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Eventos adversos na assistência de enfermagem em uma unidade de terapia intensiva

Resumos

OBJETIVO: A compreensão dos eventos adversos facilita a investigação da qualidade da assistência e auxilia na avaliação dos serviços de saúde. O objetivo deste estudo foi identificar os eventos adversos na assistência de enfermagem em uma unidade de terapia intensiva. MÉTODOS: Os dados foram coletados em um impresso próprio, denominado ficha de ocorrências, por um período de dez meses, no qual os pacientes foram monitorados durante o período de internação na unidade. RESULTADOS: Foram registrados 550 eventos adversos sendo: 26 relacionados aos cinco certos na administração de medicamentos, 23 à medicações não administradas, 181 às anotações inadequadas da medicação, 28 à falhas na instalação de drogas em bomba de infusão, 17 à não realização da inalação, 8 ao manuseio incorreto de seringas e agulhas, 53 aos procedimentos de enfermagem não realizados, 46 ao manuseio incorreto de artefatos terapêuticos e diagnósticos, 37 aos alarmes dos equipamentos utilizados de maneira incorreta e 131 à falhas nas anotações de enfermagem. CONCLUSÃO: A existência de eventos adversos no cuidado prestado pela enfermagem são indicadores importantes que evidenciam a qualidade da assistência na unidade de terapia intensiva. Portanto, os eventos adversos devem ser utilizados para subsidiar a educação permanente da equipe de enfermagem.

Equipe de enfermagem; Erros de medicação; Assistência ao paciente; Segurança; Qualidade da assistência à saúde; Cuidados intensivos


OBJECTIVE: The understanding of adverse events may simplify the inquiry regarding the quality of nursing care, presuming a foregrounding role in evaluating health services. The aim of the study was to identify adverse events in nursing care in an intensive care unit. METHODS: Data were collected using an appropriate form known as problem-oriented record (POR) over a 10-month period; patients were monitored throughout their intensive care unit stay. RESULTS: Over the study period, 550 adverse events were recorded as follows: 26 concerned the "five rights" related to drug administration; 23 to non-administered medication; 181 to inappropriate medication records; 28 to failure in infusion pump assembly; 17 to not performed inhalation; 8 to incorrect handling of needles and syringes; 53 to not performed nursing procedures; 46 to incorrect handling of therapeutic and diagnostic devices; 37 to alarms/warnings of devices used incorrectly; and 131 to failure in data recording by nurses. CONCLUSION: The occurrence of adverse events in the care given to patients by the nursing team are significant indicators that disclose the quality of nursing care. Therefore, these events should be analyzed to support in-service training of the nursing staff.

Nursing, team; Errors of medication; Patient care; Safety; Quality of health care; Intensive care


ARTIGO ORIGINAL

Eventos adversos na assistência de enfermagem em uma unidade de terapia intensiva

Lucia Marinilza BeccariaI; Roseli Aparecida Matheus PereiraII; Lígia Márcia ContrinIII; Suzana Margareth Ajeje LoboIV; Diene Henri Longui TrajanoV

IDoutora, Professora do Departamento de Enfermagem Especializada da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP - São José do Rio Preto (SP), Brasil

IIProfessora do Departamento de Enfermagem Especializada da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP - São José do Rio Preto (SP), Brasil

IIIMestre, Professora do Departamento de Enfermagem Especializada da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP - São José do Rio Preto (SP), Brasil

IVDoutora, Professora Adjunta da Disciplina de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP - São José do Rio Preto (SP), Brasil

VEnfermeira da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Base da Fundação Regional de Medicina de São José do Rio Preto – FUNFARME - São José do Rio Preto (SP), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Lúcia Marinilza Beccaria Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 - Vila São Pedro CEP: 15090-000 - São José do Rio Preto (SP), Brasil Fone: (17) 3201-5722 / (17) 9706-8455 E-mail: lucia@famerp.br

RESUMO

OBJETIVO: A compreensão dos eventos adversos facilita a investigação da qualidade da assistência e auxilia na avaliação dos serviços de saúde. O objetivo deste estudo foi identificar os eventos adversos na assistência de enfermagem em uma unidade de terapia intensiva.

MÉTODOS: Os dados foram coletados em um impresso próprio, denominado ficha de ocorrências, por um período de dez meses, no qual os pacientes foram monitorados durante o período de internação na unidade.

RESULTADOS: Foram registrados 550 eventos adversos sendo: 26 relacionados aos cinco certos na administração de medicamentos, 23 à medicações não administradas, 181 às anotações inadequadas da medicação, 28 à falhas na instalação de drogas em bomba de infusão, 17 à não realização da inalação, 8 ao manuseio incorreto de seringas e agulhas, 53 aos procedimentos de enfermagem não realizados, 46 ao manuseio incorreto de artefatos terapêuticos e diagnósticos, 37 aos alarmes dos equipamentos utilizados de maneira incorreta e 131 à falhas nas anotações de enfermagem.

CONCLUSÃO: A existência de eventos adversos no cuidado prestado pela enfermagem são indicadores importantes que evidenciam a qualidade da assistência na unidade de terapia intensiva. Portanto, os eventos adversos devem ser utilizados para subsidiar a educação permanente da equipe de enfermagem.

Descritores: Equipe de enfermagem; Erros de medicação; Assistência ao paciente/ enfermagem; Segurança/normas; Qualidade da assistência à saúde; Cuidados intensivos

INTRODUÇÃO

As instituições de saúde têm como princípio básico no atendimento à clientela o fornecimento de bens e serviços com o mínimo ou a ausência total de riscos e falhas que possam comprometer a segurança do paciente.(1) Entretanto, existem situações que predispõem ao risco de eventos adversos, tais como: avanço tecnológico com incompatibilidade do aperfeiçoamento pessoal necessário, distanciamento das ações próprias de cada profissional, desmotivação, ausência ou limitação da sistematização e documentação do cuidado de enfermagem, delegação de cuidados sem supervisão adequada e sobrecarga de serviço.(2)

O estudo de erros humanos é recente e os profissionais da saúde relacionam os mesmos com vergonha, medo e punições, além de associá-los a desatenção, desmotivação e treinamento insuficiente, portanto, quando estes ocorrem há tendência em escondê-los. Ainda, quando este evento aparece, toda atenção é dada para a descoberta do culpado, perdendo-se a chance de melhor conhecê-lo e tomar medidas para tratá-lo e principalmente prevenir novas ocorrências.(3)

O profissional de enfermagem sofre com a conseqüência desse tipo de evento, quer pela sobrecarga de trabalho ou pelas sanções administrativas e legais.(4) É importante que o profissional relate o incidente para que providências sejam tomadas o mais rápido possível.(5) Os profissionais de saúde, como quaisquer seres humanos, são passíveis de falhas, no entanto, não se identificam os eventos adversos quando os profissionais se solidarizam e mascaram tais situações.(2) Deve existir um olhar crítico e investigativo sobre as falhas, a fim de apontar lacunas que precisam ser sanadas para beneficiar não só a equipe, mas principalmente o cliente.(6)

Vários termos são utilizados como sinônimos de eventos adversos: ocorrências de eventos iatrogênicos; erros de enfermagem; ocorrências, reações; complicações iatrogênicas; iatrogenias; doença iatrogênica e falhas. Entretanto, todas são definidas como eventos indesejáveis, não intencionais, de natureza danosa ou prejudicial ao paciente, comprometendo sua segurança, conseqüente ou não de falha do profissional envolvido. (7-8)

A proteção ao paciente oferecida por meio de uma assistência segura é responsabilidade de cada profissional, sendo impulsionada também pela maior exigência da sociedade.(6) Embora o fator humano esteja presente nos eventos adversos, condições de trabalho, aspectos estruturais e atividades desenvolvidas podem estar relacionadas ao desencadeamento de erros.(1)

A unidade de terapia intensiva (UTI) é um local onde os eventos adversos merecem análise particular, levando em consideração que o paciente grave apresenta características que o tornam mais susceptível a erros. Ainda, eles devem ser analisados para identificar problemas estruturais, recursos humanos, materiais, equipamentos e processo de trabalho para subsidiar medidas preventivas de falhas no ambiente hospitalar.(8)

O problema dos eventos adversos na UTI está relacionado ao avanço tecnológico e científico caracterizado por diversas aparelhagens e utilização de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas, cuidados específicos, somado ao maior contingente de profissionais envolvidos na assistência.(7)

Os pacientes de UTI estão mais vulneráveis aos eventos adversos e mais susceptíveis à infecção hospitalar. Um estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, em Boston, verificou que mais de 20% dos pacientes admitidos em UTI sofreram algum evento adverso.(9) Esses eventos merecem uma investigação minuciosa devido ao cuidado de enfermagem requerido pelo paciente e a complexidade da assistência prestada nessa unidade.(10)

A avaliação da assistência é um importante instrumento no controle de processos de trabalho na saúde. A qualidade esperada é a satisfação das expectativas dos pacientes e familiares. Na UTI a expectativa é garantir o melhor resultado dentro das condições clínicas e da gravidade dos pacientes, tendo os menores índices possíveis de complicações decorrentes dos procedimentos realizados.

A qualidade da assistência vista como um objeto a ser alcançado exige um controle, no sentido de poder avaliar o contexto das ações de enfermagem. Para analisar a assistência de um determinado setor é preciso estabelecer parâmetros mensuráveis, sendo necessária a implantação e utilização de determinados indicadores de qualidade.

A notificação e aceitação da existência de eventos adversos facilitam a investigação da qualidade da assistência de enfermagem, pois falhas acontecem e são importantes para a avaliação dos serviços de saúde. Diante disso, o objetivo desse estudo foi identificar os eventos adversos na assistência de enfermagem em uma UTI.

MÉTODOS

Pesquisa descritiva, quantitativa, realizada em uma UTI adulto de vinte leitos, de um hospital geral do noroeste paulista, referência para tratamentos de pacientes de alta complexidade. Essa unidade possui características próprias, por ser um setor que atende pacientes conveniados e particulares, possuindo uma grande área dividida em unidades individuais, com seis leitos na Unidade Hemodinâmica, três na Metabólica, três leitos na Neurológica, cinco quartos individuais e três Isolamentos.

Nesse estudo, efeito adverso foi definido como evento indesejável, não intencional, de natureza danosa ou prejudicial ao paciente, comprometendo sua segurança, conseqüente ou não de falha do profissional envolvido.(7-8)

No período de coleta de dados a equipe de enfermagem da UTI era composta de nove enfermeiros assistenciais, um supervisor e 53 auxiliares/técnicos de enfermagem, distribuídos entre os plantões da manhã (6h30min às 12h30min), tarde (12h30min às 18h30min) e noite (18h30min às 6h30min).

A proporção de enfermeiros por leito, por plantão, é de 1:10, e de auxiliares/técnicos é de 1:2. Os auxiliares/técnicos de enfermagem prestam assistência integral ao paciente norteada pela prescrição de enfermagem e estão sob supervisão e orientação do enfermeiro. O treinamento em serviço é realizado sempre que necessário em conjunto com o Centro de Educação Permanente da instituição.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa foi elaborado e implantado pela gerência de enfermagem, supervisor e enfermeiros das UTIs, um instrumento para coleta de dados, denominado ficha de ocorrências, composto de 42 itens relacionados e agrupados em 4 partes: a primeira relacionada com higiene e conforto do paciente, com doze itens: cavidade oral, cabelos, tricotomia, unhas, cama em ordem, paciente limpo e seco, mudança de decúbito, colchão caixa de ovo, hidratação da pele, uso de coxins de apoio, movimentação do paciente e posição anatômica do pé.

A segunda parte é voltada para segurança física com quatro itens: acomodação do paciente, grades da cama, restrições dos membros e peso do paciente. A terceira que se relaciona com as boas práticas para controle e prevenção de infecção hospitalar, com vinte e dois itens: cabeceira elevada, identificação do circuito do ventilador, troca do circuito, presença de condensado no circuito, proteção do ambu, registro de realização de curativo de cateter central, inserção do cateter central, identificação de equipos de soro, identificação de equipos para dieta, aparência dos equipos, apresentação das torneirinhas, proteção das torneirinhas com "cone luer", fixação da punção periférica, conservação da punção periférica, presença de umidade, tempo de permanência da punção, fixação do cateter vesical, bolsa coletora está abaixo do nível da bexiga, bolsa coletora pendurada na cama, posição correta da drenagem, frasco de drenagem, fixação do tubo endotraqueal.

A quarta parte era sobre controle de protocolos, com quatro itens: sedação, nutrição, volume corrente do ventilador e fração inspiratória de oxigênio. Essa ficha de ocorrências foi adaptada do instrumento utilizado na pesquisa sobre qualidade da assistência de enfermagem e o processo de avaliação da assistência em um hospital escola, apresentado na Universidade de São Paulo, em 2004.(11) Também foram consideradas as padronizações da assistência instituídas pela enfermagem para o serviço de auditoria em UTI.

A validação do instrumento aponta dois tipos de validade subjetiva: a aparente e a de conteúdo. A aparente aponta se o instrumento é adequado ao que se pretende medir, sendo realizada por um grupo de peritos ou um painel de juízes, que verificam basicamente a clareza dos itens, facilidade de leitura, compreensão e forma de apresentação do instrumento. O conteúdo é julgado se o conjunto de itens é abrangente e representativo do conteúdo em foco e se cada item se relaciona com aquilo que se deseja medir.(12)

O instrumento foi submetido à validação aparente e de conteúdo por quatro alunos do quarto ano do curso de graduação em enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, juntamente com os professores, que se encontravam na unidade em estudo desenvolvendo estágio da disciplina de gerenciamento em enfermagem em unidades especializadas.

Os juízes deste estudo foram orientados individualmente para que realizassem a validação do instrumento. Assim, o grupo de peritos julgou o instrumento e verificou basicamente a clareza dos itens, a facilidade da leitura, a compreensão e a forma de apresentação. As críticas e sugestões apontadas pelos juízes, na sua maioria, estavam relacionadas à falta de clareza de alguns itens, dando margem à dupla interpretação.

É importante destacar que este instrumento é utilizado nas unidades de terapia intensiva como rotina de trabalho, após a implantação da auditoria da assistência de enfermagem na instituição, sendo preenchido pelos enfermeiros com a autorização e participação da gerência do serviço de enfermagem do hospital.

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), Protocolo: 1359/05, Parecer: 031/2005, orientaram-se os enfermeiros da UTI sobre o estudo, focalizando a importância da colaboração de cada um na notificação das ocorrências, enfatizando a importância da exatidão dos dados, o aspecto educativo da pesquisa e solicitação da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os enfermeiros da unidade, assim como a pesquisadora, que fazia parte do grupo aceitaram participar e registravam os eventos adversos seguindo o roteiro estruturado, baseado na ficha de ocorrências implantada.

Os critérios de inclusão para esse estudo foram os eventos adversos notificados na ficha de ocorrências referente a todos os pacientes internados na unidade durante o período de coleta de dados, relacionados aos cinco certos na medicação: (medicamento, paciente, via, dose e horário corretos), procedimentos, manuseio incorreto de artefatos terapêuticos e diagnósticos e anotações de enfermagem, de setembro de 2005 a junho de 2006.

Os pacientes foram monitorados quanto aos eventos adversos durante o período de internação na UTI, sendo que o mesmo paciente poderia sofrer mais de um evento. O critério de exclusão foi a permanência na unidade por menos de 24 horas (casos de óbitos e altas), por não haver tempo suficiente para a notificação.

Cabe esclarecer que as providências tomadas pela instituição no caso de eventos adversos registrados seguiram os trâmites usualmente adotados pelo serviço, não havendo qualquer relação com os objetivos do estudo. Os dados foram tabulados e apresentados em números e porcentagens.

RESULTADOS

No período de coleta de dados a UTI manteve uma média de 17 pacientes por dia, aproximadamente 64 admissões por mês, com uma média de permanência de oito dias, ressaltando-se que existem pacientes crônicos com permanência de até dois meses e outros em pós-operatório com apenas dois dias. Quanto às características dos pacientes, 52,3% das admissões foram do sexo masculino e 47,7% feminino e a faixa etária predominante foi acima de 60 anos, com 55,0%. Durante o período da pesquisa, a unidade registrou 576 admissões, sendo 63,0% para tratamento clínico e 37,0% cirúrgico.

Em relação às afecções, das 576 admissões: 132 estavam relacionadas à doença do sistema nervoso; 109 do digestório; 91 do respiratório; 73 do cardiovascular; 71 osteomusculares; 41 do sistema endócrino, metabólico e nutricional; 40 do sistema geniturinário; 14 do sangue e transtornos imunitários; duas do tegumentar e três intoxicações exógenas. Do total de 576 admissões no período do estudo, foram registrados 550 eventos adversos, englobando todos os pacientes de maneira geral, conforme tabela 1.

Dos 550 eventos adversos, 26 estavam relacionados aos cinco certos na administração de medicamentos (paciente, medicamento, dose, via e horário certos), 23 às medicações não administradas, 181 às anotações inadequadas da medicação, 28 às falhas na instalação de drogas em bomba de infusão, 17 à não realização da inalação e oito ao manuseio incorreto de seringas e agulhas; 53 aos procedimentos de enfermagem não realizados; 46 ao manuseio incorreto de artefatos terapêuticos e diagnósticos; 37 aos alarmes dos equipamentos utilizados de maneira incorreta e 131 às falhas nas anotações de enfermagem.

Identificou-se no total 283 eventos adversos relacionados à medicação, sendo: 26 às cinco certezas na administração de medicamentos, sendo que o maior erro estava relacionado à dose do medicamento, totalizando 50,0% (13 ocorrências); 23 medicações deixaram de ser administradas; 181 não foram registradas de forma adequada, sendo que 104 não foram registradas na folha de balanço hídrico e 77 deixaram de ser checadas em prescrição médica.

Ainda, na instalação de drogas em bombas de infusão e de seringa foram registradas 28 ocorrências. Na realização de inalação houve 17 falhas sendo que nove não foram realizadas por falta de circuito adequado ao ventilador utilizado no paciente. Foram mencionadas oito ocorrências que não foram discriminadas de forma individualizada, sendo estas distribuídas em manuseio incorreto de seringas e agulhas, diluição incorreta de drogas e outras.

Em relação aos procedimentos de enfermagem verificou-se que 53 não foram realizados, sendo 20 curativos e 16 quanto às precauções padrão e medidas de controle de disseminação de agentes multirresistentes e os demais foram procedimentos diversificados. Quanto ao manuseio incorreto de artefatos terapêuticos e diagnósticos, das 46 ocorrências, 20 estavam relacionadas à saída acidental de cateteres centrais, destes, 15 eram de duplo lúmen.

Quanto à retirada de sondas registrou-se um total de 20, sendo duas vesicais de Folley e 18 gástricas e quatro foram retiradas pela enfermagem por estarem obstruídas. Extubações endotraqueais acidentais foram duas, sendo estas consideradas ocorrências graves, pois pode trazer complicações como edema de glote e insuficiência respiratória.

No que se refere aos equipamentos registrou-se 37 ocorrências relacionadas aos alarmes, sendo que 16 encontravam se inoperantes, 18 com parâmetros incorretos e três com o volume baixo. Quanto ao registro de dados, totalizou 131 eventos, sendo a maioria, ausência de anotações principalmente na folha de balanço hídrico específica da UTI, pois 100 estavam relacionados à ausência de anotação na parte de "ganho" em relação às soluções e dietas.

DISCUSSÃO

A maior incidência de eventos adversos ocorreu durante os primeiros trinta dias da coleta de dados. Acredita-se que houve uma maior conscientização da equipe quanto à importância de se prevenir quanto aos erros, visto que eles estariam sendo monitorados. Quanto à distribuição dos eventos adversos na assistência de enfermagem em UTI, a maioria estava relacionado à administração de medicamentos e falhas nas anotações de enfermagem, o que conseqüentemente leva a uma margem de erro importante na avaliação dos prontuários, dificultando o serviço de auditoria da assistência de enfermagem, tanto a interna como a externa).

Na prática, quando o serviço de auditoria interna da instituição solicita para o enfermeiro da UTI a correção das anotações de enfermagem de um prontuário incompleto, isso é um re-trabalho, ocupando um tempo do enfermeiro que poderia ser utilizado em atividades assistenciais.

Na administração de medicamentos predominou a falta de registro correto (checagem em prescrição médica e anotação do balanço hídrico). Em um estudo sobre ocorrências iatrogênicas realizado em sete UTIs identificou-se que 40,7% estavam relacionados à sondas, drenos e cateteres, seguido por erros de medicação, 27,4%.(1) Em outro estudo sobre administração de medicação em UTI os autores verificaram que dos 52 erros, 12 (23,08%) ocorreram por omissão de dose, 11 (21,15%) por medicamento errado e 09 (17,31%) por dose errada.(4)

A chave para a redução de erros é simplificar os processos reduzindo o número de etapas padronizando o sistema, desde a prescrição médica eletrônica; sem abreviações; com horários padronizados; distribuição de medicamentos da farmácia sempre supervisionada pelo farmacêutico, preferencialmente em dose unitária, até os protocolos da administração de medicamentos.(13) Os erros na administração de medicamentos podem causar prejuízos/danos desde reações adversas, lesões temporárias e permanentes até a morte do paciente, dependendo da gravidade da ocorrência.(14)

As principais causas dos erros na administração de medicamentos são: caligrafia do médico ilegível, sobrecarga ou distração do profissional em razão das intercorrências (parada cardio-respiratória, intubação orotraqueal), além do cansaço e estresse dos profissionais.(14) Em outro estudo os mesmos fatores predisponentes de eventos adversos foram citados, em outra ordem de prioridade: desatenção do profissional, prescrição médica ilegível e a sobrecarga de trabalho.(15) Com a chegada de inúmeros medicamentos no mercado, a administração destes tornou-se uma tarefa extremamente complexa que requer profissionais cada vez mais responsáveis e conscientes, com conhecimento não só técnico, mas farmacológico, anatômico e fisiológico. As autoras consideram que a conduta mais importante para a prevenção de erros na administração de medicação é a educação permanente.(14)

O preparo e a administração de medicamentos devem ser realizados com precisão e índice de erro zero e coloca a supervisão efetiva dos enfermeiros como forma de minimização de ocorrências.(16) Os profissionais envolvidos com medicação precisam ter o conhecimento e o entendimento do conceito do erro de maneira clara, para que possam identificar as situações que propiciam a sua ocorrência.(17)

Em relação aos procedimentos de enfermagem não realizados predominou o curativo, seguido da precaução universal (padrão) e isolamentos, no qual as pessoas não estavam devidamente paramentadas. Quanto ao manuseio incorreto de artefatos diagnósticos e terapêuticos predominou as ocorrências relacionadas aos alarmes de equipamentos que se encontravam com os parâmetros incorretos, inoperantes ou com volume abaixo do preconizado. Também constatou-se ausência de registro ou anotações incompletas de enfermagem e cálculos de balanços hídricos errados ou incompletos. Durante a realização de uma técnica, ao manusear artefatos terapêuticos e diagnósticos, o profissional pode causar prejuízos para a continuidade da assistência, tais como a saída acidental, obstrução ou posicionamento incorreto de cateteres, cânulas, sondas e drenos (18).

Todo procedimento em UTI é considerado essencial ao paciente e por isso é de extrema importância que o mesmo seja realizado precisamente, no entanto, sabe-se que existem algumas técnicas que deixam de ser realizadas, algumas vezes, devido aos atendimentos emergenciais que ocorrem na unidade como parada cardio-respiratória e intubação. Tratando-se da realização de curativo, por exemplo, não realizados (20) quando comparado ao número de curativos no período de coleta de dados (em torno de 20/dia; 600/mês; 6.000/10 meses), foi pequeno ou houve uma subnotificação.

Outro procedimento relevante em terapia intensiva é manter a cabeceira da cama elevada, principalmente dos pacientes intubados, visando reduzir o índice de pneumonia aspirativa. Apesar de se tratar de um cuidado simples e com tanta importância foi verificado que em alguns leitos a cabeceira estava abaixo de 30 graus. Ainda, dentre os procedimentos de enfermagem foram registrados ausência da verificação de pressão venosa central (PVC) e controle de sinais vitais.

A assistência de enfermagem em UTI merece uma atenção especial, pois durante a realização de uma técnica, o cuidar do profissional ao manusear tantos artefatos terapêuticos e diagnósticos pode causar sérios prejuízos para a continuidade da assistência, tais como a saída acidental, obstrução ou posicionamento incorreto de cateteres, cânulas, sondas e drenos.(19)

A pesquisa sobre eventos adversos relacionados ao uso de cateteres intravenosos periféricos em crianças de acordo com tipos de curativos evidenciou-se que das 150 amostras avaliadas, 75,3% dos cateteres foram removidos por causa de eventos adversos, incluindo infiltração, obstrução, flebite, remoção acidental e dobra do cateter e 24,7% retirados na alta hospitalar. (20) Em um estudo sobre eventos adversos, das 113 ocorrências registradas, a maior porcentagem estava relacionada aos cateteres, tubo endotraqueal, sondas e drenos (40,7%), seguidos pela medicação (27,4%), equipamentos (18,6%), procedimentos (11,5%) e outros (1,8%).(7)

Em outro estudo dessa autora, de um total de 2000 avaliações, registrou-se 80 ocorrências, das quais 27,0% foram referentes à formação de úlceras por pressão, seguidas de 24,0% relacionadas ao manuseio da cânula endotraqueal, 20,0% ao manuseio dos cateteres sanguíneos, 13,0% ao processo de administração de medicamentos, 10,0% ao manuseio de sondas, 5,0% aos drenos e 1,0% aos equipamentos.(6) A maioria dos eventos adversos em UTI está relacionada com os procedimentos e medicação, durante o cuidado de rotina ou no atendimento de emergência.(9)

Uma pesquisa sobre indicadores de resultados da assistência: análise dos eventos adversos durante a internação hospitalar realizado em um hospital privado da cidade de São Paulo, envolvendo uma UTI, uma semi intensiva e uma unidade de internação constatou que os eventos adversos predominantes estavam relacionados com sonda nasogátrica (57,6%) seguido de queda dos pacientes (16,6%) e erros de medicação (24,8%).(21)

Além das questões referentes aos eventos adversos, é importante destacar que a UTI é um ambiente insalubre para os profissionais que ali atuam, principalmente para a equipe de enfermagem.(22) Essa unidade é um local de tensões constantes, onde os profissionais vivenciam experiências angustiantes, pois as emergências são transformadas em rotina.(23) De forma cumulativa e progressiva o estresse desses profissionais pode acarretar sofrimento psíquico, comprometendo a melhoria da sua saúde e organização do trabalho.(24) Conseqüentemente, essas questões podem levar à ocorrência de eventos adversos.

É importante não desconsiderar as subnotificações decorrentes do medo das sanções médico-legais e de punições quando se estuda os eventos adversos na assistência de enfermagem em UTI. Os erros devem ser vistos como um desafio aos profissionais de enfermagem que visam qualidade na assistência de enfermagem ao doente grave, no entanto, visualizar estas falhas não basta, o primordial é preveni-las a fim de garantir a segurança do paciente durante o seu tratamento.

CONCLUSÃO

Dos 550 eventos adversos na assistência de enfermagem em UTI os mais freqüentes estavam relacionados à administração de medicamentos (51,4%), seguidos das anotações de enfermagem (24,0%), a artefatos terapêuticos e diagnósticos (15%) e procedimentos não realizados (9,6 %), com uma média mensal de 55 ocorrências, sendo a maior incidência registrada nos primeiros 30 dias da coleta de dados.

O fato de existir eventos adversos no cuidado prestado pela enfermagem na UTI é preocupante, pois estes evidenciam a qualidade da assistência, entretanto, após o levantamento dos mesmos, estes devem ser analisados para elucidar as possíveis causas, direcionando reflexões e educação permanente à equipe de enfermagem da unidade, visando medidas de prevenção e redução de erros.

Submetido em 9 de Setembro de 2008

Aceito em 9 de Setembro de 2009

Recebido de Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP - São José do Rio Preto (SP), Brasil.

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  • Autor para correspondência:

    Lúcia Marinilza Beccaria
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      09 Set 2009
    • Recebido
      09 Set 2008
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