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Lesões cerebrais agudas e sua influência sobre a motilidade gastrintestinal

Resumos

A hemorragia subaracnóide é um exemplo de agravo capaz de elevar a pressão intracraniana a patamares de expressiva morbidade. A dilatação gástrica aguda e o retardo do esvaziamento gástrico são alterações de relevância fisiopatológica em pacientes com hipertensão intracraniana, sendo a normalização desses parâmetros útil para otimizar a recuperação dos pacientes vítimas de lesões do sistema nervoso central. Conduziu-se uma revisão bibliográfica em revistas de pesquisa médico-acadêmica e bibliotecas eletrônicas na área das ciências da saúde nacionais e internacionais nos últimos vinte e oito anos a respeito do eixo funcional cérebro-trato gastrintestinal e seu comportamento em animais experimentais ou pacientes com lesão cerebral aguda. A diminuição do tônus parassimpático é uma potencial causa da intolerância alimentar associado a hipertensão intracraniana. O comportamento do esvaziamento gástrico e do trânsito do trato gastrintestinal seguem padrão bifásico: uma fase inicial de esvaziamento gástrico acelerado e uma fase tardia de letargia intestinal. Observações experimentais são importantes para compreender o difícil manejo nutricional e volêmico de pacientes em terapia intensiva que evoluem com HIC secundária a um trauma crânio encefálico ou após hemorragia subaracnóide pós-rotura aneurismática cerebral. A elevação da pressão intracraniana causa incremento na atividade simpática, que é responsável por muitos dos sintomas periféricos sistêmicos e gastrintestinais. Conclui-se que as lesões cerebrais agudas que cursam com elevação importante da pressão intracraniana retardam o esvaziamento gastrintestinal tendo como via fisiopatológica as alterações no sistema nervoso autônomo.

Encéfalo; Hipertensão intracraniana; Esvaziamento gástrico; Motilidade gástrica


Subarachnoid hemorrhage can increase intracranial pressure, causing significant morbidity. Acute gastric dilation and delayed gastric emptying are commonly seen in patients with intracranial hypertension, and correction of these gastric abnormalities can facilitate the recovery of patients with brain injuries. We conducted a literature review of both national and international health sciences medical journals and electronic libraries spanning the last twenty-eight years and focused on the brain, gut motility and gastric emptying functional axis either in experimental animal models of brain injury or patients with acute cerebral injuries. Decreased parasympathetic tonus is a potential cause of intracranial hypertension-related food intolerance. Changes in gastrointestinal transit after a brain injury follow a biphasic pattern: an initial phase of accelerated gastric emptying and a late stage of intestinal lethargy. Changes in the physiology underlying gut motility may be essential for homeostatic stabilization in hemodynamically unstable patients. Research studies are necessary to understand the difficult management of intensive care patients with intracranial hypertension secondary to subarachnoid hemorrhages resulting from traumatic brain injuries or rupture of a cerebral aneurysm. Increased intracranial pressure induces massive increases in sympathetic activity, which is responsible for many of the peripheral systemic and gastrointestinal symptoms. Brain injuries leading to significant increases in intracranial pressure result in delayed gastrointestinal emptying due to autonomic nervous system changes.

Brain; Intracranial hypertension; Gastric emptying; Gastrointestinal motility


ARTIGO REVISÃO

Lesões cerebrais agudas e sua influência sobre a motilidade gastrintestinal

Adson Freitas de LucenaI; Rachel Vasconcelos TibúrcioII; Gregório Carolino VasconcelosIII; José Daylton Araújo XimenesIV; Gerardo Cristino FilhoV; Ronaldo Vasconcelos da GraçaVI

IServiço de Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza – HGF – Fortaleza (CE), Brasil

IICurso de Medicina da Faculdade de Medicina de Sobral – UFC – Sobral (CE), Brasil

IIIServiço de Anestesiologia do Hospital Geral de Fortaleza – Fortaleza (CE), Brasil

IVServiço de Cirurgia Geral do Hospital Geral Dr. César Cals – Fortaleza (CE), Brasil

VDisciplina de Neuroanatomia e Neurologia/Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Sobral – UFC – Sobral (CE), Brasil

VIDisciplina de Fisiologia Humana da Faculdade de Medicina de Sobral– UFC – Sobral (CE), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Adson Freitas de Lucena Hospital Geral de Fortaleza – Serviço de Neurologia Rua Ávila Goulard, 900 – Bairro Papicu CEP: 60175-295– Fortaleza (CE), Brasil Telefone: (85) 31017090 E-mail: adsonbr@gmail.com

RESUMO

A hemorragia subaracnóide é um exemplo de agravo capaz de elevar a pressão intracraniana a patamares de expressiva morbidade. A dilatação gástrica aguda e o retardo do esvaziamento gástrico são alterações de relevância fisiopatológica em pacientes com hipertensão intracraniana, sendo a normalização desses parâmetros útil para otimizar a recuperação dos pacientes vítimas de lesões do sistema nervoso central. Conduziu-se uma revisão bibliográfica em revistas de pesquisa médico-acadêmica e bibliotecas eletrônicas na área das ciências da saúde nacionais e internacionais nos últimos vinte e oito anos a respeito do eixo funcional cérebro-trato gastrintestinal e seu comportamento em animais experimentais ou pacientes com lesão cerebral aguda. A diminuição do tônus parassimpático é uma potencial causa da intolerância alimentar associado a hipertensão intracraniana. O comportamento do esvaziamento gástrico e do trânsito do trato gastrintestinal seguem padrão bifásico: uma fase inicial de esvaziamento gástrico acelerado e uma fase tardia de letargia intestinal. Observações experimentais são importantes para compreender o difícil manejo nutricional e volêmico de pacientes em terapia intensiva que evoluem com HIC secundária a um trauma crânio encefálico ou após hemorragia subaracnóide pós-rotura aneurismática cerebral. A elevação da pressão intracraniana causa incremento na atividade simpática, que é responsável por muitos dos sintomas periféricos sistêmicos e gastrintestinais. Conclui-se que as lesões cerebrais agudas que cursam com elevação importante da pressão intracraniana retardam o esvaziamento gastrintestinal tendo como via fisiopatológica as alterações no sistema nervoso autônomo.

Descritores: Encéfalo/lesões; Hipertensão intracraniana/etiologia; Esvaziamento gástrico; Motilidade gástrica

INTRODUÇÃO

O crânio consiste em um compartimento rígido de volume constante, ocupado por parênquima cerebral (80% do total), líquido cefalorraquidiano (LCR) (10%) e sangue (10%). Qualquer alteração do volume de um desses componentes será compensada com adaptações volumétricas das outras frações. Quando os mecanismos compensatórios se esgotam, surge um quadro de hipertensão intracraniana (HIC), caracterizado por aumento da pressão intracraniana (PIC) acima de 20 mmHg. A HIC aguda pode ser desencadeada por traumatismos cranianos com formação de hematomas, acidente vascular cerebral, aneurisma cerebral, hemorragia subaracnóide (HSA), dentre outras condições.(1)

O aumento da PIC pode modificar a motilidade e a absorção gastrintestinal de água e eletrólitos em pacientes. Existem alguns estudos que buscam avaliar formas de administração da alimentação em pacientes com lesão cerebral como um meio de reduzir os sintomas gastrintestinais. É importante ressaltar que a intolerância alimentar pode ser associada ao aumento da morbidade, além de incrementar os custos durante as internações hospitalares.(2,3)

Devido à escassez de artigos científicos nacionais e internacionais que correlacionam a HSA, a HIC e o esvaziamento gástrico (EG), este trabalho tem como principal objetivo confrontar e discutir os achados fisiológicos e fisiopatológicos de artigos científicos que versam acerca da HSA, HIC e motilidade gastrointestinal.

MÉTODOS

Procedeu-se um levantamento bibliográfico com o objetivo de analisar o padrão da motilidade gastrintestinal após lesão cerebral aguda culminando com HIC. Foram também avaliados artigos científicos que explanavam sobre possíveis abordagens terapêuticas para as complicações gatrintestinais da HIC.

Conduziu-se uma revisão da bibliografia de artigos publicados em revistas de pesquisa na área das ciências da saúde nacionais e internacionais a respeito do eixo funcional cérebro-trato gratintestinal e seu comportamento em animais experimentais ou pacientes com insulto cerebral agudo. Para pesquisa dos artigos com os critérios de inclusão, lançamos mão da internet por meio de sites de publicação em pesquisa médica-acadêmica e bibliotecas eletrônicas como Scientific Electronic Libary Online (Scielo)©, Periódicos/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)©, PubMed/Mediline© e Google Acadêmico Beta©.

Neste estudo foram selecionadas 25 publicações entre os anos de 1982 e 2010. Desses trabalhos, onze artigos versavam sobre a influência da HIC na função motora do trato gastrintestinal (TGI), dez evidenciavam as melhores formas e vias de administração da nutrição em pacientes classificados como TCE moderado a grave (Escala de Coma de Glasgow < 8) e, por fim, quatro artigos, dentre eles duas revisões de literatura, abordavam as principais mudanças metabólicas em indivíduos com lesões cerebrais, enfatizando o melhor suporte nutricional para este grupo de pacientes.

Influência da hipertensão intracraniana na função motora do trato gastrintestinal

Ao todo foram onze artigos avaliados quanto à influência da HIC na função motora gastrintestinal, estando cinco (45,4%) deles relacionados ao estudo do esvaziamento gástrico e intestinal, quatro (36,3%) ressaltavam as alterações de pressão ao longo do TGI, fazendo-se a análise em dois deles da amplitude e freqüência das ondas de contração propulsoras do alimento e nos outros dois da pressão no esfíncter esofágico inferior quando submetidos à HIC, e, por fim, dois (18,1%) estudos analisavam a atividade elétrica ao longo do TGI para avaliação do complexo mioelétrico migratório através da implantação de eletrodos na superfície corporal ou de eletrogastrografia. Do total, dois (18,8%) sustentaram a premissa de que a variação da PIC é diretamente proporcional à força de contração gástrica, baseando-se na avaliação do EG a partir da análise da amplitude e freqüência das contrações em ratos anestesiados após indução da HIC por canulação intracerebroventricular. Em contrapartida, os nove (81,8%) artigos restantes suportaram a hipótese de que o aumento da PIC está relacionado à lentificação do TGI, associando-se este retardo do trânsito do bolo alimentar à intolerância à nutrição enteral. A modulação por intervenção farmacológica como forma de acelerar o TGI foi avaliada em um dos artigos avaliados. Outro estudo buscou verificar a associação de alteração da PIC em trinta e sete pacientes com tumores intracranianos ao realizarem manobra de Valsalva na evacuação. Todos realizaram a manobra independente de constipação e não foi observado descompensação com aumento da PIC. Melhores detalhes dos estudos podem ser vistos no quadro 1.


Formas e vias de administração da nutrição em pacientes classificados como TCE moderado a grave

Em análise à melhor forma de nutrição em pacientes vítimas de TCE, dez estudos foram avaliados, sendo cinco (50%) relacionados à melhor forma de administração alimentar nestes pacientes, dois (20%) analisaram a evolução nutricional nos dias que sucedem o TCE, outros dois (20%) avaliaram os benefícios da nutrição enteral versus o da nutrição parenteral e, por fim, um (10%) enfatizou a tolerância à alimentação enteral. Segundo as vias de administração, comparou-se a utilização da sonda nasogástrica (SNG) e da sonda nasojejunal (SNJ), sendo analisado em um dos estudos um melhor aporte calórico, melhor balanço nitrogenado e melhor consumo nitrogenado com a SNJ, associado a um menor número de infecções e um menor número de dias de internação. Outro estudo concluiu que os pacientes desenvolvem intolerância alimentar moderada quando alimentados a nível proximal ao ligamento de Treitz, comparando à melhor tolerância revelada com o grupo com nutrição pós-ligamento. A alimentação via endoscópica percutânea avaliada em um artigo evidenciou bom suporte nutricional. A alimentação administrada de forma contínua revelou melhor tolerabilidade do que a administração em bolus. Dois dos estudos analisados corroboraram com a inefetividade do uso de agentes pró-cinéticos em pacientes com nutrição enteral.

Quanto à evolução nutricional, o tempo de seis meses foi estabelecido em um dos artigos como o tempo em que o paciente retorna aos hábitos alimentares normais após o trauma, entretanto, sinais de má nutrição foram evidenciados na maioria dos indivíduos deste estudo. O suporte nutricional precoce foi vinculado a uma menor mortalidade.

A nutrição parenteral revelou melhor benefício que a nutrição enteral para pacientes pós-TCE, não interferindo no tratamento convencional de controle à HIC, nem no incremento da PIC em uma maior porcentagem de pacientes. Outro estudo comparativo revelou uma taxa de 44,4% de mortes de pacientes alimentados via nutrição enteral e ausência de óbitos nos alimentados via parenteral durante o período de reabilitação hospitalar. A tolerância à nutrição enteral foi inversamente proporcional à PIC e à gravidade da lesão. O quadro 2 resume os dez artigos analisados.


Mudanças metabólicas em indivíduos com lesões cranianas

Dos quatro artigos analisados, todos (100%) consideram a necessidade de uma nutrição adequada para suprir o hipermetabolismo decorrente da HIC nos estados pós-trauma, fator primordial para uma boa evolução clínica e para a di minuição da morbi-mortalidade nesses pacientes. Independente da intolerância alimentar desenvolvida pela maioria dos pacientes com a via de nutrição enteral, manteve-se consenso em todos os estudos de que o não suprimento das necessidades metabólicas é preditor importante de mortalidade. Entretanto, uma alimentação demasiadamente calórica nos primeiros dias após a lesão encefálica foi associada a uma taxa de estresse adicional em um dos artigos.

FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DA INFLUÊNCIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO (SNA) SOBRE A MOTILIDADE GASTRINTESTINAL

A HSA é um exemplo de agravo capaz de elevar a PIC a patamares de grande morbidade. Sua principal causa são as lesões cerebrais traumáticas, observadas em uma incidência de até 59% nos casos classificados como TCE grave. Deve-se ressaltar que a HSA é marcador de pior prognóstico nos pacientes com TCE, especialmente quando a escala de coma de Glasgow apresenta-se igual ou menor a treze pontos, sendo o tratamento ideal desses pacientes baseado em medidas de neurointensivismo. Modificações do TGI em pacientes com o nível de consciência alterado podem cursar com êmese e aspiração do conteúdo gástrico para a árvore traqueobrônquica, elevando sua morbidade.(4-8) A dilatação gástrica aguda e o retardo do EG são alterações de relevância fisiopatológica em pacientes com HIC, sendo, a normalização desses parâmetros, útil para um manejo clínico efetivo. A despeito dessa constatação, os mecanismos das alterações gastrintestinais em humanos com HIC ainda são compreendidos de forma incipiente.(9-12)

O EG é modulado pela ação do SNA. Distúrbios na motilidade gastrintestinal de pacientes com TCE podem ser provocados pela biomecânica do trauma de forma direta, por dano neural, ou indireta, através da liberação de mediadores. A HIC gera um fenômeno bifásico de estimulação autonômica sistêmica, sendo resultado de uma hiperatividade do sistema parassimpático e do simpático em diferentes momentos.(13) Estudos experimentais recentes comprovaram a presença de uma resposta autonômica anormal secundária em pacientes com elevação da PIC, demonstrando um rápido EG durante a fase inicial, enquanto o tempo de trânsito gástrico foi prolongado em uma fase posterior.(13)

O sistema parassimpático, reconhecidamente, modula a atividade do TGI, regulando a motilidade e a dinâmica hidroeletrolítica. Durante a deglutição, a região proximal do estômago relaxa-se juntamente com o esfíncter esofágico inferior.(14) As pressões intraluminais de ambas as regiões caem antes da chegada do bolo alimentar deglutido graças ao relaxamento do músculo liso destas regiões. A seguir, a pres são no estômago retorna gradualmente para níveis encontrados anteriormente. Dessa forma, grandes volumes de alimento podem ser ingeridos e acomodados no estômago com o mínimo de aumento da pressão intragástrica. A exemplo, o estômago humano pode acomodar 1.600 ml de ar com 10 mmHg de aumento da pressão.(15) O relaxamento receptivo é mediado por reflexo neural com vias tanto aferentes como eferentes do nervo vago. Se esse nervo é transeccionado, o relaxamento receptivo é abolido, o estômago torna-se menos distensível e o aumento da contratilidade gástrica visto com a elevação da PIC é bloqueado.(16)

Modulação do SNA e bases farmacológicas para o tratamento da desregulação autonômica no TGI

Com o conhecimento fisiológico adquirido acerca da dinâmica entre SNA e o TGI, diversos estudos com provas farmacológicas foram conduzidos para estabelecer qual o real papel fisiopatológico exercido pelo SNA nas alterações do TGI após uma lesão encefálica que tem como via final a HIC. A cisaprida é um eficaz agente procinético utilizado clinicamente para a esofagite de refluxo, gastroparesia e dispepsia. Acredita-se que a farmacodinâmica da cisaprida envolve o aumento da atividade colinérgica, sendo mediada por receptores 5-HT4. Afora essas observações, a cisaprida foi capaz de reverter parcialmente a inibição do EG induzida pela HIC.(17-19) O carbacol, um agonista dos receptores muscarínicos de acetilcolina, reverteu a inibição do EG causada devido ao aumento da PIC. A maior proteção vista com baixas doses de carbacol foi, no entanto, um achado peculiar. Provavelmente, a maior atividade nicotínica em gânglios autonômicos com a dose maior pode anular, parcialmente, o efeito procinético gástrico do carbacol.(20)

Os resultados da modulação da atividade simpática e parassimpática indicam que a alteração da atividade de ambos pode desempenhar um papel fisiopatológico importante na mediação da inibição do EG devido ao aumento da PIC. O reforço da atividade colinérgica pode ser útil na normalização desse efeito inibitório.(20) Os nervos simpáticos que inervam o estômago levam fibras eferentes adrenérgicas com influência inibitória na motilidade gástrica, sendo mediados por receptores pré-sinápticos do tipo α-adrenérgicos presentes nos neurônios colinérgicos intramurais.(21,22) Nesse sentido, receptores do tipo α1-adrenérgicos foram encontrados centralmente na zona quimiorreceptora de gatilho e seu bloqueio parece prevenir a êmese induzida por noradrenalina.(23) O aumento da PIC leva à ativação de centros medulares, primariamente por transmissão de pressão até o tronco encefálico ou secundariamente por ativação hipotalâmica das vias descendentes modulatórias. A descarga descendente ativa conduz, por sua vez, a instalação da resposta hiperadrenérgica sistêmica, inclusive tendo como um dos componentes a via simpática esplâncnica.(24) Como essa ativação simpática pode exercer efeito na motilidade gástrica, bem como na complacência gástrica (CG), ainda é foco de discussão e necessita de estudos adicionais. Animais submetidos à esplaniectomia associado à gangliectomia celíaca não tiveram alteração dos valores do volume gástrico (VG) mediante aumento da PIC, sugerindo que o fenômeno de aumento do tônus do estômago induzido pela HIC seja mediado por via esplâncnica.(25)

O prazosin, inibidor adrenérgico do tipo α1, reduz a ocorrência de vômitos após aumento da PIC. Tal efeito foi observado depois da administração tanto central como periférica da medicação, embora o efeito mais acentuado tenha sido por administração intraventricular cerebral.(26) Desde então, observou-se que muitos dos estímulos que provocam êmese também causam retardo do EG. Investigou-se, então, o efeito do prazosin sobre a inibição do EG induzido pelo aumento da PIC, em face da sua eficácia contra vômitos induzidos pelo mesmo estímulo. Contudo, sua administração central e periférica não suscitou melhora da inibição do EG causado pela HIC.(26) Por outro lado, fármacos bloqueadores neurais noradrenérgicos específicos produzem uma inversão parcial do efeito inibidor do EG com o aumento da PIC. O prazosin foi ineficaz em aumentar o EG, indicando que o incremento da atividade simpática pode ser responsável pela inibição do EG.(26)

A clonidina, agonista α2-adrenérgico, inibe o trânsito gatrintestinal, após sua administração central e periférica, efeito este com mediação vagal. Ela, entretanto, não modificou a inibição do EG devido ao aumento da PIC, isto porque a reversão da descarga simpática devido ao aumento da PIC foi insuficiente ou o efeito próprio da clonidina mediado pelo nervo vago foi antagonizado.(27,28)

SUPORTE NUTRICIONAL DO PACIENTE COM LESÃO CEREBRAL AGUDA

Essa ampla alteração do TGI nos pacientes com lesão encefálica grave nos leva a discussão em relação à utilização da nutrição artificial em pacientes com aumento da PIC. Tais pacientes necessitam de maior aporte de nutrientes, pois são hipermetabólicos e hipercatabólicos.(29) A infecção é um achado comum, o que prolonga seu processo de reabilitação. (30) Assim, um suporte nutricional adequado pode promover a diminuição da suscetibilidade à sepse e o aumento da imunocompetência.(2,31) A dilatação gástrica aguda e o atraso do EG podem ser de relevância fisiopatológica em pacientes com TCE. A normalização desses aspectos pode ser útil para a recuperação dos pacientes que sofreram lesões do sistema nervoso central (SNC).(9)

Um relevante estudo avaliando a nutrição em pacientes com TCE grave analisou o tempo necessário para iniciar alimentação enteral e a quantidade de calorias fornecidas. A probabilidade de sobrevivência aumentou quando a alimentação enteral foi iniciada mais cedo e com maior aporte calórico. A mortalidade foi duas e quatro vezes maior nos pacientes em que não foi administrado o apoio nutricional sob a forma de alimentação enteral nos primeiros 5 e 7 dias,respectivamente, após o TCE. É importante ressaltar que a ingestão mínima de 25 kcal/kg por dia foi associada com a melhora de prognóstico.(3)

O suporte nutricional precoce através da nutrição parenteral tem sido mais efetivo quanto à providência de calorias, proteínas e fluidos após a insulto neurológico.(32-34) Contudo, a nutrição enteral tem trazido mais benefícios em comparação à nutrição parenteral, dado seu baixo custo, menor risco de infecção, efeito protetor da integridade do epitélio intestinal, melhora da imunocompetência e atenuação da resposta metabólica ao estresse durante o período crítico da doença.(35) Alguns pacientes com TCE grave, entretanto, não toleram adequadamente a nutrição por via enteral, passando a apresentar aumento de resíduos gástricos, íleo paralítico prolongado, distensão abdominal e diarréia.(35) Nessa condição clínica, o sucesso da nutrição enteral parece associar-se inversamente à PIC e à gravida-de do trauma. Os mecanismos deste relativo impasse podem ser multifatoriais. A hipoalbuminemia presente em pacientes com TCE é outra causa de insucesso da nutrição enteral. Sendo assim, a capacidade absortiva entérica estará comprometida, haja vista ser a albumina responsável pela manutenção da pressão oncótica no TGI.(36)

A elevação da PIC, como conseqüência da HSA, induz um aumento maciço da atividade simpática, a qual é responsável por diversos sintomas periféricos em resposta à alteração cerebral.(11) Esse fato reforça a influência fisiopatológica da estimulação simpática através do seu efeito inibitório sobre a motilidade gástrica e a capacidade da HIC em modificar a dinâmica gastrintestinal, alterando a motilidade e a absorção intestinal hidroeletrolítica. Vale ressaltar que essas modificações na fisiologia do TGI podem ser essenciais para estabilização homeostática em momentos de instabilidade hemodinâmica. A restituição da volemia e a sobrevivência imediata de animais monogástricos, como o rato e o coelho, frente à sangria, ficam comprometidas naqueles animais previamente submetidos à enterectomia ou ao jejum(36). Observações experimentais nesse contexto são importantes para compreender o difícil manejo nutricional e volêmico de pacientes em terapia intensiva que evoluem com HIC secundária a um TCE grave.(36)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A HIC é um fenômeno complexo de agressão ao SNC, apresentando-se em duas fases influenciadas pela estimulação autonômica. A maioria dos estudos contemporâneos analisados nesta revisão bibliográfica foi concordante com a teoria da dupla estimulação do SNA.

A indicação da nutrição enteral precoce nos pacientes com TCE grave é importante no cuidado dos pacientes politraumatizados. Contudo, o sucesso da utilização dessa via de aporte calórico pode ser um desafio em pacientes com lesões neurológicas, já que o retardo do EG é contra-indicação clínica comum para alimentação por via enteral. Nestes casos, o suporte nutricional por meio parenteral deve ser considerado. Deve-se estabelecer, então, em que nível de PIC é possível alimentar com segurança por via enteral um paciente hipercatabólico, favorecendo o trânsito do TGI, a absorção dos nutrientes e a recuperação mais efetiva desses pacientes.

Submetido em 3 de Setembro de 2010

Aceito em 7 de Fevereiro de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

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  • Autor correspondente:
    Adson Freitas de Lucena
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      03 Set 2010
    • Aceito
      07 Fev 2011
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