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Doses baixas de dobutamina e fluidos no pós-operatório de pacientes de alto risco: efeitos sobre a oxigenação tecidual, resposta inflamatória e morbidade

Low-doses dobutamine and fluids in high-risk surgical patients: effects on tissue oxygenation, inflammatory response and morbidity

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dobutamina é um agente inotrópico com propriedade adrenérgica beta-1 predominante e freqüentemente usado para aumentar o fluxo sanguíneo em pacientes críticos. Dobutamina pode ter um papel no aumento da perfusão esplâncnica, desse modo protegendo esta área de lesão isquêmica. O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos de baixas doses de dobutamina (5 mig/kg/min) sobre a oxigenação tecidual, resposta inflamatória e complicações pós-operatória em pacientes de alto risco. MÉTODO: Estudo prospectivo, aleatório, encoberto e placebo-controlado. Cem pacientes cirúrgicos admitidos em Unidade Semi-Intensiva foram avaliados e 82 pacientes foram incluídos, 42 pacientes no grupo controle (solução fisiológica) e 40 no grupo tratamento (5 mig/kg/min) de dobutamina por 24 horas). Os mesmos procedimentos terapêuticos foram usados nos dois grupos. A infusão de líquidos deveria ser realizada em caso de taquicardia ou hipotensão após a infusão de dobutamina, pela possibilidade de hipovolemia. RESULTADOS: O volume total de fluidos administrado foi significativamente maior no grupo dobutamina do que no grupo controle (7351 ± 2082 mL versus 6074 ± 2386 mL, respectivamente, p < 0,05). Saturação venosa central de oxigênio (SvcO2), lactato sérico e proteína C-reativa foram similares em ambos os grupos. Complicações ocorreram em 35% e 50% dos pacientes nos grupos dobutamina e controle, respectivamente (RR 0,70 IC 95% 0,41 - 1,17; NS). CONCLUSÕES: Baixas doses de dobutamina e fluidos após trauma cirúrgico não tiveram efeitos na prevalência de complicações pós-operatória em pacientes cirúrgicos de alto risco.

dobutamina; morbidade; otimização da oferta de oxigênio; paciente cirúrgico de alto risco


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Dobutamine is an inotropic agent with predominant beta1- adrenergic properties frequently used to increase blood flow in critically ill patients. Dobutamine may have a role in increasing splanchnic perfusion, thereby protecting this area from further injury. We investigated the effects of low doses dobutamine (5 mug/kg/min) on tissue oxygenation, inflammatory response and postoperative complications in high-risk surgical patients. METHODS: Prospective, randomized, blinded and placebo-controlled study. One hundred surgical patients admitted in a step-down unit were evaluated and 82 patients were enrolled, 42 in the control group (saline) and 40 in the treatment group (5 mug/kg/h) during 24 hours. Similar therapeutic goals were applied to both groups. Fluids were given whenever tachycardia or hypotension developed after study drug infusion. RESULTS: The total volume of fluids given was significantly higher in treatment than in control group (7351 ± 2082 mL versus 6074 ± 2386 mL, respectively, p < 0.05). Central venous oxygen saturation (ScvO2), serum lactate and C-reactive protein were similar in both groups. Complications occurred in 35% and 50% of the patients in the treatment and control groups, respectively (RR 0, 70 IC 95% 0.41 - 1.17; NS). CONCLUSIONS: Low-doses dobutamine and fluids after surgical trauma has no effects on the prevalence of postoperative complications in high-risk surgical patients.

dobutamine; high-risk surgical patient; morbidity; oxygen delivery optimization


ARTIGO ORIGINAL

Doses baixas de dobutamina e fluidos no pós-operatório de pacientes de alto risco: efeitos sobre a oxigenação tecidual, resposta inflamatória e morbidade* * Recebido do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto, SP

Low-doses dobutamine and fluids in high-risk surgical patients: effects on tissue oxygenation, inflammatory response and morbidity

Adriana da Silva ArantesI; Antônio Carlos Christiano JúniorII; Sônia Portela de AbreuIII; Janaína Maria Miranda; Ferreira de MoraesIV; Joelma Villafanha GandolfiV; Lauriane Gomes LeiteVI; Suzana Margareth LoboVII

IMédica Intensivista do Hospital de Base da FAMERP

IIMédico Intensivista e Médico Responsável pelo Serviço de Câmara Hiperbárica do Hospital de Base da FAMERP

IIIEnfermeira Supervisora da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Base da FAMERP

IVMédica Residente de Medicina Intensiva da FAMERP

VFarmacêutica Responsável pelo Serviço de Farmácia do Hospital de Base da FAMERP

VIFarmacêutica Bioquímica do Hospital de Base da FAMERP

VIIProfessora Adjunta de Clinica Médica da FAMERP, Coordenadora do Serviço de Terapia Intensiva e da Residência Medica em Medicina Intensiva. Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Suzana M. Lobo Av. Brigadeiro Faria Lima, 5544 – Hospital de Base 7º Andar 15090-000 São José do Rio Preto, SP E-mail: utigeral.hbase@famerp.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dobutamina é um agente inotrópico com propriedade adrenérgica b-1 predominante e freqüentemente usado para aumentar o fluxo sanguíneo em pacientes críticos. Dobutamina pode ter um papel no aumento da perfusão esplâncnica, desse modo protegendo esta área de lesão isquêmica. O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos de baixas doses de dobutamina (5 mg/kg/min) sobre a oxigenação tecidual, resposta inflamatória e complicações pós-operatória em pacientes de alto risco.

MÉTODO: Estudo prospectivo, aleatório, encoberto e placebo-controlado. Cem pacientes cirúrgicos admitidos em Unidade Semi-Intensiva foram avaliados e 82 pacientes foram incluídos, 42 pacientes no grupo controle (solução fisiológica) e 40 no grupo tratamento (5 mg/kg/min) de dobutamina por 24 horas). Os mesmos procedimentos terapêuticos foram usados nos dois grupos. A infusão de líquidos deveria ser realizada em caso de taquicardia ou hipotensão após a infusão de dobutamina, pela possibilidade de hipovolemia.

RESULTADOS: O volume total de fluidos administrado foi significativamente maior no grupo dobutamina do que no grupo controle (7351 ± 2082 mL versus 6074 ± 2386 mL, respectivamente, p < 0,05). Saturação venosa central de oxigênio (SvcO2), lactato sérico e proteína C-reativa foram similares em ambos os grupos. Complicações ocorreram em 35% e 50% dos pacientes nos grupos dobutamina e controle, respectivamente (RR 0,70 IC 95% 0,41 – 1,17; NS).

CONCLUSÕES: Baixas doses de dobutamina e fluidos após trauma cirúrgico não tiveram efeitos na prevalência de complicações pós-operatória em pacientes cirúrgicos de alto risco.

Unitermos: dobutamina, morbidade, otimização da oferta de oxigênio, paciente cirúrgico de alto risco

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Dobutamine is an inotropic agent with predominant beta1- adrenergic properties frequently used to increase blood flow in critically ill patients. Dobutamine may have a role in increasing splanchnic perfusion, thereby protecting this area from further injury. We investigated the effects of low doses dobutamine (5 mg/kg/min) on tissue oxygenation, inflammatory response and postoperative complications in high-risk surgical patients.

METHODS: Prospective, randomized, blinded and placebo-controlled study. One hundred surgical patients admitted in a step-down unit were evaluated and 82 patients were enrolled, 42 in the control group (saline) and 40 in the treatment group (5 mg/kg/h) during 24 hours. Similar therapeutic goals were applied to both groups. Fluids were given whenever tachycardia or hypotension developed after study drug infusion.

RESULTS: The total volume of fluids given was significantly higher in treatment than in control group (7351 ± 2082 mL versus 6074 ± 2386 mL, respectively, p < 0.05). Central venous oxygen saturation (ScvO2), serum lactate and C-reactive protein were similar in both groups. Complications occurred in 35% and 50% of the patients in the treatment and control groups, respectively (RR 0, 70 IC 95% 0.41 – 1.17; NS).

CONCLUSIONS: Low-doses dobutamine and fluids after surgical trauma has no effects on the prevalence of postoperative complications in high-risk surgical patients.

Key words: dobutamine, high-risk surgical patient, morbidity, oxygen delivery optimization.

INTRODUÇÃO

Eventos peri-operatórios podem causar desequilíbrio entre a oferta (DO2) e a demanda tecidual de oxigênio. Isto é especialmente importante em pacientes com reserva cardiovascular diminuída quando o índice cardíaco (IC) não pode atingir o nível de demanda solicitado pelo trauma operatório1. O termo "otimização" faz referência à intervenção terapêutica com fluidos, e, se necessário, fármacos inotrópicos, concentrado de hemácias e vasodilatadores, com o intuito de maximizar o transporte de oxigênio durante condições críticas, ainda na ausência de déficits perfusionais, na tentativa de preveni-los, ou, repará-los precocemente através do recrutamento do fluxo circulatório2.

A terapêutica de otimização peri-operatória (TOP) com dobutamina ou dopexamina, durante e após procedimentos cirúrgicos de grande porte em pacientes de alto risco, com o intuito de elevar o transporte de oxigênio a níveis superiores a 600 mL/min/m2, diminui o tempo de internação, a prevalência de complicações, as disfunções orgânicas e a mortalidade3-7. O mais provável é que com a TOP períodos de hipóxia tecidual sejam evitados ou diminuídos, por melhora da oferta de oxigênio3.

Contudo outros mecanismos têm sido propostos. Em estudos experimentais a dobutamina, em doses baixas, aumentou significativamente o fluxo sanguíneo na mucosa gástrica, nas vilosidades intestinais, nos sinusóides hepáticos, na micro-circulação sublingual e na pele8-12. A administração de 5 mg/kg/min de dobutamina melhorou o fluxo na micro-circulação de pacientes com choque séptico, independentemente de seus efeitos hemodinâmicos12. A proteção da integridade da mucosa do trato gastrintestinal, conseqüentemente diminuindo a translocação bacteriana, ou ainda, os efeitos antiinflamatórios inerentes aos compostos beta-adrenérgicos são outras possibilidades13-15.

O objetivo primário deste estudo foi avaliar o efeito da administração de 5 mg/kg/min de dobutamina no período pós-operatório imediato, sobre a prevalência de complicações no pós-operatório de pacientes cirúrgicos de alto risco. Os objetivos secundários foram avaliar seus efeitos sobre a oxigenação tecidual e a resposta inflamatória.

MÉTODO

Após a aprovação do Comitê de Ética da Instituição, foi realizado um estudo prospectivo, aleatório, encoberto e placebo-controlado em Unidade Semi-intensiva Cirúrgica Mista de 10 leitos (Hospital público terciário). O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi obtido do paciente ou de seu familiar mais próximo. Os pacientes admitidos na UTI para cuidados pós-operatórios foram avaliados por escore de risco adaptado dos critérios de Shoemaker e col. e das recomendações da American Heart Association (Tabela 1)3,16. Os critérios de inclusão foram: obtenção do TCLE, escore total de risco maior ou igual a dois pontos e idade superior a 18 anos. Os critérios de exclusão foram coronariopatia (infarto agudo do miocárdio prévio, evidências de risco de isquemia devido a sintomas clínicos ou achado de estudo não-invasivo), insuficiência cardíaca congestiva (ICC), disritmias cardíacas graves (bloqueio atrioventricular de 2º e 3º graus, disritmia ventricular na presença de cardiopatia ou disritmia supraventricular com taquicardia), valvopatia grave, parada cardíaca durante a cirurgia, trauma, neurocirurgia, re-operação pós-complicação e doença em estágio terminal.

Variáveis hemodinâmicas rotineiras, como freqüência cardíaca (FC), pressão arterial média (PAM), invasiva ou não-invasiva, pressão venosa central (PVC) e gasometrias arterial e venosa, foram realizadas conforme a rotina da unidade. Os procedimentos terapêuticos durante as primeiras 24 horas de admissão foram a manutenção da PAM entre 80 e 110 mmHg, pressão venosa central (PVC) de 6 a 12 cmH2O, hematócrito > 30%, SaO2 acima de 94% e débito urinário maior que 0,5 mL/kg/h. Os distúrbios hidroeletrolíticos foram corrigidos de acordo com a rotina da UTI. A ventilação mecânica, quando necessária, foi realizada no pós-operatório com o método SIMV e PS (pressão de suporte) para a obtenção de um volume-corrente de cerca de 6-8 mL/kg. Midazolam e fentanil foram utilizados na sedação e analgesia. O desmame da ventilação mecânica foi realizado conforme o protocolo da UTI (teste de ventilação espontânea).

Após a obtenção do TCLE a aleatorização foi realizada com o uso de envelopes selados, divididos em blocos de 10 pacientes, por investigadores que preparavam o fármaco de estudo (dobutamina ou placebo). O fármaco foi administrado em bomba de seringa como 20 mL de solução fisiológica ou 20 mL de dobutamina (250 mg, União Química). A dose inicial foi calculada de maneira a administrar 3 mg/kg/min de dobutamina nos pacientes do grupo tratamento, durante 15 minutos, para avaliar a tolerância. Se o paciente apresentasse taquicardia (aumento de 10% da FC basal ou FC > 100 bpm) um algoritmo seqüencial de reposição volêmica deveria ser seguido até o controle da FC ou hipotensão (Figura 1) e a sua infusão deveria ser aumentada para 5 mg/kg/min e mantida por 24 horas ou até a alta da unidade, se esta ocorresse em período inferior a 24 horas a pedido do médico assistente. Em caso de necessidade do uso de dobutamina durante a infusão do fármaco do estudo, esse deveria ser interrompido e a dobutamina iniciada conforme a orientação do médico plantonista. Na presença de efeitos adversos predefinidos; taquicardia persistente apesar da reposição volêmica, hipotensão (PAM < 70 mmHg ou PS < 90 mmHg), dor precordial e/ou sinais de isquemia miocárdica ao eletrocardiograma, o fármaco de estudo deveria ser interrompido. Um período médio de 1-4 horas ocorreu entre a admissão e o inicio do tratamento, que foi o tempo necessário para a obtenção do TCLE e ao preparo do fármaco de estudo.


Os valores de FC máxima (o maior valor) e de PAM mínima (menor) nas primeiras 24 horas, após o início da infusão do fármaco de estudo, foram registrados. Os pacientes do grupo tratamento que tiveram a sua infusão suspensa em menos de 12 horas do seu início, foram considerados como não tolerantes em comparação aos pacientes que receberam por tempo superior a 12 horas e foram analisados em subgrupos. As complicações que ocorreram no período pós-operatório foram avaliadas antes da abertura dos códigos de aleatorização para os investigadores da UTI. Pneumonia foi considerada na presença de novo infiltrado pulmonar na radiografia de tórax associado a um dos seguintes critérios: febre, presença de escarro purulento e leucocitose. Peritonite foi definida pela presença de inflamação das cavidades peritoneal e peritônio. Disfunção dos três principais sistemas, cardiovascular, renal e respiratório, foi avaliada com o escore SOFA17. Falência orgânica foi considerada para valores de SOFA > 3. Choque foi considerado na presença de hipotensão refratária à administração de fluidos e uso de fármacos vasoativos. Sepse e choque séptico foram definidos de acordo com os critérios da ACCM/SCCM18. Fístula foi descrita como uma comunicação anormal entre um órgão oco epitelizado e outra superfície epitelizada. Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) foi considerada quando o coração foi incapaz de manter suficiente perfusão periférica para suprir as necessidades metabólicas tissulares ou o fazia às custas de altas pressões de enchimento e sinais de congestão pulmonar, com base em diagnóstico clínico ou ecocardiográfico. Hemorragia foi considerada na presença de sangramento significativo com necessidade de transfusão de ao menos duas unidades de concentrado globular e re-operação como a necessidade de nova intervenção cirúrgica por complicações.

Análise Estatística

Um total de 54 pacientes em cada grupo seria necessário para a obtenção de uma redução de 30% na incidência de complicações no grupo dobutamina, considerando um intervalo de confiança de 95% e erro a de 5% calculado para um poder de teste de 80%. O estudo foi interrompido precocemente com 82 pacientes em virtude da baixa inclusão por falta de vagas para procedimento cirúrgico abdominal e do fechamento da unidade semi-intensiva. A análise foi por intenção de tratar. As diferenças entre as médias dos dois grupos foram avaliadas pelo teste t de Student. O teste Exato de Fisher foi usado na análise das variáveis categóricas. A Análise de Variância (ANOVA) foi usada para comparar médias de variáveis contínuas. A prevalência de complicações foi avaliada com o uso do risco relativo. A regressão logística binária avaliou a contribuição independente das variáveis na probabilidade de desenvolver complicações ou de óbito. O ponto de corte foi o valor da mediana encontrado para as variáveis contínuas ou valor considerado clinicamente relevante.

As seguintes variáveis foram avaliadas como preditoras de complicações e óbito na análise de regressão logística: idade superior a 63 anos, reposição de líquidos (cristalóides, colóides e derivados sangüíneos) superiores a 6,5 L em 28 horas, uso de dobutamina na dose de 5 mg/kg/min por período superior a 12 horas, lactato sérico da admissão (considerado dia 1) superior a 3,2 mEq/L e do dia 2 maior que 2,7 mEq/L, PaO2/FiO2 dias 1 e 2 menor que 200 e nível sérico de PCR, dia 2, superior a 18 mg/dL. As variáveis com valor de p < 0,25 foram mantidas no modelo de análise multivariada. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo para todos os testes. Foram utilizados os programas GraphPad Prism e o Minitab

RESULTADOS

De um total de 1324 pacientes internados na unidade semi-intensiva no período de junho de 2002 a julho de 2004, 100 pacientes foram avaliados. Dezoito pacientes foram excluídos, nove por instabilidade hemodinâmica, três por disritmia grave, três por síndrome coronariana instável e três por falta do fármaco de estudo (não foi possível o contato com as farmacêuticas). Foram incluídos no estudo 82 pacientes e divididos em dois grupos, 42 pacientes no grupo controle (solução fisiológica) e 40 para o grupo tratamento (dobutamina). O fármaco de estudo foi interrompido antes de completar 24 horas em 12 pacientes do grupo tratamento, sendo em 10 por efeitos adversos (taquicardia em sete e hipotensão em três) e dois por alta precoce. No grupo controle a solução fisiológica foi interrompida em quatro dos 42 pacientes (9,5%) devido a hipotensão em três pacientes e a disritmia em um paciente. Dos 40 pacientes do grupo tratamento, 32 receberam o fármaco por período mínimo de 12 horas (80%).

Os dados clínicos e demográficos dos pacientes estão demonstrados na tabela 2. Os dois grupos foram homogêneos com distribuição equilibrada dos fatores de risco. A FC máxima foi maior no grupo tratamento (113 ± 17 bpm) do que no grupo controle (79 ± 15 bpm) (p < 0,05). O volume de líquidos administrados nas primeiras 24 horas está descrito na tabela 3. Os pacientes do grupo tratamento receberam volumes significativamente mais elevados de cristalóides e de concentrado globular do que o grupo controle (6600 ± 1560 mL versus 5735 ± 2000 mL; 1465 ± 1322 mL versus 557 ± 205 mL, respectivamente, p < 0,05 para ambos). O volume total de fluidos administrado foi 7351 ± 2082 mL no grupo tratamento e 6074 ± 2386 mL no grupo controle (p < 0,05) (Tabela 3). Na tabela 4 estão descritos os resultados dos dias 1 e 2 dos valores da PCR, das variáveis de oxigenação tecidual e o número de pacientes com falências orgânicas.

As complicações ocorreram em 35% dos pacientes do grupo tratamento e em 50% dos pacientes do grupo controle (RR 0,70 IC 95% 0,41 - 1,17; NS) (Tabela 5). As taxas de mortalidade nos grupos tratamento e controle foram 22,5% e 26,2%, respectivamente, sem estatística significativa. Oito pacientes receberam dobutamina por tempo < 12 horas. Eles tiveram mais complicações (75% versus 40,6%; RR 1,85 IC 95% 1,03 - 3,29, p < 0,05), maior taxa de mortalidade (62,5% versus 12,5%; RR 5,0 IC 95% 1,72-14,46, p < 0,05) e menor SvcO2 (55% ± 15% versus 70% ± 16%; p = 0,021) em comparação aos pacientes que receberam dobutamina por mais de 12 horas. No grupo tratamento as causas de morte foram choque séptico e falência de múltiplos órgãos (FMO) em sete casos, falência hepática aguda em um caso e choque hemorrágico em um caso. No grupo controle as causas foram choque séptico e FMO em 10 pacientes e choque hemorrágico em um caso.

A presença de hipotensão (PAM < 70 mmHg) nas primeiras 24 horas após a admissão foi a variável relacionada à maior probabilidade de complicações no pós-operatório (RC 4,31 IC 95% 1,22 - 15,23, p = 0,023). A oferta de líquidos superior a 6,5 L no período entre a admissão na UTI e o término do protocolo foi um preditor independente de sobrevida (RC 0,06 IC 95% 0,01 - 0,67, p = 0,023). A presença de mais de dois preditores clínicos de risco cirúrgico relacionou-se com óbito hospitalar (RC 38,6 IC 95% 2,90 - 514,6; p = 0,006) (Tabela 6). A figura 2 ilustra o perfil sérico da proteína C-reativa (valores médios) nas primeiras 72 horas. As concentrações séricas de PCR foram semelhantes nos dois grupos no dia 2, mas foram menores no grupo tratamento (18,5 ± 8 mg/dL) do que no grupo controle (22,6 ± 13,0 mg/dL) (p = 0,056) no dia 3.


DISCUSSÃO

A dobutamina é o agente inotrópico de escolha no paciente crítico e as doses utilizadas variam de 2,5 a 20 mg/kg/min. Efeitos como o recrutamento da micro-circulação, a melhora do fluxo sanguíneo regional e da mortalidade, em estudo em animal, foram relatados com o uso de baixas doses de dobutamina durante estados de choque, mas seu impacto na evolução clínica de pacientes críticos não é conhecido8,9,12,19,20. No presente estudo, a utilização de 5 mg/kg.min no período pós-operatório levou a redução não significativa da prevalência de complicações pós-operatórias e do tempo de internação em UTI e hospitalar. Não foram observados efeitos sobre a oxigenação tecidual ou sobre a resposta inflamatória avaliada pela concentração sérica de proteína C-reativa.

Algumas considerações devem ser realizadas na análise dos resultados. O estudo foi interrompido precocemente pela baixa inclusão de pacientes. Além disso, a dobutamina foi interrompida antes de completar 24 horas em 10 pacientes (25%) por efeitos adversos. Estes fatos podem ter limitado o poder da amostra na detecção de diferenças significativas na evolução. Embora sem significância estatística, a diferença na ocorrência de complicações nos dois grupos foi clinicamente relevante (35% versus 50%). Maior número de pacientes incluídos poderia ter conferido significância estatística ao estudo. Por outro lado, esta diferença desapareceria se os eventos adversos da dobutamina fossem considerados nas complicações. Contudo, no modelo de regressão logística, a variável que se associou à presença de complicações no pós-operatório foi hipotensão arterial nas primeiras 24 horas após a admissão. Esta análise não mostrou associação do uso de dobutamina, por período superior a 12 horas, com menor número de complicações. Um dado importante foi que a administração de maior volume de líquidos, precocemente após a admissão, correlacionou-se com melhor sobrevida.

Diferenças entre os grupos também podem induzir vieses de interpretação, dificultando a análise dos resultados. No algoritmo de tratamento, quando a infusão de dobutamina levou a aumento da FC ou diminuição da PA, os líquidos foram administrados na tentativa de se detectar e corrigir possível hipovolemia oculta. Como conseqüência o grupo tratamento recebeu volume significativamente maior de cristalóides e concentrado globular do que o grupo controle, o que pode na verdade ter determinado melhor evolução. Outros autores demonstraram que pacientes submetidos a TOP dirigida por metas, durante a cirurgia, receberam mais líquidos e tiveram significativa redução na incidência de complicações, tempo de internação e de introdução de dieta sólida21,23.

Algumas vezes a dobutamina foi usada na tentativa de avaliar a presença de hipoperfusão oculta24,25. O aumento do consumo de oxigênio e do pH da mucosa gástrica e a diminuição da concentração sérica de lactato arterial em resposta à administração de dobutamina, foram considerados sinais de hipóxia tecidual oculta nestes estudos. Por seus efeitos beta-adrenérgicos, a dobutamina pode desencadear hipotensão e taquicardia, e esta resposta é mais freqüente e intensa na presença de hipovolemia26. No presente estudo, os pacientes que persistiram com sinais de intolerância à dobutamina, mesmo após a reposição volêmica, e tiveram, portanto, o fármaco suspenso, tinham provavelmente hipovolemia mais grave. Esses resultados sugerem que a administração de dobutamina funcionou como um teste de reconhecimento da presença de hipovolemia oculta mais grave ou refratária ao tratamento convencional. Estes dados foram corroborados pelo resultado da SvcO2 significativamente menor, além de maior taxa de mortalidade e de complicações nos pacientes que tiveram a dobutamina suspensa em menos de 12 horas.

Outras limitações do estudo devem ser consideradas. É possível que se provas de volume tivessem sido realizadas antes da administração da dobutamina e a hipovolemia prontamente corrigida, a tolerância à dobutamina poderia ter sido maior, ou ainda, se o estudo tivesse sido realizado em pacientes que continuaram com sinais de hipoperfusão tecidual, apesar de adequada reposição volêmica os resultados seriam diferentes. Pode-se ainda indagar que se a dobutamina fosse usada mais precocemente, quando as disfunções orgânicas e os efeitos do trauma operatório ainda não estavam estabelecidos, ou em doses maiores, melhores resultados poderiam ser obtidos. Todavia, em grupo semelhante de pacientes, o uso de dopexamina no período pós-operatório, mas com doses variáveis para a obtenção da DO2 acima de 600 mL/min/m2, determinou significativa redução na prevalência de complicações e no tempo de internação7.

É ainda questionável se a dopexamina tivesse sido utilizada no lugar da dobutamina ou se esta fosse associada a vasodilatadores os resultados não seriam melhores27. O uso de 5 mg/kg/min de dobutamina após a reposição volêmica e restauração da pressão arterial e do índice cardíaco, determinou recrutamento adicional de arteríolas maiores na micro-circulação (capilares não possuem receptores beta-adrenérgicos)12. Todavia a dobutamina não recrutou totalmente a micro-circulação, já que a adição de acetilcolina determinou aumento adicional do recrutamento. Foi ainda relatado que o uso de dobutamina aumentou o fluxo, mas não melhorou o VO2 esplâncnico, o que pode ser em parte por diminuir vias metabólicas dependentes de energia com a produção de glicose28. A ausência de efeitos sobre os parâmetros de oxigenação tecidual sugere que ou o fluxo microvascular não aumentou ou, se ocorreu, não determinou melhora no metabolismo do oxigênio.

Ao término da infusão do fármaco de estudo as concentrações séricas de PCR foram semelhantes nos dois grupos e sugeriram a ausência de efeitos antiinflamatórios diretos. As concentrações séricas mais elevadas de PCR no grupo controle após 48 horas devem-se provavelmente a outros fatores, podendo estar relacionadas à presença de complicações. Embora sugerido por alguns autores, outros autores têm questionado os efeitos antiinflamatórios diretos da dobutamina14,29. Particularmente, recente estudo avaliou a resposta inflamatória após a administração de endotoxina em voluntários saudáveis e não detectou efeitos antiinflamatórios diretos da infusão de dobutamina29.

O escore adaptado utilizado neste estudo foi capaz de identificar pacientes de alto risco operatório. A mortalidade do grupo placebo foi 26,2% e com uma alta taxa de complicações (52,4%). Diferentes estudos têm utilizado diferentes métodos na tentativa de identificar pacientes de alto risco que se beneficiem da TOP, em especial com a utilização dos critérios de Shoemaker e col.3. Este escore parece ser eficaz e de fácil aplicabilidade na prática diária. Na análise de regressão, a idade e a associação de fatores de risco, considerados no escore, foram preditivos de complicações e óbito.

Diante do exposto, concluiu-se que o uso de dobutamina em doses fixas de 5 mg/kg/min, sem a utilização de metas terapêuticas, é fútil e não melhorou a evolução de pacientes cirúrgicos. Os resultados do presente estudo corroboram com a importância de se utilizar o tratamento dirigido por metas, que em última análise significa a detecção e correção precoce da hipóxia tecidual.

Apresentado em 27 de novembro de 2006

Aceito para publicação 23 de fevereiro de 2007

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Suzana M. Lobo
    Av. Brigadeiro Faria Lima, 5544 – Hospital de Base 7º Andar
    15090-000 São José do Rio Preto, SP
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    Recebido do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      27 Nov 2006
    • Aceito
      23 Fev 2007
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