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Drotrecogina alfa (ativada) na prática clínica e as evidências atuais: réplica

CARTA AO EDITOR

Drotrecogina alfa (ativada) na prática clínica e as evidências atuais

Márcio SoaresI; Fernando Osni MachadoII; Viviane Bogado Leite TorresIII; Jorge Ibrain Figueira SalluhIV; André Carlos Kajdacsy-Balla AmaralV

IDoutor, Médico do Centro de Tratamento Intensivo do Instituto Nacional de Câncer- INCA, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIDoutor, Professor Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis (SC), Brasil

IIIResidente em Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Câncer- INCA, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IVMestre, Médico do Centro de Tratamento Intensivo e do Núcleo de Pesquisa Clinica em Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Câncer- INCA, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VConsultor Científico da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Brasília - Rede ESHO, Brasília (DF), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Márcio Soares Núcleo de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva Instituto Nacional de Câncer - INCA Centro de Tratamento Intensivo 10º Andar Pça. Cruz Vermelha, 23 Rio de Janeiro - RJ CEP: 20230-130 Telefone: (21) 25066120; Fax: (21) 2294-8620 E-mail: marciosoaresms@yahoo.com.br, marciosoaresms@globo.com

Resposta aos comentários dos Drs. Büchele e Janiszewski

Re: Agradecemos o interesse e os comentários dos Drs. Büchele e Janiszewski sobre o nosso artigo.1 Toda revisão "não-sistemática" representa antes de tudo a visão dos autores em relação a um determinado assunto à luz do conhecimento vigente e, muitas vezes por limitações impostas pelo formato adotado por uma revista, não é possível abordar todos os estudos vigentes. Em nossa opinião, os resultados dos três estudos apontados não modificam de modo significante as nossas conclusões. Afirmar que o uso da drotrecogina alfa ativada (DrotAA) deve ser reconsiderado,como consta na nossa conclusão, não pode ser entendido como recomendação para a suspensão da droga para o tratamento da sepse, mas para uma necessidade de readequação. Após a grande euforia no início dos anos 2000 com a publicação de estudos que demonstraram o benefício de algumas intervenções para o tratamento de pacientes com sepse e complicações relacionadas, a DrotAA é somente uma entre outras intervenções (a exemplo dos corticosteróides em doses baixas, do controle glicêmico estrito e da ressuscitação hemodinâmica precoce guiada por metas) cuja eficácia e segurança também têm sido questionadas.

Ressaltemos que todo estudo observacional está sujeito a problemas e dificuldades na análise estatística e interpretação de resultados, podendo desviar a estimativa de efeito de maneira não previsível.2 Nos estudos observacionais sobre a utilização de DrotAA algumas preocupações metodológicas adicionais surgem: as observações estão sujeitas a vieses de seleção, pois a opinião do intensivista sobre o risco de morte é mais acurada do que escores preditivos,3 o que invalida comparações a posteriori, especialmente quando o fator econômico pode modificar a tomada de decisão.4,5 Explicando melhor, a opinião do médico sobre o risco de morte, assim como sobre o prognóstico de vida do paciente com ou sem tratamento influencia diretamente a escolha ou não de utilizar uma intervenção, principalmente se a mesma tiver significativo impacto econômico. Desta maneira, existe uma tendência natural (e benéfica!) na escolha de pacientes com melhor prognóstico para a utilização de DrotAA, que não é passível de tratamento estatístico.

Outro sério problema em estudos observacionais é a tendência ao agrupamento de intervenções em pacientes que são tratados pela mesma equipe,6 cujo tratamento estatístico depende de metodologia não utilizada nos estudos citados.7 É fácil entender que existem diferenças de performance entre diversas unidades e, havendo variação na utilização de uma intervenção entre as mesmas, os efeitos observados podem não ser decorrentes da prática, mas sim de performance superior entre as unidades.8

O nosso comentário está alinhado com as crescentes preocupações das comunidades cientifica e médica internacionais quanto ao mérito da eficácia e segurança da DrotAA, fundamentalmente, para identificar os subgrupos de pacientes que realmente tenham o potencial de benefício da droga.9-12 A DrotAA apresenta racional fisiopatológico interessante para o uso clínico, mas como qualquer intervenção, não pode ser vista como uma panacéia para todos os pacientes com sepse, que é uma síndrome que engloba formas graves de doenças infecciosas diversas com comportamentos clínicos e biológicos distintos.13 Todos estes fatos são corroborados, inclusive, no documento de revisão da Surviving Sepsis Campaign, publicado recentemente, no qual, a recomendação para a utilização da DrotAA foi revista para uma "Recomendação fraca para o uso", de acordo com os critérios do GRADE System.14 A necessidade de um conjunto de novas evidências para nortear o uso da DrotAA resultou na demanda, pelo FDA e pelos órgãos regulatórios da União Européia, para novos estudos, tais como o RESPOND (Fase II) e PROWESS SHOCK (Fase III), que encontram-se em fase de recrutamento de pacientes.15 Espera-se que tais estudos possam ajudar na definição do real papel da drotrecogina alfa ativa no tratamento de pacientes com sepse grave e choque séptico.

Submetido em 22 de setembro de 2008

Aceito em 30 de setembro de 2008

Recebido do Instituto Nacional do Câncer - INCA, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Conflitos de interesse: nada a declarar.

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  • 15. Clinicaltrials.gov [Internet].[published 1993 Jan 1 last updated 2008 May 19 Bethesda: U.S. National Institute of Health; c2008. [cited 2008 Sept 16] . Available from: http://www.clinicaltrials/ct2/search.gov
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    Márcio Soares
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008
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