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Validação de um escore de alerta precoce pré-admissão na unidade de terapia intensiva

Resumos

JUSTIFICATICA E OBJETIVOS: O prognóstico dos pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI) tem relação com sua gravidade nos momentos que precedem a internação. O objetivo deste estudo foi avaliar a gravidade dos pacientes 12, 24 e 72h antes da admissão na UTI, bem como qual o parâmetro mais prevalente nesses pacientes e correlacionar o Modified Early Warning Score (MEWS) no pré-UTI com o desfecho (sobrevivência versus óbito), respectivo. MÉTODO: Análise retrospectiva de 65 pacientes, nas 72 horas que antecederam a admissão na UTI, no perío-do de julho a outubro de 2006. RESULTADOS: O APACHE II médio foi 22,2 ± 7,9 pontos, a mortalidade real de 54,6% e a taxa de mortalidade padronizada foi 1,24. O MEWS médio foi 3,7 ± 0,2; 4,0 ± 0,2 e 5,1 ± 0,2 pontos, calculado 72, 48 e 24h antes da admissão na UTI, respectivamente. Registrou-se um percentual crescente de pacientes com MEWS > 3 pontos nas 72, 48 e 24h antes da admissão - 43,8%, 59,4% e 73,4%, respectivamente. Dentre os parâmetros fisiológicos, a freqüência respiratória foi a que mais contribuiu para a pontuação do MEWS. A mortalidade foi maior entre os pacientes com MEWS > 3 pontos já 72 horas antes da admissão. Entre os pacientes que faleceram, verificou-se um aumento significativo no MEWS médio, 24 horas antes da admissão à UTI (em relação ao registrado, 72 horas antes), fato não identificado nos sobreviventes. CONCLUSÕES: O MEWS identificou com fidelidade a gravidade dos pacientes admitidos na UTI, sugerindo ser um escore confiável à aplicação nas instancias que precedem a UTI.

cuidados intensivos; epidemiologia; escore de gravidade; predição de mortalidade


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Prognosis of patients in the intensive care unit (ICU) has a relation with their severity just before admission. The Modified Early Warning Score (MEWS) was used to evaluate the severe condition of patients 12, 24 and 72 hours before admission in the ICU, assess the most prevalent parameters and correlate the MEWS before ICU with the outcome (survival versus death). METHODS: Retrospective analyses of 65 patients consecutively admitted to the ICU from July to October, 2006 evaluating the physiological parameters 72 hours prior to admission. RESULTS: APACHE II mean was 22.2 ± 7.9 points, mortality was 54.6% and standardized mortality ratio means was 1.24. MEWS means were 3.7 ± 0.2; 4.0 ± 0.2 and 5.1 ± 0.2 points, calculated 72, 48 and 24 hours previous to ICU admission, respectively. An increasing percentage of patients with MEWS > 3 points within 72, 48 and 24 hours before admission - 43.8%, 59.4% and 73.4%, respectively was recorded. Among the included physiological parameters respiratory rate contributed the most to the MEWS. Highest mortality was found in patients with MEWS > 3 points already found 72 hours before admission. Patients who died presented with a significant increase in the MEWS 24 hours prior to admission to the ICU (in relation to the MEWS recorded 72 hours before) but the situation was not identified in survivors. CONCLUSIONS: MEWS closely identified the severity of patients admitted to the ICU, suggesting that it can be a reliable score, useful in the situations preceding the ICU.

critical care; epidemiology; mortality prediction; scoring system


ARTIGO ORIGINAL

Validação de um escore de alerta precoce pré-admissão na unidade de terapia intensiva* * Recebido do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE

Rita Chelly Felix TavaresI; Ariane Sá VieiraII; Ligia Vieira UchoaII; Arnaldo Aires Peixoto JúniorIII; Francisco Albano de MenesesIV

IResidente de Clínica Médica do HUWC da UFC

IIGraduando de Medicina da Faculdade de Medicina de Fortaleza da UFC

IIIMédico Assistente da UTI do HUWC-UFC, Professor da Faculdade de Medicina Christus, Especialista em Medicina Intensiva (AMIB), Especialista em Nutrição Parenteral e Enteral - SBNPE, Especialista em Geriatria (SBGG), Mestre em Farmacologia

IVChefe da UTI do HUWC, Coordenador da Residência Médica em Medicina Intensiva, Especialista em Medicina Intensiva (AMIB), Especialista em Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), Mestre em Farmacologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Francisco Albano de Meneses Rua Capitão Francisco Pedro, 1290 60.430-270 Fortaleza, CE Fone: (85) 3366-8162 E-mail: falbano@uol.com.br

RESUMO

JUSTIFICATICA E OBJETIVOS: O prognóstico dos pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI) tem relação com sua gravidade nos momentos que precedem a internação. O objetivo deste estudo foi avaliar a gravidade dos pacientes 12, 24 e 72h antes da admissão na UTI, bem como qual o parâmetro mais prevalente nesses pacientes e correlacionar o Modified Early Warning Score (MEWS) no pré-UTI com o desfecho (sobrevivência versus óbito), respectivo.

MÉTODO: Análise retrospectiva de 65 pacientes, nas 72 horas que antecederam a admissão na UTI, no perío-do de julho a outubro de 2006.

RESULTADOS: O APACHE II médio foi 22,2 ± 7,9 pontos, a mortalidade real de 54,6% e a taxa de mortalidade padronizada foi 1,24. O MEWS médio foi 3,7 ± 0,2; 4,0 ± 0,2 e 5,1 ± 0,2 pontos, calculado 72, 48 e 24h antes da admissão na UTI, respectivamente. Registrou-se um percentual crescente de pacientes com MEWS > 3 pontos nas 72, 48 e 24h antes da admissão - 43,8%, 59,4% e 73,4%, respectivamente. Dentre os parâmetros fisiológicos, a freqüência respiratória foi a que mais contribuiu para a pontuação do MEWS. A mortalidade foi maior entre os pacientes com MEWS > 3 pontos já 72 horas antes da admissão. Entre os pacientes que faleceram, verificou-se um aumento significativo no MEWS médio, 24 horas antes da admissão à UTI (em relação ao registrado, 72 horas antes), fato não identificado nos sobreviventes.

CONCLUSÕES: O MEWS identificou com fidelidade a gravidade dos pacientes admitidos na UTI, sugerindo ser um escore confiável à aplicação nas instancias que precedem a UTI.

Unitermos: cuidados intensivos, epidemiologia, escore de gravidade, predição de mortalidade

INTRODUÇÃO

Os pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI) têm variável morbimortalidade e geralmente apresentam sinais de alerta alguns dias antes da sua internação1,2. As alterações fisiológicas, que traduzem deterioração clínica, podem denunciar precocemente os pacientes reais ou potencialmente críticos e que necessitam de monitorização especial nas enfermarias3. A demora na identificação desses pacientes implica no atraso de intervenção e, assim, no aumento da mortalidade hospitalar4.

Vários estudos demonstraram que os escores de alerta precoce, utilizados à beira do leito, constituem uma ferramenta simples na identificação de pacientes com risco iminente de morte, beneficiando-se, assim, de admissão à UTI3,5-7. Entre as suas versões, particular atenção tem chamado o Modified Early Warning Score (MEWS)5,8. Esse escore é baseado na monitorização de parâmetros fisiológicos facilmente acessáveis - a pressão arterial sistólica, a freqüência de pulso, a freqüência respiratória, a temperatura e o nível de consciência (Tabela 1). Estudo empregando o MEWS identificou maior gravidade no paciente com escore final superior a 5 pontos5.

O objetivo deste estudo foi avaliar a gravidade dos pacientes 12, 24 e 72h antes de serem admitidos na UTI, identificando qual o parâmetro mais prevalente nesses pacientes e correlacionando o MEWS pré-UTI com o desfecho (sobrevivência versus óbito), respectivo.

MÉTODO

Trata-se de um estudo com 65 pacientes internados na UTI de adultos do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará, durante o período de 01 de julho a 31 de outubro de 2006. Rastreou-se, retrospectivamente, apenas os pacientes com tempo de internação prévia, em enfermaria do HUWC, superior a 72h. Os dados clínicos para elaboração do MEWS foram obtidos através da revisão dos prontuários respectivos, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa. A gravidade dos pacientes foi inferida usando o APACHE II (escore e mortalidade prevista) e a razão de mortalidade padronizada pela relação entre mortalidade real e média da mortalidade prevista. Ressalte-se que o HUWC, naquele momento, não contava com unidade de urgência própria, albergando predominantemente os pacientes com doenças seletivas e crônicas atendidos em suas clínicas - alguns deles já com internações prévias.

O programa GraphPad Prism for Windows (versão 4.0) foi usado para a análise estatística. Média e desvio-padrão foram calculados para variáveis contínuas com distribuição normal; enquanto que a distribuição de proporções foi calculada para variáveis discretas. Foi usada a Análise de Variância (ANOVA) seguida pelo teste de Bonferroni. A sobrevida dos grupos foi estimada pelo método de Kaplan-Meyer seguido do teste de Gehan-Breslow. O nível significativo adotado foi de 5% (α = 0,05).

RESULTADOS

Da população incluída, 60% eram mulheres e a média de idade global foi 51,4 ± 20,6 anos. O tempo médio de permanência na UTI foi de 6,3 ± 7,2 dias, o APACHE II médio, 22,2 ± 7,9, a mortalidade real de 54,6% e a razão de mortalidade padronizada em 1,24.

Durante o período de observação, a média do MEWS foi de 3,7 ± 0,2; 4,0 ± 0,2 e 5,1 ± 0,2 pontos, calculado 72, 48 e 24h antes da admissão à UTI, respectivamente. Registrou-se um percentual crescente de pacientes com MEWS > 3 pontos nas 72, 48 e 24h antes da admissão - 43,8%, 59,4% e 73,4%, respectivamente.

A distribuição dos parâmetros fisiológicos alterados está representada na figura 1. Destes, a freqüência respiratória foi a que mais contribuiu para a pontuação do MEWS.


A mortalidade entre os pacientes que 72 horas antes da admissão à UTI já tinham o MEWS > 3 foi de 43,1%, enquanto que entre aqueles que o tiveram somente 48 e 24h antes foi de 33,6% e 23,5%, respectivamente. As curvas de Kaplan-Meyer (Figura 2), de pacientes com MEWS alterado 24 e 72 horas antes da admissão mostraram diferença significativa de sobrevida, com nítida redução entre os pacientes com valores alterados mais precocemente (p < 0,05).


Entre os pacientes que faleceram, verificou-se um aumento significativo no MEWS médio 24h antes da admissão à UTI (em relação ao registrado 72h antes) (5,6 ± 0,3 versus 3,9 ± 0,3 pontos) - fato não identificado nos sobreviventes (Figura 3) (p < 0,05).


DISCUSSÃO

O MEWS se apresenta como uma ferramenta versátil, baseada em parâmetros fisiológicos, capaz de alertar os médicos (e demais membros da equipe assistente) os pacientes em risco3. Estudos prévios demonstraram a boa relação entre a magnitude dos escores alterados dos pacientes críticos e a necessidade de admissão na UTI3,5. Sistemas de escores de gravidade utilizados após admissão na UTI não levam em conta a evolução nos dias que antecedem a admissão - entre eles o APACHE II, inferido após 24h da admissão.

O MEWS pode ser utilizado nas enfermarias para direcionar um seguimento continuado dos pacientes, denunciando que aqueles com escores alterados e com aumento progressivo necessitam de maior atenção pela equipe responsável, posto que existem evidências de que a intervenção precoce pode melhorar o desfecho evolutivo9. Essa medida pode diminuir o número de transferências para a UTI10; e, em última instância, diminuir a gravidade dos pacientes à admissão.

Este estudo alerta para o fato de que os pacientes oriundos das enfermarias portam grande morbidade no momento da admissão na UTI - traduzida pelo MEWS > 3 pontos em mais de 70% da população, com média superior a 5 pontos. Estes dados confirmaram a forte associação entre a presença de escores críticos (> 3 pontos) e a deterioração clínica dos pacientes, mormente entre aqueles cujos parâmetros já se achavam alterados 72h antes da admissão2,5.

A maioria dos pacientes admitidos na UTI tinha parâmetros alterados e destes a freqüência respiratória foi a mais prevalente, corroborando relatos prévios, que enfatizam ser esse o dado mais sensível para indicar alterações fisiológicas, uma vez que reflete diversos tipos de disfunção de sistemas8,11.

Demonstrou-se, com estatística significativa, que os pacientes falecidos tinham maiores incrementos no MEWS ao longo das 72h que antecederam a admissão à UTI. Isso pode sinalizar, por um lado, possível desconhecimento da gravidade dos pacientes por aqueles que os assistiam, e, por outro, a dificuldade de acesso à UTI.

Entre as limitações do presente estudo, ressalte-se a procedência de um único centro, o número limitado de pacientes, e o rigor seletivo - gerando um viés de gravidade. Mesmo assim conseguiu-se evidenciar um número considerável de pacientes críticos nas enfermarias do HUWC, cujas demandas precariamente atendidas culminaram com a elevada mortalidade após admissão na UTI. A despeito do desfecho, ainda conseguiu-se uma taxa de mortalidade padronizada não tão elevada. A partir deste estudo, pretende-se sistematizar ativamente o MEWS nas enfermarias do HUWC, esperando, em trabalho vindouro, melhorar os indicadores presentes.

O MEWS é uma ferramenta simples e aplicada à beira do leito, e que pode ser interpretada pelo médico na tentativa de identificar os pacientes de alto risco. Com isso, se pode prontamente direcionar medidas precoces e mais intensivas para evitar a deterioração clínica desses pacientes, uma vez que existe relação direta entre a presença de escore crítico e crescente morbimortalidade.

Apresentado em 31 de outubro de 2007

Aceito para publicação em 25 de março de 2008

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Francisco Albano de Meneses
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    Recebido do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Recebido
      31 Out 2007
    • Aceito
      25 Mar 2008
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