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Surviving sepsis campaign: reflexões e revisões

Surviving sepsis campaign: reflections and revisions

COMENTÁRIO

Surviving sepsis campaign: reflexões e revisões

Surviving sepsis campaign: reflections and revisions

Eliézer Silva, PhDI; Jorge I. F. Salluh, MScII

ICoordenador da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein. Médico Pesquisador da Divisão de Experimentação do INCOR, da Universidade de São Paulo (USP). Livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP). Presidente do Instituto Latino Americano para Estudos da Sepse (ILAS). Membro do Comitê Coordenador do BRICNet (Brazilian Research in Intensive Care Network)

IICoordenador do Centro de Tratamento Intensivo do Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro, RJ; Mestre e Doutorando de Clínica Médica/Pneumologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Título de Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Membro do Comitê Coordenador do BRICNet (Brazilian Research in Intensive Care Network)

Desde a sua concepção, com a declaração de Barcelona em 2002, a Campanha Sobrevivendo à Sepse (SSC) atravessou diferentes fases, saindo de um ponto estritamente teórico com a elaboração de recomendações1, sua implementação em mais de 300 instituições em todo o mundo (2005-2007) e, mais recentemente, sua primeira revisão, submetida para publicação em agosto de 2007. Desde o início, a SSC foi recebida com grande entusiasmo pela comunidade médica. Este apoio deveu-se ao fato da SSC ter como objetivo principal reduzir em 25% a mortalidade de pacientes com sepse grave, bem como ter conseguido suporte e chancela de mais de 20 organizações médicas internacionais e, de importância fundamental, a parceria com o Institute for Healthcare Improvement (IHI). O IHI tem sido crucial no processo de mudança e maior qualificação do processo assistencial de diversas doenças2.

Contudo, desde a publicação das recomendações em 20041, diversas críticas à SSC despontaram na literatura médica incluindo hierarquização equivocada das evidências2, a presença de vieses nas recomendações3,4 e a presença excessiva da indústria na campanha5. Recentemente, pudemos participar destas discussões e ampliá-las em nível nacional trazendo um enfoque baseado em particularidades da realidade brasileira6,7. Desta forma, entendemos que reflexões críticas e revisões periódicas da campanha, bem como avaliação da sua adequação a nossa realidade são caminhos que culminarão em um processo seguro de implementação que possa reduzir morbimortalidade da sepse grave no Brasil, através de evidências sólidas e planos exeqüíveis. Dados recentes já apontam para redução da mortalidade em algumas instituições brasileiras.

Como destacado, a SSC visa o atendimento hospitalar do paciente com sepse grave. Medidas que visem a diminuição das taxas de infecção, tanto comunitárias quanto hospitalar, não são tratadas pela campanha e não devem ser negligenciadas. Assim todas as ações voltadas para redução destas taxas como medidas de prevenção da população geral (p. ex.: vacinas pneumocócicas e para influenza), garantia de acesso ao sistema de saúde e a prevenção de infecções nosocomiais que já provaram serem factíveis8 são importantes e os órgãos governamentais e institucionais devem garantir sua implementação. De forma não menos importante, a capacitação da equipe multiprofissional que atuam nos serviços de emergência, cirurgia e clínica médica é fundamental para identificar e tratar precocemente pacientes sépticos.

Outra questão imperativa é a reavaliação das terapias recomendadas. Muitas delas estão baseadas em estudos de Fase III, interrompidos precocemente e que não alcançaram tamanho amostral previsto para registrar número de eventos significativos, a ponto de considerarmos a intervenção segura9. Muitos destes estudos foram interrompidos por benefício9-11. Contudo, existe a recomendação de que para confirmar sua eficácia ou expandir suas recomendações dever-se-ia realizar estudos de Fase IV12-14. Em Medicina intensiva muitos destes estudos geraram resultados que foram incorporados a nossa prática9,11,15 sem que estudos confirmatórios de Fase IV fossem realizados14. O estudo OPTIMIST16, por exemplo, testou a hipótese de que o uso de inibidor da via do fator tecidual (Tifacogin) seria capaz de reduzir a mortalidade de pacientes com sepse grave. Na primeira análise interina do estudo os investigadores observaram significativa redução de mortalidade (29% versus 39%, p = 0,006). Contudo, o estudo foi levado a cabo até que o tamanho da amostra programada fosse atingida e seu resultado final foi ausência de benefício deste composto. Outra preocupação cabível é a de transposição de resultados para populações diferentes das previamente avaliadas. Como exemplo podemos citar o controle glicêmico intensivo. Esta intervenção é recomendada pela SSC e por órgãos como o "IHI" e utilizada hoje como benchmarking de qualidade nas UTI. O estudo original de van den Berghe e col.10 mostraram redução significativa de mortalidade e morbidade em pacientes cirúrgicos internados em UTI. A este estudo seguiu-se avaliação da eficácia do controle glicêmico intensivo em pacientes clínicos em UTI e os benefícios não foram observados globalmente17. Apenas em análise pos-hoc pode-se evidenciar redução de mortalidade em pacientes com maior permanência em UTI (> 3 dias). Entretanto, sem jamais ter sido realizado um estudo prospectivo em pacientes sépticos, a SSC formulou sua recomendação. Recentemente, um estudo multicêntrico alemão ainda não publicado (VISEP trial) avaliou o efeito do controle glicêmico intensivo em pacientes sépticos e não conseguiu demonstrar redução de mortalidade. O uso intensivo de insulina ainda esteve associada a maior morbidade, dado o excesso de hipoglicemias no grupo de intervenção. Desta forma, reflexão ampla e análise crítica das evidências devem ser realizadas antes da formulação de recomendações gerais.

Apesar das limitações, existem hoje no Brasil, e em diversas instituições internacionais, dados referentes ao processo de implementação destas recomendações. Recentes publicações dão conta de redução significativa da mortalidade a partir de estratégias institucionais embasadas na Campanha. Desde o artigo de Gao e col.18, até as mais recentes publicações de Micek e col.19, Nguyen e col.20 e Kortgen e col.21 mostraram de forma consistente, que a criação de um protocolo institucional, tomando-se como base, as recomendações da SSC, está associada à redução de mortalidade. De forma complementar, estas intervenções podem ser capazes de reduzir custos22. No Brasil, várias instituições (públicas e privadas) começam a mostrar reduções de taxa de mortalidade. Como interpretar esses números levando em consideração as limitações apontadas? Em primeiro lugar, deve-se compreender que a SSC não é apenas um processo de estabelecer recomendações e implementá-las. Um dos preceitos fundamentais é chamar a atenção das instituições e das equipes de saúde que atendem estes pacientes para o problema. Isso tem gerado maior suspeição diagnóstica e, por conseguinte, diagnóstico mais precoce. Dados que sustentam esta informação vêm do banco de dados da Campanha no Brasil. O diagnóstico tem sido feito mais freqüentemente nas emergências. Em segundo lugar, ao estabelecer um processo de atendimento, a instituição cria instrumentos constantes de avaliação. O IHI auxiliou muito nestes conceitos e na sua difusão, tanto em relação aos indicadores de qualidade a serem monitorados quanto em relação ao conceito de pacotes (Bundles). Ao implementar estes pacotes, a instituição promove continuidade de tratamento e de segurança, pois fica fácil perceber qualquer alteração no processo assistencial. Dados oriundos de outras condições infecciosas que utilizam pacotes mostram, claramente, redução de mortalidade ao implementar esta sistematização (como já demonstrado com as pneumonias associadas à ventilação mecânica). Por fim, mas não menos importante, é a reavaliação constante das recomendações através de processos bem estabelecidos de geração de recomendações (GRADE system – www.gradeworkinggroup.org). Este processo busca na literatura a melhor evidência científica disponível, classifica-as de acordo com critérios bem estabelecidos e considera outros fatores antes de gerar a recomendação propriamente dita como custo, dificuldade operacional e riscos. Além disso, procura fatores que poderiam elevar ou diminuir a qualidade da evidência. Um exemplo já foi citado aqui. A recomendação para uso de terapia com insulina por via venosa para controle glicêmico nasceu de estudos em populações heterogêneas e não de estudos direcionados a pacientes sépticos. Desta forma, diferente do que foi estabelecido na primeira versão das recomendações1, o seu grau foi rebaixado por esta limitação. Este processo permite que o clínico entenda melhor o processo de recomendação e a utilize de forma individualizada e não indiscriminadamente para todos os pacientes. O mesmo aconteceu em relação ao uso de corticóides e de proteína-C ativada.

A Campanha sobrevivendo à sepse estabelece um marco no tratamento destes pacientes através da melhor sistematização de atendimento e ferramentas que permitem mensurar este processo assistencial e, a partir destes indicadores, estabelecer políticas institucionais de melhoria. No entanto, como todo processo inicial, necessita de melhorias e de amadurecimento, não só do processo em si proposto por todas estas sociedades, mas também de nossas instituições, no sentido de adaptar este processo a nossa realidade. A melhoria contínua deste processo deve abrir nova era onde taxas de mortalidade serão mais baixas e nossa capacidade de compreender este processo assistencial tão complexo será maior.

REFERÊNCIAS

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03. Fletcher SJ, Quinn AC - The surviving sepsis campaign and sepsis care bundles: substance or sophistry? Anaesthesia, 2006;61:313-315.

04. Singer M - The Surviving Sepsis guidelines: evidence-based ... or evidence-biased? Crit Care Resusc, 2006;8:244-245.

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06. Salluh JIF, Bozza FA, Soares M et al - Brás Cubas, a sepse e as evidências: reflexões sobre a Surviving Sepsis Campaign. RBTI, 2006;18:328-330.

07. Silva E - Surviving Sepsis Campaign: um esforço mundial para mudar a trajetória da sepse grave. RBTI, 2006;18:325-327.

08. Goldie AS, Fearon KC, Ross JA et al - Natural cytokine antagonists and endogenous antiendotoxin core antibodies in sepsis syndrome. The Sepsis Intervention Group. JAMA, 1995;274:172-177.

09. Bernard GR, Vincent JL, Laterre PF et al - Efficacy and safety of recombinant human activated protein C for severe sepsis. N Engl J Med, 2001;344:699-709.

10. van den Berghe G, Wouters P, Weekers F et al - Intensive insulin therapy in the critically ill patients. N Engl J Med, 2001;345:1359-1367.

11. Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. The Acute Respiratory Distress Syndrome Network. N Engl J Med, 2000;342:1301-1308.

12. Vlahakes GJ - The value of phase 4 clinical testing. N Engl J Med, 2006;354:413-415.

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14. Heffner AC, Milbrandt EB, Venkataraman R - Trials stopped early for benefit? Not so fast! Crit Care, 2007;11:305.

15. Poldermans D, Boersma E, Bax JJ et al - The effect of bisoprolol on perioperative mortality and myocardial infarction in high-risk patients undergoing vascular surgery. Dutch Echocardiographic Cardiac Risk Evaluation Applying Stress Echocardiography Study Group. N Engl J Med, 1999;341:1789-1794.

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21. Kortgen A, Niederprum P, Bauer M - Implementation of an evidence-based "standard operating procedure" and outcome in septic shock. Crit Care Med, 2006;34:943-949.

22. Shorr AF, Micek ST, Jackson WL Jr et al - Economic implications of an evidence-based sepsis protocol: can we improve outcomes and lower costs? Crit Care Med, 2007;35:1257-1262.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2007
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