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Análise das pressões de balonetes em diferentes angulações da cabeceira do leito dos pacientes internados em unidade de terapia intensiva

Resumos

OBJETIVOS: A correta insuflação do balonete permite ventilação adequada, além de ser uma das formas de prevenção de pneumonia aspirativa bem como de diversas complicações traqueais. O objetivo deste estudo foi avaliar as pressões de balonetes dos tubos traqueais e/ou cânulas de traqueostomia nas angulações de zero, 30 e 60 graus de inclinação da cabeceira do leito de pacientes internados em unidades de terapia intensiva adulta. MÉTODOS: Realizado estudo transversal, com análise da pressão de balonetes, do volume- corrente expirado (VC) e da pressão de pico das vias aéreas (PP) nas posições de zero, 30 e 60 graus. A angulação de 30 graus foi considerada posição de referência como controle para a análise do comportamento dos valores nas posições de zero a 60 graus, as quais foram escolhidas de forma aleatória. Utilizou-se o teste t de Student, sendo considerado significativo quando p < 0,05. RESULTADOS: Amostra composta por 12 mulheres e 12 homens, com média de idade de 51,29 ± 19,55 anos. Ao modificar a inclinação da cabeceira de 30º para 0º, houve redução média de 16,9% na pressão de balonete e um aumento médio de 11,8% na PP. Já na alteração de 30º para 60º, a pressão de balonete reduziu, em média 18,8% e a PP teve aumento médio de 13,3%. Os achados foram significativos (p < 0,05). CONCLUSÕES: São necessários a monitorização e os ajustes adequados da pressão de balonete, nos momentos em que o paciente for submetido a modificações na inclinação da cabeceira do leito, a fim de prevenir o escape aéreo e o risco de ocorrência de pneumonia por aspiração.

Pneumonia aspirativa; Pacientes internados; Intubação intratraqueal; Traqueostomia


OBJECTIVES: Correct cuff inflation allows appropriate ventilation, and prevents aspiration pneumonia as well as several tracheal complications. The objective of this study was to evaluate endotracheal cuff pressure and/or tracheotomy tubes at zero, 30 and 60 degrees inclination of the patient's bed head section in adult intensive care units. METHODS: A cross sectional study was carried out evaluating the cuff pressure, the expiratory tidal volume (VT) and the peak airway pressure (PP) at inclinations zero, 30 and 60 degree of the head section of the patients' bed. The 30 degree inclination was considered the standard position used as control to analyze values in the zero and 60 degree positions, which were randomly ordered. The Student's t test was used and was considered significant when p < 0.05. RESULTS: A sample of 12 women and 12 men with a mean age of 51.29 ± 19.55 years was surveyed. When inclination of the bed head section was changed from 30 to zero degrees, there was a 16.9% mean reduction of the cuff pressure and 11.8% mean increase of the PP. On the other hand, changing the position from 30 to 60 degrees caused a mean reduction of 18.8% in the cuff pressure and a mean increase of 13.3% in the PP. Findings were significant when p < 0.05. CONCLUSIONS: To prevent air leak and risk of aspiration pneumonia, adequate adjustments and monitoring of the patients cuff pressure are necessary when inclination of the bed head section is changed.

Pneumonia,aspiration; Inpatients; Intubation, intratracheal; Tracheostomy


ARTIGO ORIGINAL

Análise das pressões de balonetes em diferentes angulações da cabeceira do leito dos pacientes internados em unidade de terapia intensiva

Fabiane Coelho OnoI; Ana Paula Alves de AndradeII; Flávia Perassa de Faria CardosoIII; Maria do Horto Obes de MeloIV; Renata da Nóbrega SouzaV; Gilmara Hussey Carrara da SilvaV; Bárbara Elisa Mattos VieiraVI

IFisioterapeuta da Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília (DF), Brasil

IIMestre, Fisioterapeuta da Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília (DF), Brasil; Fisioterapeuta do Hospital Universitário, Brasília (DF), Brasil

IIIMestre, Fisioterapeuta da Universidade Católica de Brasília - UCB - Brasília (DF), Brasil

IVMestre, Fisioterapeuta,da Universidade Católica de Brasília UCB, Brasília (DF), Brasil; Fisioterapeuta da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília (DF), Brasil

VFisioterapeuta da Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília (DF), Brasil; Fisioterapeuta da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília (DF), Brasil

VIFisioterapeuta da Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília (DF), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Paula Alves de Andrade SQN 212 Bloco F/601, Asa Norte, Brasília 70864-060 Brasília, DF Fone: (61) 8142-9296 E-mail: anaandrade.fisio@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: A correta insuflação do balonete permite ventilação adequada, além de ser uma das formas de prevenção de pneumonia aspirativa bem como de diversas complicações traqueais. O objetivo deste estudo foi avaliar as pressões de balonetes dos tubos traqueais e/ou cânulas de traqueostomia nas angulações de zero, 30 e 60 graus de inclinação da cabeceira do leito de pacientes internados em unidades de terapia intensiva adulta.

MÉTODOS: Realizado estudo transversal, com análise da pressão de balonetes, do volume- corrente expirado (VC) e da pressão de pico das vias aéreas (PP) nas posições de zero, 30 e 60 graus. A angulação de 30 graus foi considerada posição de referência como controle para a análise do comportamento dos valores nas posições de zero a 60 graus, as quais foram escolhidas de forma aleatória. Utilizou-se o teste t de Student, sendo considerado significativo quando p < 0,05.

RESULTADOS: Amostra composta por 12 mulheres e 12 homens, com média de idade de 51,29 ± 19,55 anos. Ao modificar a inclinação da cabeceira de 30º para 0º, houve redução média de 16,9% na pressão de balonete e um aumento médio de 11,8% na PP. Já na alteração de 30º para 60º, a pressão de balonete reduziu, em média 18,8% e a PP teve aumento médio de 13,3%. Os achados foram significativos (p < 0,05).

CONCLUSÕES: São necessários a monitorização e os ajustes adequados da pressão de balonete, nos momentos em que o paciente for submetido a modificações na inclinação da cabeceira do leito, a fim de prevenir o escape aéreo e o risco de ocorrência de pneumonia por aspiração.

Descritores: Pneumonia aspirativa/prevenção & controle; Pacientes internados; Intubação intratraqueal/instrumentação; Traqueostomia/instrumentação

INTRODUÇÃO

A ventilação mecânica invasiva é um suporte oferecido ao paciente com função ventilatória comprometida. Para sua aplicabilidade é necessária a utilização de via aérea artificial, com o objetivo de manter a ventilação pulmonar adequada1-5.

As vias aéreas artificiais mais comumente utilizadas na ventilação mecânica invasiva (VM) são os tubos traqueais (TT) e as cânulas de traqueostomia. Estas normalmente apresentam um balonete2-4, em sua extremidade inferior e tem como função vedar a traquéia para evitar o refluxo do conteúdo gástrico para o interior do trato respiratório inferior (uma causa comum de pneumonia) e o escape de gás inspirado durante a ventilação artificial2,5-7.

A mucosa da árvore traqueobrônquica é muito delicada, sendo constituída de uma única camada epitelial de células ciliadas, cujo contato, mesmo que mínimo, determina lesões em curtos períodos3,5,6. Sabendose disso, é importante ressaltar que, mesmo mantendo a pressão de balonete em valores inferiores aos da pressão limite, pode ocorrer algum grau de obstrução do fluxo de vasos arteriais, venosos e linfáticos da traquéia2,3. Portanto, a presença de via aérea artificial com balonete por período prolongado tem a possibilidade de causar isquemia na região traqueal e complicações nas vias aéreas como hemorragia, estenose, necrose traqueal, granulomas e traqueomalácia2-11.

É recomendado que a insuflação do balonete do TT ou da cânula de traqueostomia, inicialmente, seja feita gerando uma "pressão de selo"3,6-7, com a função de vedar a via aérea, impedindo a fuga do volume de gás inspirado; porém, essa insuflação não impede, obrigatoriamente ou necessariamente, a aspiração de conteúdo gástrico ou do líquido proveniente das vias aéreas superiores3-5.

Já é descrito na literatura que dobras podem se formar na parede do balonete durante a sua insuflação, predispondo à formação de pequenos canalículos, os quais favorecem a passagem e possível aspiração do conteúdo faringeano3. Assim, é recomendado que a relação entre o diâmetro do balonete e da traquéia seja a mais próxima possível, para impedir a formação dessas dobras, e que a sua pressão situe-se entre 15 a 40 cmH2O1-8. A pressão maior que 15 cmH2O evita a aspiração gástrica com segurança, e a pressão maior que 40 cmH2O já comprometeria a perfusão da mucosa traqueal4-8.

Na rotina hospitalar, é observado que a mensuração da pressão de balonete é negligenciada pelos profissionais2,4-8. Quando a verificação é realizada, geralmente ocorre pela palpação digital do balonete externo (piloto), não sendo uma medida fidedigna2,5-9. Desta forma, faz-se necessário a mensuração da pressão por meio de métodos considerados mais seguros e confiáveis3,5,6, como a utilização de cuffômetros que são aparelhos específicos para medir tais pressões.

Atualmente, estudos demonstram a necessidade da mensuração e manutenção das pressões de balonetes dentro dos valores considerados normais5, porém pouco é descrito na literatura a respeito do momento em que elas devem ser analisadas. Vale destacar que o Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica1 sugere que a análise dessa pressão seja realizada diariamente, entretanto não foi encontrado nenhum estudo que orientasse a análise dessa pressão após as mudanças de angulação da inclinação da cabeceira do leito.

A importância deste trabalho se baseia na avaliação das pressões de balonetes nas angulações de zero, 30 e 60 graus de inclinação da cabeceira do leito, as quais são posições amplamente utilizadas na unidade de terapia intensiva (UTI), por toda a equipe multidisciplinar. Portanto, é justificável estudar e conhecer se mudanças de posição, entre essas angulações, ocorrem perda de pressão de balonete nos pacientes em uso de via aérea artificial em ventilação mecânica. Com este estudo, será possível identificar tais situações e sugerir mensurações adequadas e rotineiras das pressões de balonetes.

MÉTODOS

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UCB (nº 058/2005), foi realizado um estudo descritivo transversal, na disciplina de Estágio Supervisionado em UTI, do Curso de Fisioterapia da Universidade Católica de Brasília (UCB), no segundo semestre de 2006, analisando e comparando o comportamento das pressões de balonetes em diferentes angulações (zero, 30 e 60 graus) de inclinação da cabeceira do leito dos pacientes internados que utilizavam TOT ou cânula de traqueostomia em ventilação mecânica (VM).

Os critérios de inclusão foram pacientes eutróficos; sedados; sincrônicos com a VM; na modalidade controlada ou assisto-controlado a volume, permanência de até 15 dias, uso de via aérea artificial com balonete funcionante; sem diagnóstico de doença pulmonar prévia; estabilidade hemodinâmica; e sem qualquer tipo de restrição para a elevação da cabeceira do leito.

Os critérios de exclusão foram: pós-operatório de cirurgias específicas da otorrinolaringologia ou ortopédicas que impedissem a mobilidade do quadril e/ou da coluna vertebral e aqueles pacientes que, por qualquer outro motivo, tivessem sido suspensos à coleta.

Para a seleção dos pacientes e para a coleta dos dados foi utilizada uma ficha de avaliação específica contendo: dados pessoais (nome, idade, sexo), registro no hospital, número do leito na UTI, tipo de via aérea artificial utilizada (TOT/cânula de traqueostomia) e sua respectiva numeração, diagnóstico clínico e parâmetros da VM - volume-corrente expirado (VC), freqüência respiratória (FR), fração inspirada de oxigênio (FiO2), fluxo inspiratório, pressão de pico das vias aéreas (PP), pressão positiva ao final da expiração (PEEP).

Para a execução do protocolo do estudo, a princípio, o paciente foi posicionado e mantido em decúbito dorsal com a cabeça/pescoço em posição neutra e alinhada com o tronco, já com 30º de elevação da cabeceira. Posteriormente, foi analisado se havia necessidade de se realizar aspiração das vias aéreas, por meio do cálculo da resistência pulmonar, da ausculta pulmonar e da análise da saturação periférica de oxigênio, que são os principais indicadores deste procedimento1.

Após estes cuidados, foi analisada a pressão de balonete nessa posição (30º), considerada controle do estudo. Caso essa pressão estivesse fora dos valores considerados adequados (entre 15 e 40 cmH2O)1-8, ela era ajustada. Esse procedimento foi realizado com o auxílio de um cuffômetro VBM Medizintechnick Gmbh®, o qual permitiu mensurar e, se necessário, ajustar essa pressão para evitar a fuga aérea peri cuff. O controle da pressão também foi associado a outras duas técnicas que permitiram detectar a fuga aérea, que são: visualização do volume-corrente expirado (VC), obtido pelo display do ventilador mecânico, e a ausculta na região ântero-lateral do pescoço, por meio de um estetoscópio Littmann Classic II®.

Após os devidos ajustes da pressão de balonete realizados para cada paciente, o valor desse parâmetro juntamente com o VC e a PP foram coletados na posição de 30º de elevação da cabeceira do leito e considerados como valores de controle para os ângulos de zero e 60º. Para evitar qualquer possível impacto estatístico que uma seqüência fixa de variação de inclinação pudesse causar nos resultados, as seqüências de aplicação dos valores foram devidamente aleatorizadas. Além disso, entre uma medição e outra das angulações, retornava-se o paciente para a posição de controle (30º), por um tempo de repouso suficiente para que todos os parâmetros analisados se estabilizassem em relação aos valores observados previamente na primeira medição. Caso fosse necessário, a pressão de balonete era reajustada para o valor inicialmente imposto na primeira medição de controle, independentemente da ocorrência ou não de fuga aérea.

Para o posicionamento do paciente nas angulações sugeridas (zero, 30º e 60º) foi utilizado um goniômetro CARCI®, ajustado na parte lateral articulada da cama.

Todos os procedimentos realizados, tais como mensuração/controle/ajuste do balonete e variação da angulação da cabeceira do leito, são efetuados rotineiramente pela equipe de fisioterapia.

Os dados foram analisados no software SPSS e expressos em média, desvio-padrão e porcentagem. Foi utilizado o teste t de Student para verificar se havia diferença estatisticamente significativa entre os dados, assim como foram considerados significativos os valores de p < 0,05.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 24 pacientes, sendo 12 mulheres e 12 homens, com média de idade de 51,29 ± 19,55 anos (mínima de 19 e máxima de 83 anos).

Os valores das variáveis estudadas, nas posições de zero e 60º, foram transformados para porcentagem de variação em relação ao valor medido na posição controle (30º), antes da modificação da posição da cabeceira. Desta conversão originaram-se as variáveis: porcentagem da pressão de balonete, porcentagem da pressão de pico das vias aéreas (%PP) e porcentagem do volume-corrente exalado (%VC).

Os resultados indicaram que a inclinação da cabeceira do leito provocou mudanças estatisticamente significativas nos valores da pressão de balonete e da PP, bem como tendência marginal de impacto no volume corrente exalado.

Verificou-se que, ao se modificar a inclinação da cabeceira de 30º para 0º, houve uma redução média de 16,9% na pressão de balonete e um aumento médio de 11,8% na PP, estatisticamente significativos. Já na alteração de 30º para 60º, essa pressão apresentou redução média de 18,8%, e a PP um acréscimo médio de 13,3% (p < 0,05). A tabela 1 demonstra os valores encontrados para estas variáveis em média e desvio-padrão e os resultados do teste t de Student com os valores de p.

Na comparação das taxas de alteração dos parâmetros por ângulo de inclinação e sexo, não foi possível verificar diferença significativa nos resultados, quando comparados homens e mulheres.

DISCUSSÃO

São reconhecidas entre os membros da equipe de uma UTI a necessidade e a importância da intubação traqueal para garantir a ventilação pulmonar adequada e manter a vida do paciente12. Assim, são necessárias a manutenção de uma via aérea artificial com balonete e adequadas pressões de balonetes, a fim de se evitar o escape aéreo3,5,6,8, a aspiração de conteúdo orofaríngeo e gastroesofágico e a proteção da traquéia contra possíveis lesões que possam comprometer a recuperação dos pacientes5-8.

No entanto, uma situação que tem despertado amplo interesse é a falta de rotina para a mensuração das pressões de balonetes nas UTI5,8. Alguns estudos comprovam que, na maioria das vezes, é realizado apenas um controle empírico da insuflação pela palpação digital do balonete piloto3,5-7, não garantindo uma estimativa adequada5,6,8. Desta forma, para gerar uma pressão de "selo" justa-traqueal5,6, é imprescindível a utilização de um cuffômetro6,8, isoladamente ou associado ao método auscultatório da traquéia3,5,6.

No presente estudo, foi observado que, ao se modificar a inclinação da cabeceira do leito de 30º para 0º e de 30º para 60º, houve redução média de 16,9% e 18,8% nas pressões de balonetes, respectivamente. Isso leva a acreditar que essa significativa mudança é um importante fator que pode alterar o vedamento ideal da traquéia pelo balonete, predispondo o paciente, ventilado mecanicamente, à aspiração de conteúdo orofaríngeo, aos vazamentos aéreos e ao prejuízo na ventilação, o que agravaria ainda mais o seu quadro clínico4-8.

Como resultado final desse processo, o paciente pode apresentar ventilação pulmonar inadequada, o que vai diminuir a oferta de oxigênio e, conseqüentemente, alterar as trocas gasosas4-8. Ademais, destaca-se que a associação da intubação traqueal com alterações do nível de consciência em pacientes de UTI possibilita, respectivamente, a ocorrência da depressão do reflexo de tosse e da deglutição13, além de reduzir a eficácia dos mecanismos de defesa das vias aéreas superiores, como a do epitélio da orofaringe e do epitélio ciliado14,15. Reconhecidamente, esses fatores aumentam o risco da ocorrência de aspiração do conteúdo da orofaringe, contribuindo para o desenvolvimento de pneumonia aspirativa13-15, extremamente comum nesse ambiente16, sendo sua incidência de 7 a 21 vezes maior em pacientes intubados, comparados àqueles que não necessitam desse recurso17.

A partir do que se encontrou neste estudo, verificou-se que a diminuição significativa da pressão de balonete nas diferentes angulações de inclinação da cabeceira do leito torna-se um fator de risco para os pacientes em estado grave que necessitam do uso de uma prótese ventilatória.

A literatura atual sobre o assunto sugere a utilização da posição de inclinação da cabeceira do leito de, no mínimo, 30º 18, variando até 45º 13. Nessas posições, está comprovado que a incidência de pneumonia aspirativa é reduzida nos pacientes internados em UTI, principalmente naqueles em uso de via aérea artificial19-21. Além disso, a posição em decúbito lateral foi proposta como adequada para evitar infecção das vias aéreas13,22,23. Assim, fica presumidamente facilitada a drenagem apropriada e/ou a prevenção de regurgitação gástrica13,19-21,24.

Apesar da evidência sobre a efetividade da manutenção postural dos pacientes acamados, é comum que eles, ao serem mecanicamente ventilados na terapia intensiva, não sejam mantidos em posições de inclinações da cabeceira a fim de minimizar o desenvolvimento de pneumonia nosocomial13. Com este estudo, pode-se observar na prática clínica que, por várias vezes no decorrer do dia, o paciente é mantido por curtos períodos de tempo na posição de zero grau da cabeceira. Isto é rotina nos momentos de higienização dos pacientes, nas mudanças de decúbito (que ocorre de 2 em 2 horas) e para a execução de determinados exames e procedimentos.

Nesse sentido, o estudo do Ibáñez et al.25 afirmaram que a posição da cabeceira de 45º seria uma maneira de se evitar a aspiração pulmonar, não prevenindo totalmente a ocorrência do refluxo gastroesofágico, em pacientes com uso de sonda nasogástrica.

O estudo de Drakulovic et al.21 sugeriram que o uso da inclinação em zero grau da cabeceira, enquanto os pacientes estão sendo alimentados por via enteral, não deve ser padrão na UTI, pois a associação desses fatores (inclinação e alimentação) pode favorecer um aumento na incidência de pneumonia aspirativa20-21.

Apesar de se estar enfocando as conseqüências do posicionamento da cabeceira inferior a 30º, que, isoladamente, é considerado um importante fator facilitador da ocorrência de pneumonia nosocomial, não se pode ignorar que essa posição facilita também a despressurização do balonete, que, no presente estudo, reduziu 16,9%. Esta despressurização pode potencializar o surgimento de infecções respiratórias. Frente a essa situação, toda a equipe especializada deve estar ciente e realizar a adequada monitorização e ajustes da pressão de balonete, nas condições em que esse posicionamento seja realmente necessário.

Também é usual, pela equipe da UTI, a posição de elevação da cabeceira em 60º, para diferentes situações, seja para uma intervenção clínica, para alimentação oral dos pacientes ou para tratamento fisioterápico como proposta de reabilitação. Nesse caso, o estudo em questão evidenciou que também ocorre a redução da pressão de balonete (18,8%) apenas com a mudança da inclinação de 30º para 60º. Ratifica-se, então, a necessidade de monitorização e de ajustes da pressão de balonete nessa situação, também como medida preventiva de ocorrência de infecção respiratória e prejuízo na ventilação.

No estudo, verificou-se que, ao se modificar a inclinação da cabeceira do leito nas posições de 30º para 0º e de 30º para 60º, também ocorreram mudanças estatisticamente significativas nos valores da pressão de pico das vias aéreas, tendo aumento médio de 11,8% e de 13,3%, respectivamente. Seria ponderável ter como hipótese para o ocorrido, o fato de que a modificação da posição corporal possa ter ocasionado um posicionamento inadequado do tubo. Ferreira et al.26, destacaram que o posicionamento inadequado do tubo pode causar alterações na pressão de pico e na pressão de platô nas vias aéreas, além de poder provocar hipoxemia e hipercapnia26.

Deve-se estar atento a esse aumento, pelo fato da pressão de pico ser um fator de risco para o surgimento de barotrauma27. A partir dos resultados deste trabalho, observou-se a necessidade de estudos mais rigorosos, relacionando o aumento da pressão de pico com a inclinação da cabeceira do leito.

De acordo com este estudo, é nítido que a aferição bem como o ajuste da pressão de balonete para os valores ideais é medida preventiva que deve ser utilizada em todos os centros de terapia intensiva, de forma rotineira. Ademais, o trabalho realizado por van Nieuwenhoven et al.28 demonstrou que houve diminuição da incidência de pneumonia nosocomial nos últimos 10 anos; eles sugerem ainda a continuidade do uso do posicionamento mínimo de 20º de elevação da cabeceira do leito para todos os pacientes internados em UTI que fazem uso de ventilação mecânica.

CONCLUSÃO

Diante do estudo realizado, percebe-se que o uso de diferentes graus de inclinação da cabeceira dos leitos - de 30º para 0º e de 30º para 60º - proporciona redução na pressão de balonete, o que não permite uma pressão de "selo" justa-traqueal.

Esse fato mostrou a importância da aferição dessa pressão rotineira, em todos os momentos em que houver a necessidade de alterar a inclinação da cabeceira do leito, para tal deve-se utilizar, preferencialmente, um cuffômetro. Esse cuidado possibilita a manutenção da pressão de balonete entre os valores considerados ideais prevenindo o escape aéreo e a incidência de pneumonia nosocomial.

Submetido em 05 de março de 2008

Aceito em 12 de agosto de 2008

Recebido do Curso de Fisioterapia da Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília (DF), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Ana Paula Alves de Andrade
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    Fone: (61) 8142-9296
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Recebido
      05 Mar 2008
    • Aceito
      12 Ago 2008
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