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Sepse: um problema de todos

EDITORIAL

Sepse: um problema de todos

Eliézer Silva

Departamento de Pacientes Graves – Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE – São Paulo (SP), Brasil

Vários estudos epidemiológicos apontam que sepse é uma constante nas unidades de terapia intensiva (UTI) brasileiras e mundiais. Com taxas de incidência crescentes,(1,2) a sepse tem sido abordada por diferentes grupos profissionais buscando incessantemente mitigar seu impacto.

Com tamanha abrangência, não podemos crer em um modelo de resolução centrado em uma só perspectiva. Desta forma, a criação de um programa multi-facetado, envolvendo diferentes grupos, como provedores de assistência, pesquisadores e gestores, poderá lograr maior êxito.

Vejamos alguns exemplos. Pacientes com sepse grave têm sido tratados em diferentes ambientes como salas operatórias e/ou de recuperação pós-anestésica, emergências, unidades de tratamento intensivo e semi-intensivo e unidades de internação de baixa complexidade. Tanto as características destes pacientes quanto o processo assistencial são distintos, em geral, responsáveis por diferentes desfechos. Vários estudos têm demonstrado que pacientes inicialmente tratados em emergências apresentam desfechos mais favoráveis do que aqueles tratados em enfermarias e UTIs. No estudo EPIC II,(3) por exemplo, a possibilidade de óbito foi crescente, com OR de 0,94 para aqueles admitidos da emergência, 1,0 para aqueles oriundos do centro cirúrgico, e 1,3 para aqueles admitidos na UTI vindos da enfermaria, mesmo considerando o conjunto dos pacientes, infectados e não infectados. Em recente estudo, avaliando o impacto da Campanha Sobrevivendo à Sepse,(4) observamos e a probabilidade de morte era maior nos pacientes oriundos da enfermaria quando comparados àqueles vindos do PA (OR 1,87), bem como daqueles que desenvolviam sepse na UTI quando comparados aqueles admitidos via PA (2,25). Estes dados nos remetem à necessidade de entender melhor tanto as características dos pacientes como o fluxo de tratamento institucional dos mesmos.

Outra perspectiva seria relacionada a variações regionais. O estudo Progress,(5) envolvendo apenas pacientes com sepse grave, mostrou diferentes taxas de mortalidade a depender do país avaliado. O Brasil mostrou a maior taxa de mortalidade hospitalar. Estas variações não apresentam relação aparente com condições socioeconômicas (dados não publicados). No citado estudo EPIC II esta variação se repetiu, tendo a América Latina os maiores índices de prevalência de infecção e de taxas de mortalidade.(3) Variáveis espaciais e socioeconômicas começam a ser avaliadas por estudos de georeferenciamento. Esta ferramenta nos permite entender fatores ambientais relacionados a diferentes desfechos. No caso específico de sepse, não há dados consistentes na literatura, no entanto, dados preliminares procuram entender se os fatores socioeconômicos são tão importantes quanto os fatores de infra-estrutura das unidades hospitalares.

Uma terceira perspectiva desse nosso intricado quebra-cabeça seria o melhor entendimento dos fatores relacionados aos processos infecciosos. Sabe-se que as infecções adquiridas na comunidade carreiam melhor prognóstico, pois são causadas por germes menos resistentes e em hospedeiros mais saudáveis. No entanto, a história natural dessas infecções é pouco detalhada na literatura. Em geral, aborda-se esse problema procurando estabelecer parâmetros de gravidade, como nas pneumonias, que poderiam nos orientar no sentido de alocação de recursos, diagnósticos e terapêuticos, para esses pacientes. Alguns escores têm sido aplicados no sentido de orientar o profissional de saúde quanto à necessidade de UTI.(6) O que não temos é entender o tratamento destes pacientes nas estruturas não hospitalares. Além das questões que podem ser vislumbradas pelo georeferenciamento, precisamos de dados inerentes ao processo assistencial pré-hospitalar, como acesso e estratégias terapêuticas.

Dentro ainda desta última perspectiva, encontram-se os dados das infecções associadas aos cuidados de saúde. Com as iniciativas visando taxas de infecções próximas a zero (www.ihi.org), muitos hospitais as redor do mundo estão publicando dados com taxas realmente muito baixas. O impacto destas ações extrapola questões médicas, pois podem redefinir padrões de segurança e assistência, bem como remodelar o relacionamento das instituições com as fontes pagadoras, tanto públicas quanto privadas.

Por fim, devemos considerar estas e outras perspectivas ao nos aventurarmos no mundo da sepse. A criação de programas nacionais que ataquem cada um destes problemas resultará, em médio prazo, em reduções de prevalência e de taxas de mortalidade, tendo impacto gigantesco também em custos, direto e indireto. Com a criação de editais específicos e programas com envolvimento de instituições fomentadoras de pesquisa, bem como dos Ministérios da Saúde e de Ciências e Tecnologia, podemos atingir indicadores, por ora, vistos apenas em países distantes.

  • 1. Angus DC, Linde-Zwirble WT, Lidicker J, Clermont G, Carcillo J, Pinsky MR. Epidemiology of severe sepsis in the United States: analysis of incidence, outcome, and associated costs of care. Crit Care Med. 2001;29(7):1303-10.
  • 2. Martin GS, Mannino DM, Eaton S, Moss M. The epidemiology of sepsis in the United States from 1979 through 2000. N Engl J Med. 2003;348(16):1546-54.
  • 3. Vincent JL, Rello J, Marshall J, Silva E, Anzueto A, Martin CD, Moreno R, Lipman J, Gomersall C, Sakr Y, Reinhart K; EPIC II Group of Investigators. International study of the prevalence and outcomes of infection in intensive care units. JAMA. 2009;302(21):2323-9.
  • 4. Levy MM, Dellinger RP, Townsend SR, Linde-Zwirble WT, Marshall JC, Bion J, Schorr C, et al. The Surviving Sepsis Campaign: results of an international guideline-based performance improvement program targeting severe sepsis. Intensive Care Med. 2010;36(2):222-31. Review.
  • 5. Beale R, Reinhart K, Brunkhorst FM, Dobb G, Levy M, Martin G, Martin C, Ramsey G, Silva E, Vallet B, Vincent JL, Janes JM, Sarwat S, Williams MD; PROGRESS Advisory Board. Promoting Global Research Excellence in Severe Sepsis (PROGRESS): lessons from an international sepsis registry. Infection. 2009;37(3):222-32.
  • 6. Chalmers JD, Mandal P, Singanayagam A, Akram AR, Choudhury G, Short PM, Hill AT. Severity assessment tools to guide ICU admission in community-acquired pneumonia: systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med. 2011 Jun 10. [Epub ahead of print]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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