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Prognóstico do paciente cirrótico admitido na terapia intensiva

Resumos

OBETIVOS: Esse estudo objetiva avaliar o prognóstico de pacientes cirróticos admitidos em Unidade de Terapia Intensiva. MÉTODOS: Realizou-se coorte prospectiva de pacientes cirróticos internados entre junho de 1999 a setembro de 2004 em dois centros de tratamento intensivo. Foram coletadas informações demográficas, comorbidades, diagnósticos, sinais vitais, exames laboratoriais, escores prognósticos e o desfecho no centro de tratamento intensivo (CTI) e no hospital. Os pacientes foram divididos em grupos distintos: não cirúrgicos, cirurgias não hepáticas, cirurgias para hipertensão portal, cirurgias hepáticas, transplante hepático e cirurgias de urgência. RESULTADOS: Foram estudados 304 pacientes cirróticos, sendo 190 (62,5%) do sexo masculino. A mediana da idade foi de 54 (47-61) anos. A letalidade global no CTI e no hospital foi de 29,3 e 39,8%, respectivamente, mais elevadas do que as observadas nos demais pacientes admitidos no período do estudo (19,6 e 28,3%; p<0,001). Os pacientes não cirúrgicos e os submetidos a cirurgia de urgência apresentaram alta letalidade, tanto no CTI (64,3 e 65,4%) quanto hospitalar (80,4 e 76,9%). Os fatores relacionados à letalidade no hospital foram [razão de chances (intervalo de confiança a 95%)]: pressão arterial média [0,985 (0,974-0,997)]; ventilação mecânica às 24 h de admissão [4,080 (1,990-8,364)]; infecção confirmada às 24 h de admissão [7,899 (2,814-22,175)]; insuficiência renal aguda [5,509 (1,708-17,766)] e escore APACHE II (pontos) [1,078 (1,017-1,143)]. CONCLUSÕES: Pacientes cirróticos apresentaram letalidade mais elevada que os demais pacientes admitidos na terapia intensiva, particularmente aqueles admitidos após cirurgias de urgência e os não cirúrgicos.

Doenças agudas; Incidência; Unidades de terapia intensiva; Cirrose hepática; Cirrose hepática


OBJECTIVE: This study aimed to evaluate the outcome of cirrhotic patients admitted to Intensive Care Unit. METHODS: We conducted a prospective cohort of cirrhotic patients admitted to two intensive care unit between June 1999 to September 2004. We collected demographic, comorbid conditions, diagnosis, vital signs, laboratory data, prognostic scores and evolution in intensive care unit and hospital. The patients were divided in groups: non surgical, non liver surgery, surgery for portal hypertension, liver surgery, liver transplantation, and urgent surgery. RESULTS: We studied 304 patients, which 190 (62.5%) were male. The median of age was 54 (47-61) years. The mortality rate in intensive care unit and hospital were 29.3 and 39.8%, respectively, more elevated than in the other patients admitted critically ill patients (19.6 and 28.3%; p<0.001). Non surgical patients and those submitted to urgent surgery presented high mortality rate in the intensive care unit (64.3 and 65.4%) and in the hospital (80.4 and 76.9%). The variables related to hospital mortality were [Odds ratio (confidence interval 95%)]: mean arterial pressure [0.985 (0.974-0.997)]; mechanical ventilation in the first 24 h [4.080 (1.990-8.364)]; confirmed infection in the first 24 h [7.899 (2.814-22.175)]; acute renal failure [5.509 (1.708-17.766)] and APACHE II score (points) [1.078 (1.017-1.143)]. CONCLUSIONS: Cirrhotic patients had higher mortality rate compared to non cirrhotic critically ill patients. Those admitted after urgent surgery and non surgical had higher mortality rate.

Acute disease; Incidence; Intensive care units; Liver cirrhosis; Liver cirrhosis; Prognosis; Treatment outcome


ARTIGO ORIGINAL

Prognóstico do paciente cirrótico admitido na terapia intensiva

José Rodolfo RoccoI; Márcio SoaresII

IProfessor Associado de Clínica Médica Propedêutica da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIDoutor, Médico do Hospital I do Instituto Nacional de Câncer. INCA – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: José Rodolfo Rocco Rua Jardim Botânico 700 sala 201- Jardim Botânico CEP: 22461-000 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Fone: (021) 2259-8571 E-mail: jrrocco@ufrj.br

RESUMO

OBETIVOS: Esse estudo objetiva avaliar o prognóstico de pacientes cirróticos admitidos em Unidade de Terapia Intensiva.

MÉTODOS: Realizou-se coorte prospectiva de pacientes cirróticos internados entre junho de 1999 a setembro de 2004 em dois centros de tratamento intensivo. Foram coletadas informações demográficas, comorbidades, diagnósticos, sinais vitais, exames laboratoriais, escores prognósticos e o desfecho no centro de tratamento intensivo (CTI) e no hospital. Os pacientes foram divididos em grupos distintos: não cirúrgicos, cirurgias não hepáticas, cirurgias para hipertensão portal, cirurgias hepáticas, transplante hepático e cirurgias de urgência.

RESULTADOS: Foram estudados 304 pacientes cirróticos, sendo 190 (62,5%) do sexo masculino. A mediana da idade foi de 54 (47-61) anos. A letalidade global no CTI e no hospital foi de 29,3 e 39,8%, respectivamente, mais elevadas do que as observadas nos demais pacientes admitidos no período do estudo (19,6 e 28,3%; p<0,001). Os pacientes não cirúrgicos e os submetidos a cirurgia de urgência apresentaram alta letalidade, tanto no CTI (64,3 e 65,4%) quanto hospitalar (80,4 e 76,9%). Os fatores relacionados à letalidade no hospital foram [razão de chances (intervalo de confiança a 95%)]: pressão arterial média [0,985 (0,974-0,997)]; ventilação mecânica às 24 h de admissão [4,080 (1,990-8,364)]; infecção confirmada às 24 h de admissão [7,899 (2,814-22,175)]; insuficiência renal aguda [5,509 (1,708-17,766)] e escore APACHE II (pontos) [1,078 (1,017-1,143)].

CONCLUSÕES: Pacientes cirróticos apresentaram letalidade mais elevada que os demais pacientes admitidos na terapia intensiva, particularmente aqueles admitidos após cirurgias de urgência e os não cirúrgicos.

Descritores: Doenças agudas; Incidência; Unidades de terapia intensiva; Cirrose hepática/complicações; Cirrose hepática/mortalidade; Prognóstico; Resultado de tratamento

INTRODUÇÃO

Há muitos anos é sabido que o paciente com cirrose hepática apresenta um prognóstico ruim na terapia intensiva.(1) Pacientes com cirrose hepática são funcionalmente imunossuprimidos e predispostos a infecção.(2) Este é um fator precipitante frequente do desenvolvimento de disfunção orgânica, incluindo a encefalopatia hepática, disfunção renal e choque.(3,4) Assim, os estudos mais recentes descreveram a necessidade de estratificar os pacientes pois alguns não se beneficiam do tratamento intensivo (a terapia nesses casos pode ser considerada fútil) enquanto que outros apresentam bom prognóstico.(5) Portanto, é necessário avaliar o estágio da disfunção hepática, e suas manifestações (encefalopatia, hemorragia digestiva, etc.), o número de disfunções orgânicas apresentadas pelo paciente (especialmente a disfunção renal que necessita de diálise), a presença de infecção grave, a perspectiva (ou não) de cirurgia para transplante hepático ou outra cirurgia no paciente, especialmente nos pacientes com trauma.

O objetivo desse estudo é avaliar o prognóstico de pacientes cirróticos admitidos em terapia intensiva de dois hospitais públicos na cidade do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de coorte prospectivo dos pacientes portadores de cirrose hepática admitidos consecutivamente nos centros de tratamento intensivo (CTI) dos Hospitais Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e Hospital I do Instituto Nacional de Câncer (HI-INCA), localizados no Rio de Janeiro. O diagnóstico de cirrose hepática foi estabelecido pelos métodos convencionais (história, exame físico, ultrasonografia, tomografia computadorizada, biópsia hepática, ou cirurgia com visualização direta do fígado) e encontrava-se anotada no prontuário do paciente, quando da coleta dos dados. Foram excluídos pacientes com menos de 18 anos, grávidas e reinternações.

O período do estudo foi de junho de 1999 a setembro de 2004. Ambos CTI apresentavam, na ocasião do estudo, 10 leitos para pacientes clínicos e cirúrgicos, podendo fornecer monitorização invasiva, ventilação mecânica e hemodiálise para todos leitos. Entretando, apenas o HUCFF contava com um ativo programa de transplante hepático. Foram coletadas informações demográficas, comorbidades, doenças agudas, causas da admissão, tipo de admissão, sinais vitais das primeiras 24 horas de admissão no CTI, exames laboratoriais (hemograma, bioquímica, gasometria arterial), escores prognósticos gerais Acute Physiology And Chronic Health Evaluation II (APACHE II), Simplified Acute Phisiologic Score II (SAPS II), Mortality Prediction Model II (MPM II) e os escores para disfunção orgânica Logistic Organ Dysfunction Score (LODS), Multiple Organ Dysfunction Score (MODS) e Sequential Organ Failure Assessment (SOFA). Foi anotado o desfecho no CTI e hospitalar. Não houve qualquer intervenção sobre os indivíduos, sendo o estudo inteiramente observacional. Os dados foram coletados através de formulário padronizado e digitado em planilha eletrônica para posterior análise.

Para a análise estatística foi utilizado o programa SigmaPlot para Windows versão 11 (Systat Software Inc.). As variáveis binárias (sim/não) foram tratadas como proporções e analisadas pelo teste do qui-quadrado. As variáveis contínuas que apresentaram distribuição normal foram apresentadas como médias e avaliadas pelo teste t-Student. Para múltiplas comparações foi utilizado o teste One Way Analysis of Variance. O teste post-hoc utilizado foi o método de Holm-Sidak. Quando a variável não apresentava distribuição normal (a maioria), foram utilizadas medianas (25%-75%) e, para sua interpretação, o teste Mann-Whitney Rank Sum. Para múltiplas comparações foi utilizado o teste Kruskal-Wallis One Way Analysis of Variance on Ranks. Neste caso, o teste post-hoc utilizado foi o método de Dunn. Para a determinação dos fatores associados com a letalidade no CTI e hospitalar foi utilizada a regressão logística binária (stepwise forward). A avaliação da calibração do modelo gerado foi feita pela estatística goodness-of-fit de Hosmer-Lemeshow. Em todos os casos foi considerado significativo um valor de p <0,05.

O presente estudo utilizou o banco de dados de um estudo anterior sobre escores prognósticos que já havia sido aprovado pelos Comites locais de Ética em Pesquisa sem necessidade da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Durante o período do estudo foram internados 4.922 pacientes. Foram estudados 304 pacientes cirróticos, sendo 190 (62,5%) do sexo masculino. A mediana da idade dos pacientes cirróticos foi menor que a dos demais pacientes internados (cirróticos = 54 (47-61) anos versus não cirróticos 57 (43-69) anos, p<0,001). A letalidade global no CTI e no hospital foi maior nos pacientes com cirrose hepática: CTI – com cirrose = 89/304 – 29,3% versus sem cirrose = 906/4618 – 19,6%; p<0,001; hospitalar – com cirrose = 121/304 – 39,8% versus sem cirrose = 1309/4618 – 28,3%; p<0,001.

Os pacientes foram divididos em grupos em função da causa de sua admissão no CTI. Assim, os pacientes foram classificados em: a) não cirúrgicos (n=56); b) cirurgias não hepáticas (n=32); c) cirurgias para hipertensão portal (n=23); d) cirurgias hepáticas (n=20); e) transplante hepático (n=147) e f) cirurgias de urgência (n=26). Na tabela 1 observam-se as variáveis demográficas, comorbidades e diagnósticos agudos. Constatou-se que os pacientes submetidos a cirurgia não hepática apresentaram idade mais elevada do que os submetidos a transplante hepático. Os indivíduos submetidos a cirurgias eletivas (hepáticas, não hepáticas e para hipertensão portal) apresentaram maior prevalência de hipertensão arterial sistêmica. Os pacientes submetidos a cirurgias não hepáticas apresentaram maior número de comorbidades, como insuficiência cardíaca congestiva (ICC), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e cardiopatia isquêmica. Pacientes não cirúrgicos e aqueles submetidos a cirurgia de urgência apresentaram maior prevalência de insuficiência renal aguda, hemorragia digestiva alta, infecção confirmada às 24 h de admissão, ventilação mecânica às 24 h de admissão, enquanto que apenas os não cirúrgicos apresentaram mais estado de coma à admissão e às 24 h de CTI, pneumonia à admissão e pressão arterial sistólica (PAS) < 90 mmHg à admissão. O estado de coma foi definido como escala de Glasgow para o coma < 8 pontos. Os pacientes não cirúrgicos, os submetidos a transplante hepático e aqueles que foram submetidos a cirurgia de urgência apresentaram maior prevalência de insuficiência hepática.

Na tabela 2 são apresentados os sinais vitais e exames laboratoriais. Observou-se diferença significativa: a) nos pacientes não cirúrgicos, que apresentaram escala de Glasgow mais baixa, creatinina, uréia, bilirrubina mais elevadas e bicarbonato e relação PaO2/FiO2 mais baixas; b) nos pacientes transplantados, que apresentaram mais trombocitopenia, menor atividade de protrombina e glicemia mais elevada; c) nos pacientes não cirúrgicos e aqueles submetidos a cirurgia de urgência, que apresentaram menor diurese, menor hematócrito e maior número de leucócitos, enquanto que apenas o último grupo apresentou os menores níveis de albumina.

Na tabela 3 os escores prognósticos e de disfunção orgânica múltipla e o desfecho dos pacientes são apresentados. Os escores prognósticos gerais e os de disfunção orgânica múltipla foram maiores nos pacientes não cirúrgicos e nos submetidos a cirurgia de urgência, assim como a letalidade no CTI e hospitalar. Os pacientes não cirúrgicos ficaram mais tempo internados no CTI. Entretanto, não foram observadas diferenças no tempo de internação hospitalar dos diversos grupos.

Através da regressão logística foram determinados os fatores associados com o desfecho no CTI (Tabela 4) e hospitalar (Tabela 5). Em ambos os modelos, a presença de insuficiência renal aguda, ventilação mecânica, escore APACHE II e a pressão arterial média (PAM) foram variáveis associadas ao desfecho. O modelo hospitalar apresentou mais uma variável: a presença de infecção confirmada nas primeiras 24 horas de admissão no CTI.

DISCUSSÃO

Neste que é o maior estudo brasileiro sobre prognóstico de pacientes cirróticos, demonstramos que os pacientes portadores de cirrose hepática apresentaram elevada letalidade, com pior prognóstico quando comparados com os demais pacientes admitidos no CTI. Os pacientes submetidos a cirurgias eletivas apresentaram melhor prognóstico, enquanto que os não cirúrgicos e os submetidos a cirurgia de urgência apresentaram pior prognóstico. Assim, a estratificação por tipo de internação (não cirúrgico, cirurgia eletiva e cirurgia de urgência) fornece letalidades muito diferentes.

Estudos de pacientes cirróticos admitidos na terapia intensiva da década de 80 do século passado referem mau prognóstico com letalidade entre 63 e 89%( 1,6) e se o paciente apresentasse sepse a letalidade chegava a 100%.(1,7) Outros autores compararam o prognóstico dos pacientes admitidos em anos diferentes, observando diminuição da letalidade hospitalar no período mais recente (1989 a 1992 = 82% e 2001 a 2004 = 52%).(8) Em estudos mais recentes (nesta década) a letalidade mantem-se elevada, oscilando entre 54,7 e 73,6%.(9,10-12) Contrastando com esses números, um estudo da Cleveland Clinic Foundation com pacientes admitidos entre os anos de 1993 e 1998 refere letalidade menor: no CTI de 36% e hospitalar de 49%.(13) Quando a letalidade foi avaliada por um período de tempo maior, também mostrou-se muito elevada: letalidade dos pacientes cirróticos de 69% em um ano e de 77% em cinco anos.(14) No presente estudo, apesar da letalidade global no CTI e hospitalar ser em média cerca de 10% maior (CTI – 29,3% versus 19,6%; hospitalar – 39,8% versus 28,3%), ela não foi tão elevada quanto os estudos referidos anteriormente, pois incluímos os pacientes submetidos a cirurgias eletivas. Esses indivíduos foram submetidos aos procedimentos cirúrgicos porque, apesar de serem portadores de cirrose hepática, apresentavam risco cirúrgico no mínimo aceitável. Se avaliarmos apenas os pacientes admitidos por causas não cirúrgicas a letalidade observada no CTI e hospitalar foi muito elevada, de 64,3 e 80,4%, respectivamente. Esses valores foram próximos àqueles observados nos pacientes admitidos após cirurgia de urgência.

Os pacientes cirróticos com disfunção de orgãos e sistemas apresentam elevada letalidade, sendo essa mais elevada quanto o número de disfunções,(8) chegando a 90% naqueles com três ou mais disfunções. O escore mais utilizado atualmente para avaliação da disfunção orgânica múltipla é o SOFA.(15) Originalmente esse escore foi criado para avaliar a morbidade e não o prognóstico. Entretanto, sua simplicidade fez com que o SOFA fosse utilizado sequencialmente em diversos estudos(16-18) e sua avaliação seqüencial mostrou ótima acurácia para prever a letalidade em vários cenários, inclusive em pacientes cirróticos.(9) Para comparações com os demais escores prognósticos, utilizamos três escores para disfunção orgânica (SOFA, LODS e MODS) coletados apenas nas primeiras 24 horas de admissão no CTI (Tabela 3).

Caso o paciente apresente insuficiência renal, a letalidade é muito elevada, oscilando entre 65,7-89%.(14,19,20,21) Na regressão logística desse estudo, observamos que as variáveis retidas correspondem a insuficiência renal aguda (IRA), respiratória (ventilação mecânica) e cardiovascular (PAM). Os pacientes com insuficiência renal aguda apresentaram 4,5 e 5,5 vezes mais chances de óbito no CTI e hospitalar, respectivamente. Utilizando análise multivariada, um estudo apresentou uma razão de chances semelhante (4,1 vezes).(22) A prevalência global de IRA foi de 15,8%, alcançando 44,6% nos pacientes não cirúrgicos, semelhante a um estudo da literatura cuja incidência foi de 42%.(9)

A prevalência de disfunção respiratória é variável, oscilando entre 21,8% a 89% dos estudos em pacientes cirróticos criticamente enfermos.(6,8,9) No presente estudo a prevalência global foi de 26,3%, chegando a 57,1% naqueles não cirúrgicos. Os indivíduos com insuficiência respiratória tambem apresentaram maior chance de óbito no CTI e hospitalar, com valores de 12,6 e 4 vezes, respectivamente. Um estudo refere letalidade de 84% dos cirróticos com insuficiência respiratória.(14)

Assim como o observado em nosso estudo, os pacientes cirróticos submetidos a cirurgias de emergência apresentaram maior letalidade.(23) Outro estudo caso-controle sobre cirurgias não-hepáticas observou maior letalidade nos pacientes portadores de cirrose hepática (16,3% versus 3,5%).(24) Em nossos pacientes observamos letalidade menor no CTI de 12,5%, porém a hospitalar foi bem mais elevada, de 40,6%.

Na regresssão logística do estudo da Cleveland Clinic Fondation,(13) as variáveis associadas com a letalidade no CTI foram: 1) escore APACHE III; 2) ventilação mecânica e 3) uso de vasopressores. Já as variáveis associadas à letalidade hospitalar foram: 1) escore APACHE III; 2) uso de vasopressores e 3) insuficiência renal aguda. Concluem que modelos prognósticos simples podem ser utilizados em pacientes cirróticos admitidos no CTI. É notável a grande semelhança com nossos modelos de letalidade no CTI e hospitalar (Tabelas 4 e 5) nos quais utilizamos o escore APACHE II ao invés do APACHE III, e o uso da PAM ao invés de uso de vasopressores.

Limitações do estudo

O presente estudo utiliza uma larga população de pacientes cirróticos de dois hospitais públicos no Rio de Janeiro. As características dos pacientes e dos recursos presentes nesses dois hospitais podem ser diferentes daqueles presentes em outros hospitais brasileiros. Assim, recomenda-se cautela na extrapolação dos dados apresentados nesse estudo para outros nosocômios. Como não foi realizada a coleta do escore de Child-Turcotte-Pugh ou o Model for End-Stage Liver Disease (MELD) em todos os pacientes, não foi possível a avaliação desses escores. Também não foram estudados pacientes cirróticos submetidos à cirurgia cardíaca e aqueles que sofreram trauma.

CONCLUSÕES

Concluímos que os pacientes cirróticos apresentaram letalidade mais elevada que os demais pacientes admitidos na terapia intensiva, particularmente aqueles admitidos após cirurgias de urgência e os não cirúrgicos. Entretanto, não é fútil admitir um paciente cirrótico no CTI. Naqueles pacientes que apresentem insuficiência respiratória, insuficiência renal aguda, choque e infecção deve-se ter especial atenção à monitorização e a terapêutica deve ser bastante agressiva, com o intuito de diminuir a letalidade.

Submetido em 16 de Novembro de 2009

Aceito em 2 de Fevereiro de 2010

Trabalho realizado nos Centros de Tratamento Intensivo dos Hospitais Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil e Hospital I do Instituto Nacional de Câncer - INCA – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

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  • Autor para correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      02 Fev 2010
    • Recebido
      16 Nov 2009
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