de um estudo multicêntrico alemão sobre sepse grave, devido à elevada incidência de hipoglicemia associada à insulinoterapia intensiva26 e a constatação, no estudo recente de Van den Berghe e col.em pacientes clínicos27, de que a taxa de mortalidade foi maior nos pacientes sob controle glicêmico intensivo que permaneceram menos de três dias na UTI motivaram vários debates28-32. Entre outros tópicos discute-se que o controle estrito deve ser aplicado indistintamente a todos os pacientes que apresentam elevações da glicemia, se existem faixas diferentes de controle glicêmico para diferentes doenças e populações de pacientescríticos. Espera-se que dois grandes estudos multicêntricos em andamento; NICE-SUGAR que estuda 4.500 pacientes clínicos e cirúrgicos em UTI na Austrália, Nova zelândia e Canadá e GLUControl que avalia 3.500 pacientes clínicos e cirúrgicos em vários centros na Europa em breve respondam estas indagações28,29. Na opinião de vários especialistas28,30-32, até que se tenham mais respostas, é uma atitude prudente adotar regimes de controle glicêmico menos agressivos33, mas ainda comprovadamente efetivos34, que assegurem glicemias abaixo de 150 mg/dL, principalmente em UTI com menor disponibilidade de recursos humanos.

Concluindo, este estudo demonstrou que o protocolo de Yale foi efetivo e seguro para manusear a insulinoterapia por viavenosa contínua, visando o controle glicêmico estrito de pacientes críticos clínicos e cirúrgicos em um hospital comunitário brasileiro.

AGRADECIMENTOS

À Equipe de Enfermagem do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital de Caridade de Florianópolis cuja participação foi e continua sendo fundamental para o bom desempenho deste e dos demais protocolos de tratamento utilizados no serviço.

Apresentado em 31 de julho de 2006

Aceito para publicação em 06 de setembro

  • 01. Coursin DB, Connery LE, Ketzler JT.Perioperative diabetic and hyperglycemic management issues. Crit Care Med, 2004;32:(Suppl4):S116-S125.
  • 02. Krinsley JS.Association between hyperglycemia and increased hospital mortality in a heterogenous population of critically ill patients. Mayo Cli Proc, 2003;78:1471-1478.
  • 03. Malmberg K, Norhammar A, Wedel H, et al.Glycometabolic state at admission: important risk marker of mortality in conventionally treated patients with diabetes mellitus and acute myocardial infarction: long-term results from the Diabetes and Insulin-Glucose Infusion in Acute Myocardial Infarction (DIGAMI) study. Circulation, 1999;99:2626-2632.
  • 04. Capes SE, Hunt D, Malmberg K, et al.Stress hyperglycaemia and increased risk of death after myocardial infarction in patients with and without diabetes: a systematic overview. Lancet, 2000;355:773-778.
  • 05. Capes SE, Hunt D, Malmberg K, et al. Stress hyperglycemia and prognosis of stroke in nondiabetic and diabetic patients: a systematic overview. Stroke, 2001;32:2426-2432.
  • 06. Yendamuri S, Fulda GJ, Tinkoff GH. Admission hyperglycemia as a prognostic indicator in trauma. J Trauma, 2003;55:33-38.
  • 07. Rassias AJ, Marrin CA, Arruda J, et al. Insulin infusion improves neutrophil function in diabetic cardiac surgery patients. Anesth Analg, 1999;88:1011-1016.
  • 08. Golden SH, Peart-Vigilance C, Kao WH et al Perioperative glycemic control and the risk of infectious complications in a cohort of adults with diabetes. Diabetes Care, 1999;22:1408-1414.
  • 09. Dandona P, Mohanty P, Chaudhuri A, et al. Insulin infusion in acute illness. J Clin Invest, 2005;115:2069-2072.
  • 10. van den Berghe G, Wouters P, Weekers F, et al. Intensive insulin therapy in critically ill patients. N Engl J Med, 2001;345:1359-1367.
  • 11. American College of Endocrinology Task Force on Inpatient Diabetes and Metabolic Control Position Statement on Inpatient Diabetes and Metabolic Control. Endocr Pract, 2004;10:78-82.
  • 12. Marik PE, Raghavan M Stress-hyperglycemia, insulin and immunomodulation in sepsis. Intensive Care Med, 2004;30:748-756.
  • 13. Cariou A, Vinsonneau C, Dhainaut JF. Adjunctive therapies in sepsis: an evidence-based review. Crit Care Med, 2004;32:(Suppl11):S562-S570.
  • 14. Dellinger RP, Carlet JM, Masur H, et al. Surviving Sepsis Campaign guidelines for management of severe sepsis and septic shock. Crit Care Med, 2004;32:858-873.
  • 15. Brown G, Dodek P. Intravenous insulin nomogram improves blood glucose control in the critically ill. Crit Care Med, 2001;29:1714-1719.
  • 16. Bode BW, Braithwaite SS, Steed RD, et al. Intravenous insulin infusion therapy: indications, methods, and transition to subcutaneous insulin therapy. Endocr Pract, 2004;10:(Suppl2):S71-S80.
  • 17. Kanji S, Singh A, Tierney M, et al. Standardization of intravenous insulin therapy improves the efficiency and safety of blood glucose control in critically ill adults. Intensive Care Med, 2004;30:804-810.
  • 18. Goldberg PA, Siegel MD, Sherwin RS, et al. Implementation of a safe and effective insulin infusion protocol in a medical intensive care unit. Diabetes Care, 2004;27:461-467.
  • 19. zimmerman CR, Mlynarek ME, Jordan JA, et al. An insulin infusion protocol in critically ill cardiothoracic surgery patients. Ann Pharmacother, 2004;38:1123-1129.
  • 20. Chant C, Wilson G, Friedrich JO. Validation of an insulin infusion nomogram for intensive glucose control in critically ill patients. Pharmacotherapy, 2005;25:352-359.
  • 21. Nasraway SA Jr. Hyperglycemia during critical illness. JPEN J Parenter Enteral Nutr, 2006;30:254-258.
  • 22. Morris AH. Treatment algoritms and protocolized care. Curr Opin Crit Care, 2003;9:236-240.
  • 23. Vriesendorp TM, van Santen S, DeVries JH, et al. Predisposing factors for hypoglycemia in the intensive care unit. Crit Care Med, 2006;34:96-101.
  • 24. Goldberg PA, Sakharova OV, Barrett PW, et al. Improving glycemic control in the cardiothoracic intensive care unit: clinical experience in two hospital settings. J Cardiothorac Vasc Anesth, 2004;18;690-697.
  • 25. Goldberg PA, Roussel M, Inzucchi SE. Clinical results of an updated insulin infusion protocol in critically ill patients. Diabetes Spectrum, 2005;18:188-191.
  • 26. Brunkhorst FM, Kuhnt E, Engel C, et al. Intensive insulin therapy in patients with severe sepsis and septic shock is associated with an increased rate of hypoglycemia results from a randomized multicenter study. Infection, 2005;33:(Suppl1):19-20.
  • 27. Van den Berghe G, Wilmer A, Hermans G, et al. Intensive insulin therapy in the medical ICU. N Engl J Med, 2006;354:449-461.
  • 28. Angus DC, Abraham E. Intensive insulin therapy in critical illness. Am J Respir Crit Care Med, 2005;172:1358-1359.
  • 29. Bellomo R, Egi M. Glycemic control in the intensive care unit: why we should wait for NICE-SUGAR. Mayo Clin Proc, 2005;80:1546-1548.
  • 30. Malhotra A. Intensive insulin in intensive care. N Engl J Med, 2006;354;516-518.
  • 31. Polderman KH, Girbes AR. Intensive insulin therapy: of harm and health, of hypes and hypoglycemia. Crit Care Med, 2006;34:246-248.
  • 32. Watkinson P, Barber VS, Young JD. Strict glucose control in the critically ill. BMJ, 2006;332:865-866.
  • 33. Krinsley JS. Effect of an intensive glucose management protocol on the mortality of critically ill adult patients. Mayo Clin Proc, 2004;79:992-1000.
  • 34. Finney SJ, zekveld C, Elia A, et al. glucose control and mortality in critically ill patients. JAMA, 2003;290:2041-2047.

Anexo 1 

Clique para ampliar

  • Endereço para correspondência:
    Dr. José Roberto Carvalho Diener
    Rua Menino Deus 376 – Centro
    88020-210 Florianópolis, SC
    Fone: 48-3221-7521 / Fax: 48-3221-7589
    E-mail:
  • *
    Recebido do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital de Caridade de Florianópolis, SC
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Recebido
      31 Jul 2006
    • Aceito
      06 Set 2006
    Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbti.artigos@amib.com.br