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Proteção renal na unidade de terapia intensiva cirúrgica

Renal protection in a surgical intensive care unit

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A disfunção renal peri-operatória é importante causa de aumento de morbimortalidade. Com o aumento da expectativa de vida, pacientes mais idosos e com maior números de co-morbidades estão sendo submetidos à procedimentos cirúrgicos de alto risco, o que torna as práticas da proteção orgânica possíveis modificadoras de prognóstico a curto e longo prazo. Nesse contexto, esta revisão sobre a proteção renal na unidade de terapia intensiva cirúrgica objetivou destacar os fatores de riscos peri-operatórios e discutir as atuais evidências científicas direcionadas para a diminuição da disfunção renal peri-operatória. CONTEÚDO: Apesar da baixa extração e adequada reserva renal de oxigênio, o rim é extremamente sensível à hipoperfusão sendo a insuficiência renal aguda uma complicação freqüente de instabilidade hemodinâmica. Este aparente paradoxo, comalto suprimento de oxigênio e reduzida extração, com alta incidência de lesão renal à hipotensão, é explicado pelo gradiente fisiológico intra-renal de oxigênio que torna a medula particularmente susceptível à isquemia. Identificou-se fatores de lesão renal em todas as fases do período peri-operatório: jejum e uso de contraste pré-operatório, hipovolemia, hipotensão, liberação de catecolaminas e citocinas, utilização e circulação extracorpórea, politrauma, presença de rabdomiólise e pinçamentoaórtico. É necessário que práticas capazes de diminuir a lesão renal peri-operatória sejam discutidas. CONCLUSÕES: O controle da lesão renal baseia-se nos princípios da fisiologia renal peri-operatória e na otimização da hemodinâmica glomerular. Medidas direcionadas para proteção orgânica devem ser implementadas devido ao impacto da insuficiência renal na evolução clínica neste grupo de pacientes.

disfunção renal; insuficiência renal; peri-operatório; proteção renal


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Perioperative renal dysfunction is an important cause of morbidity and mortality. With increase of life expectancy, older patients with more co-morbidity are being submitted to high risk surgical procedures, what make clinical practice related to organ protection possible modifier of short and long term survival. This review about renal protection in surgical intensive care unit points risk factors and discusses scientific evidence related to reduction of renal dysfunction in perioperative. CONTENTS: Although low extraction and adequate renal reserve of oxygen, the kidney is extremely sensible to hypoperfusion being renal acute insufficiency a frequent complication of hemodynamic instability. This apparent paradox, high oxygen content and reduced extraction with high incidence of renal damage to hypotension reflects the intra-renal gradient of oxygen, what makes renal medulla highly susceptible to ischemia. Factors associated with renal lesion are observed in all fases of perioperative period: fasting, contrast use, hypovolemia, hypotension, catecholamine and cytokine release, extracorporeal circulation, trauma, rabdomiolisys and aortic clamp. CONCLUSIONS: Management of renal damage is based in principals of perioperative renal physiology and glomerular hemodynamic. Clinical practice directed to organic protection should be implemented to minimize the impact this dysfunction.

perioperative; renal dysfunction; renal protection; renal insufficiency


ARTIGO DE REVISÃO

Proteção renal na unidade de terapia intensiva cirúrgica* * Recebido do Instituto do Coração, Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, SP

Renal protection in a surgical intensive care unit

Luciana Moraes dos SantosI; Ludhmila Abrahão HajjarII; Filomena Regina Barbosa GalasIII; Constantino José Fernandes JúniorIV; José Otávio Costa Auler JúniorV

IMédica Assistente do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva Cirúrgica do InCor do HCFMUSP, Pós-Graduanda do Programa de Pós-Graduação em Anestesiologia da FMUSP

IIMédica Assistente do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva Cirúrgica do InCor do HCFMUSP, Pós-Graduanda do Programa de Ciências Médicas da FMUSP. Especialista em Terapia Intensiva

IIIMédica Supervisora do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva Cirúrgica do InCor do HCFMUSP. Mestre em Anestesiologia pela FMUSP. Doutora em Ciências pela FMUSP. Especialista em Terapia Intensiva

IVGerente de Prática Médica do Hospital Israelita Albert Einstein. Secretário da Comissão de Título da Associação de Medicina Intensiva Brasileira

VProfessor Titular da Disciplina de Anestesiologia da FMUSP. Diretor do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva Cirúrgica do InCor do HCFMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Luciana Moraes dos Santos Av. Dr. Arnaldo, 455 – 2º andar 05430-100 São Paulo, SP Fone (11) 3069-5232 E-mail: lumoraesrj@yahoo.com.br, luciana.santos@incor.usp.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A disfunção renal peri-operatória é importante causa de aumento de morbimortalidade. Com o aumento da expectativa de vida, pacientes mais idosos e com maior números de co-morbidades estão sendo submetidos à procedimentos cirúrgicos de alto risco, o que torna as práticas da proteção orgânica possíveis modificadoras de prognóstico a curto e longo prazo. Nesse contexto, esta revisão sobre a proteção renal na unidade de terapia intensiva cirúrgica objetivou destacar os fatores de riscos peri-operatórios e discutir as atuais evidências científicas direcionadas para a diminuição da disfunção renal peri-operatória.

CONTEÚDO: Apesar da baixa extração e adequada reserva renal de oxigênio, o rim é extremamente sensível à hipoperfusão sendo a insuficiência renal aguda uma complicação freqüente de instabilidade hemodinâmica. Este aparente paradoxo, comalto suprimento de oxigênio e reduzida extração, com alta incidência de lesão renal à hipotensão, é explicado pelo gradiente fisiológico intra-renal de oxigênio que torna a medula particularmente susceptível à isquemia. Identificou-se fatores de lesão renal em todas as fases do período peri-operatório: jejum e uso de contraste pré-operatório, hipovolemia, hipotensão, liberação de catecolaminas e citocinas, utilização e circulação extracorpórea, politrauma, presença de rabdomiólise e pinçamentoaórtico. É necessário que práticas capazes de diminuir a lesão renal peri-operatória sejam discutidas.

CONCLUSÕES: O controle da lesão renal baseia-se nos princípios da fisiologia renal peri-operatória e na otimização da hemodinâmica glomerular. Medidas direcionadas para proteção orgânica devem ser implementadas devido ao impacto da insuficiência renal na evolução clínica neste grupo de pacientes.

Unitermos: disfunção renal, insuficiência renal, peri-operatório, proteção renal.

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Perioperative renal dysfunction is an important cause of morbidity and mortality. With increase of life expectancy, older patients with more co-morbidity are being submitted to high risk surgical procedures, what make clinical practice related to organ protection possible modifier of short and long term survival. This review about renal protection in surgical intensive care unit points risk factors and discusses scientific evidence related to reduction of renal dysfunction in perioperative.

CONTENTS: Although low extraction and adequate renal reserve of oxygen, the kidney is extremely sensible to hypoperfusion being renal acute insufficiency a frequent complication of hemodynamic instability. This apparent paradox, high oxygen content and reduced extraction with high incidence of renal damage to hypotension reflects the intra-renal gradient of oxygen, what makes renal medulla highly susceptible to ischemia. Factors associated with renal lesion are observed in all fases of perioperative period: fasting, contrast use, hypovolemia, hypotension, catecholamine and cytokine release, extracorporeal circulation, trauma, rabdomiolisys and aortic clamp.

CONCLUSIONS: Management of renal damage is based in principals of perioperative renal physiology and glomerular hemodynamic. Clinical practice directed to organic protection should be implemented to minimize the impact this dysfunction.

Key Words: perioperative, renal dysfunction, renal protection, renal insufficiency.

INTRODUÇÃO

Estudos demonstraram que o controle fisiológico e o suporte clínico adicional peri-operatório podem reduzir a mortalidade e morbidade no paciente cirúrgico1. A terapia intensiva cirúrgica atual se direciona para a proteção orgânica peri-operatória e com isso tem o objetivo de otimizar a evolução clínica do paciente, nesse contexto a proteção renal é essencial.

O período peri-operatório pode alterar a função renal de forma significativa e o surgimento da sua disfunção é importante causa de aumento de morbidade e mortalidade.

O entendimento da fisiologia renal peri-operatória é importante para o estudo dos mecanismos de lesão renal neste período e na aplicação das medidas protetoras.

O objetivo deste estudo foi discutir a fisiologia renal peri-operatória, os mecanismos de lesão renal e as medidas utilizadas na proteção renal.

DISFUNÇÃO RENAL PERI-OPERATÓRIA: DEFINIÇÃO E INCIDÊNCIA

A disfunção renal peri-operatória é causa de aumento de morbimortalidade e pode ser considerada se houver aumento de > 0,5 mg.dL-1 ou elevação em 50% do valor basal da creatinina2. Um estudo de 2672 pacientes submetidos à revascularização do miocárdio mostrou incidência de insuficiência renal aguda (IRA) pós-operatória de 8% com mortalidade de 14%3. Outros estudos evidenciaram mortalidade de 60% a 90% relacionados à disfunção renal4. Em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca a IRA foi associada à maior tempo de UTI e de internação hospitalar. A IRA pós-operatória está relacionada a aumento do risco de infecção, sangramento gastrintestinal e sepse5. O maior preditor de disfunção renal pós-operatória em procedimentos de grande porte é a redução da função renal prévia à cirurgia.

FISIOLOGIA RENAL PERI-OPERATÓRIA

O rim recebe aproximadamente 20% do débito cardíaco com oferta total de oxigênio de 80 mL.min-1.100 g-1 de tecido, sendo 90% direcionado para o córtex. O consumo de oxigênio renal não excede a 10%, evidenciado por reduzida diferença arteriovenosa de oxigênio renal, ou seja, 1,5 mL de oxigênio por 100 mL de sangue. Apesar da baixa extração e adequada reserva renal de oxigênio, o rim é extremamente sensível a hipoperfusão, sendo a IRA uma complicação freqüente de instabilidade hemodinâmica. Este aparente paradoxo, alto suprimento de oxigênio e reduzida extração com alta incidência de lesão renal à hipotensão, é explicado pelo gradiente fisiológico intra-renal de oxigênio que torna a medula renal funcionante em ambiente hipóxico com 2-3 Kpa, devido ao maior consumo de oxigênio pelo transporte tubular renal de cloreto e sódio2. Embora 90% da oferta renal de oxigênio seja direcionado ao córtex, ou seja, 5 mL.min-1.g-1, este extrai apenas 18%, no entanto a medula, apesar de seu fluxo renal reduzido, (0.03 mL.min-1.g-1) extrai 79%.

A oxigenação medular renal é estritamente regulada por diversos fatores que controlam a relação entre a oferta e o consumo de oxigênio. A falha nessa regulação ocasiona lesão hipóxica com necrose tubular aguda (NTA) principalmente no ramo ascendente espesso ou em segmentos proximais6. A NTA pode ser induzida com uma redução de 40% a 50% no fluxo sanguíneo renal.

O trabalho associado à reabsorção de sal e água é fator predisponente à lesão medular hipóxica, o rim se beneficia de volume intravascular e carga de sal adequada, reduzindo a necessidade de concentração urinária.

O rim é desprovido de receptores b-2, assim, o aumento das catecolaminas circulantes causa vasoconstrição renal por receptores a-1 e ativação do sistema renina angiotensina-aldosterona (SRAA), como resultado, apenas de taxa de filtração renal normal, a isquemia intramedular pode ocorrer, especialmente na região ascendente da alça de Henle onde as ATPases são sensíveis aos efeitos da isquemia. O aumento dos hormônios simpaticomiméticos leva à vasoconstrição cortical renal, como um mecanismo compensatório de redistribuição do fluxo sanguíneo para medula renal, causando isquemia. Como conseqüência, ocorre redução da reabsorção de sódio na alça ascendente, levando a retorno túbulo-glomerular via mácula densa com ativação do sistema renina angiotensina-aldosterona e constrição mesangial glomerular.

DISFUNÇÃO RENAL PERI-OPERATÓRIA

Fisiopatologia

A IRA peri-operatória é multifatorial e pode resultar em azotemia pré-renal ou mais freqüentemente, NTA por lesão aos néfrons medulares hipóxicos. Os arteriopatas tem reduzida perfusão renal que aliada à redução da massa de néfrons funcionante com a idade, resulta em disfunção renal pré-operatória. O uso pré-operatório de inibidor da ECA aumenta a incidência de IRA pós-operatória por perda da capacidade do sistema renina-angiotensina de compensar reduções na perfusão renal7. No período peri-operatório o volume circulante efetivo encontra-se diminuído devido ao jejum pré-operatório, perdas cirúrgicas e hipovolemia relativa ou absoluta pós-operatória. Na presença de baixo volume circulante fatores vasoconstritores, retenção neurohumoral de sal por estímulo do SRAA, sistema simpatoadrenal e ADH causam vasoconstrição renal, redução na taxa de filtração glomerular (TFG) e carga de solutos filtrada.

O sistema simpatoadrenal leva a aumento de adrenalina e noradrenalina direcionado para a arteríola aferente. A aldosterona aumenta a reabsorção de sal e água no túbulo coletor e proximal. No período peri-operatório deve-se evitar fármacos nefrotóxicos como antiinflamatórios não-esteróides, inibidores da enzima conversora de angiotensina ou antagonistas do receptor de angiotensina II porque a pressão hidrostática intraglomerular nesses pacientes é dependente da vasodilatação induzida por prostaglandinas, mantida pela arteríola aferente e angiotensina II e por vasoconstrição da arteríola eferente.

A disfunção renal pode agravar-se no pós-operatório se houver disfunção cardiovascular, sepse, ventilação com pressão positiva, exposição a fármacos nefrotóxicos. Os fatores relacionados à disfunção renal peri-operatória estão apresentados na tabela 1.

Balanço de Fluidos Peri-Operatórios

A reposição volêmica intra-operatória deve incluir: reposição da perda hídrica no jejum avaliada em 2 mL.kg-1.h-1, perdas insensíveis com a respiração e vasodilatação cutânea estimadas em 4-6 mL.kg-1.h-1 e a perda cirúrgica que varia de acordo com o seu porte. Em procedimentos cirúrgicos de pequeno porte considera-se perda de 4 a 6 mL.kg-1.h-1, de médio porte perdas de 6 a 10 mL.kg-1.h-1 e de grande porte, perdas de 10 a 15 mL.kg-1.h-1. O volume urinário deve ser considerado na reposição volêmica peri-operatória. Um paciente de 70 kg, submetido à cirurgia de grande porte, com duração de 6 horas apresentará um déficit de volume de 9380 mL que devem ser repostos no período intra-operatório guiados por adequada monitorização. A estimativa adequada do volume de perda hídrica é essencial na prevenção de hipovolemia intra e pós-operatória. A hipovolemia impõe maior estresse reduzindo o suprimento de oxigênio renal9.

Efeitos da Anestesia

Tanto a anestesia regional quanto geral podem causar hipotensão e maior reposição de fluidos é necessária para manter a perfusão orgânica.

A anestesia leva à depressão miocárdica e vasodilatação o que exige reposição volêmica para manter a perfusão orgânica e a vasoconstrição da arteríola eferente, sendo esta responsável pela manutenção da pressão de filtração glomerular. O uso de narcóticos pode aumentar a liberação do ADH o que pode ser acentuado pelo jejum.

O uso de ventilação mecânica exige uso de filtros humidificadores diminuindo os efeitos de gases secos utilizados.

Efeitos da Cirurgia

O procedimento cirúrgico leva a aumento de hormônios relacionados com a redução do volume urinário, entre eles o SRAA, aumento de ADH, glicocorticóides, citocinas e hormônios catabólicos.

A perda de fluidos pelo próprio procedimento cirúrgico é potencializada pelo estado de vasodilatação generalizada que se instala no período intra-operatório. Ocorre extravasamento de fluidos para o terceiro espaço decorrente de vasoplegia e neste período a reposição volêmica adequada deve ser mantida. Após a cirurgia o fluido se mobiliza de volta para o compartimento intravascular. A observação deste fenômeno ocorre principalmente em cirurgias intra-abdominais e intra-torácicas2.

CIRURGIA CARDÍACA

Circulação Extracorpórea

A insuficiência renal aguda após circulação extracorpórea (CEC) ocorre entre 1% e 15% e está associada com mortalidade de 19%. A incidência de IRA após revascularização do miocárdio com CEC que necessita de diálise é menor que 2% com mortalidade entre 23% e 88%2. A ocorrência de disfunção renal subclínica foi descrita e a preocupação existe em relação a possível capacidade do rim afetado subclinicamente ser submetido a nova lesão10. A lesão renal pela CEC é multifatorial, ocorre lesão por isquemia-reperfusão, presença de fluxo não pulsátil, micro e macroembolização renal, lesão por liberação traumática de hemoglobina e mioglobina na presença de isquemia muscular e rabdomiólise. A CEC impõe uma redução de 25% a 75% do fluxo sanguíneo renal e aumento da resistência vascular sistêmica. Em condições normais, o fluxo sanguíneo renal mantém a medula em condição hipoxêmica, sendo estes néfrons de alta demanda e extração de oxigênio, sensíveis a modificações na oxigenação. Por isso o fluxo renal é mantido preferencialmente para manter a filtração em detrimento da função tubular, o que torna a medula renal susceptível à isquemia. Anteriormente, a lesão renal era atribuída somente à lesão tubular, no entanto, atualmente a influência da vasculatura intra-renal na redução do fluxo sanguíneo renal tem sido estudada11. A redução do fluxo sanguíneo renal é resistente ao aumento do débito cardíaco mesmo quando a taxa de filtração glomerular retorna ao normal, sugerindo que a isquemia renal ainda possa estar ocorrendo secundária à redução do fluxo regional. Isso ocorre por vasoconstrição renal intensa secundária à liberação de endotelina-1, acoplada à resposta exagerada a vasoconstritores e reduzida a vasodilatadores. A liberação de cálcio após isquemia causa aumento de endotelina. O rim evolui com edema e obstrução vascular o qual surge dentro e fora dos vasos renais co-existindo edema intersticial e de células epiteliais. Alterações descritas nos vasos renais:

• Redução do fluxo sanguíneo capilar;

• Disfunção endotelial;

• Up-regulation de moléculas de adesão e aumento de endotelina;

• Diminuição da produção de óxido nítrico e inibição da adesão.

Na tabela 2 estão descritos os mecanismos de lesão renal em cirurgia cardíaca.

Cirurgia de Aorta

A incidência de necrose tubular aguda é significativa após cirurgias que envolvam as aortas torácica e abdominal supra-renal. Godet e col., descreveram incidência de disfunção renal peri-operatória de 20% a 25% em 475 pacientes submetidos à cirurgia de aorta12. Stevenson e col., relataram incidência de insuficiência renal aguda necessitando de diálise de 5,5% e mortalidade hospitalar de 64%. Neste estudo os principais fatores relacionados à IRA foram disfunção renal pré-existente, aterosclerose difusa, uso de CEC e instabilidade hemodinâmica.

A cirurgia de aorta é marcada por instabilidade hemodinâmica resultando em hipotensão e hipoperfusão renal decorrente da manipulação aórtica. A redução do fluxo sanguíneo renal após o pinçamento perdura por 48 horas sendo a redução 39% menor da observada no pinçamento infra-renal. A ausência de fluxo renal no pinçamento, embolia por manipulação da aorta e artéria renal e liberação de citocinas leva à isquemia visceral. A reperfusão após a liberação da pinça potencializa a lesão isquêmica renal. Quando mais alto o pinçamento mais vísceras estarão submetidas à lesão isquêmica e mais intensa é a resposta inflamatória com liberação de citocinas, potenciais causadoras de vasoconstrição e trombose da microvasculatura renal9.

O pinçamento infra-renal leva à redução do fluxo sanguíneo renal em torno de 40% como conseqüência do aumento da resistência vascular em até 75%. A redução do volume urinário deve-se também à redução do débito cardíaco e do aumento de substâncias vasoconstritoras renais como a liberação de renina.

Nefropatia por Contraste e Peri-Operatório

O uso do contraste causa nefropatia por vasoconstrição intra-renal, redução do fluxo sanguíneo medular e ação osmótica levando a aumento da demanda medular de oxigênio4. O uso de contraste pode relacionar-se ao período peri-operatório em pacientes submetidos a cateterismo cardíaco previamente ao procedimento cirúrgico, ao surgimento de quadros isquêmicos peri-operatórios, em procedimentos tomográficos relacionados à doença cirúrgica e em procedimentos vasculares. A instituição de medidas direcionada para diminuir a agressão pelo contraste ao rim é importante aliada na redução da morbimortalidade peri-operatória.

Define-se nefropatia por contraste o aumento de 0,5 mg.dL-1 ou 25% da creatinina sérica após exposição a meio de contraste. Ela foi identificada por Nash e col., como a terceira causa mais comum de insuficiência renal aguda em pacientes hospitalizados, tendo sido considerada a nefropatia causada por infusão de contraste em 24 horas da piora renal sem outra evidência de lesão. A nefropatia por contraste soma-se à outros fatores de agressão renal no período peri-operatório como sangramento e hipovolemia, trauma cirúrgico, doença aterosclerótica e substâncias nefrotóxicas13 podendo ser causa de terapia dialítica. Estudos relatam incidência de 0,44% de necessidade de diálise após intervenção coronariana com contraste14.

São descritos como fatores de risco para nefropatia por contraste: diabete melito, idade maior que 75 anos, hipovolemia, insuficiência cardíaca, cirrose, nefrose, hipertensão arterial, proteinúria, uso de antiinflamatório e injeção intra-arterial de contraste15. No contexto de isquemia coronariana e intervenção coronariana percutânea, hipotensão e uso de balão intra-aórtico foram associados à maior falência renal aguda16,17.

A nefropatia por contraste é geralmente temporária com pico de creatinina em três dias após a administração e retorno à linha de base em 10 dias17.

Transplante Renal e Peri-Operatório

A necroso tubular aguda (NTA) é a causa mais comum de falência do enxerto com insuficiência renal aguda no período pós-operatório imediato e redução da sobrevida do enxerto18. Oligúria temporária ou anúria por NTA é mais comum após transplante de doador cadáver. O risco de necrose tubular aguda aumenta com o tempo de preservação do enxerto, uso de altas doses de ciclosporina, com o uso de vasopressor no doador e agentes nefrotóxicos. Causas cirúrgicas devem ser excluídas como sangramento, trombose arterial e venosa. Rejeição aguda deve ser considerada em caso de oligúria18. Reposição de fluidos guiada por pressão venosa central, pressão arterial e débito urinário é necessária para prevenir hipovolemia. Inotrópicos devem ser utilizados se a pressão sanguínea ou débito cardíaco estiverem inadequados.

TESTES DE FUNÇÃO RENAL

O ritmo de filtração glomerular (RFG) é, provavelmente, o mais importante indicador de disfunção renal. A determinação clássica da função renal pelo RFG necessita coleta de urina por 24 horas, no entanto as modificações na função renal ocorrem em menor período de tempo. A possibilidade de mensuração do RFG com depuração de duas horas foi investigada por Sladen e col.19. A estimativa do RFG na unidade de terapia intensiva ou pós-operatória é um indicador útil de alteração da função renal.

Cistatina C

Embora a medida do RFG seja útil, não é prática e medidas da creatinina sofrem influência de idade, sexo, massa muscular e dieta. Atualmente a dosagem de cistatina C tem sido investigada. É uma proteína alcalina não glicosilada produzida por todas as células nucleadas. No rim normal é totalmente filtrada e absorvida pela membrana glomerular e degradada por células proximais tubulares. Uma metanálise de Dharnidharka e col., compararam a cistatina C e a creatinina como indicadores do RFG e mostraram que a primeira foi superior e que refletem mais precocemente as suas alterações. Alterações de 50% do fluxo sanguíneo renal podem existir com valores normais de creatinina20. Os valores da cistatina C são os mesmos para homens e mulheres sem influência da massa muscular, não sendo alterados em idosos.

Até o momento não existem estudos sobre o uso da cistatina C no pós-operatório.

ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO RENAL

Grande parte da estratégia de proteção renal é baseada em tradição ou extrapolação de modelos animais visto que existem poucos estudos aleatórios. A manutenção de um débito urinário acima de 0,5 mL.kg-1.min-1 é pratica comum, no entanto não existe evidência científica que suporte esse objetivo.

A incidência de insuficiência renal por todas as causas descritas, está relacionada com mortalidade de 69% a 90%. Embora grande número de estratégias protetoras tenha sido proposto, nenhuma, exceto a manutenção de normovolemia pareceu ser efetiva. As demais terapias aguardam evidências científicas consistentes para serem definitivamente incluídas na prática médica. Estudos mostram que o manitol e a furosemida intra-operatórios estão associados à disfunção renal21,22.

Medidas Protetoras

Otimização da Perfusão Renal

A adequação da perfusão renal é determinada pelo balanço entre o fluxo sanguíneo renal (FSR) e sua distribuição, e o consumo de oxigênio do parênquima. Os três determinantes principais do fluxo sanguíneo renal são o débito cardíaco, pressão de perfusão renal, hemodinâmica glomerular, ou seja, tônus das arteríolas eferentes e aferentes. Além disso, o consumo renal de oxigênio tem dois determinantes: a distribuição córtico-medular de fluxo e o consumo tubular de oxigênio com a reabsorção do sódio filtrado.

Débito Cardíaco

Os rins recebem 20% a 25% do débito cardíaco e constituem menos de 1% da massa corporal total sendo a maior relação-fluxo por tecido perfundido. A redução do débito cardíaco (DC) seja por hipovolemia ou disfunção miocárdica reduz a perfusão renal. A redução do débito cardíaco não apenas reduz diretamente o FSR mas inicia a produção de vasoconstritores por ativação do SRAA, sistema nervoso simpático e vasopressina, tendendo a aumento da pressão de perfusão e vasoconstrição renal. O aumento do DC e a perfusão sistêmica são essenciais para melhorar a perfusão renal e por isso atenção ao volume circulante prevenindo hipovolemia é essencial para prevenir e diminuir a disfunção renal peri-operatória. O uso de inotrópicos deve ser instituído, se necessário, na prevenção do baixo débito peri-operatório enquanto a disfunção renal estiver presente.

Reposição Volêmica – Colóides Versus Cristalóides na Disfunção Renal

Os cristalóides podem ser administrados para manter a perfusão renal, no entanto, em pacientes com hipovolemia relativa e aumento de permeabilidade vascular devido à inflamação, os colóides devem ser utilizados. Kumle e col., demonstraram que o uso dos hydroxyethyl starches (HES) de baixo peso molecular na disfunção renal peri-operatória está associado com aumento de indicadores específicos de lesão tubular renal como alfa-1-microglobulina, no entanto esta elevação pode estar relacionada com o trauma cirúrgico propriamente dito e não com a utilização da solução23. Em pacientes críticos o uso de HES não esteve relacionado à aumento de creatinina, oligúria e progressão para diálise24. Estudos mostraram que o HES de médio e alto peso podem estar relacionados com disfunção renal em pacientes cirúrgicos e sépticos25,26. Jungheinrich e col. demonstraram em voluntários com disfunção renal estável, não anúrica que o HES de baixo peso pode ser administrado, pois não há acúmulo plasmático e ocorre preservação do fluxo urinário27. Em relação à albumina, estudos mostraram efeito protetor renal com redução da incidência de disfunção renal de 33% para 10% (p < 0,02) e redução da mortalidade hospitalar de 29% para 10% (p < 0,01) em estudo aleatório com 126 pacientes com peritonite bacteriana28. As diferentes propriedades da albumina e colóides semi-sintéticos devem ser consideradas na reposição volêmica do paciente renal.

Pressão de Perfusão Renal

A auto-regulação renal mantém o FSR e RFG com pressão arterial média (PAM) entre 85 e 180 mmHg. No entanto a PAM e a pressão de perfusão renal-alvo para suporte hemodinâmico adequado é incerta. A auto-regulação renal é alterada em pacientes hipertensos crônicos, na sepse e na circulação extracorpórea. O limite clássico de 60 mmHg está no limite inferior de perfusão dos principais órgãos. Em estudo aleatório, foi utilizada noradrenalina em pacientes sépticos para PAM de 65, 75 e 85 mmHg. As variáveis hemodinâmicas, índices metabólicos, perfusão esplâncnica, perfusão cutânea e débito urinário foram monitorizados. Não houve diferença significativa entre o lactato arterial, a saturação venosa mista e os índices de perfusão orgânica entre os grupos. Índice cardíaco e resistência vascular sistêmica aumentaram com a dose de noradrenalina29. Os estudos que obtiveram os mesmos resultados demonstraram que a PAM de 65 mmHg é um limite razoável, no entanto, a individualização é necessária, tanto para valores inferiores guiados por índices de perfusão tecidual quanto para valores superiores nos pacientes com doença vascular30.

Otimização da Hemodinâmica Glomerular

A vasoconstrição renal no período peri-operatório é conseqüência de hipovolemia, aumento de citocinas, baixo débito cardíaco, sepse e síndrome hepato-renal. O real impacto dessa vasoconstrição renal no período peri-operatório ainda não foi definido, no entanto, teoricamente qualquer agente que diminua a vasoconstrição renal seria capaz de reduzir a incidência de IRA pré-renal e NTA em pacientes de alto risco. A utilização de vasodilatadores no período peri-operatório deve ser criteriosa, nas primeiras horas após a cirurgia e no paciente ainda sob os efeitos deste período, devendo-se optar pela escolha de vasodilatadores venosos como nitroprussiato de sódio. A utilização de vasodilatadores orais de duração mais prolongada exige estabilidade hemodinâmica e ausência de processo infeccioso. O uso de fenoldopam tem sido estudado na disfunção renal de pacientes críticos (Tabelas 3 e 4).

Nefropatia por Contraste

A prevenção da nefropatia por contraste inicia-se na estimativa do seu risco, é proposto um escore para quantificação deste risco.

REPOSIÇÃO DE FLUIDOS: SOLUÇÃO FISIOLÓGICA VERSUS BICARBONATO ISOTÔNICO

A hidratação é recomendada para prevenir o risco de nefropatia induzida por contraste, no entanto o regime ideal ainda não foi definido. Estudos recentes compararam a administração oral de fluidos com infusão venosa de solução fisiológica a 0,9% ou 0,45% e comprovaram a sua superioridade31,32. Mueller e col. demonstraram em 1620 pacientes que a solução fisiológica isotônica foi superior à hipotônica na prevenção da nefropatia por contraste33. A infusão dessa solução é recomendada previamente à administração de contraste. Até o momento em um único estudo aleatório, Merten e col., demonstraram que a infusão de solução isotônica de bicarbonato de sódio a 154 mmol/L (bicarbonato de sódio a 8,4% 150 mL em SF a 0,9% 850 mL) na dose de 3 mL.kg-1, uma hora antes da infusão de contraste e 1 mL.kg-1.h-1 por seis horas foi capaz de reduzir significativamente a nefropatia induzida por contraste. Essa redução pode ser explicada pelo efeito da alcalinização em diminuir a formação de radicais livres gerada pelo contato do contraste com os túbulos renais, a qual é facilitada em ambientes ácidos34.

N-acetilcisteína

A N-acetilcisteína por ser substância vasodilatadora e antioxidante poderia diminuir a nefropatia por contraste, duas metanálises recentes demonstraram possíveis benéficos da sua administração, no entanto, os estudos incluídos foram heterogêneos e faltam evidências sobre os efeitos da N-acetilcisteína na evolução clínica. A dose utilizada foi de 600 mg via oral a cada 12 horas num total de 4 doses, no entanto dados mais consistentes são necessários para a recomendação do seu uso.

Escolha do Meio de Contraste

Atualmente recomenda-se a utilização de contraste de baixa osmolaridade porque estudos mostraram que estes estão associados à menor nefrotoxicidade35. Além disso, recomenda-se que se utilize a menor dose possível visto que doses maiores que 5 mL.kg-1 divididos pela creatinina plasmática em mg.dL-1 estão associados à maior risco (Tabela 5)14.

Não existem estudos sobre a utilização da solução de bicarbonato de sódio no contexto peri-operatório, no entanto os pacientes neste cenário possuem múltiplos fatores de agressão renal e maior potencial de complicação podendo beneficiar-se dessa solução, caso seja necessária a utilização de contraste.

Insuficiência Renal Mioglobinúrica

A rabdomiólise é uma entidade clínica que se caracteriza por lesão da musculatura esquelética. O período peri-operatório pode cursar com rabdomiólise secundária à lesão muscular por trombose ou embolização na vasculatura periférica, pelo uso de balão intra-aórtico, má perfusão periférica, circulação extracorpórea, trauma cirúrgico e síndrome compartimental. A detecção dessas complicações pode exigir fasciotomia ou mesmo se manifestar pela presença de urina escura. A dosagem de creatinaquinase (CPK) é essencial na avaliação de possível lesão renal.

Associada à hipovolemia, a mioglobina liberada na circulação causa lesão renal por citotoxicidade direta, obstrução tubular e vasoconstrição renal. O nível de CK associado com lesão renal não foi definido, tendo sido descrito com níveis de 500 UI/L até 75000 UI/L. Três estratégias bem definidas são hidratação venosa, manutenção da perfusão renal e débito urinário, para evitar obstrução tubular e alcalinização da urina com bicarbonato. No entanto o uso do bicarbonato e manitol são baseados em pequenos estudos com número reduzido de pacientes. Em estudo com pacientes críticos pós-trauma, os valores de CK acima de 5000 UI/L estiveram associados à maior lesão renal como fator de risco independente. Neste grupo de alto risco, para disfunção renal, a administração de bicarbonato de sódio e manitol não demonstrou diferença em relação à prevenção de insuficiência renal, diálise e mortalidade36.

Recomenda-se em pacientes com CK > 5000 UI/L a mensuração do pH urinário a cada 6 horas com administração de bicarbonato (1 mL.kg-1) em bolus objetivando a manutenção do pH urinário acima de 8.0 para alcalinização urinária e redução da precipitação intratubular de mioglobina. A dose ideal de bicarbonato a ser utilizada e o real impacto dessas medidas no desfecho clínico ainda está para serem definidos.

Otimização Farmacológica no Paciente com Disfunção Renal

No ambiente de terapia intensiva cirúrgica atenção especial deve ser direcionada aos fármacos utilizados no paciente com disfunção renal. Deve-se evitar administração de medicações que reduzam a pressão de perfusão glomerular como inibidores da enzima conversora e uso de antiinflamatórios não-esteróides. Os antimicrobianos devem ter suas doses corrigidas e monitorizadas quando possível. Em pacientes transplantados, atenção especial deve ser direcionada a ciclosporina por seu efeito nefrotóxico bem estabelecido.

Controvérsias em Proteção Renal

Diversas estratégias foram estudadas em renoproteção, como diuréticos, manitol, aminofilina, dopamina, dopexamina, no entanto nenhum estudo aleatório demonstrou real redução de insuficiência renal aguda.

RECOMENDAÇÕES

A normovolemia é medida essencial na proteção renal peri-operatória e a única comprovadamente eficaz2. Observada como medida aparentemente simples, frente a tantas teoricamente sofisticadas estratégias de renoproteção, a manutenção da normovolemia exige complexa avaliação e monitorização. No período pós-operatório observa-se piora progressiva da função renal secundária à lesão cirúrgica e potencializada em certas situações pela administração prévia de contraste. Nesse contexto sugere-se a otimização monitorizada da volemia com balanço hídrico rigoroso, mensuração diária da função renal, peso e diurese, correção do déficit de base, manutenção de inotrópicos em baixas doses, racionalização na escolha da solução ideal para hidratação. A decisão de instituição de terapia de substituição renal deve ser individualizada, observando-se os riscos e os benefícios da técnica e o prognóstico da lesão renal. A utilização de diuréticos e manitol no período peri-operatório deve ser criteriosa devido ao risco de instalação de hipovolemia e piora da lesão renal. Apenas quando houver otimização monitorizada da volemia com medida de pressões cardíacas de enchimento, índices de perfusão global como excesso de base, lactato, gradiente venoarterial de dióxido de carbono (DeltaCO2) e saturação venosa de oxigênio, não sugestivos de hipovolemia, e/ou edema pulmonar clinicamente significativo pode-se administrar esses fármacos. O período peri-operatório cursa com hipovolemia relativa devido ao aumento da permeabilidade capilar que ocorre secundária ao trauma cirúrgico, por isso a administração de diuréticos deve ser criteriosa (Quadro 1).


PERSPECTIVAS EM PROTEÇÃO RENAL

Fenoldopam

O mesilato de fenoldopam é um vasodilatador renal, agonista seletivo do receptor dopamina-1 que aumenta os fluxos sanguíneos cortical e medular, reduzindo a resistência vascular sistêmica e teoricamente poderia melhorar a hemodinâmica glomerular. Diversos estudos têm surgido para determinar possíveis benefícios deste fármaco no peri-operatório e no paciente séptico, freqüentemente encontrado na unidade de terapia intensiva cirúrgica, no entanto, os resultados ainda são conflitantes. A infusão de fenoldopam foi estudada em 80 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com risco para disfunção renal peri-operatória, numa dose de 0,05 µg.kg-1.min-1 até 24 horas de pós-operatório, comparado a infusão continua de 2,5 µg.kg-1.min-1 de dopamina no mesmo período. Não se observou diferença na incidência de insuficiência renal (42% versus 40%, p < 0,9), pico de creatinina, internação na unidade de terapia intensiva e hospitalar e mortalidade entre os grupos. No entanto, este estudo comparou fenoldopam com dopamina e não com placebo e a dose utilizada foi maior do que a inicialmente dita como benéfica para a melhora da hemodinâmica glomerular. Embora este estudo tenha excluído o fenoldopam como estratégia possível na prevenção da lesão renal, as limitações existem e talvez tenham impedido a detecção de possíveis benefícios. Morelli e col. demonstraram em 300 pacientes sépticos que a infusão de fenoldopam contínuo (0,09 µg.kg-1.min-1) comparado com placebo reduziu significativamente (p < 0,006) o aumento da creatinina sérica e tempo de internação na unidade de terapia intensiva (p < 0,01) no entanto não evitou a disfunção renal grave e não reduziu a mortalidade37.

Agonistas do Receptor de Adenosina

Estudos mostraram que esta classe de fármacos tem efeitos benéficos em modelos animais de lesão renal isquêmica38. Os agonistas de adenosina aumentam a perfusão da medula renal, região mais susceptível à isquemia. No entanto, nenhum estudo foi realizado em seres humanos até o momento.

Bloqueadores da Resposta Inflamatória

A prevenção da formação de radicais livres de oxigênio derivados de neutrófilos foi estudada na renoproteção. Winjen e col., demonstraram que a utilização de cinco antioxidantes reduziu a incidência de IRA em pacientes submetidos à correção de aneurisma de aorta abdominal39.

Aprotinina

Mangano e col. demonstraram em estudo prospectivo e aleatório o aumento em duas vezes no risco de falência renalem 4375 pacientes submetidos à revascularização do miocárdio complexa (odds ratio 2,59; IC 95%:1.36 à 4.95) e à primeira cirurgia (odds ratio de 2.34; IC 95%: 1.27 à 4.31)40. Nos grupos que receberam o ácido epsilon-aminocapróico e ácido tranexâmico não houve associação com eventos renais.

CONCLUSÃO

A unidade de terapia intensiva tem importante papel na redução de morbimortalidade do paciente cirúrgico. Medidas direcionadas para proteção orgânica devem ser implementadas. Devido ao impacto da insuficiência renal na evolução clínica deste grupo de pacientes a renoproteção é um aspecto essencial. Os efeitos de diversos fármacos na proteção renal têm sido estudados nos últimos anos, no entanto existem poucos estudos e os resultados são controversos. Atualmente a renoproteção baseia-se em otimização da volemia, da hemodinâmica glomerular e da diminuição de fatores que possam contribuir para a disfunção renal peri-operatória.

Apresentado em 11 de maio de 2006

Aceito para publicação em 22 de agosto de 2006

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Luciana Moraes dos Santos
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    Recebido do Instituto do Coração, Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Recebido
      11 Maio 2006
    • Aceito
      22 Ago 2006
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