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Sedação da criança submetida à ventilação pulmonar mecânica: estamos avançando

EDITORIAL

Sedação da criança submetida à ventilação pulmonar mecânica: estamos avançando

Marcelo Cunio Machado FonsecaI; Werther Brunow de CarvalhoII

IUnidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/ Hospital São Paulo – São Paulo (SP), Brasil

IIDepartamento de Pediatria – Área Neonatologia e Cuidados Intensivos do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil; UTI Pediátrica do Hospital Santa Catarina – HSC - São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Werther Brunow de Carvalho Rua Correia de Lemos, 153 – apto. 71 Chácara Inglesa CEP: 004140-000 - São Paulo (SP), Brasil. E-Mail: werther.brunow@icr.usp.br

A ventilação mecânica (VM) é um elemento essencial de suporte da insuficiência respiratória, das lesões do sistema nervoso central e nos cuidados pós-operatórios de adultos, crianças e recém-nascidos.

Este suporte, juntamente com a monitoração invasiva que frequentemente se faz necessária, pode ocasionar ansiedade, agitação e dor.(1) As crianças admitidas na unidade de terapia intensiva sofrem o medo e a ansiedade de se verem separadas de seus pais e se encontrarem em um ambiente estressante, onde são constantemente submetidas a exames e procedimentos dolorosos.(2)

Em particular, as crianças menores apresentam significativas alterações fisiológicas em resposta a pequenos estímulos além de não serem capazes de verbalizar adequadamente a intensidade e localização da dor, tornando muito difícil a diferenciação entre a sedação e analgesia.(3)

No entanto, existe um consenso de que o uso de sedação e analgesia é essencial para o conforto e a segurança dos pacientes em VM. De fato, a utilização de sedação e analgesia comprovadamente diminui o desconforto associado à VM, diminuindo o consumo de oxigênio, modulando a intensidade da resposta ao estresse, reduzindo os riscos de lesões relacionadas à agitação e ao deslocamento de dispositivos invasivos, promovendo, assim, a segurança do paciente e, por fim, facilitando os cuidados de beira de leito.(4-7)

A tecnologia de suporte ventilatório, evoluiu consideravelmente e o suporte ventilatório mecânico é frequentemente fornecido como um complemento, e não como um substituto total do esforço respiratório espontâneo.

Apesar de todos os avanços nas técnicas de VM, a procrastinação da retirada gradual da ventilação pulmonar mecânica pode gerar desconforto desnecessário no paciente intubado e aumento do risco de complicações relacionadas à intubação traqueal e à VM. Considerando-se que somente a retirada gradual da ventilação é responsável por até 40% do tempo total em que o paciente recebe este suporte(8) e dada a grande quantidade de modos de ventilação e estratégias ventilatórias para diferentes tipos de doenças, foi natural partir-se para o desenvolvimento de protocolos de retirada da ventilação, etapa comum a todos os pacientes em suporte ventilatório. Ainda assim, métodos para desmame do suporte respiratório em crianças nunca foram rigorosamente estudados(9) e quando estudados, os métodos de desmame são extrapolados de estudos em pacientes adultos e recém-nascidos prematuros, o que pode ser inapropriado.

A compreensão que a sedação e analgesia profundas ou prolongadas têm o potencial de aumentar a morbidade e mortalidade levou à concepção de um novo modelo que destaca a otimização do conforto dos pacientes os mantendo interativos, orientados e capazes de seguir instruções.(10) Este novo modelo se baseia em estratégias para manter um nível adequado de sedação,(11) interrupção diária da sedação(12) e minimização do uso de medicações músculo-relaxantes.(13)

Como não é possível estabelecer o melhor nível de sedação/ analgesia antes de realmente iniciarmos as mesmas, a monitoração do grau de sedação torna-se imprescindível para evitar hipersedação ou sub-sedação. Por hora, não há um método ideal para avaliação da sedação(3) em pacientes pediátricos criticamente doentes sendo que a utilização de escores tais como o COMFORT, o único concebido e validado para crianças gravemente doentes em VM,(3) é útil principalmente em crianças necessitando de sedoanalgesia moderada(3) e em relação aos métodos derivados da monitoração do eletroencefalograma (EEG), como o "bispectral index" (BIS), há ainda pouca experiência e os mesmos foram validados em pacientes sob anestesia.(3)

Apesar das medicações analgosedativas serem extremamente prescritas,(14) ao contrário do que acontece com os pacientes adultos, existe poucos protocolos e diretrizes publicados em pediatria(5,15) bem como há escassez de dados de dosagem, segurança, eficácia das drogas e suas combinações utilizadas na sedação durante a VM.(16)

Com relação à interrupção diária da sedação, recentemente demonstrou-se em um estudo clínico randomizado controlado(17) que crianças em VM por mais de 48 horas que são despertadas uma vez ao dia, por meio da interrupção da infusão da sedação tiveram a duração do tempo de internação na UTI, a dose total da medicação sedativa e o custo médio calculado, reduzidos em comparação com os pacientes que permaneceram com sedação contínua. Este resultado é comparável ao obtido em estudos com pacientes adultos.

Embora tenhamos avançado nesse novo modelo de sedoanalgesia e na VM nas crianças gravemente doentes, há ainda um longo e difícil caminho para percorrermos(18) antes de podermos dizer que as crianças internadas em UTI não são órfãos terapêuticos.(19)

Conflitos de interesse: Nenhum.

  • 1. Puntillo KA. Pain experiences of intensive care unit patients. Heart Lung. 1990;19(5 Pt 1):526-33.
  • 2. Uezono S, Mio Y. Monitoring consciousness in the pediatric patient: not just a small adult. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2006;20(1):201-10.
  • 3. Lamas A, López-Herce J. Monitoring sedation in the critically ill child. Anaesthesia. 2010;65(5):516-24.
  • 4. Jacobs JR, Reves JG, Glass PS. Rationale and technique for continuous infusions in anesthesia. Int Anesthesiol Clin. 1991;29(4):23-38.
  • 5. Buck ML, Blumer JL. Opioids and other analgesics. Adverse effects in the intensive care unit. Crit Care Clin. 1991;7(3):615-37.
  • 6. Mehta S, Burry L, Fischer S, Martinez-Motta JC, Hallett D, Bowman D, Wong C, Meade MO, Stewart TE, Cook DJ; Canadian Critical Care Trials Group. Canadian survey of the use of sedatives, analgesics, and neuromuscular blocking agents in critically ill patients. Crit Care Med. 2006;34(2):374-80.
  • 7. Anand KJ, Ingraham J. Pediatric. Tolerance, dependence, and strategies for compassionate withdrawal of analgesics and anxiolytics in the pediatric ICU. Crit Care Nurse. 1996;16(6):87-93.
  • 8. Esteban A, Alía I, Ibañez J, Benito S, Tobin MJ. Modes of mechanical ventilation and weaning. A national survey of Spanish hospitals. The Spanish Lung Failure Collaborative Group. Chest. 1994;106(4):1188-93.
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  • 11. Ambuel B, Hamlett KW, Marx CM, Blumer JL. Assessing distress in pediatric intensive care environments: the COMFORT scale. J Pediatr Psycholol. 1992;17(1):95-109.
  • 12. Schultz TR, Lin RJ, Watzman HM, Durning SM, Hales R, Woodson A, et al. Weaning children from mechanical ventilation: a prospective randomized trial of protocoldirected versus physician-directed weaning. Respir Care. 2001;46(8):772-82.
  • 13. Shapiro BA, Warren J, Egol AB, Greenbaum DM, Jacobi J, Nasraway SA, et al. Practice parameters for intravenous analgesia and sedation for adult patients in the intensive care unit: an executive summary. Society of Critical Care Medicine. Crit Care Med. 1995;23(9):1596-600.
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  • 17. Gupta K, Gupta VK, Jayashree M, Singhi S. Randomized controlled trial of interrupted versus continuous sedative infusions in ventilated children. Pediatr Crit Care Med. 2011 Jan 28 [Epub ahead of print]
  • 18. de Carvalho WB, Fonseca MC. Pediatric sedation: Still a hard long way to go. Pediatr Crit Care Med. 2006;7(2):186-7.
  • 19. Shirkey H. Therapeutic orphans. J Pediatr. 1968;72(1):119-20.
  • Autor correspondente:
    Werther Brunow de Carvalho
    Rua Correia de Lemos, 153 – apto. 71
    Chácara Inglesa CEP: 004140-000 - São Paulo (SP), Brasil.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011
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