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O uso da drotrecogina alfa ativada na prática clínica e as atuais evidências

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O debate sobre a segurança e eficácia da drotrecogina alfa (DrotAA) encontra-se na ordem do dia, principalmente, em função dos resultados negativos observados em ensaios clínicos subseqüentes ao PROWESS e do impacto econômico no sistema de saúde relacionado ao custo elevado do fármaco. O objetivo deste estudo foi rever os principais estudos sobre a utilização da DrotAA em pacientes com sepse grave, com ênfase nas questões ligadas a sua eficácia e segurança. CONTEÚDO: Foram selecionados artigos sobre a utilização da DrotAA em pacientes com sepse publicados nos últimos dez anos no MedLine. Os seguintes unitermos foram utilizados: activated protein C; drotrecogin alfa; sepsis; septic shock; Xigris®. Estudos referenciados nos artigos selecionados na busca também foram utilizados. CONCLUSÕES: As taxas de letalidades e as complicações hemorrágicas associadas com o uso do fármaco foram maiores em grandes estudos observacionais do que aquelas descritas previamente nos ensaios clínicos. A luz dos resultados atualmente disponíveis, o uso da DrotAA deve ser reconsiderado até que novos ensaios clínicos possam subsidiar com informações adicionais sobre eficácia, segurança e na identificação dos subgrupos de pacientes com sepse grave que porventura possam ter benefício com o uso deste medicamento. A DrotAA deve servir de exemplo para que haja maior cautela com a rápida transposição de evidências ainda em construção para recomendações e diretrizes de tratamento de pacientes com sepse grave.

choque séptico; drotrecogina alfa ativada; proteína-C ativada; sepse


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The debate on efficacy and patient safety related to the use of drotrecogin alfa (DrotAA) is timely, principally due to the negative results observed in clinical studies performed after the PROWESS study, and the economic cost-related impact of the drug on the healthcare system. The aim of this study was to review the main studies on the use of DrotAA in patients with severe sepsis. The focus was on drug efficacy-and patient safety-related issues. CONTENTS: Articles were selected by a MedLine search for studies on the use of DrotAA in patients with sepsis using the following key words: activated protein C; drotrecogin alfa; sepsis; septic shock; Xigris®. Additional references were retrieved from the studies initially selected. CONCLUSIONS: Mortality and bleeding complications associated with the use of DrotAA were more frequent in large observational studies than those reported in randomized trials. In the light of the current knowledge, routine use of DrotAA should be reevaluated until well-designed confirmatory clinical trials can clarify the true efficacy and safety of the drug and help identify the subgroup of patients that can benefit from use of DrotAA. Physicians should be cautious with the rapid transfer of evidences not well-documented, to the guidelines and recommendations practiced in the care and treatment of patients with severe sepsis.

activated protein C; drotrecogin alfa; mortality; sepsis; septic shock


ARTIGO DE REVISÃO

O uso da drotrecogina alfa ativada na prática clínica e as atuais evidências* * Recebido do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ

Márcio SoaresI; Fernando Osni MachadoII; Viviane Bogado Leite TorresIII; Jorge Ibrain Figueira SalluhIV; André Carlos Kajdacsy-Balla AmaralV

IMédico do Centro de Tratamento Intensivo do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ; Membro do Comitê Coordenador da BRICNet - Brazilian Research in Intensive Care Network; Mestre e Doutor em Clinica Medica pela UFRJ; Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB; Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq

IIMédico, Diretor Médico do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Ex-Diretor Geral do Hospital Universitário da UFSC; Mestre em Medicina Interna da UFSC; Doutor em Medicina da USP; Professor Adjunto II da UFSC; Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB

IIIResidente em Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ

IVCoordenador do Centro de Tratamento Intensivo e do Núcleo de Pesquisa Clinica em Medicina Intensiva e do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ; Membro do Comitê Coordenador da BRICNet - Brazilian Research in Intensive Care Network; Mestre em Pneumologia pela UFRJ; Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB

VConsultor Científico da UTI Hospital Brasília (Rede ESHO), Brasília, DF; Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: para Correspondência Dr. Márcio Soares Núcleo de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva Instituto Nacional de Câncer - INCA Centro de Tratamento Intensivo - 10o Andar Pça. Cruz Vermelha, 23 20230-130 Rio de Janeiro, RJ Fone: (21) 2506-6120; Fax: (21) 2294-8620 E-mail: marciosoaresms@yahoo.com.br, marciosoaresms@globo.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O debate sobre a segurança e eficácia da drotrecogina alfa (DrotAA) encontra-se na ordem do dia, principalmente, em função dos resultados negativos observados em ensaios clínicos subseqüentes ao PROWESS e do impacto econômico no sistema de saúde relacionado ao custo elevado do fármaco. O objetivo deste estudo foi rever os principais estudos sobre a utilização da DrotAA em pacientes com sepse grave, com ênfase nas questões ligadas a sua eficácia e segurança.

CONTEÚDO: Foram selecionados artigos sobre a utilização da DrotAA em pacientes com sepse publicados nos últimos dez anos no MedLine. Os seguintes unitermos foram utilizados: activated protein C; drotrecogin alfa; sepsis; septic shock; Xigris®. Estudos referenciados nos artigos selecionados na busca também foram utilizados.

CONCLUSÕES: As taxas de letalidades e as complicações hemorrágicas associadas com o uso do fármaco foram maiores em grandes estudos observacionais do que aquelas descritas previamente nos ensaios clínicos. A luz dos resultados atualmente disponíveis, o uso da DrotAA deve ser reconsiderado até que novos ensaios clínicos possam subsidiar com informações adicionais sobre eficácia, segurança e na identificação dos subgrupos de pacientes com sepse grave que porventura possam ter benefício com o uso deste medicamento. A DrotAA deve servir de exemplo para que haja maior cautela com a rápida transposição de evidências ainda em construção para recomendações e diretrizes de tratamento de pacientes com sepse grave.

Unitermos: choque séptico, drotrecogina alfa ativada, proteína-C ativada, sepse.

INTRODUÇÃO

A sepse é uma das principais causas de internação nas unidades de terapia intensiva (UTI) e, a despeito dos avanços no cuidado dos pacientes observados nos últimos anos, ainda está associada à elevada letalidade1-4. Após uma sucessão de resultados negativos em ensaios clínicos com a utilização de tratamentos específicos, o estudo PROWESS demonstrou redução significativa da letalidade com o uso da drotrecogina alfa ativada (DrotAA) em pacientes com sepse grave5. Com base nos resultados deste estudo fase III, o FDA (Food and Drug Administration) e diversas agências regulatórias aprovaram, em circunstâncias excepcionais, a liberação deste fármaco para pacientes com sepse e alto risco de morte (p. ex.: presença de disfunção de múltiplos órgãos ou APACHE II > 25 pontos). Apesar do entusiasmo inicial, o debate sobre a segurança e a eficácia da DrotAA encontra-se na ordem do dia, principalmente, em função dos resultados negativos observados em ensaios clínicos subseqüentes e do impacto econômico no sistema de saúde relacionado ao seu elevado custo6-12.

O objetivo deste estudo foi rever os principais estudos sobre a utilização da DrotAA em pacientes com sepse grave, com ênfase nas questões ligadas à sua eficácia e segurança.

Foram selecionados artigos sobre a utilização da -DrotAA em pacientes com sepse publicados nos últimos dez anos no MedLine - PubMed (www.pubmed.gov). Os seguintes unitermos foram utilizados: activated protein C; drotrecogin alfa; sepsis; septic shock; Xigris®. Estudos referenciados nos artigos selecionados na busca também foram utilizados.

O USO DA DROTRECOGINA ALFA ATIVADA NA PRÁTICA CLÍNICA

Recentemente, três estudos observacionais de grande abrangência acerca da utilização de DrotAA no "mundo real" foram publicados13-15. No primeiro estudo, Bertolini e col. monitoraram o uso da DrotAA na Itália no período de julho de 2003 a março de 2006, seguindo uma determinação do Ministério da Saúde Italiano para o estabelecimento de um programa de fármaco-vigilância13. Foram incluídos 668 pacientes de 134 UTI, correspondentes a aproximadamente 80% dos pacientes que fizeram uso do fármaco na Itália no período do estudo. O grupo controle (n = 1181) foi composto de pacientes elegíveis para o uso da DrotAA que não receberam a medicação, selecionados de um programa de vigilância de infecções. A letalidade na UTI foi significativamente maior no grupo controle do que naquele tratado com a DrotAA (55% versus 46,4%, p = 0,0004). Entretanto, os pacientes tratados com a DrotAA eram mais jovens e tinham maiores prevalências de trauma e procedimentos cirúrgicos e na análise multivariada, o uso da DrotAA não permaneceu associado com a sobrevida (p = 0,434). Ademais, na análise estratificada pelo tipo de internação, o uso da DrotAA foi associado com maior letalidade nos pacientes submetidos à cirurgias eletivas [razão de chances, RC = 2,79 (IC 95%, 1,31-5,97)]. No segundo estudo, Kanji e col. realizaram análise retrospectiva do uso da DrotAA em 261 pacientes internados entre março de 2003 e fevereiro de 2004 em 37 UTI (57% do total) nas províncias de Ontário e Quebec, no Canadá14. Não houve grupo controle neste estudo e a letalidade global foi 45%. A utilização da DrotAA nas primeiras 12h de diagnóstico de sepse grave foi associada com uma redução da letalidade [RC = 0,51 (IC 95%, 0,28-0,92)]. No terceiro estudo, Wheeler e col. avaliaram, retrospectivamente, 274 pacientes tratados com DrotAA em cinco instituições de ensino americanas15. Neste estudo, também sem grupo controle, a letalidade hospitalar global foi 42%, sendo significativamente menor nos pacientes que receberam o fármaco no dia do diagnóstico da sepse do que naqueles que o receberam nos dias subseqüentes (33% versus 40% e 52%, p = 0,016). Porém, é importante notar que as observações feitas nestes dois últimos estudos são sujeitas a vieses de seleção e de acesso a tratamento (pacientes que receberam a DrotAA tardiamente podem ter tido acesso tardio ao hospital ou à UTI e terem recebido inadequadamente outras intervenções).

Dois achados comuns aos estudos em questão são particularmente relevantes. As taxas de letalidade observadas (42% ou mais) foram substancialmente maiores do que aquelas descritas nos estudos PROWESS (24,7% e 30,8%)5, ENHANCE (25,3%)16, e ADDRESS (20,5% e 20,6%)7, embora os autores tenham atribuído estes resultados a uma maior gravidade de seus pacientes, especialmente um maior número de disfunções orgânicas13-15. Entretanto, estes valores são semelhantes aos descritos em diversos estudos em pacientes com sepse grave e choque séptico contemporâneos1-4. Nos estudos BASES e Sepse Brasil, as taxas de letalidades de pacientes com sepse grave foram 34% e 47%, e de pacientes com choque séptico foram 52% e 65%, respectivamente3,4. Entretanto, a observação mais importante foi a incidência mais elevada de eventos hemorrágicos graves (10%, no estudo canadense; 10,9%, no estudo italiano; 4,4% no estudo americano) nos três estudos, quase a totalidade durante a administração da DrotAA. Nos estudos PROWESS, ENHANCE e ADDRESS, as taxas de eventos hemorrágicos graves foram de 3,5%, 6,5% e 3,9%, respectivamente. De modo semelhante, devido à maior gravidade dos pacientes, o risco de sangramento poderia ser maior do que nos ensaios clínicos. Entretanto, a incidência de sangramentos não foi influenciada pela gravidade dos pacientes em outros estudos17. Este dado é concordante com a literatura, onde é freqüente a observação de maior número de eventos adversos nos estudos observacionais em relação aos aleatórios18. No estudo canadense, a taxa de letalidade hospitalar foi significativamente maior nos pacientes com eventos hemorrágicos (68% versus 42,7%, p = 0,015) e a utilização da DrotAA em pacientes com contra-indicação para o uso foi associada com aumento destes eventos adversos [RC = 2,7 (IC 95%, 1,1-6,5)]. Neste estudo, 20% dos pacientes tinham contra-indicações relativas e 2% tinham contra-indicações absolutas para o uso da DrotAA. No estudo italiano, também foi observada maior letalidade nos pacientes que apresentaram sangramentos graves associados a DrotAA (57,5% versus 44,9%, p = 0,041). Neste estudo, um achado extremamente relevante foi a freqüência elevada do uso off-label do fármaco que ocorreu em 19,1% dos pacientes.

IMPLICAÇÕES NA AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA, FÁRMACO-VIGILÂNCIA E SEGURANÇA DOS PACIENTES

As questões ligadas à fármaco-vigilância e segurança do pacientes estão na ordem do dia. Os resultados destes três estudos13-15, em conjunto com os dos estudos ADDRESS7 e RESOLVE6, nos remetem a considerações importantes quanto a segurança e eficácia da DrotAA em pacientes com sepse. O estudo ADDRESS incluiu pacientes adultos com sepse grave e "baixo risco para óbito", ou seja, com uma única disfunção orgânica ou com escore APACHE II < 25 pontos7. Entretanto, embora o tamanho da amostra necessário tenha sido estimado em 11.444 pacientes, este estudo foi interrompido precocemente após uma análise interina com 2640 pacientes (23% do planejado) pela ausência de benefício (taxas de letalidades de 20,5% para o grupo placebo e de 20,6% para o grupo tratado com DrotAA, p = 0,98) e pelo aumento na incidência de eventos hemorrágicos graves (2,2% versus 3,9%, p = 0,01). Embora o estudo ADDRESS não tenha sido desenhado para avaliar o uso da DrotAA em pacientes de maior gravidade, devido à dupla possibilidade de avaliação da gravidade do paciente, foram incluídos pacientes com escore APACHE II < 25 pontos, mas com mais de uma disfunção orgânica, pacientes com uma disfunção orgânica e escore APACHE II > 24 pontos. Nas análises destes subgrupos de "maior gravidade" (conforme os critérios de inclusão para o uso do fármaco utilizados na Europa e nos Estados Unidos, respectivamente), não foram observadas diferenças nas taxas de letalidades entre os pacientes que receberam placebo ou DrotAA. O estudo RESOLVE avaliou pacientes pediátricos com sepse grave e foi planejado para incluir cerca de 3.000 pacientes6. Entretanto, este estudo também foi interrompido na segunda análise interina, após a inclusão de 477 pacientes (15,9% do planejado) pela ausência de benefício (letalidades de 17,5% para o grupo placebo e de 17,2% para o grupo tratado com DrotAA, p = 0,93) e uma tendência para o aumento do risco de sangramentos no sistema nervoso central em pacientes com < 60 dias (4,6% versus 2,1%, p = 0,13). O estudo PROWESS, planejado para incluir 2.280 pacientes, foi também interrompido precocemente após a inclusão de 1.690 pacientes (74% do planejado), mas neste caso por benefício, uma vez que na segunda análise interina foi observada uma letalidade menor no grupo tratado com a DrotAA (24,7% versus 30,8%, p = 0,006)5. Entretanto, não houve poder suficiente para avaliar adequadamente a ocorrência de sangramentos graves [3,5% (30/850) no grupo tratado com DrotAA versus 2% (17/840) no grupo placebo, p = 0,06]. Em uma simulação com a projeção para o tamanho da amostra inicialmente desejado, na qual as freqüências de eventos adversos nos dois grupos fossem mantidas, esta diferença passaria a ser estatisticamente significativa [3,5% (40 eventos no grupo DrotAA) versus 2% (23 eventos no grupo controle), p = 0,04].

Os ensaios clínicos interrompidos precocemente por benefício têm merecido atenção especial. Montori e col. avaliaram a freqüência e a qualidade de tais ensaios clínicos publicados nos últimos anos19. De um total de 143 estudos, 92 (64%) foram publicadas nas revistas clínicas de maior índice de impacto (N Engl J Med, JAMA, Ann Intern Med, Lancet e BMJ). Apesar disso, os autores observaram que estes estudos: a) estão se tornando mais freqüentes, b) são geralmente patrocinados pela indústria, c) apresentam falhas graves no método e na informação dos critérios adotados para a interrupção, d) apresentam diferenças entre os desfechos dos grupos de grande magnitude e provavelmente implausíveis e recomendam que resultados devam ser encarados com ceticismo. Nesta revisão, a Medicina Intensiva aparece em quarto lugar na ordem de freqüência destes estudos. O estudo OPTIMIST20, que avaliou o efeito uso de inibidor da via do fator tecidual (tifacogin) na letalidade de pacientes com sepse grave, é um exemplo bastante ilustrativo dos problemas relacionados à interrupção precoce dos ensaios clínicos. Na sua primeira análise interina, foi observada redução significativa da letalidade (29% versus 39%, p = 0,006) nos pacientes tratados com tifacogin. Apesar desse fato, o estudo teve continuidade até que o tamanho da amostra planejado fosse atingido. Esta diferença de magnitude de desfechos observada inicialmente, inverteu-se completamente com o seguimento do estudo e a letalidade final foi semelhante entre os grupos; o uso do tifacogin também foi associado com maior taxa de sangramentos. Comportamentos semelhantes já foram observados em outras áreas da Medicina21,22. Os achados do OPTIMIST em associação com os resultados negativos dos estudos ADDRESS e RESOLVE sugerem a possibilidade de influência do acaso nos resultados do estudo PROWESS.

A DrotAA é mais um entre muitos exemplos de tratamentos que foram incorporadas à prática da Medicina intensiva com base nos resultados de um único estudo fase III. A nova política de flexibilização da liberação de fármacos adotada pelo FDA (fast-track) veio para atender às necessidades de tratamento de pacientes com doenças graves nas quais o tempo é um elemento fundamental, tais como antiretrovirais para o tratamento da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) e os quimioterápicos para o tratamento de tumores avançados. Este programa consiste em acelerar a aprovação de um novo fármaco com base nos resultados de estudos preliminares23,24. Entretanto, a aprovação definitiva destes fármacos fica condicionada a realização de estudos confirmatórios (de fase III ou IV) do benefício e da segurança do fármaco, assim como possibilitar a identificação de subgrupos de pacientes que teriam melhor benefício com o novo tratamento, evitando assim custos com tratamentos ineficazes e perda pelo paciente de uma outra oportunidade de tratamento mais apropriada. Diversos são os exemplos recentes de tratamentos e dispositivos cujas eficácias e seguranças foram questionados, e muitos destes foram retirados do mercado em função de estudos subseqüentes25-29. Os estudos fase IV são especialmente importantes para a fármaco-vigilância, uma vez que um estudo fase III, mesmo com a inclusão de 2.000 ou 3.000 pacientes não é apropriado para identificar a ocorrência de eventos adversos menos freqüentes, mas potencialmente graves ou fatais30. No que concerne a DrotAA, é curioso observar que não havia publicações de estudos pré-clínicos que descrevessem adequadamente seus mecanismos de ação antes da publicação do estudo PROWESS. De fato, os papéis anticoagulante e antiinflamatório da DrotAA31, bem como o impacto prognóstico dos níveis de proteína C em pacientes com sepse e SIRS só foram esclarecidos recentemente32-34.

CONCLUSÕES

É preocupante a rápida transposição de evidências ainda em construção para recomendações e diretrizes de tratamento de pacientes com sepse grave. Tal fato tem sido objeto de intenso debate35-38. À luz dos resultados atualmente disponíveis, o uso da DrotAA deve ser reconsiderado até que novos ensaios clínicos possam nos subsidiar com informações adicionais sobre eficácia, segurança e na identificação dos subgrupos de pacientes com sepse grave que porventura possam ter benefício com o uso deste medicamento. Esta afirmação deve ser reforçada por que diversos questionamentos acerca de possíveis vieses e falhas no método do estudo PROWESS ainda não foram adequadamente respondidos30,40.

Apresentado em 29 de fevereiro de 2008

Aceito para publicação em 04 de abril de 2008

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  • Endereço para correspondência:
    para Correspondência
    Dr. Márcio Soares
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    Recebido do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Recebido
      29 Fev 2008
    • Aceito
      04 Abr 2008
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