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Complicações após cirurgia de revascularização miocárdica em pacientes idosos

Resumos

OBJETIVOS: Devido ao aumento de longevidade da população e a alta prevalência de doença coronariana em idosos, o procedimento de revascularização miocárdica se tornou mais freqüente nesta faixa etária. O objetivo deste estudo foi avaliar as características operatórias, tempo de internação, complicações e desfechos de curto prazo, observada nas cirurgias de revascularização miocárdica em idosos. MÉTODOS: Entre fevereiro de 2005 e outubro de 2007, 269 pacientes foram submetidos à revascularização miocárdica . Foram identificados dados demográficos, comorbidades, escores prognósticos (Euroscore, Ontário e APACHE II), caráter eletivo versus urgente da cirurgia, dados do intra-operatório, complicações no período pós-operatório e tempo de permanência e letalidade na unidade de terapia intensiva. Os pacientes foram divididos em 4 grupos de acordo com a faixa etária: grupo I (até 60 anos, n = 68), II (60-69, n = 86), III (70-79, n = 93) e IV (acima de 80, n = 22). RESULTADOS: Quando comparados a outros grupos etários, o grupo IV foi submetido a maior número de cirurgias combinadas com troca valvar e de caráter urgente, com maior tempo de Unidade de Terapia Intensiva (p < 0,01). A incidência de pelo menos uma complicação pósoperatória foi significativamente maior no grupo com mais de 80 anos (p < 0.001). A análise multivariada demonstrou que idade e tempo de circulação extracorpórea foram fatores associados independentemente com a ocorrência de complicações. A letalidade foi maior em pacientes com mais de 70 anos (p = 0,03). CONCLUSÕES: Pacientes com mais de 80 anos submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica apresentaram maior tempo de permanência na unidade de terapia intensiva, número de complicações e letalidade. Idade e tempo de circulação extracorpórea foram fatores de risco, independentemente associados com a incidência de complicações pós-operatórias.

Doença da artéria coronariana; Ponte de artéria coronária; Oclusão de enxerto vascular; Complicações pós-operatórias; Idoso; Prognóstico


PURPOSE: Due to the increasing longevity of the and high prevalence of coronary heart disease in the aged , coronary artery bypass graft surgery has become frequent in older patients. The purpose of this study is to describe operative features, length of stay, complications and short term outcomes after coronary artery bypass graft in such patients. METHODS: From February 2005 to October 2007, 269 patients underwent coronary artery bypass graft. Demographic data, comorbidities, prognostic scores, coronary artery bypass graft elective versus urgent indication, intensive care unit length of stay, postoperative complications and intensive care unit mortality were recorded. Intra-operative characteristics, such as total surgery time, use of bypass device, on-pump time, urine output, fluid balance, use of blood products and number of grafts, were analyzed. Patients were divided in four age groups: group I (< 60 n = 68), II (60 to 69 n = 86), III (70 to 79 n = 93) IV and older than 80 years (n = 22). RESULTS: Group IV patients were more frequently submitted to coronary artery bypass graft combined with valve replacement, emergency surgery, and had longer stay in the intensive care unit (p < 0.01). The incidence of at least one postoperative complication was also higher among patients older than 80 (p < 0.001). Multivariate analysis identified age and on-pump time as independent risk factors for development of complications. Mortality increased in patients older than 70 years (p = 0.03). CONCLUSIONS: Octogenarian patients undergoing coronary artery bypass graft have longer intensive care unit length of stay, incidence of complications and mortality. Age and on-pump time were independent risk factors associated with the incidence of postoperative complications.

Coronary artery disease; Coronary artery bypass; Graft occlusion, vascular; Postoperative complications; Aged; Prognosis


ARTIGO ORIGINAL

Complicações após cirurgia de revascularização miocárdica em pacientes idosos

Ronaldo VegniI; Gustavo Ferreira de AlmeidaI; Fabricio BragaI; Marcia FreitasI; Luis Eduardo DrumondI; Guilherme PennaI; José KezenI; Gustavo Freitas NobreI; Marcelo KalichszteinI; André Miguel JapiassúII

IMédico da Unidade de Tratamento Intensivo da Casa de Saúde São José, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIMédico da Unidade de Tratamento Intensivo da Casa de Saúde São José, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - FIOCRUZ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: André Miguel Japiassú Av. Brasil, 4365 21040-900 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: andrejapi@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Devido ao aumento de longevidade da população e a alta prevalência de doença coronariana em idosos, o procedimento de revascularização miocárdica se tornou mais freqüente nesta faixa etária. O objetivo deste estudo foi avaliar as características operatórias, tempo de internação, complicações e desfechos de curto prazo, observada nas cirurgias de revascularização miocárdica em idosos.

MÉTODOS: Entre fevereiro de 2005 e outubro de 2007, 269 pacientes foram submetidos à revascularização miocárdica . Foram identificados dados demográficos, comorbidades, escores prognósticos (Euroscore, Ontário e APACHE II), caráter eletivo versus urgente da cirurgia, dados do intra-operatório, complicações no período pós-operatório e tempo de permanência e letalidade na unidade de terapia intensiva. Os pacientes foram divididos em 4 grupos de acordo com a faixa etária: grupo I (até 60 anos, n = 68), II (60-69, n = 86), III (70-79, n = 93) e IV (acima de 80, n = 22).

RESULTADOS: Quando comparados a outros grupos etários, o grupo IV foi submetido a maior número de cirurgias combinadas com troca valvar e de caráter urgente, com maior tempo de Unidade de Terapia Intensiva (p < 0,01). A incidência de pelo menos uma complicação pósoperatória foi significativamente maior no grupo com mais de 80 anos (p < 0.001). A análise multivariada demonstrou que idade e tempo de circulação extracorpórea foram fatores associados independentemente com a ocorrência de complicações. A letalidade foi maior em pacientes com mais de 70 anos (p = 0,03).

CONCLUSÕES: Pacientes com mais de 80 anos submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica apresentaram maior tempo de permanência na unidade de terapia intensiva, número de complicações e letalidade. Idade e tempo de circulação extracorpórea foram fatores de risco, independentemente associados com a incidência de complicações pós-operatórias.

Descritores: Doença da artéria coronariana/cirurgia; Ponte de artéria coronária/efeitos adversos; Oclusão de enxerto vascular; Complicações pós-operatórias; Idoso; Prognóstico

INTRODUÇÃO

A população dos países ocidentais está ficando mais idosa. Na França, por exemplo, a proporção de pessoas acima de 60 anos aumentou de 19% em 1990 para 20,5% no ano 2000, e a projeção para 2020 é de 27%.1 No Brasil, houve incremento de quase 50% da população de idosos de 1991 a 2000, com estimativa de crescimento acima de outras faixas etárias nas próximas três décadas.2 O aumento da expectativa de vida leva a maior número de internações, principalmente devido a doenças cardiovasculares. Doença arterial coronariana é importante causa de morbi-mortalidade nesta população, com conseqüente aumento de procedimentos de revascularização miocárdica (RM), seja percutânea ou cirúrgica.3-4 Por razões sócio-econômicas, são necessários estudos de avaliação de intervenções em populações idosas.

Em estudo retrospectivo de 15 anos de observação, a letalidade em octogenários foi maior, tanto em RM como em outras cirurgias cardíacas. Estudos nacionais prospectivos, avaliando cirurgias cardíacas em idosos, também demonstraram maior letalidade em pacientes entre 70 e 90 anos, porém destacava-se a alta prevalência de indicações urgentes de RM e insuficiência cardíaca avançada.5 Houve aumento significativo da idade dos pacientes submetidos à RM nas últimas duas décadas, entretanto com redução da proporção de indicações de urgência e letalidade hospitalar associada.6 A incidência de complicações pós-operatórias também foi maior em pacientes com mais de 70 anos.7 Entretanto, razões associadas ao pior desempenho de pacientes com idade avançada no período pós-operatório ainda não foram analisadas.

O objetivo deste estudo foi avaliar a incidência de complicações e letalidade de pacientes idosos após cirurgia de revascularização miocárdica, durante internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e estabelecer fatores de risco para o desenvolvimento de tais complicações.

MÉTODOS

Após a aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa e consoante à Declaração de Helsinki, realizou-se este estudo de coorte retrospectiva em UTI de hospital privado no Rio de Janeiro. Diferentes equipes cirúrgicas operam neste hospital e são responsáveis pelo referenciamento dos pacientes a esta UTI. Todas as cirurgias cardíacas foram analisadas de modo consecutivo, através de coleta de dados em formulário próprio do setor, pelos médicos diaristas, e armazenados em programa baseado em Microsoft Access® por um médico diarista. Foram coletados dados demográficos: idade, sexo, peso atual e altura (para cálculo de índice de massa corporal), e presença de comorbidades como: hipertensão arterial (HAS), diabete melito (DM-glicemia sérica acima de 126 mg/dl, em jejum, em dois exames consecutivos), doença pulmonar obstrutiva crônica, acidente vascular encefálico (AVE) prévio, presença de angina estável ou instável, infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio. Fatores de risco para doença arterial coronariana também foram anotados: história familiar de coronariopatia, dislipidemia, tabagismo prolongado (acima de 20 maços/ano), sedentarismo (não realiza atividades físicas com gasto maior que 4 equivalentes metabólicos (METs), obesidade (classificação de normal, sobrepeso, obesidade leve, moderada e grave) e trombose venosa prévia. Disfunção renal prévia foi definida como nível sérico de creatinina maior que 2 mg/dL. Revascularizações prévias, tanto cirúrgicas quanto por angioplastia percutânea, e presença de stents coronarianos foram avaliadas. Ecocardiogramas prévios à RM foram revistos para recuperação da fração de ejeção, pelo método de Teicholz.

O caráter da necessidade da cirurgia foi definido como eletivo e de urgência (durante a mesma internação hospitalar). Características da cirurgia que são fatores de risco para gravidade também foram analisadas: re-operação e troca valvar combinada. Dados anotados do período intraoperatório foram os seguintes: tempo total de cirurgia, uso de circulação extracorpórea (CEC), tempo de CEC, diurese, balanço hídrico, uso de hemocomponentes e número de enxertos vasculares.

No período pós-operatório, o paciente foi encaminhado imediatamente à UTI, em ventilação mecânica, com monitorização de pressão venosa central e linha arterial invasiva. O protocolo de extubação precoce é realizado no setor, e procura limitar o máximo possível o tempo de ventilação mecânica (preferencialmente até 4 horas), des-de que haja despertar adequado do paciente, estabilidade hemodinâmica e ausência de sangramento significativo.8 Monitorização de drenagem mediastinal e pericárdica foi realizada a cada hora, visando identificar sangramentos que necessitassem uso de hemocomponentes e/ou re-intervenção cirúrgica. O uso de beta-bloqueador e aspirina foi iniciado tão logo parâmetros clínicos e laboratoriais permitissem (em geral no dia seguinte à cirurgia). Complicações do período pós-operatório foram definidas como: sangramento torácico significativo (acima de 500 mL por dia), re-operação, tempo prolongado de ventilação mecânica (acima de 12 horas), pneumotórax, derrame pleural volumoso (superior a 500 mL estimado por exame de imagem e/ou que necessitou toracocentese e/ou drenagem), fibrilação ou flutter atrial, disritmias ventriculares, IAM, insuficiência arterial periférica, infecções nosocomiais (presentes após 48 horas de hospitalização: pneumonia, infecção do trato urinário, bacteremia oriunda de cateter vascular, infecção de ferida esternal, mediastinite), novo AVE, crise convulsiva tônica-clônica, disfunção renal aguda (definida como aumento da creatinina maior que 50% ou que 2,0 mg/dL ou diurese menor que 0,5 mL/kg/hora e necessidade de diuréticos) e morte durante hospitalização.

Escores de avaliação prognóstica específica para cirurgias cardíacas (Euroscore e escore Ontario) foram calculados com dados pré-operatórios.9-10 Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) foi feito em cada um dos pacientes, com análise da idade e de doenças crônicas e valores de dados fisiológicos e laboratoriais, nas primeiras 24 horas após admissão na UTI.11 Analisou-se também o escore APACHE II excetuando a pontuação para idade (abaixo de 44 anos = 0 ponto; 45-54 = 2 pontos; 55-64 = 3 pontos; 65-74 = 5 pontos; e acima de 75 anos = 6 pontos), a fim de diferenciar a gravidade das alterações clinico - laboratoriais e de comorbidades entre as faixas etárias (APACHE II - idade).

Os pacientes foram divididos em 4 grupos, segundo a faixa etária: grupo I (até 60 anos), II (60-69 anos), III (70-79 anos) e IV (acima de 80 anos). Valores numéricos foram expressos em média ± desvio-padrão. Dados categóricos e ordinais foram demonstrados em valores absolutos e porcentagem. Compararam-se os grupos através do método ANOVA, para estatística de variáveis contínuas, e Qui-quadrado, para variáveis categóricas. Houve diferença significativa quando p valor foi menor que 0,05. Pacientes que apresentaram pelo menos uma complicação foram comparados com aqueles sem complicações no pós-operatório. O objetivo foi encontrar variáveis que pudessem influenciar a incidência de complicações pós-operatórias. Teste t de Student (Mann-Whitney) e Qui-quadrado foram aplicados quando convenientes. Após a pesquisa de dados pré e intra-operatórios que se associavam com o surgimento de alguma complicação, fez-se análise multivariada no intuito de encontrar fatores independentemente associados a complicações. Foi utilizado o programa estatístico SPSS 11.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

RESULTADOS

De 343 pacientes submetidos a cirurgias cardíacas entre fevereiro de 2005 e outubro de 2007, foram excluídos 74 pacientes que não tiveram como foco principal a revascularização miocárdica; do restante de 269 pacientes, 68 (25.3%) tinham menos que 60 anos de idade (grupo I), 86 (32%) entre 60 e 69 (grupo II), 93 (34,5%) entre 70 e 79 (grupo III), e 22 (8,2%) acima de 80 anos (grupo IV), (Tabela 1). Houve diminuição da prevalência do sexo masculino nos grupos mais idosos (81% versus 76% versus 63% versus 50%, respectivamente; p = 0,01). O grupo de octogenários apresentou índice de massa corporal inferior aos outros grupos. Pacientes idosos apresentaram maior gravidade, indicada pelos escores prognósticos APACHE II, Euroscore e Ontario (p < 0,001). Quando se excluiu a pontuação da idade do escore APACHE II, viu-se que o grupo IV se notabilizou por gravidade significativamente maior na chegada a UTI (5,8 versus 5,7, 7,3 e 11,1 pontos para os grupos I, II, III e IV, respectivamente, p < 0,001). O tempo de permanência na UTI foi diferente entre os grupos, sendo exclusivamente maior no grupo IV (Figura 1a). A letalidade foi semelhante nas faixas de idade até 79 anos (grupo I = 0, grupo II = 3,5% e grupo III = 5,4%). No entanto, octogenários apresentaram letalidade significativamente maior (13,6%; p = 0,04) (Figura 1b).



Algumas diferenças na prevalência de certas comorbidades foram observadas. HAS foi menos comum no grupo não-idoso (até 60 anos, p = 0,03). DM foi mais prevalente nos grupos II e III (p = 0,04). A presença do tabagismo foi menor entre pacientes acima de 70 anos (p = 0,002), no entanto de disritmias crônicas (principalmente fibrilação atrial) foi maior quando comparados aos demais grupos (p = 0,03). Entretanto, não se notou diferenças marcantes no perfil de comorbidades entre as diversas faixas etárias, principalmente nas histórias de fatores de risco para doença coronariana. Revascularizações prévias, sejam cirúrgicas ou percutâneas, ocorreram em freqüência semelhante em todas as faixas.

Houve diferenças entre os grupos em relação às características das cirurgias e o período intra-operatório (Tabela 2). A combinação de troca valvar à RM foi mais prevalente no grupo IV (4% versus 2%, 10% e 23%, respectivamente para os grupos I, II, III e IV, p < 0,001). Neste mesmo grupo, houve maior incidência de cirurgia de urgência (31%, 30%, 43% e 73% para os grupos 1, 2, 3 e 4, respectivamente; p = 0,001). Angina instável, IAM e choque cardiogênico foram indicações de RM em 33% dos pacientes de toda a coorte. Estas indicações foram responsáveis pela cirurgia de modo heterogêneo entre as faixas etárias: 29% (grupo I); 27% (II); 39% (III); e 45% (IV). Em relação ao intraoperatório, os idosos apresentaram tempos cirúrgicos e de CEC similares ao grupo mais jovem, assim como número de enxertos vasculares e balanço hídrico. No entanto, o uso de hemocomponentes foi mais freqüente nos pacientes com mais de 70 anos. Septuagenários e octogenários foram transfundidos em 53% e 77% das cirurgias (p < 0,001).

Ocorreu pelo menos uma complicação pós-operatória em 110 (41%) pacientes (Tabela 3). Foram mais freqüentes fibrilação atrial, disfunção renal aguda, sangramento torácico, necessidade de hemotransfusão e infecções nosocomiais. Pacientes idosos apresentaram maior número de complicações. Os octogenários apresentaram pelo menos uma complicação em quase 73% dos períodos pós-operatórios, seguidos pelos pacientes septuagenários (50%). Em relação aos pacientes mais jovens (grupo I) e menos idosos (grupo II), pacientes do grupo III apresentaram maior risco de desenvolver pelo menos uma complicação pós-operatória (razão de riscos 3,2 vezes, com intervalo de confiança de 95% de 1,6-6,4). Pacientes do grupo IV apresentaram risco ainda mais elevado de complicações: 8 vezes OR=8,0(IC 95%, 2,7-23,7), com ênfase na maior incidência de fibrilação atrial, bloqueio atrioventricular, insuficiência ventricular esquerda (IVE), sangramento torácico, infecções nosocomiais (principalmente pneumonia), sepse grave e disfunção renal aguda. Embora tenha se notado maior freqüência de tempo prolongado de ventilação mecânica (maior que 12 horas), não houve resultado significativo do ponto de vista estatístico (7,3, 8,1, 15,0 e 22,7% respectivamente para os grupos 1, 2, 3 e 4; p = 0,11). Foram raras as deiscências ou infecções de sutura esternal (2 casos) e mediastinite (1 caso), refletindo boa técnica operatória. Houve necessidade de re-operação em 7 pacientes, sendo a maioria por aumento do débito de drenagem sanguinolenta nas primeiras horas na UTI. Embora possa parecer haver relação com maior idade também, considera-se a taxa pequena para que se faça análise estatística mais acurada.

Realizou-se análise com os fatores de risco pré e intraoperatórios no sentido de identificar os mais importantes determinantes para o desenvolvimento de complicações no período pós-operatório. As variáveis associadas significativamente com a incidência de complicações, em análise univariada, foram as seguintes: idade, faixa etária acima de 80 anos, fração de ejeção de ventrículo esquerdo, necessidade urgente de RM, tempo de CEC e uso de hemocomponentes no intra-operatório (Tabela 4). Incluíram-se também algumas comorbidades potencialmente associadas às complicações, como tabagismo, diabete melito e IAM prévio. Em análise multivariada, idade (razão de riscos 1,06, IC 95% 1,03 a 1,09) e tempo de CEC (razão de riscos 1,02, IC 95% 1,01 a 1,03) associaram-se independentemente com a incidência de complicações no período pós-operatório.

DISCUSSÃO

Os procedimentos de revascularização miocárdica em indivíduos idosos serão cada vez mais empregados e seus resultados podem ser satisfatórios, com sobrevida em 5 anos similar aos pacientes mais jovens.12 Pacientes idosos submetidos à cirurgia de RM apresentam desempenho diverso de morbi-mortalidade em curto prazo, dependendo da faixa etária e de fatores pré e intra-operatórios. Neste estudo, realizou-se análise de tipo específico de cirurgia cardíaca (RM) com estratificação de grupos de pacientes por idade, o que propicia oportunidade para comparação de grupos relativamente homogêneos. É notório que aqueles entre 60 e 69 anos se comportam de modo similar ao grupo não-idoso, refletindo o aumento da expectativa de vida e sua melhor qualidade. Aqueles com idade superior a 70, e principalmente 80 anos, apresentam pior desempenho na UTI após cirurgias de RM, com maior incidência de complicações, maior tempo de permanência e letalidade. Idade e tempo de CEC foram independentemente associados com complicações pós-operatórias, após análise multivariada de fatores de risco.

Comorbidades associadas às complicações pós-operatórias, como insuficiência renal, AVE isquêmico, fração de ejeção menor que 40% e IAM prévio, não foram confirmadas neste estudo.13 No entanto, é comum analisar octogenários com grupos de pacientes bem mais jovens, sem estratificação de faixas etárias.

Um estudo bem semelhante ao atual demonstrou que idosos submetidos a cirurgias cardíacas (RM e outras), com idade maior que 80 anos, apresentam maior tempo de UTI e hospitalar, assim como letalidade, quando comparados a outro grupo de idosos de menor idade (65 a 75 anos).14

Também apresentam maior incidência de complicações pós-operatórias, como fibrilação atrial, insuficiência respiratória e síndrome de baixo débito. Outros autores encontraram maior incidência de complicações e tempo de UTI nos octogenários submetidos a cirurgias cardíacas de RM e troca valvar.15

Alguns autores compararam octogenários com septuagenários e pacientes mais jovens. Outros autores encontraram aumento do tempo de UTI, de custos e letalidade em pacientes com idade maior que 70 anos.16 Estes pacientes também apresentaram pior morbi-mortalidade, principalmente quando se analisaram complicações cardíacas, como fibrilação atrial pós-operatória. Entretanto, cirurgias urgentes e incidência de complicações como IVE, sangramento torácico e sepse grave, foram significativamente maiores no subgrupo de idosos com mais de 80 anos. No estudo de alguns autores, o grupo de idosos acima de 80 anos apresentava características semelhantes aos septuagenários.17 Assim como constatado pelo nosso grupo, estes autores também demonstraram que octogenários permanecem mais tempo na UTI e a letalidade hospitalar foi discretamente maior.

A urgência da necessidade de cirurgia de RM influencia o prognóstico dos pacientes, principalmente dos idosos. Demonstramos que a população acima de 70 anos apresentou características peculiares, como maior incidência de cirurgias de caráter urgente, admissão por síndrome coronariana aguda e RM associada às trocas valvares. Em concordância com o presente estudo, estudo canadense retrospectivo demonstrou que octogenários passaram por maior número de cirurgias de caráter urgente, o que pode aumentar em até sete vezes a probabilidade de morte, principalmente naqueles com mais de 80 anos.18 Mas quando operados eletivamente, apresentaram letalidade semelhante a grupos mais jovens, demonstrando que é possível obter melhores resultados nesta parcela de pacientes coronariopatas cirúrgicos se houver oportunidade de programação antecipada de intervenção cirúrgica. Caráter urgente da cirurgia também foi fator de risco para letalidade hospitalar em outro estudo com octogenários submetidos a cirurgias cardíacas.19 No entanto, estes trabalhos não analisaram fatores de risco para a ocorrência de complicações.

Além destes fatores, o uso de hemocomponentes foi mais comum em pacientes idosos, principalmente octogenários; evidências recentes mostram a maior associação do uso destes produtos com aparecimento de infecções nosocomiais, dano pulmonar agudo, tempo de internação na UTI e letalidade.20 O tempo de armazenamento de concentrados de hemácias foi recentemente implicado em pior prognóstico para pacientes submetidos à RM.21 Mostrou-se que mais da metade dos pacientes com mais de 70 anos de idade foram submetidos a hemotransfusão durante a cirurgia, ao passo que esta taxa foi bem menor nos pacientes abaixo desta faixa. É difícil implicar de forma direta o uso de hemocomponentes na piora nas taxas de complicações e letalidade de pacientes idosos, até porque o estudo não teve poder para tal, mas oferece campo para futuras pesquisas relacionando o uso destes produtos, com características da CEC e níveis de biomarcadores séricos.

Por outro lado, quanto maior o tempo de CEC, maior é a associação com complicações pós-operatórias, o que foi ratificado no presente trabalho. A CEC é implicada em maior ativação do sistema imune e conseqüente liberação de mediadores inflamatórios, o que pode se refletir por diversas disfunções orgânicas.22 Os pacientes idosos nesta coorte apresentaram maior gravidade nas primeiras 24 horas de admissão na UTI, não só pelo fato de terem idade avançada (que dá grande peso à pontuação no escore APACHE II), mas também por maior desarranjo em parâmetros fisiológicos (demonstrada na maior pontuação de variáveis clínicas e laboratoriais do escore APACHE II). Pacientes com idade acima de 80 anos apresentaram maiores pontuações para parâmetros fisiológicos e laboratoriais no primeiro dia de internação na UTI. Além destas alterações clínicas tradicionais, biomarcadores poderiam oferecer uma previsão da incidência de complicações no período pós-operatório. A associação de fatores de risco clínicos e laboratoriais comuns e biomarcadores já se provaram de grande valia no acompanhamento de pacientes com infecções graves, como a proteína-C reativa e procalcitonina.23 A análise dos escores atuais e novos marcadores de inflamação poderiam prever pacientes com maiores probabilidades de complicações no pós-operatório.24

Existem algumas limitações no trabalho apresentado. Pacientes encaminhados à cirurgia de RM têm geralmente a expectativa de retornar a um bom nível de atividade funcional após o procedimento. Por isso, são pacientes previamente selecionados, que não apresentam comorbidades graves e/ou limitantes. A seleção de pacientes pode influenciar a pequena prevalência de doenças associadas presente no estudo. Outro ponto limitante é a análise so-mente da internação na UTI e do desfecho de complicações e letalidade em curto prazo. Como o trabalho foi realizado em hospital privado, uma eventual re-internação por complicação da cirurgia ou por outros motivos pode ter sido realizada em outros hospitais. Sabe-se que os resultados da cirurgia de RM em pacientes idosos bem selecionados aumentam a sobrevida em follow-up de 7 a 10 anos3,17, e por conta da miscelânea de equipes cirúrgicas no hospital e do acompanhamento recente da coorte, não se conseguiu ainda tempo suficientemente longo para análise de desfecho em longo prazo.

CONCLUSÃO

Concluindo, pacientes mais idosos submetidos à cirurgia de RM apresentaram maior morbi-mortalidade, principalmente devido a maior incidência de complicações pós-operatórias. Além da idade, tempo de CEC e provavelmente outros fatores associados à inflamação podem ter influenciado estes resultados.

Submetido em 29 de maio de 2008

Aceito em 31 de julho de 2008

Recebido da Unidade de Tratamento Intensivo da Casa de Saúde São José, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    André Miguel Japiassú
    Av. Brasil, 4365 21040-900
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2008
    • Recebido
      29 Maio 2008
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