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Antitrombóticos nas síndromes coronarianas agudas: diretrizes atuais e novas evidências

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As síndromes coronarianas agudas (SCA) estão entre as principais causas de admissão em unidades de terapia intensiva (UTI). Novos fármacos vêem sendo desenvolvidos para o manuseio das SCA. O uso combinado destes medicamentos tem reduzido de forma considerável a morbimortalidade desta síndrome, no entanto seus efeitos adversos ou mesmo seu manuseio incorreto podem levar à maior incidência de sangramento. O objetivo deste estudo foi apresentar os principais aspectos terapêuticos, indicações e manuseio dos fármacos em síndromes coronárias agudas. MÉTODO: Foi realizada uma busca por artigos originais cruzando os unitermos acute coronary syndromes e antitrombotic therapy na base de dados -MedLine; busca de artigos e diretrizes nacionais e internacionais no endereço eletrônico: http://sumsearch.uthscsa.edu. RESULTADOS: No tratamento de angina instável e infarto sem supradesnivelamento de ST, a enoxaparina mostrou-se tão eficaz quanto à heparina não fracionada (HNF) e de manuseio mais simples (estudos SYNERGY e A a Z). Neste cenário, o fondaparinux também não foi inferior à enoxaparina e; no entanto, promoveu menor taxa de sangramento (OASIS-5), a bivalirudina também foi não inferior combinada ou não à GPIIB/IIIa comparada a outras heparinas (ACUITY). No infarto com supradesnivelamento do segmento ST, a enoxaparina foi superior à HNF em pacientes submetidos à trombólise (EXTRACT TIMI 25), e no estudo OASIS 6, o fondaparinux foi superior à HNF em pacientes submetidos à trombólise e os não submetidos à reperfusão. CONCLUSÕES: A correta administração das doses dos antitrombóticos e a escolha individualizada da combinação de fármacos são imprescindíveis para a redução de óbito e eventos cardiovasculares maiores, reduzindo o desconfortável risco de sangramento adicional.

antitrombóticos; bivalirudina; fondaparinux; enoxaparina; heparina


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Acute coronary syndromes (ACS) are one of the most common causes of ICU admissions. New drugs have been developed for management of ACS. These drugs reduced morbidity and mortality; however their adverse effects or their incorrect use may cause excessive bleeding. The objective of this review is to present the principal peculiarities, doses, and indications of these drugs in ACS settings. METHODS: Original articles were retrieved crossing the terms acute coronary syndromes and antithrombotic therapy in the MedLine database as well as search for Brazilian and international guidelines in http://sumsearch.uthscsa.edu. RESULTS: In the treatment of acute coronary syndromes with non-ST-segment elevation enoxaparin was as efficient as UFH, but with a simpler management (SYNERGY and A to Z studies). In this same setting, fondaparinux was non inferior to enoxaparin and had lesser bleedings (OASIS 5), bivalirudin, combined or not with GPIIbIIIa blockers, was not inferior when compared with other heparins (ACUITY). In ST-segment elevation ACS, enoxaparin was superior to HNF in patients treated with fibrinolysis (EXTRACT TIMI 25); in OASIS 6 fondaparinux was superior to UFH in patients treated with thrombolytic therapy and not submitted to reperfusion. CONCLUSIONS: The correct management and individual combination of antithrombotic drugs are mandatory for decreased mortality and of major cardiovascular events, reducing the undesirable risk of additional bleeding.

antithrombotics; bivalirudin; enoxaparin; fondaparinux; heparin


ARTIGO DE REVISÃO

Antitrombóticos nas síndromes coronarianas agudas: diretrizes atuais e novas evidências* * Recebido da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP.

Luiz Eduardo Fonteles RittI; Uri Prync FlatoII; Hélio Penna GuimarãesIII, IV, V; Álvaro AvezumVI; Leopoldo Soares PiegasIV, VII

IMédico Especialista em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia; Médico da Unidade de Tratamento Intensivo Cardiovascular do Instituto Cardiopulmonar Salvador, BA

IIMédico da Unidade de Pós-Operatório do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

IIIMédico da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Coordenador do Centro de Treinamento em Emergência do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

IVTítulo de Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB-AMB

VMédico Diarista da UTI da Disciplina de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP-EPM e Presidente do Capítulo de Medicina de Urgência da Sociedade Brasileira de Clínica Médica 2008-2010

VIDiretor de Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

VIIDiretor Técnico do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Hélio Penna Guimarães Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Av. Dr. Dante Pazzanese, 500, 1º A 04012-909 São Paulo, SP E-mail: heliopg@dantepazzanese.org.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As síndromes coronarianas agudas (SCA) estão entre as principais causas de admissão em unidades de terapia intensiva (UTI). Novos fármacos vêem sendo desenvolvidos para o manuseio das SCA. O uso combinado destes medicamentos tem reduzido de forma considerável a morbimortalidade desta síndrome, no entanto seus efeitos adversos ou mesmo seu manuseio incorreto podem levar à maior incidência de sangramento. O objetivo deste estudo foi apresentar os principais aspectos terapêuticos, indicações e manuseio dos fármacos em síndromes coronárias agudas.

MÉTODO: Foi realizada uma busca por artigos originais cruzando os unitermos acute coronary syndromes e antitrombotic therapy na base de dados -MedLine; busca de artigos e diretrizes nacionais e internacionais no endereço eletrônico: http://sumsearch.uthscsa.edu.

RESULTADOS: No tratamento de angina instável e infarto sem supradesnivelamento de ST, a enoxaparina mostrou-se tão eficaz quanto à heparina não fracionada (HNF) e de manuseio mais simples (estudos SYNERGY e A a Z). Neste cenário, o fondaparinux também não foi inferior à enoxaparina e; no entanto, promoveu menor taxa de sangramento (OASIS-5), a bivalirudina também foi não inferior combinada ou não à GPIIB/IIIa comparada a outras heparinas (ACUITY). No infarto com supradesnivelamento do segmento ST, a enoxaparina foi superior à HNF em pacientes submetidos à trombólise (EXTRACT TIMI 25), e no estudo OASIS 6, o fondaparinux foi superior à HNF em pacientes submetidos à trombólise e os não submetidos à reperfusão.

CONCLUSÕES: A correta administração das doses dos antitrombóticos e a escolha individualizada da combinação de fármacos são imprescindíveis para a redução de óbito e eventos cardiovasculares maiores, reduzindo o desconfortável risco de sangramento adicional.

Unitermos: antitrombóticos, bivalirudina, fondaparinux, enoxaparina, heparina.

INTRODUÇÃO

Apesar dos significativos avanços no tratamento das síndromes coronarianas agudas (SCA) nos últimos anos, essas ainda se mantêm como uma das principais causas de admissão e óbito em unidades de terapia intensiva (UTI). O melhor conhecimento da fisiopatologia das SCA permitiu o desenvolvimento de novos fármacos, particularmente anticoagulantes e antiplaquetários; a combinação destes fármacos à estratégia de tratamento invasivo precoce (cineangiocoronariografia nas primeiras 48 horas) corroboram para a diminuição de eventos clinicamente relevantes.

Novos antitrombóticos têm apresentado capacidade mais seletiva de ligação à antitrombina III (fondaparinux) em relação à heparina não fracionada (HNF) e, como a bivalirudina, ação direta sobre o fator II (trombina); estes efeitos têm propiciado menor incidência de efeitos indesejados como a trombocitopenia induzida pela heparina (TIH) e diminuição de sangramento (Figura 1).


Por outro lado, a combinação de medicamentos antitrombóticos propicia aumento de eventos indesejáveis, particularmente hemorragias1, aumentando a mortalidade intra-hospitalar desses pacientes, mesmo após seis meses do uso. Desta forma, para diminuir o risco e aperfeiçoar o tratamento desses pacientes faz-se necessário estar-se familiarizado às doses, ajustes e indicações de cada fármaco no cenário das SCA.

O objetivo deste estudo foi apresentar as principais evidências para indicação e prescrição de antitrombóticos e antiplaquetários no cenário das SCA.

MÉTODO

Foram selecionados artigos na base de dados -MedLine, para artigos publicados entre 1990 a 2007 por meio dos unitermos acute coronary syndrome, antithrombotic therapy. Foram encontrados no total, inicialmente, 392 artigos; em segunda avaliação mais restrita, foram selecionados artigos de intervenções terapêuticas e revisões sistemáticas encontradas por meio de busca baseada no link - clinical queries - do referido sistema, totalizando 47 artigos. Os artigos foram avaliados por análise de método e determinação de limitações de desenho. Foi realizada também a busca de diretrizes nacionais e internacionais no portal http://sumsearch.uthscsa.edu. Por não se tratar de uma metanálise, mas sim de um estudo descritivo, serão apresentadas as conclusões mais relevantes, dos principais estudos e metanálises encontrados, sem a interferência direta da análise pessoal dos autores.

RESULTADOS

Estudos com Enoxaparina

Na década de 1990 foram realizados os primeiros estudos clínicos usando enoxaparina em SCA.

O estudo ESSENCE2 comparou enoxaparina (1 mg/kg), por via subcutânea (SC) a cada 12 horas com HNF, por via venosa para manter o TTPA entre 55 e 85 segundos em pacientes com síndrome coronariana aguda sem elevação do segmento ST (SCASEST). Este foi um estudo aleatório, duplamente encoberto, controlado, totalizando 3171 pacientes. O desfecho primário analisou a combinação de óbito, infarto ou re-infarto e angina recorrente em 14 dias. Este desfecho ocorreu em 16,6% do grupo enoxaparina e 19,8% do grupo HNF (RR 0,81; IC 95% 0,68 a 0,96; p = 0,016). Esta diferença permaneceu inalterada na análise de 30 dias. Os autores concluíram que o tratamento com enoxaparina foi superior que ao com HNF em pacientes com SCASEST.

O estudo TIMI 11-b 3 comparou a enoxaparina, em uma estratégia prolongada de uso (bolus 30 mg, por via venosa, 1 mg/kg, por via SC a cada 12 horas, por até oito dias e 40 a 60 mg, por via SC ao dia por 35 dias), versus HNF (dose para manter TTPA entre 1,5 e 2,5 o controle por três dias). Foram aleatorizados 3910 pacientes com SCASEST de alto risco para eventos cardiovasculares. O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas, re-infarto e revascularização de urgência em 8 a 43 dias. Em oito dias a incidência do desfecho primário foi de 12,4% no grupo enoxaparina e 14,5% no grupo HNF (OR 0,83; IC 95%: 0,69 a 1,00; p = 0,048). A análise da fase de uso prolongado não mostrou benefício adicional do uso entre 8 e 43 dias.

Ambos os estudos demonstraram a superioridade da enoxaparina comparada à HNF em pacientes com SCASEST. Como nestes estudos os pacientes haviam sido tratados com uma estratégia conservadora (cineangiocoronariografia somente naqueles com sintomas de isquemia refratária), a segurança e a eficácia da enoxaparina em um cenário de estratégia invasiva precoce, associada ou não aos inibidores da glicoproteína IIB/IIIa, não haviam sido testadas.

Na seqüência, o estudo SYNERGY4 selecionou pacientes com SCASEST de alto risco, para enoxaparina ou HNF associada à estratégia invasiva precoce e inibidores da GPIIb/IIIa. Utilizou-se enoxaparina (1 mg/kg) a cada 12 horas ou HNF em infusão venosa contínua, objetivando um TTPA de 1,5 a 2 vezes o valor de referência. É importante ressaltar que os pacientes em uso de enoxaparina não faziam uso de HNF durante procedimentos de cateterismo ou angioplastia, mas em se considerando o intervalo da última dose de enoxaparina, poder-se-ia fazer ou não um bolus do fármaco (Tabela 1). Foram incluídos 10027 pacientes, em 467 hospitais distribuídos por 12 países. O desfecho óbito ou infarto agudo do miocárdio (IAM) não fatal ocorreu em 14% no grupo enoxaparina e em 14,5% do HNF (RR 0,96 IC 0,86-1,06; p = 0,4). Observou-se a incidência aumentada de sangramento no grupo enoxaparina (9,1%) comparativamente ao grupo controle (7,6%), p = 0,008. Os autores concluíram que em pacientes de alto risco, tratados com estratégia invasiva precoce, a enoxaparina foi não inferior à HNF. Tais resultados foram consistentes em até seis meses e um ano. Entretanto no estudo SYNERGY, os pacientes foram aleatorizados independentemente do uso prévio de algum antitrombótico (75% dos pacientes já haviam recebido algum tipo de heparina na pré-aleatorização), junte-se a isso o fato do uso de HNF em 12% dos pacientes do grupo enoxaparina e uso de enoxaparina em 4% dos pacientes do grupo HNF após a aleatorização (crossover). Estes achados propiciaram fortes e consistentes críticas na literatura sobre a real validade do estudo. A análise dos pacientes de acordo com a contaminação, ou seja, o excessivo cruzamento de heparina ou enoxaparina pré ou pós-aleatorização, demonstrou o achado adicional de que o maior risco de sangramento estava relacionado ao uso concomitante ou cruzado de HNF com enoxaparina em algum momento do tratamento.

Seguindo ainda a mesma linha de pesquisa, o estudo A a Z 5 selecionou pacientes de alto risco com SCASEST para o uso de enoxaparina versus HNF associado ao inibidor GPIIb/IIIa. Foram incluídos 3987 pacientes, 340 hospitais em 41 países. Mais da metade dos pacientes tratados sob estratégia invasiva precoce. A ocorrência de óbito, novo IAM ou isquemia refratária em sete dias foi de 8,4% no grupo enoxaparina e 9,4% no controle (RR 0,88 IC 0,71-1,08; p = ns). Este estudo demonstrou não-inferioridade da enoxaparina versus HNF. A incidência de sangramento maior foi de 0,9% no grupo enoxaparina e de 0,4% no grupo controle (p = 0,05). Os autores concluíram que a enoxaparina foi não inferior à heparina no tratamento de pacientes com SCASST de alto risco em uso de inibidores da GPIIb/IIIa.

Em metanálise6 que incluiu os estudos com enoxaparina em estratégia conservadora (ESSENCE, TIMI 11B, INTERACT7) e enoxaparina em estratégia invasiva precoce (ACUTE II8, SYNERGY, A to Z) não houve diferença em mortalidade, quando analisada separadamente, mas houve redução do desfecho combinado de óbito e IAM, não fatal em favor da enoxaparina (10,1% versus 11%; RR 0,91 IC 0,83-0,99). Não houve diferença quanto ao sangramento ou necessidade de transfusão sanguínea entre os grupos. Para os pacientes que não haviam sido tratados com outro antitrombótico antes da aleatorização, a redução na ocorrência do desfecho combinado foi maior (RR 14,6%).

No cenário das síndromes coronarianas agudas com elevação de segmento ST (SCAEST), as novas diretrizes AHA/ACC9 recomendam o uso de anticoagulantes associado aos fibrinolíticos. Para avaliar o uso da enoxaparina adjunta à trombólise na SCAEST foi desenhado o estudo EXTRACT TIMI 2510. Esse estudo selecionou pacientes com SCAEST eleitos para tratamento com fibrinolíticos (estreptoquinase, tenecteplase, Tpa, R-Tpa) e os classificou para o uso de enoxaparina (30 mg, por via venosa em bolus e 1 mg/kg a cada 12 horas por sete dias) ou HNF (60 UI/kg em bolus e 12 UI/kg/h, TTPA 50-75" por 48 horas). Para evitar maiores riscos de sangramentos em idosos e em pacientes com doença renal crônica, as doses de enoxaparina foram ajustadas nesses grupos (Tabela 2).

Foi analisado o desfecho composto de óbito e IAM não fatal em 20.506 pacientes, durante 30 dias. O desfecho primário ocorreu em 9,9% dos pacientes no grupo enoxaparina e em 12% do grupo controle (RR 0,83 IC 0,77-0,90 p < 0,001). A taxa de sangramento maior foi de 1,4% no grupo controle e 2,1% no grupo enoxaparina (p < 0,001). Os autores também analisaram a taxa de benefício total (óbito AM e sangramento) e nesta análise a enoxaparina manteve-se superior (11% versus 12,8% RR 0,86 IC 0,80-0,93, p < 0,001). Concluiu-se que o uso de enoxaparina, durante hospitalização por SCAEST tratada com fibrinólise, foi superior que HNF. Desta forma, projetou-se que para cada 1000 pacientes tratados salvar-se-iam seis episódios de morte ao custo de quatro episódios de sangramento maior não fatal.

Estudos com Bivalirudina

A bivalirudina é um inibidor direto da trombina. O estudo ACUITY11 aleatorizou pacientes com SCASEST (de moderado e alto risco) para um de três grupos: HNF ou enoxaparina + inibidor GPIIb/IIIa, bivalirudina + inibidor GPIIb/IIIa e bivalirudina sozinha. As doses estão apresentadas na tabela 3.

O desfecho primário de eficácia combinado foi óbito, IAM e revascularização não planejada em 30 dias. Foram analisados os dados de 13.819 pacientes e comparando-se os grupos bivalirudina + GPIIb/IIIa e HNF + GPIIb/IIIa, não houve diferença no desfecho composto (RR 1,07 IC 0,92-1,23, p = 0,39), mas a bivalirudina não foi inferior ao tratamento padrão. Não houve diferenças nas taxas de sangramento (5,3% versus 5,7%, p = 0,38) ou do desfecho combinado associado á sangramento (11,8% versus 11,7%, p = 0,93). Na comparação entre os grupos bivalirudina sozinha e controle, não houve diferença na ocorrência do desfecho primário (7,3% versus 7,8% RR 1,08 IC 0,93-1,24 p = 0,32), mas a bivalirudina sozinha atingiu o limiar de não inferioridade. A incidência de sangramento maior foi menor no grupo bivalirudina sozinha versus HNF + GPIIb/IIIa (3% versus 5,7% RR 0,53 IC 0,43-0,65 p < 0,001). A bivalirudina foi melhor quando analisado o desfecho combinado associado ao sangramento maior (10,1% versus 11,7% RR 0,86 IC 0,77-0,97 p = 0,02). Notou-se maior número de eventos isquêmicos nos pacientes que usaram bivalirudina sozinha sem combinação com tienopiridínicos (clopidogrel) antes de angioplastia (7,1% versus 9,1% RR 1,29 IC 1,03-1,63). Os autores concluíram que, em pacientes com SCASEST e sob tratamento com estratégia invasiva, as taxas de sangramento e eventos isquêmicos foram similares entre os grupos que usaram bivalirudina ou heparinas associadas à inibidor GPIIb/IIIa. Quando comparadas bivalirudina com heparinas e inibidor GPIIb/IIIA a incidência de eventos foi igual, mas com menor taxa de sangramento no grupo bivalirudina.

Estudos com Fondaparinux

O fondaparinux é um pentassacarídeo que age diretamente na antitrombina III, causando inibição do fator Xa e, por conseguinte, inibição da trombina, evitando a formação do trombo. Estudos realizados em prevenção de tromboembolismo em pacientes de cirurgias grande porte, pacientes clínicos de alto risco, tratamento de trombose venosa profunda (TVP) e no tromboembolismo pulmonar demonstraram sua eficácia e principalmente sua segurança clínica12-14.

O OASIS-5 foi um estudo aleatório, multicêntrico, duplamente encoberto, de não inferioridade, comparando fondaparinux versus enoxaparina em pacientes com SCASEST8. Os pacientes foram alocados para fondaparinux (2,5 mg, por via subcutânea, uma vez ao dia) ou enoxaparina (1 mg/kg a cada 12 horas). Doses foram ajustadas em pacientes com função renal alterada e àqueles encaminhados para angioplastia (Tabela 4).

O objetivo primário de eficácia foi demonstrar a não inferioridade do fondaparinux em prevenir a combinação de óbito, IAM e isquemia recorrente em nove dias e a análise primária de segurança foi sangramento maior em nove dias através da intenção de tratar (ITT). Participaram do estudo 20078 pacientes. O desfecho de eficácia primária ocorreu em 5,8% do grupo fondaparinux e 5,7% no grupo enoxaparina (RR 1,01 IC 0,90-1,13), demonstrando não inferioridade. Quando se analisaram desfechos em 30 dias (objetivo secundário) não houve diferença (4,1% versus 4,1% RR 0,99 IC 0,86-1,13). A análise primária de segurança mostrou menor incidência de sangramento maior no grupo fondaparinux (2,2% versus 4,1% RR 0,52 IC 0,44-0,61 p < 0,001). Pacientes com sangramento maior tiveram mortalidade aumentada, independentemente do grupo.

O OASIS-614 foi um estudo aleatório multicêntrico, duplamente encoberto, que avaliou pacientes com SCAEST com início dos sintomas em até 12 horas. O total de 12092 pacientes foi dividido em 2 grupos classificados pela indicação ou não de HNF: estrato 1 (5658 pacientes) - sem indicação de HNF, estrato 2 (6434 pacientes) - com indicação de HNF (aqueles que utilizaram trombolíticos fibrino-específicos, os encaminhados para angioplastia primária e os que não foram submetidos à reperfusão). No estrato 1, os pacientes foram aleatorizados para administração de fondaparinux (2,5 mg, por via subcutânea) ou placebo por oito dias. No estrato 2, a aleatorização para administração de fondaparinux (2,5 mg, por via venosa em seguida por via subcutânea) ou HNF (60 UI bolus e 12 UI/kg/h, TTPA de 1,5-2,5). Os pacientes que foram encaminhados para angioplastia tiveram doses ajustadas pelo uso prévio de HNF e inibidor de GPIIbIIIa (Tabela 5).

O objetivo combinado primário foi o de óbito ou novo IAM em 30 dias. Trombolíticos foram usados em 45% dos pacientes, angioplastia primária em 28,9% e 23,7% ficaram sem tratamento de reperfusão. O desfecho primário ocorreu em 9,7% do grupo fondaparinux e em 11,2% do grupo controle (RR 0,86 IC 0,77-0,98, p = 0,008); a analise de mortalidade isolada também foi menor no grupo fondaparinux (7,8% versus 8,9%, p = 0,003). Não houve diferença quanto à incidência de sangramento. Em análise de subgrupo, demonstrou-se redução de morte e/ou re-infarto em pacientes que não receberam tratamento de reperfusão, mas utilizaram fondaparinux (redução relativa de risco de 23%), porém os pacientes que foram submetidos à angioplastia não tiveram benefícios da utilização de fondaparinux (também em análise de sub-grupo). Houve maior taxa de trombos nos fios-guia para angioplastia e de complicações coronárias (dissecção, novo trombo e fechamento abrupto) no grupo fondaparinux, apesar de não haver demonstração de significância clínica.

A tabela 6 resume as principais evidências deste estudo e os níveis de recomendação

DISCUSSÃO

A utilização de potentes antitrombóticos na tentativa de reduzir a mortalidade cardiovascular no universo de SCA, acarreta no aumento de efeitos indesejáveis, como por exemplo, hemorragias. Sabe-se que sangramento está associado ao aumento de seis vezes na mortalidade após a alta hospitalar e a utilização de novos anticoagulantes e/ou antiplaquetários com menor incidência destes fatores pode assim implicar em maior segurança para os pacientes.

A redução de morbimortalidade nas SCA com uso de tratamento combinado e estratégia invasiva precoce foi de tal forma impactante que, para se comprovar a superioridade de um novo fármaco, exigem-se trabalhos com número de paciente cada vez maior. Para tanto, em últimos artigos, discute-se cada vez mais o conceito de não inferioridade de um novo fármaco em relação ao tratamento com terapia padrão. Buscam-se fármacos de manuseio mais simples associados à segurança.

O estudo SYNERGY mostrou que o "uso cruzado" de enoxaparina e HNF levou a maior taxa de sangramento nesses pacientes. Baseado nesta evidência tem-se recomendado a não utilização de HNF, principalmente durante procedimentos invasivos, nos pacientes já previamente tratados com enoxaparina e vice-versa. Para tanto nos pacientes encaminhados para hemodinâmica em uso de enoxaparina devem ser tratados de acordo com o ajuste de dose mostrada na tabela 1.

Também pacientes idosos e renais crônicos são os mais propensos à sangramento, quando em uso de enoxaparina. Em se optando por este fármaco o ajuste de doses se faz relevante, conforme apresentado na tabela 3.

Ao se usar bivalirudina, deve-se atentar para a necessidade do uso de associação de antiplaquetários, além da aspirina: clopidogrel e/ou inibidores da GPIIbIIIa. Este fármaco não deve ser usado somente com aspirina, pelo risco de maior incidência de novos eventos isquêmicos.

O fondaparinux mostrou-se como uma alternativa no tratamento de SCA, principalmente relacionado com a diminuição de sangramento maior. Não houve vantagem do uso em caso de angioplastia primária.

A escolha correta do melhor fármaco e o melhor manuseio de dose para cada subgrupo de pacientes é absolutamente necessária. A tabela 6 traz as recomendações para dose de anticoagulantes nas síndromes coronarianas agudas sem supra de segmento ST, de acordo com as diretrizes da Associação Americana do Coração (AHA) / Colégio Americano de Cardiologia (ACC)14.

A AHA e ACC publicaram, em 2007, uma atualização do Consenso Americano de Infarto Agudo do Miocárdio com elevação do segmento ST14 e dedicou especial atenção ao uso de antitrombóticos. Segundo esta recomendação, cita-se como relevante:

1) Pacientes em fibrinólise:

• O uso de antitrombóticos deve-se estender por, no mínimo 48 horas, e idealmente até 8 dias em pacientes tratados com fibrinólise (recomendação IA);

• A enoxaparina pode ser usada com bolus de 30 mg, por via venosa, seguida de 1 mg/kg, por via subcutânea a cada 12 horas. Deve-se ajustar a dose para depuração < 30 mL/min (1 mg/kg ao dia) e para pacientes > 75 anos (0,75 mg/kg a cada 12 horas) além de omitir o bolus venoso. O tratamento deve-se estender entre 48h e 8 dias (recomendação IA);

• O fondaparinux na dose de 2,5 mg, por via venosa, seguida de 2,5 mg, por via subcutânea ao dia. Deve-se manter o uso durante toda hospitalização ou 8 dias (recomendação IB).

2) Pacientes submetidos à angioplastia primária:

• Se uso prévio de HNF - usar HNF para dar suporte ao procedimento, com dose ajustada para o uso ou não de GP IIbIIIa. Bivalirudina também pode ser usada (recomendação IC);

• Se uso prévio de enoxaparina - caso a última dose tenha sido feita a menos de 8h, não é necessário outro tratamento. Caso a última dose tenha sido feita entre 8 e 12h, administrar bolus de 0,3 mg/kg, por via venosa (recomendação IB);

• Se tratamento prévio com fondaparinux - associar dose de outro antitrombótico com ação anti - IIa, levando em consideração o uso concomitante ou não de GPIIbIIIa (recomendação IC). O uso de fondaparinux isolado durante a angioplastia, recebe recomendação classe IIIC ou seja deve ser evitado.

Novos fármacos continuam sendo desenvolvidos para o tratamento da SCA como, por exemplo, novos inibidores diretos da trombina como rivaroxaban, apixaban, dabigatran, assim como fármacos com bloqueio sinérgico direto na trombina e fator Xa como por exemplo o Org42675 ainda em investigação.

No cenário das SCA, além da garantia de adequada reperfusão e sua manutenção, se deve atentar para o risco de eventos adversos mais graves como sangramento e reduzi-los ao máximo em pacientes em uso de diversos antiplaquetários e antitrombóticos. Para tanto, o manuseio correto das doses e a escolha individualizada da combinação de fármacos é imprescindível é deve fazer parte do conhecimento do médico intensivista.

Enviado para publicação em 14 de janeiro de 2008

Aceito para publicação em 18 de abril de 2008

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Hélio Penna Guimarães
    Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500, 1º A
    04012-909 São Paulo, SP
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    Recebido da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Abr 2008
    • Recebido
      14 Jan 2008
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