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Hiper-infecção por Strongyloides Stercoralis: relato de caso

Strongyloides Stercoralis hyperinfection syndrome: case report

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O Strongyloides stercoralis é um agente comum de infecção do trato gastrintestinal. Em pacientes imunodeprimidos este nematódeo pode causar hiper-infecção, com manifestações pulmonares e sepse por germes gram-negativos. O objetivo deste relato foi apresentar um caso com evolução letal e ressaltar a importância do diagnóstico e do tratamento precoce. RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 60 anos, com diagnóstico de tumor de timo, submetido a tratamento cirúrgico, radioterapia e quimioterapia. Foi consultado na emergência relatando queixa de diarréia e dispnéia, sendo admitido na UTI após apresentar quadro de insuficiência respiratória aguda hipoxêmica e choque refratário, evoluindo para óbito. No aspirado traqueal, foi identificado larvas de Strongyloides stercoralis. CONCLUSÕES: A estrongiloidíase, apesar de tratar-se de infecção parasitária freqüentemente leve, em pacientes imunodeprimidos pode apresentar-se de forma grave e disseminada. Deve-se suspeitar deste agente em pacientes que vivem em áreas endêmicas, sendo o diagnóstico estabelecido através da pesquisa da larva do Strongyloides stercoralis na secreção traqueal e nas fezes.

hiper-infecção; insuficiência respiratória aguda; Strongyloides stercoralis


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Strongyloides Stercoralis is a common cause of gastrointestinal infection. This nematode can produce an overwhelming hyperinfection syndrome, especially in the immunocompromised patient. Typically, patients present with pulmonary symptoms, but subsequently they can acquire Gram-negative sepsis. The objective of this report is to describe a lethal case and call attention to the importance of early diagnosis and treatment. CASE REPORT: Male patient, 60 year-old with diagnosis of timoma, treated with surgery, radiotherapy and chemotherapy in the past. He presented to the emergency room complaining of diarrhea and dyspnea, and then transferred to the ICU after development of hypoxemic acute respiratory failure and refractory septic shock, and despite treatment the patient died. A bronchial sample of sputum showed Strongyloides stercoralis worms. CONCLUSIONS: Strongyloides stercoralis infection symptoms are usually mild, but in the setting of impaired host immunity, a disseminated and severe illness may occur. Clinicians must be aware for patients from endemic areas. Diagnosis may be established through sputum and stool examination for Strongyloides stercoralis worms.

acute respiratory failure; hyperinfection syndrome; Strongyloides stercoralis


RELATO DE CASO

Hiper-infecção por Strongyloides Stercoralis. Relato de caso* * Recebido do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS

Strongyloides Stercoralis hyperinfection syndrome. Case report

Cristian Chassot BenincasaI; Felipe Olson AzevedoII; Marcelo Silveira CanabarroIII; Helen Martins ValentimI; Vinícius Duval da SilvaIV; Silvana Vargas SupertiV; Fernando Suparregui DiasVI

IMédicos Residentes de Terapia Intensiva do Hospital São Lucas da PUCRS

IIMédico Residente de Neurologia do Hospital São Lucas da PUCRS

IIIMédico Intensivista da UTI Geral do Hospital São Lucas da PUCRS

IVMédico Patologista do Hospital São Lucas da PUCRS

VBioquímica do Laboratório de Patologia Clínica do Hospital São Lucas da PUCRS

VIMédico Intensivista. Chefe da UTI Geral do Hospital São Lucas da PUCRS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Fernando Suparregui Dias Hospital São Lucas da PUCRS Avenida Ipiranga 6690 – 3° Andar – UTI Geral Jardim Botânico 90610-000 Porto Alegre, RS Fone: (51) 3320-3037 - Fax (51) 3336-0304 E-mail: fersdias@via-rs.net

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O Strongyloides stercoralis é um agente comum de infecção do trato gastrintestinal. Em pacientes imunodeprimidos este nematódeo pode causar hiper-infecção, com manifestações pulmonares e sepse por germes gram-negativos. O objetivo deste relato foi apresentar um caso com evolução letal e ressaltar a importância do diagnóstico e do tratamento precoce.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 60 anos, com diagnóstico de tumor de timo, submetido a tratamento cirúrgico, radioterapia e quimioterapia. Foi consultado na emergência relatando queixa de diarréia e dispnéia, sendo admitido na UTI após apresentar quadro de insuficiência respiratória aguda hipoxêmica e choque refratário, evoluindo para óbito. No aspirado traqueal, foi identificado larvas de Strongyloides stercoralis.

CONCLUSÕES: A estrongiloidíase, apesar de tratar-se de infecção parasitária freqüentemente leve, em pacientes imunodeprimidos pode apresentar-se de forma grave e disseminada. Deve-se suspeitar deste agente em pacientes que vivem em áreas endêmicas, sendo o diagnóstico estabelecido através da pesquisa da larva do Strongyloides stercoralis na secreção traqueal e nas fezes.

Unitermos: hiper-infecção, insuficiência respiratória aguda, Strongyloides stercoralis.

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES:Strongyloides Stercoralis is a common cause of gastrointestinal infection. This nematode can produce an overwhelming hyperinfection syndrome, especially in the immunocompromised patient. Typically, patients present with pulmonary symptoms, but subsequently they can acquire Gram-negative sepsis. The objective of this report is to describe a lethal case and call attention to the importance of early diagnosis and treatment.

CASE REPORT: Male patient, 60 year-old with diagnosis of timoma, treated with surgery, radiotherapy and chemotherapy in the past. He presented to the emergency room complaining of diarrhea and dyspnea, and then transferred to the ICU after development of hypoxemic acute respiratory failure and refractory septic shock, and despite treatment the patient died. A bronchial sample of sputum showed Strongyloides stercoralis worms.

CONCLUSIONS: Strongyloides stercoralis infection symptoms are usually mild, but in the setting of impaired host immunity, a disseminated and severe illness may occur. Clinicians must be aware for patients from endemic areas. Diagnosis may be established through sputum and stool examination for Strongyloides stercoralis worms.

Key words: acute respiratory failure, hyperinfection syndrome, Strongyloides stercoralis.

INTRODUÇÃO

O Strongyloides stercoralis é um nematódeo intestinal com distribuição geográfica ubíqua, apesar de estar mais presente na faixa intertropical. Sua prevalência varia bastante segundo estudos epidemiológicos, sendo entre 3 e 100 milhões de pessoas infectadas. Normalmente a infecção é assintomática, porém, em alguns casos, manifesta-se com extrema gravidade associada à elevada mortalidade1,2.

O ciclo vital dos nematelmintos apresenta inúmeras semelhanças entre si, desde o modo de infecção, local de colonização até a forma de perpetuação da espécie. O Strongyloides stercoralis, ao contrário de outras espécies que compartilham a mesma classe taxonômica, apresenta uma peculiaridade: pode manter seu ciclo evolutivo sem deixar seu hospedeiro3,4.

O ciclo vital inicia-se quando a larva filariforme (forma infectante) penetra na pele de um hospedeiro susceptível. Ao ganhar a circulação sistêmica, chega até os capilares alveolares. Adentra os alvéolos, dirigindo-se à glote, ultrapassando no trajeto, bronquíolos, brônquios e traquéia. Posteriormente, é deglutida e atinge o trato gastrintestinal alojando-se na lâmina própria do duodeno e jejuno proximal. O útero do verme-fêmea contém, em média, 10 a 12 ovos, produzindo no máximo, 15 larvas por dia1,2,5. Após a eclosão, a larva é chamada de rabditóide L1. Para ser infectante, a larva deve chegar ao estágio L3, sua forma filarióide1,2.

Uma peculiaridade do gênero Strongyloides é que algumas larvas rabditóides, entre as muitas que eclodiram, sofrem uma segunda ecdise antes de serem expelidas nas fezes, ou seja, tornam-se infectantes ainda no intestino grosso do hospedeiro. Essas penetram na mucosa do cólon e reiniciam o ciclo. Aquelas que são eliminadas nas fezes podem vir a evoluir para larvas infectantes (filarióides) no solo ou constituir vida-livre1,2,6.

O objetivo deste relato foi apresentar um caso com evolução letal e ressaltar a importância do diagnóstico e do tratamento precoce.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 60 anos, branco, com diagnóstico de tumor de timo do tipo linfoepitelioma submetido à ressecção de tumor de mediastino, segmentectomia pulmonar e ressecção de pericárdio, realizou quimioterapia adjuvante com quatro ciclos de ciclofosfamida, doxorrubicina e cisplatina. Apresentou recidiva tumoral seis meses após o tratamento, sendo submetido à nova ressecção cirúrgica de massa mediastinal com pericardiostomia e reconstrução de veia. Um ano após, foi internado com quadro clínico de Síndrome de Veia Cava Superior, sendo iniciadas radioterapia, corticoterapia e quimioterapia com cisplatina, com boa resposta ao tratamento.

Trinta dias após foi consultado na emergência com queixa de dispnéia em repouso, inapetência, astenia e diarréia. Ao exame físico apresentava-se taquicárdico, hipotenso e na ausculta pulmonar observou-se estertores crepitantes nos terços inferiores e sibilos expiratórios nos ápices. A radiografia de tórax realizada na emergência evidenciou infiltrado pulmonar bilateral (Figura 1), hemograma com leucopenia, desvio à esquerda e gasometria arterial com hipoxemia.


Foi diagnosticado broncopneumonia e iniciado tratamento com antibioticoterapia, por via venosa com levofloxacina e oxigenoterapia. Evoluiu com insuficiência respiratória aguda, necessitando de intubação traqueal e suporte ventilatório. A antibioticoterapia foi trocada para cefepima e claritromincina.

No dia seguinte, o paciente foi transferido para UTI Geral, sendo instalada linha arterial e acesso venoso central e coletados novos culturais. Nova radiografia do tórax mostrou piora do infiltrado pulmonar (Figura 2).


O paciente permaneceu utilizando doses elevadas de vasopressor e altas concentrações de oxigênio; e, a despeito do tratamento empregado, evoluiu com quadro de disfunção de múltiplos órgãos, choque refratário e óbito.

Após o óbito identificou-se em amostra de aspirado traqueal Acinetobacter sp sensível à imipenem e grande número de larvas de Strongyloides stercoralis (Figura 3).


DISCUSSÃO

A estrongiloidíase, apesar de tratar-se de infecção parasitária freqüentemente leve, pode apresentar-se de forma grave, culminando com o óbito7. Vários parâmetros são determinantes para a evolução, como a imunossupressão e a co-infecção pelo HTLV-1 8. Assim, portadores de neoplasia, síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), desnutrição, alcoolismo crônico, idade avançada, diabete melito, doenças do colágeno e/ou estado pós-cirúrgico, têm maiores probabilidades de apresentar formas graves da doença1,3,9. É importante ressaltar a associação entre timoma e estrongiloidíase, o timoma tem sido responsabilizado por infecções oportunistas devido a insuficiência da resposta imunitária celular. Em algumas situações o timoma pode estar relacionado a doenças sistêmicas (síndromes paratímicas), como por exemplo: miastenia gravis, hipoplasia pura de células vermelhas e hipogaglobulinemia10. O uso prolongado de corticosteróides pode ser o fator mais importante associado à gravidade clínica. A ação do corticosteróide seria similar a dos hormônios ativadores do processo de ecdise, os ecdisteróides e seu uso crônico aumentaria a taxa de auto-infecção, desencadeando o temido desfecho de hiper-infecção1,9,11.

Experimentos em animais sugerem que a resposta imune à infecção por Strongyloides stercoralis seja mediada por células T e B. As células T helper estimulam eosinófilos, produção de IgE, mastócitos e células caliciformes através da produção de interleucinas (IL-4, IL-5, IL-9, IL-10 e IL-13), em situações em que as células T helper estão diminuídas, há maior probabilidade de hiper-infecção e doença disseminada1,10. A imunidade humoral nas infecções helmínticas talvez auxilie na fixação ou resposta celular ao parasito, os eosinófilos são importantes na defesa contra o strongyloides stercoralis e em infecções intensas, sua contagem está reduzida, indicando a sua supressão1,10. Em experimentos animais também se demonstrou a importância das células caliciformes na expulsão dos nematódeos, assim como dos mastócitos e sistema complemento1.

Apesar de ser infreqüente, a hiper-infecção deve ser considerada uma constante ameaça por este parasita. É imprescindível considerar a possibilidade de colonização do paciente antes de serem iniciados tratamentos que afetem a imunologia. A profilaxia com ivermectina, albendazol ou tiabendazol é recomendada, não obstante ser pouco respeitada, negligenciando-se, desse modo, a possibilidade do óbito evitável8,9.

No presente caso, o diagnóstico foi realizado após a morte, por não se suspeitar da possibilidade de hiper-infecção por este nematódeo. Deve-se ressaltar que, juntamente com a infecção pelo Strongyloides stercoralis, havia a concomitância de sepse por germe gram-negativo, o que contribuiu para a dificuldade diagnóstica e o desfecho desfavorável.

Apresentado em 22 de dezembro de 2006

Aceito para publicação em 01 de março de 2007

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Fernando Suparregui Dias
    Hospital São Lucas da PUCRS
    Avenida Ipiranga 6690 – 3° Andar – UTI Geral
    Jardim Botânico
    90610-000 Porto Alegre, RS
    Fone: (51) 3320-3037 - Fax (51) 3336-0304
    E-mail:
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    Recebido do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      01 Mar 2007
    • Recebido
      22 Dez 2006
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