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Eficiência da solução de insulina: comparação entre diferentes tempos de manutenção da solução

Resumos

OBJETIVOS: A hiperglicemia ocorre com frequência nos doentes críticos, sendo um fator de risco para evolução clínica desfavorável e aumento da mortalidade. Nos últimos anos, o controle glicêmico intensivo, obtido pela infusão venosa contínua de insulina, passou a ocupar lugar de destaque no manejo dos pacientes críticos. Há dúvidas frequentes e importantes sobre o tempo de eficiência da solução de insulina, por não existir referência na literatura. Sabe-se que a falta de evidências frequentemente favorece práticas impróprias. O objetivo deste estudo foi comparar glicemias entre dois protocolos diferentes, utilizados na unidade de terapia intensiva de uma instituição de Porto Alegre, quanto ao tempo de troca da solução, nas primeiras 24 horas de uso, sendo a concentração da solução a mesma; e verificar a taxa de hipoglicemia relacionada aos protocolos. MÉTODOS: Foram avaliados 80 prontuários de pacientes que utilizaram insulinoterapia por mais de 24 horas no ano de 2008, sendo que 40 deles fizeram uso do protocolo com troca da solução de insulina a cada 6 horas e 40 com troca a cada 24 horas. RESULTADOS: Observou-se entre os motivos de internação elevada incidência de pacientes hipertensos (68,8%) e diabéticos (45%). Não houve diferenças significativas entre as trocas a cada 6 e 24 horas durante todo o período da coleta com relação a glicemia capilar. Houve apenas 3 casos de hipoglicemia leve, todos no grupo de troca a cada 6 horas. CONCLUSÃO: Com o presente estudo, concluiu-se que é possível manter infusões de insulina promovendo a troca da solução a cada 24 horas. Sugerem-se, porém, estudos avaliando maior tempo de infusão em busca de possíveis eventos hipoglicêmicos com o avanço da insulinoterapia.

Hiperglicemia; Insulinoterapia; Paciente crítico


BACKGROUND: Hyperglycemia is frequent in the critically ill patient, and is a risk factor for unfavorable clinical outcomes, including mortality. During the recent years, intensive blood glucose control using intravenous insulin infusion has gained a prominent role in the critically ill patient management. There is important concern on insulin solution continued efficacy over the time, as little the literature available on this subject is poor. Lack of evidence is known to lead to inappropriate practices. This study aimed to compare the blood glucose levels between two different protocols in an intensive care unit in Porto Alegre, using the same solution concentration and two different replacement times during the first 24 hours, and additionally to assess the protocol-related hypoglycemia rate. METHODS: The medical charts of 80 patients under insulin therapy for over 24 hours during 2008 were revised; 40 patients had their insulin solution replaced every 6 hours and for 40 patients the insulin solution was replaced after 24 hours. RESULTS: The causes for admission to the intensive care unit included more frequently hypertensive (68.8%) and diabetic (45%) patients. No significant capillary blood glucose differences were seen for the every 6 or 24 hours solution replacement groups. Only 3 mild hypoglycemia cases were observed in the every 6 hours replacement group, and no hypoglycemia was seen in the 24 hours replacement group. CONCLUSION: We concluded that keeping insulin infusion, replacing the solution every 24 hours is feasible. However, longer infusion time studies are required to check for possible hypoglycemic events as insulin therapy advances.

Hyperglycemia; Insulin therapy; Critical patient


ARTIGO ORIGINAL

Eficiência da solução de insulina: comparação entre diferentes tempos de manutenção da solução

Carmen Maria LazzariI; Taína VolkartII

IMestre, Pós-graduanda (Doutorado) do Programa de Pós-Graduação em Ciências Cardiológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil; Professora no Curso de Graduação em Enfermagem e Pós-Graduação em Terapia Intensiva na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS- São Leopoldo (RS), Brasil

IIUnidade de Terapia Intensiva do Hospital Geral de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Taína Volkart Rua Tristão de Alencar, 601 - Bairro Primavera CEP: 93340-130 - Novo Hamburgo (RS), Brasil. Fone: (51) 3556-1988 / (51) 8547-0513 E-mail: taina_volkart@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: A hiperglicemia ocorre com frequência nos doentes críticos, sendo um fator de risco para evolução clínica desfavorável e aumento da mortalidade. Nos últimos anos, o controle glicêmico intensivo, obtido pela infusão venosa contínua de insulina, passou a ocupar lugar de destaque no manejo dos pacientes críticos. Há dúvidas frequentes e importantes sobre o tempo de eficiência da solução de insulina, por não existir referência na literatura. Sabe-se que a falta de evidências frequentemente favorece práticas impróprias. O objetivo deste estudo foi comparar glicemias entre dois protocolos diferentes, utilizados na unidade de terapia intensiva de uma instituição de Porto Alegre, quanto ao tempo de troca da solução, nas primeiras 24 horas de uso, sendo a concentração da solução a mesma; e verificar a taxa de hipoglicemia relacionada aos protocolos.

MÉTODOS: Foram avaliados 80 prontuários de pacientes que utilizaram insulinoterapia por mais de 24 horas no ano de 2008, sendo que 40 deles fizeram uso do protocolo com troca da solução de insulina a cada 6 horas e 40 com troca a cada 24 horas.

RESULTADOS: Observou-se entre os motivos de internação elevada incidência de pacientes hipertensos (68,8%) e diabéticos (45%). Não houve diferenças significativas entre as trocas a cada 6 e 24 horas durante todo o período da coleta com relação a glicemia capilar. Houve apenas 3 casos de hipoglicemia leve, todos no grupo de troca a cada 6 horas.

CONCLUSÃO: Com o presente estudo, concluiu-se que é possível manter infusões de insulina promovendo a troca da solução a cada 24 horas. Sugerem-se, porém, estudos avaliando maior tempo de infusão em busca de possíveis eventos hipoglicêmicos com o avanço da insulinoterapia.

Descritores: Hiperglicemia; Insulinoterapia; Paciente crítico

INTRODUÇÃO

O paciente criticamente doente, independentemente de ter história de diabetes, tende a manter níveis elevados de glicose no sangue. Essa hiperglicemia, chamada "hiperglicemia de estresse", caracteriza-se pela resistência à insulina, diminuição da secreção pancreática de insulina por ação catecolaminérgica, aumento dos níveis de angiotensina II e liberação de citocinas pró-inflamatórias que modificam os receptores de insulina.(1)

A hiperglicemia é uma reação natural do organismo ao estresse metabólico, em decorrência das alterações hormonais. Além disso, os cuidados ao paciente crítico aumentam a resposta hiperglicêmica com o uso de corticosteroides, agentes adrenérgicos e suporte nutricional rico em glicose. Apesar de ser uma resposta normal do organismo, a redução dos níveis de glicemia melhora a evolução e diminui o risco de complicações, especialmente infecciosas.(2)

Níveis glicêmicos elevados alteram a função imunológica e o controle glicêmico adequado melhora a função de macrófagos/neutrófilos. A insulina exerce efeito anti-inflamatório, já tendo sido demonstrada queda na produção de proteína C- reativa. Ela tem efeito anabolizante, melhora os níveis lipídicos e a função endotelial e tem efeitos favoráveis na coagulação e fibrinólise.(3)

Nos últimos anos, o controle glicêmico intensivo obtido pela infusão venosa contínua de insulina passou a ocupar lugar de destaque no manejo dos pacientes críticos. A premissa é de que a manutenção da normoglicemia está associada a menores taxas de infecções e de falências orgânicas e, consequentemente, a menor mortalidade.(4)

A hipoglicemia é considerada a principal complicação associada à insulinoterapia venosa contínua e a hipoglicemia grave ocorre em torno de 4% a 7% dos pacientes. É considerada hipoglicemia grave quando o nível está abaixo de 40mg/dl; moderada, de 41 a 60mg/dl e leve, de 61 a 70mg/dl.(4)

Algumas hipóteses foram sugeridas como prováveis motivos do aumento na incidência de hipoglicemia no controle glicêmico intensivo: o excesso de insulina administrada, deficiência na resposta ao glucagon e à epinefrina, rebaixamento prévio do nível de consciência (sedação ou outras causas clínicas), outras deficiências hormonais, outros fármacos associados, interrupção do suporte nutricional ou disfunção de órgãos.(5)

A adsorção da insulina é um fenômeno de superfície inespecífico, pouco conhecido, que se inicia instantaneamente e interfere na demanda confiável de insulina ao paciente. Em função desse fenômeno, as trocas das soluções são realizadas, na maioria das instituições, a cada 6 horas. Questiona-se se ocorrem mudanças na glicemia quando da troca de soluções de infusão em tempo mais prolongado.(6) O objetivo deste estudo foi comparar glicemias entre dois protocolos diferentes quanto ao tempo de troca da solução e verificar a taxa de hipoglicemia relacionada aos mesmos.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo, descritivo com análise quantitativa, onde se utilizaram dados de prontuários de 80 pacientes que estiveram internados na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Geral de Porto Alegre e que fizeram uso de insulinoterapia por mais de 24 horas, sendo que 40 deles fizeram uso do protocolo com troca da solução de insulina a cada 6 horas e 40 fizeram uso do protocolo com troca da solução a cada 24 horas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Geral de Porto Alegre, após assinatura do termo de compromisso para utilização de dados.

Em setembro de 2008 houve alteração do protocolo de insulinoterapia, onde se manteve a mesma concentração da solução, porém se passou a fazer as trocas das mesmas a cada 24h. Os prontuários foram selecionados aleatoriamente no período pré e pós-mudança do protocolo e avaliados para responder aos objetivos propostos.

A preparação da solução de insulina em ambos os protocolos (troca 6 horas e troca 24 horas) fez-se com insulina regular 50UI diluída em soro fisiológico 0,9% 100ml, sendo infundida obrigatoriamente em bomba de infusão na velocidade estabelecida pelo protocolo da instituição. As verificações de controle da glicemia capilar foram feitas a cada hora.

Foram comparadas as médias glicêmicas entre os dois protocolos nas 7ª, 13ª, 19ª e 25ª horas e observado o percentual de eventos hipoglicêmicos relacionados ao tempo de troca da solução.

Foi utilizada a estatística descritiva para apresentar os resultados por meio das médias aritméticas e seus respectivos desvios-padrões (dp). As comparações entre os momentos "antes - depois" intragrupos foram analisadas por meio do teste de Wilcoxon e as comparações intergrupos ("troca 6h" versus "troca 24h") foram analisadas pelo teste de Mann-Whitney. Todos os procedimentos estatísticos foram executados por meio do software SPSS (versão 16), adotando nível de significância em p < 0,05.

RESULTADOS

Foi caracterizada a população de pesquisa conforme idade, sexo, motivo de internação e comorbidades (Tabela 1). Os motivos mais frequentes de internação estão relacionados a problemas cardiovasculares, observando-se incidência elevada de pacientes hipertensos, diabéticos e o uso elevado de corticoides e noradrenalina em ambos os grupos experimentais. Os pacientes estudados têm idade variada entre 27 e 90 anos (média de 72,2 ± 12,2 anos no grupo que faz a troca de solução de insulina a cada 6 horas e 64,0 ± 16,4 no grupo que faz a troca a cada 24 horas).

Considerando que H0 é a hora de início da infusão e comparando as médias glicêmicas dos dois protocolos na troca da solução de insulina, percebe-se que não há alteração na eficiência da solução de insulina na 25ª hora. As médias glicêmicas nas 7ª, 13ª, 19ª e 25ª horas não apresentam alterações significativas quando os dois grupos são comparados (Tabela 2, Figura 1).


Houve apenas 3 casos de hipoglicemia leve (61 a 70mg/dl) no grupo de troca 6 horas e nenhum entre o grupo 24 horas, embora essa diferença entre os grupos não seja significativa. As hipoglicemias ocorreram na 24ª e 25ª hora.

DISCUSSÃO

Com os resultados apresentados, identificamos a eficiência da solução de insulina e do protocolo instituído. É possível perceber que os pacientes de ambos os protocolos estão recebendo as doses de insulina necessárias para a redução da glicemia, não sofrendo influências significativas caso a troca da solução seja realizada em 6 ou 24 horas.

Verifica-se na prática hospitalar que a enfermagem tem sido responsável pela administração do ambiente físico das unidades nas instituições onde a clientela recebe a assistência à saúde. Com relação à administração de recursos materiais, cabe ao enfermeiro as etapas de previsão, provisão, organização e controle desses materiais. Para compreender os objetivos e a importância da administração dos recursos materiais nas organizações de saúde, deve-se destacar o ônus nos custos. Ou seja, é a questão custo/benefício que deve ser considerada por todo gerente.(7) As instituições que utilizam protocolos de insulinoterapia à procura da normalização da glicemia fazem-no com base nas características de sua clientela e equipe técnica. O protocolo é que vai indicar como deve ser o preparo da solução, sua concentração, cuidados na infusão e controle do paciente sob uso de insulinoterapia.

Não há na literatura estudos que indiquem qual é, realmente, o tempo de eficiência da solução de insulina e se há maior incidência de hipoglicemia relacionada ao tempo de troca da solução.

O estudo mostra-nos que os dois protocolos utilizados, o que efetua a troca da solução de insulina em 6 horas e o que a faz em 24 horas, são seguros em relação à ocorrência de hipoglicemias e eficientes ao reduzirem a glicemia capilar a níveis desejados. Percebe-se que não há alteração na eficiência da solução de insulina na 25ª hora, o que nos sugere ser então desnecessária a troca da solução a cada 6 horas. A hipoglicemia preocupa-nos por ser a principal complicação associada à insulinoterapia venosa contínua, o que neste estudo ocorreu em um índice baixo. Foram observados apenas casos de hipoglicemia leve, enquanto as trocas de solução eram mais frequentes (a cada 6 horas); devemos lembrar-nos, porém, que, por serem as primeiras horas de uso do protocolo, as glicemias estão ainda em fase de normalização, chegando ao nível desejado e que, portanto, existe a possibilidade posterior de maior índice de ocorrência.

Com a finalização do estudo, foi constatado que a prática das instituições que fazem a troca das soluções de insulinoterapia venosa a cada 24 horas não está errada e isso não implica danos ao paciente. Podemos considerar os dois protocolos seguros, mas devemos levar em consideração que as trocas anteriores às 24 horas de infusão implicam maior gasto de recursos materiais e fármaco e necessidade de maior disponibilidade da equipe de enfermagem, pela demanda aumentada no preparo da solução de insulina.

Devemos lembrar que o estudo é retrospectivo e avaliou um número pequeno de pacientes em cada grupo e essa avaliação ocorreu nas primeiras 24 horas de uso do protocolo, quando as glicemias se estão ajustando. Ao compararmos, porém, as glicemias a cada 6 horas de infusão, observamos que as médias glicêmicas são semelhantes.

CONCLUSÃO

Apesar de o presente estudo avaliar um pequeno número de pacientes e a avaliação ser realizada apenas nas primeiras 24 horas da infusão, conclui-se que é possível manter infusões de insulina promovendo a troca da solução a cada 24 horas. Sugerem-se estudos avaliando maior tempo de infusão, em busca de possíveis eventos hipoglicêmicos, com o avanço da insulinoterapia.

Submetido em 14 de Abril de 2010

Aceito em 8 de Setembro de 2010

Trabalho realizado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Geral de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil.

  • 1. Salaverría Garzón I, Cruz Acquaroni MM, Raigal Caño A, Alonso García A, Sánchez Rodríguez P. Evaluación de un protocolo de perfusión continua de insulina en enfermos críticos. Med Intensiva. 2007;31(9):485-90.
  • 2. Nasraway SA Jr. Hyperglycemia during critical ilness. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2006;30(3):254-8.
  • 3. Cerqueira MP. Terapia insulínica nos doentes críticos. In: Cavalcanti IL, Cantinho FAF, Assad A, editores. Medicina Perioperatória. Rio de Janeiro: Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2006. Cap. 100. p. 897-901.
  • 4. Diener JRC, Prazeres CEE, Rosa CM, Alberton UC. Avaliação da efetividade e segurança do protocolo de infusão de insulina de Yale para o controle glicêmico intensivo. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(3):268-75.
  • 5. van den Berghe G, Wouters P, Weekers F, Verwaest C, Bruyninckx F, Schetz M, et al. Intensive insulin therapy in critically ill patients. N Engl J Med. 2001;345(19):1359-67.
  • 6. Lima SA, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm. 2008;29(2):292-300.
  • 7. Kurcgant P, coordenador. Administração em enfermagem. 5a ed. São Paulo: EPU; 2001.
  • Autor para correspondência:
    Taína Volkart
    Rua Tristão de Alencar, 601 - Bairro Primavera
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      08 Set 2010
    • Recebido
      14 Abr 2010
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