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Hipertensão intra-abdominal associada à lesão pulmonar aguda: efeitos sobre a pressão intracraniana

EDITORIAL

Hipertensão intra-abdominal associada à lesão pulmonar aguda: efeitos sobre a pressão intracraniana

Antonio Luis Eiras FalcãoI; Douglas Guimarães de OliveiraII

IDisciplina de Fisiologia e Metabologia Cirúrgica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IIPrograma de Pós-graduação (Mestrado) em Ciências da Cirurgia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

A hipertensão intra-abdominal (HIA) é definida como uma pressão intra-abdominal (PIA) acima de 12 mmHg sendo classificada como grau I (12-15 mmHg); grau II (16-20 mmHg), grau III (21-25 mmHg) e grau 4 (>25 mmHg). A recorrência ou persistência de PIA >20 mmHg associada à falência de ao menos um órgão é denominada síndrome compartimental abdominal (SCA). A mortalidade e a morbidade na HIA e SCA são altas, podendo atingir 100% de mortalidade na SCA não tratada. Os efeitos negativos da elevação da pressão intra-abdominal não se resumem ao abdômen e terminam interferindo no equilíbrio pressórico em outros sistemas como respiratório, cardiovascular e cerebral.(1-2)

No tórax, a HIA leva ao deslocamento do diafragma no sentido cranial, reduzindo o volume intratorácico e aumentando a pressão intratorácica (PIT), reduzindo as complacências da caixa torácica, pulmonar e das cavidades cardíacas, resultando em efeitos deletérios tanto respiratórios quanto cardiovasculares.(3-4)

No crânio, a HIA leva ao aumento da pressão intracraniana (PIC) e redução da pressão de perfusão cerebral (PPC).(3) O aumento da PIC é atribuído ao aumento da pressão venosa central (PVC), redução da drenagem venosa cerebral e redução da drenagem venosa pelo plexo lombar com concomitante desequilíbrio do conteúdo intracraniano, conforme proposto pela teoria de Monroe-Kellie.(3,5) O efeito mecânico da compressão da veia cava inferior durante a HIA diminui a drenagem das veias do plexo lombar podendo também ser responsabilizado pelo aumento da PIC.(5)

Não somente a HIA, mas também, o aumento da PIT ocasionada pela ventilação mecânica pode também determinar mudanças na PIC. A utilização de altas pressões inspiratórias e alta pressão expiratória final positiva (PEEP), com resultante aumento da pressão média das vias áreas, pode levar ao aumento da PIT com conseqüente aumento da pressão venosa central resultando em aumento da PIC. Entretanto, o efeito da ventilação por pressão positiva na PIC parece ser influenciado por inúmeros fatores, dentre eles as complacências pulmonar e cerebral.(6)

No estudo intitulado "Modulação da pressão intracraniana em um modelo experimental de hipertensão abdominal e injúria pulmonar aguda" os autores avaliaram a associação de HIA e lesão pulmonar sobre a PIC e de acordo com seus resultados essa interação causou maior efeito sobre o aumento da PIC quando comparado com a presença de HIA isolada. A aplicabilidade dos resultados deste estudo é imediata.(7)

Os autores observaram que as pressões de platô (Pplato), pico (Ppico) e pleural (Ppl) se elevaram significativamente na presença de HIA e lesão pulmonar aguda (LPA), não havendo alterações significativas na hemodinâmica. Na associação de HIA, LPA e PEEP de 27 cmH2O, ocorreu alteração hemodinâmica significativa de pressão média de artéria pulmonar (PAPm), pressão da artéria pulmonar ocluída (PAPO) e PVC, sem alteração do índice cardíaco (IC) com concomitante elevação da Pplato, Ppico e Ppl com propagação para a cavidade craniana. Tal fato é corroborado por diversos autores.(3,6,8-10)

Neste estudo, a aplicação de um valor alto de PEEP promoveu apenas um pequeno aumento da PIC, de 2 mmHg. Como foi observado, seria esperado que a PEEP fosse transmitida para a cavidade torácica, aumentando a PVC e sendo propagada para a cavidade craniana levando a um aumento da PIC,(6,8-10) no entanto, observa-se um aumento da pressão arterial de CO2 (PaCO2), o que contribui para o aumento da PIC. Embora a elevação da PaCO2 não tenha sido significativa na condição LPA+HIA ela pode ter contribuído com a elevação da PIC demonstrando a dimensão multifatorial desta grave situação clínica. É interessante observar que a PEEP foi aplicada apenas na presença de lesão pulmonar, onde a baixa complacência do parênquima pode ter atenuado a transmissão de pressão do pulmão para a caixa torácica(8) observando-se apenas uma pequena alteração da Ppl, de apenas 3 cmH2O após a aplicação da PEEP.(9,11-13) Contudo, além da pressão pleural, seria de se esperar que, se a pressão intrapulmonar, representada pela pressão de platô, fosse transmitida para as outras estruturas intratorácicas, isso levaria ao aumento da PVC, o que ocorreu de forma significativa apenas quando a PEEP de 27 cmH2O foi aplicada.

Na ausência de lesão pulmonar, HIA isolada, as pressões intrapulmonares contribuem para o aumento da PVC e PIC ao comprimir o conteúdo torácico e dificultar o retorno venoso cerebral.(3,14)

Seria, então, o aumento da pressão de platô um modulador da PIC ou apenas mais uma conseqüência da redução da complacência da caixa torácica e pulmonar ocasionada pela HIA? É interessante observar que na situação isolada de LPA, embora tenha havido um aumento significativo da Pplato e Ppico e redução da complacência do sistema respiratório não houve mudança concomitante e significativa da PVC e da PIC, permitindo-se inferir então que a pressão pleural torna-se um fator modulador determinante para a diminuição do retorno venoso cerebral.

Nota-se no modelo apresentado que houve alteração da PIC mesmo com o cérebro não lesado, onde a auto-regelação cerebral e a complacência da cavidade craniana são normais, e, portanto, que a alteração da PIC pode ser mais significativa em cérebros lesados, inclusive com uma possível maior participação da PaCO2 no processo fisiopatológico da HIC.

Embora a PIC seja amplamente utilizada como guia terapêutico, outros dados como oximetria tecidual cerebral, extração cerebral de oxigênio e microdiálise cerebral podem revelar resultados importantes por serem indicadores da hemodinâmica e do metabolismo cerebral, principalmente na vigência de concomitante lesão cerebral.(15-17)

Os autores demonstraram resultados de grande aplicabilidade clínica e incentivam a investigação de propostas terapêuticas na vigência da HIA e aumento da pressão torácica com repercussão sobre a pressão intracraniana.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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