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Avaliação do uso da clonidina para sedoanalgesia de pacientes sob ventilação mecânica prolongada, internados em unidade de terapia intensiva

Evaluate the clonidine use for sedoanalgesia in intensive care unit patients under prolonged mechanical ventilation

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O controle do desconforto dos pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) tem-se tornado essencial na prática da Medicina intensiva. Os fármacos sedoanalgésicos podem influenciar na morbimortalidade do paciente crítico. Agentes a2-agonistas podem ter um futuro interessante nas UTI. O objetivo deste estudo foi avaliar a administração da clonidina para a sedoanalgesia de pacientes sob ventilação mecânica (VM) prolongada. MÉTODO: Estudo de coorte histórico, onde foram selecionados os prontuários dos pacientes internados na UTI entre janeiro e dezembro de 2006, sob sedação, analgesia e ventilação mecânica por período > 7 dias. Foram anotados os dados demográficos, clínicos e terapêuticos desses pacientes, que foram subdivididos em três grupos: G1 - medicados com clonidina e outros sedoanalgésicos, G2 - medicados com mais de três fármacos sedoanalgésicos, exceto clonidina, e G3 - medicados com midazolam e fentanil. Registrou-se a dose média diária da clonidina, anotando-se, antes da sua administração, 6 e 24 horas após, os valores da freqüência cardíaca e pressão arterial. Para a análise estatística foram utilizados os testes Análise de Variância (ANOVA), t de Student, c² sendo considerado significativo quando p < 0,05. RESULTADOS: Foram avaliados 55 pacientes. Quinze (27,3%) pertenciam ao G1, 11 (20%) ao G2, 29 (52,7%) ao G3. A idade média dos pacientes foi 44 (G1), 50 (G2) e 55 (G3) anos (p = NS). O índice APACHE II médio dos grupos foi 18 (G1), 20,4 (G2), 20,7 (G3) (p = NS). Os pacientes do G1 e G2 permaneceram mais tempo internados na UTI e no hospital (p < 0,05). A dose média administrada de clonidina foi 1,21 ± 0,54 mg/kg/h. Houve diminuição da freqüência cardíaca e da pressão arterial nos pacientes do G1. Esses efeitos não tiveram repercussão clínica nem relação com a dose da clonidina. A mortalidade foi significativamente menor nos pacientes do G1 (20%) em comparação com os do G2 (54,5%) e do G3 (62%). CONCLUSÕES: A administração da clonidina não acarretou efeitos colaterais importantes nos pacientes estudados. A taxa de mortalidade dos pacientes medicados com clonidina foi significativamente menor.

Analgesia; Clonidina; Sedação; UTI; Ventilação Mecânica


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The control of patient discomfort in the intensive care unit (ICU) has become an integral part of critical care practice. The sedoanalgesic drugs could influence critically ill patient's morbimortality. Alpha²-adrenoceptor agonists might have an interesting future in ICU. The objective of this study is to evaluate the clonidine use for sedoanalgesia in ICU patients under prolonged mechanical ventilation. METHODS: Historical cohort study. Admitted patient files, January-December 2006, which stayed under mechanical ventilation, analgesia and sedation > 7days were analyzed. Demographic, clinical features and therapeutic data concerning analgesia and sedation were remarked. The data allowed classify the patients in three different groups: G1 = patients that used clonidine and other drugs; G2 = patients that used three or more drugs, without clonidine and G3 = patients that used fentanyl and midazolam. The mean daily doses of infused clonidine were registered, and the values of heat rate (HR), blood arterial pressure (BAP) before starting use of clonidine, after six hours and 24 hours were also registered. Statistical analyzes were performed using Variance Analysis (ANOVA), t tests and x² (significance p < 0.05). RESULTS: Were selected 55 patients. Fifteen (27.2%) belonged to G1, 11 (20%) belonged to G2 and 29 (52.7%) belonged to G3. The mean age of patients was 44 (G1), 50 (G2) and 56 (G3) (p = NS). The mean score APACHE II was 18 (G1), 20.4 (G2) and 20.7 (G3) (p = NS). G1 and G2 patients presented higher ICU length-of-stay (p < 0.05). The mean dose of clonidine used was 1.21 ± 0.54 mg/kg/min. G1 patients had HR and BAP decreased, however these effects were not considered clinically relevant. The mortality was lower in the patients from G1 (20%) when compared to G2 (54.5%) and G3 (62%) (p < 0.05). CONCLUSIONS: The clonidine use to analyzed patients did not result in clinical relevant side effects. The lower mortality index in patients that used clonidine was statistical significant.

Analgesia; Clonidine; ICU; Mechanical Ventilation; Sedation


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do uso da clonidina para sedoanalgesia de pacientes sob ventilação mecânica prolongada, internados em unidade de terapia intensiva* * Recebido da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC), Florianópolis, SC

Evaluate the clonidine use for sedoanalgesia in intensive care unit patients under prolonged mechanical ventilation

Rachel Duarte MoritzI; Fernando Osni MachadoII; Erick Przybysz PintoIII; Gil Schmidt CardosoIII; Silvia Modesto NassarIV

ICoordenadora da Residência de Medicina Intensiva do HU-UFSC; Professora Adjunta da UFSC; Mestre em Ciências Médicas da UFSC; Doutora em Engenharia de Produção da UFSC

IIChefe da UTI do HU-UFSC; Professor Adjunto da UFSC; Mestre em Ciências Médicas da UFSC; Doutor em Medicina - USP

IIIGraduando em Medicina da UFSC

IVProfessora Titular da UFSC; Mestre em Engenharia de Produção; Doutora em Engenharia Elétrica

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Rachel Duarte Moritz Rua João Paulo 1929 - Bairro João Paulo 88030-300 Florianópolis, SC E-mail: rachel@hu.ufsc.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O controle do desconforto dos pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) tem-se tornado essencial na prática da Medicina intensiva. Os fármacos sedoanalgésicos podem influenciar na morbimortalidade do paciente crítico. Agentes a2-agonistas podem ter um futuro interessante nas UTI. O objetivo deste estudo foi avaliar a administração da clonidina para a sedoanalgesia de pacientes sob ventilação mecânica (VM) prolongada.

MÉTODO: Estudo de coorte histórico, onde foram selecionados os prontuários dos pacientes internados na UTI entre janeiro e dezembro de 2006, sob sedação, analgesia e ventilação mecânica por período > 7 dias. Foram anotados os dados demográficos, clínicos e terapêuticos desses pacientes, que foram subdivididos em três grupos: G1 - medicados com clonidina e outros sedoanalgésicos, G2 - medicados com mais de três fármacos sedoanalgésicos, exceto clonidina, e G3 – medicados com midazolam e fentanil. Registrou-se a dose média diária da clonidina, anotando-se, antes da sua administração, 6 e 24 horas após, os valores da freqüência cardíaca e pressão arterial. Para a análise estatística foram utilizados os testes Análise de Variância (ANOVA), t de Student, c2 sendo considerado significativo quando p < 0,05.

RESULTADOS: Foram avaliados 55 pacientes. Quinze (27,3%) pertenciam ao G1, 11 (20%) ao G2, 29 (52,7%) ao G3. A idade média dos pacientes foi 44 (G1), 50 (G2) e 55 (G3) anos (p = NS). O índice APACHE II médio dos grupos foi 18 (G1), 20,4 (G2), 20,7 (G3) (p = NS). Os pacientes do G1 e G2 permaneceram mais tempo internados na UTI e no hospital (p < 0,05). A dose média administrada de clonidina foi 1,21 ± 0,54 mg/kg/h. Houve diminuição da freqüência cardíaca e da pressão arterial nos pacientes do G1. Esses efeitos não tiveram repercussão clínica nem relação com a dose da clonidina. A mortalidade foi significativamente menor nos pacientes do G1 (20%) em comparação com os do G2 (54,5%) e do G3 (62%).

CONCLUSÕES: A administração da clonidina não acarretou efeitos colaterais importantes nos pacientes estudados. A taxa de mortalidade dos pacientes medicados com clonidina foi significativamente menor.

Unitermos: Analgesia, Clonidina, Sedação, UTI, Ventilação Mecânica.

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The control of patient discomfort in the intensive care unit (ICU) has become an integral part of critical care practice. The sedoanalgesic drugs could influence critically ill patient's morbimortality. Alpha2-adrenoceptor agonists might have an interesting future in ICU. The objective of this study is to evaluate the clonidine use for sedoanalgesia in ICU patients under prolonged mechanical ventilation.

METHODS: Historical cohort study. Admitted patient files, January-December 2006, which stayed under mechanical ventilation, analgesia and sedation > 7days were analyzed. Demographic, clinical features and therapeutic data concerning analgesia and sedation were remarked. The data allowed classify the patients in three different groups: G1 = patients that used clonidine and other drugs; G2 = patients that used three or more drugs, without clonidine and G3 = patients that used fentanyl and midazolam. The mean daily doses of infused clonidine were registered, and the values of heat rate (HR), blood arterial pressure (BAP) before starting use of clonidine, after six hours and 24 hours were also registered. Statistical analyzes were performed using Variance Analysis (ANOVA), t tests and x2 (significance p < 0.05).

RESULTS: Were selected 55 patients. Fifteen (27.2%) belonged to G1, 11 (20%) belonged to G2 and 29 (52.7%) belonged to G3. The mean age of patients was 44 (G1), 50 (G2) and 56 (G3) (p = NS). The mean score APACHE II was 18 (G1), 20.4 (G2) and 20.7 (G3) (p = NS). G1 and G2 patients presented higher ICU length-of-stay (p < 0.05). The mean dose of clonidine used was 1.21 ± 0.54 mg/kg/min. G1 patients had HR and BAP decreased, however these effects were not considered clinically relevant. The mortality was lower in the patients from G1 (20%) when compared to G2 (54.5%) and G3 (62%) (p < 0.05).

CONCLUSIONS: The clonidine use to analyzed patients did not result in clinical relevant side effects. The lower mortality index in patients that used clonidine was statistical significant.

Key words: Analgesia, Clonidine, ICU, Mechanical Ventilation, Sedation

INTRODUÇÃO

As unidades de terapia intensiva (UTI) são ambientes extremamente estressantes, onde a ansiedade é prevalente, a dor freqüente, o repouso difícil e o sono muitas vezes impossível. Sedativos e analgésicos são comumente utilizados em pacientes internados nas UTI, tanto para aumentar a tolerância ao tratamento intensivo quanto para diminuir as suas respostas fisiológicas ao estresse1,2.

A abordagem para promover o conforto do paciente é variável. Embora não exista um fármaco ideal para a sedoanalgesia do paciente crítico, a associação de fármacos tem sido amplamente utilizada (co-sedoanalgesia). Esta associação tem como objetivo, além de propiciar o conforto do paciente crítico, diminuir a tolerância e os efeitos colaterais dos fármacos sedoanalgésicos3.

Apesar da maioria dos fármacos utilizados para sedoanalgesia serem os mesmos descritos há cerca de três décadas (midazolam, propofol, fentanil, morfina), um novo enfoque tem sido adotado para o manuseio do estresse e para o controle da dor dos pacientes críticos1-8. Tem sido também constatado que uma sedoanalgesia adequada influencia na morbimortalidade, no tempo de internação e de ventilação mecânica e no custo do tratamento desses pacientes9,10.

Para a sedoanalgesia dos pacientes internados em UTI, os a2-agonistas parecem ter um futuro promissor. O efeito hipnótico e antinoceptivo dos a2-agonistas são conhecidos desde a década de 1970. São fármacos que agem ativando os receptores a2-adrenérgicos, que pertencem à família das proteínas G. O locus coeruleus (LC), onde se localiza a maioria dos receptores, é a principal região do sistema nervoso central envolvido no efeito sedativo dos a2-agonistas. Os a2-agonistas continuam a promover analgesia e hipnose mesmo com depleção dos neurotransmissores noradrenérgicos. Isto se explica porque estes fármacos também possuem ação positiva em receptores gabaérgicos no LC. Esses receptores possuem atividade noradrenérgica, o que sugere uma íntima relação entre estes dois mecanismos. A analgesia promovida pelos a2-agonistas deve-se à ação desses fármacos ao nível da medula espinhal11-13. A clonidina e a dexmedetomidina são os a2-agonistas disponíveis na prática clínica. Esses fármacos parecem ter mais efeito sedativo que analgésico14,15.

A clonidina, um fármaco utilizado a longa data para o controle da hipertensão arterial, tem sido indicada para o controle de quadros de abstinência e para a otimização do controle da dor e da ansiedade durante procedimentos anestésicos16-23. Entretanto, existem poucos estudos que analisam esse fármaco como um sedoanalgésico para o controle da dor e da ansiedade dos pacientes críticos.

O objetivo deste estudo foi avaliar a administração da clonidina para a sedoanalgesia de pacientes sob ventilação mecânica prolongada.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de coorte histórico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o número 011/01.

Foram avaliados os prontuários dos pacientes admitidos na UTI do HU-UFSC no período de janeiro a dezembro de 2006. Foram considerados sedoanalgésicos: midazolam, propofol, morfina, fentanil, clonidina e cetamina. Foram selecionados os dados dos pacientes medicados com esses fármacos por um período igual ou maior que 7 dias. Foram então anotados os dados demográficos, clínicos e terapêuticos desses pacientes, assim como os aspectos relacionados a ação da sedoanalgesia. Foram excluídos os prontuários que se encontravam com dados incompletos, com páginas ou volumes faltando e fatos que impossibilitavam sua coleta fidedigna.

Após a avaliação dos prontuários, os dados foram subdivididos em três grupos. Os pacientes do G1 receberam clonidina associada a outros fármacos sedoanalgésicos; G2 receberam mais de dois sedoanalgésicos, exceto a clonidina. Aos pacientes do G3 foram administrados somente midazolam e fentanil.

Foi registrada a dose média diária administrada de clonidina (mg/kg/h). Dos pacientes que receberam esse fármaco foram também anotados, antes da administração da clonidina e após 6 e 24 horas, os valores da freqüência cardíaca (FC), da pressão arterial sistólica (PAS) e da diurese. Para a análise estatística foram utilizados os testes ANOVA, t de Student e c2. Considerou-se significativo quando p < 0,05.

RESULTADOS

No ano de 2006 foram internados na UTI-HU 350 pacientes. Desses, 221 prontuários apresentavam dados completos. Constatou-se que 173 pacientes foram sedoanalgesiados, isto é, receberam alguma das medicações avaliadas e 48 não foram medicados com os fármacos estudados. Dos pacientes que receberam sedoanalgesia, 55 permaneceram 7 ou mais dias sob ventilação mecânica e portanto, preencheram os critérios de seleção deste estudo. Dos 55 pacientes avaliados, 15 pacientes (27%) receberam clonidina associada a outros fármacos sedoanalgésicos, constituindo o G1, ao G2 11 (20%) e ao G3 29 (52,7%). As variáveis clínicas e demográficas dos pacientes avaliados estão demonstradas na tabela 1. Nessa tabela pode-se identificar que os pacientes do G3 permaneceram menos tempo internados na UTI e no hospital (p < 0,05).

Nas figuras 1 e 2 estão ilustradas as faltas de correlação entre a gravidade do quadro clínico (escore APACHE II) e a idade dos pacientes com a mortalidade.



Os pacientes que constituíram o G1 receberam clonidina por tempo médio de 8,13 ± 7,86 dias, sendo que o tempo mínimo foi de 2 dias e o máximo de 31 dias. A dose média administrada desse fármaco foi de 1,21 ± 0,54 mg/kg/h, com variação de 0,64 a 2,35 mg/kg/h.

A comparação da diurese diária dos pacientes antes e após 6 e 24h da administração da clonidina não mostrou diferença significativa do ponto de vista estatístico. Para a avaliação da segurança foram anotadas FC, PAS antes e 6 ou 24h, após a administração da clonidina (Tabela 2). Constatou-se que houve diminuição da FC e da PAS após a sua administração. Somente a medida da FC após 24h da introdução de clonidina mostrou diminuição significativa (p < 0,05). Entretanto, essa diminuição não foi relacionada à dose da clonidina (Figuras 3 e 4) e não houve repercussão clínica desses achados. Ressalta-se que a administração da clonidina não foi suspensa em nenhum paciente.



A taxa de mortalidade dos pacientes estudados está demonstrada na tabela 3. A comparação dos pacientes do G1 com os demais mostrou que a mortalidade foi significativamente menor nesse grupo (p = 0,02).

DISCUSSÃO

A sedação e analgesia adequadas são elementos primordiais para o tratamento do paciente crítico submetido à ventilação mecânica1,2,4-8. Os fármacos classicamente utilizados para esse fim são os benzodiazepínicos, o propofol e os opióides4-9. Nos últimos anos tem havido interesse crescente pela administração de a2-agonistas para o controle da dor e ansiedade dos pacientes internados em UTI. A revisão da literatura mostra que tem sido dada ênfase ao estudo da dexmedetomidina para esse fim12-15. Poucos trabalhos avaliam a prescrição da clonidina para a co-sedoanalgesia de pacientes críticos1-2.

Neste estudo a comparação das variáveis clínicas e demográficas dos pacientes dos diferentes grupos, mostrou que eles eram semelhantes no que concerne a idade e à gravidade do seu quadro clínico. Vários trabalhos revisados por Ostermann e col.5 mostraram que quanto mais jovens os pacientes, maior é a dose de sedoanalgésicos exigida9. É importante acrescentar que a idade e a presença ou não de comorbidades interferem diretamente no metabolismo dos fármacos4. Essas afirmações podem explicar o fato de que os pacientes deste estudo, medicados somente com midazolam e fentanil eram numericamente mais velhos que os demais (55,68 versus 44 e 50,07 anos). Ressalta-se que a comparação estatística mostrou que esses grupos não eram diferentes. Portanto as variáveis idade e gravidade (APACHE II) parecem não ter interferido diretamente na evolução dos pacientes.

Pacientes que necessitam ventilação mecânica invasiva (VMI), precisam de maior quantidade de sedoanalgésicos para o controle da agitação e ansiedade. Tem sido descrito que a sedoanalgesia tem um impacto direto sobre o tempo da VMI dos pacientes críticos, podendo levar a diminuição do seu tempo de extubação sem; entretanto, alterar o seu tempo de internação na UTI10. Neste estudo, apesar de os pacientes que receberam clonidina terem permanecido mais tempo internados, o tempo de VMI foi semelhante nos 3 grupos. Esse fato pode ser importante para a evolução desses pacientes, pois se sabe que existe relação direta entre o tempo de VMI e a incidência de complicações, principalmente as infecciosas24,25.

Os efeitos colaterais mais freqüentemente relatados na literatura em relação à administração da clonidina são a hipotensão e a bradicardia17,19. Apesar de estes eventos serem geralmente brandos e previsíveis, são responsáveis pela resistência de grande parte dos médicos intensivistas quanto à utilização dos a2-agonistas. Após a administração da clonidina, por via sistêmica ou subaracnóidea, a ocorrência de hipotensão foi maior nos pacientes com hipertensão arterial do que nos que apresentam pressão arterial em níveis normais28. Um estudo recente mostrou diminuição de PAS em 25% dos pacientes que foram medicados com clonidina por via peridural, no entanto não houve variações da FC desses pacientes29. Neste estudo, somente dois pacientes que receberam clonidina (13%) apresentaram hipotensão arterial (PAS < 100) após 24 horas da administração desse fármaco. A hipotensão foi controlada com a administração de volume e não acarretou em repercussão clínica importante.

As alterações da FC após a administração dos a2-agonistas, relatadas na literatura, são variáveis30. Geralmente a FC é reduzida em diferentes graus após a administração desses fármacos. No entanto, bradiarritmias intensas e persistentes não são freqüentes, mesmo com o uso crônico da clonidina11. Neste estudo constatou-se diferença significativa quando foram comparados os níveis de FC antes e após a administração da clonidina. Entretanto, não foi verificada relação entre a dose administrada e a diminuição da FC. Ressalta-se que os níveis de FC não acarretaram em manifestações clínicas. Podem ter contribuído para esse resultado os fatos de que a diminuição da FC tenha também ocorrido pelo melhor controle do estresse do paciente e de que a resposta ao fármaco é individual e não dose-dependente.

Existem evidências que os a2-agonistas atuem inibindo a liberação de hormônio antidiurético, antagonizando a ação deste hormônio no túbulo renal e de aumentarem a taxa de filtração glomerular, produzindo um efeito diurético11. Neste estudo a comparação da diurese dos pacientes antes e após a administração da clonidina não mostrou diferença. Esse é mais um dado que contribui com o relato de que não houve repercussão clínica após a diminuição da PAS e da FC dos pacientes.

Uma preocupação dos médicos intensivistas é a de que a administração prolongada dos fármacos sedoanalgésicos possa causar tolerância e provocar mais efeitos colaterais nos pacientes gravemente enfermos. Esse fato também pode influir na morbimortalidade desses pacientes e aumentar o tempo de internação da UTI ou no hospital. Diversas modalidades terapêuticas, têm sido propostas para que sejam evitados esses efeitos. Dentre elas destaca-se a individualização da sedoanalgesia1-3, a sua monitoração4,8 e a interrupção diária dos fármacos sedoanalgésicos10. Neste estudo, constatou-se que os pacientes medicados com clonidina receberam significativamente, doses maiores de outros fármacos sedoanalgésicos (midazolam, fentanil e propofol). Pode-se inferir que esses pacientes eram mais difíceis de sedar. Deve-se relembrar que esse fato não interferiu no tempo de ventilação mecânica que esses pacientes foram submetidos.

Dorman e col.31, ao estudarem os efeitos da clonidina sobre a resposta simpática avaliaram 40 pacientes submetidos à cirurgia abdominal de grande porte. Os autores mediram a FC, a PAS e dosaram as catecolaminas plasmáticas, interleucina-6 (IL-6) e o cortisol. Concluíram que a clonidina produz efeitos simpatolíticos, diminuindo a concentração de epinefrina e de norepinefrina em 65%, sem causar alterações nas dosagens de IL-6 e de cortisol. Wallace e col.19 estudaram 190 pacientes submetidos à cirurgia com risco de desenvolverem isquemia miocárdica no pós-operatório. Mostraram que a clonidina diminuiu a incidência da mortalidade desses pacientes. Schneemich e col.32 apontaram que a clonidina suprime a resposta hiperadrenérgica em pacientes submetidos a endarterectomia de carótica. Von Dossow e col.33, por considerarem que os linfócitos T desenvolvem um papel central na resposta imunológica ao trauma, avaliaram 40 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Mostraram que a clonidina alterou a taxa de subpopulações de linfócitos T no sangue periférico a favor da resposta pró-inflamatória, o que é responsável pela manutenção do balanço imunológico após o ato cirúrgico. Esses estudos suportam os resultados do presente estudo que mostrou significativa diminuição da mortalidade dos pacientes que receberam clonidina.

Os resultados deste estudo permitem afirmar de que a administração da clonidina não acarretou em efeitos colaterais importantes e que houve diminuição significativa da mortalidade dos pacientes medicados com esse fármaco.

O fato dos resultados serem decorrentes de um estudo de coorte retrospectivo pode ser apontado como um fator limitante. Os autores sugerem que novos estudos, prospectivos e aleatórios, sejam realizados para que conclusões definitivas sejam tomadas.

Apresentado em 05 de dezembro de 2007

Aceito para publicação em 04 de fevereiro de 2008

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Rachel Duarte Moritz
    Rua João Paulo 1929 - Bairro João Paulo
    88030-300 Florianópolis, SC
    E-mail:
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    Recebido da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC), Florianópolis, SC
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Recebido
      05 Dez 2007
    • Aceito
      04 Fev 2008
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