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Recomendações para o manejo de pacientes com formas graves de dengue

Resumos

A dengue é a infecção viral transmitida por mosquito mais frequente no planeta. No Brasil a incidência vem aumentando em sucessivas epidemias, com uma proporção crescente de casos graves. A qualidade da assistência prestada influencia diretamente o prognóstico da doença. Estas recomendações apresentam o manejo das formas graves de dengue, incluindo o reconhecimento de sinais de alerta, o tratamento visando o pronto re-estabelecimento da euvolemia e a avaliação e cuidado das potenciais complicações, no intuito de reduzir a morbi-mortalidade de crianças e adultos infectados.


Dengue is the most common vector-borne viral infection worldwide. In Brazil, the incidence has increased with successive epidemics, and an increasing proportion of patients present with severe forms of the disease. The prognosis for these patients is directly influenced by the quality of medical care. These guidelines present the management of the severe forms of dengue, including the recognition of warning signs, the treatment for prompt re-establishment of euvolemia and the evaluation and appropriate care of potential complications, thus reducing morbidity and mortality of infected children and adults


ARTIGO ESPECIAL

Recomendações para o manejo de pacientes com formas graves de dengue

Juan Carlos Rosso VerdealI,II; Rubens Costa FilhoI,III; Cleyde VanzillottaI,IV; Gerson Luiz de MacedoI,V; Fernando Augusto BozzaI,VI; Luisa ToscanoI,VII; Arnaldo PrataI,VIII; Antonio Carlos TannerI,IX; Flavia Ribeiro MachadoI,X

IAssociação de Medicina Intensiva Brasileira – AMIB – Brasil

IIHospital Barra D'Or – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIHospital Procardíaco - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IVInstituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPMG – UFRJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VHospital Universitário Sul Fluminense - Universidade Severino Sombra – Vassouras (RJ), Brasil

VIFundação Oswaldo Cruz – Manguinhos – Rio de Janeiro (RJ), Brasi

VIISecretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro – SMSDC – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VIIIFaculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IXHospital Couto Maia - Salvador (BA), Brasil

XDisciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Juan Carlos Rosso Verdeal R. Visconde de Pirajá, 547 - sala 908 CEP: 22410-003 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil Fone: (21) 2511-0090 E-mail: jverdeal@gmail.com

RESUMO

A dengue é a infecção viral transmitida por mosquito mais frequente no planeta. No Brasil a incidência vem aumentando em sucessivas epidemias, com uma proporção crescente de casos graves. A qualidade da assistência prestada influencia diretamente o prognóstico da doença. Estas recomendações apresentam o manejo das formas graves de dengue, incluindo o reconhecimento de sinais de alerta, o tratamento visando o pronto re-estabelecimento da euvolemia e a avaliação e cuidado das potenciais complicações, no intuito de reduzir a morbi-mortalidade de crianças e adultos infectados.

INTRODUÇÃO

A dengue é causada por quatro sorotipos diferentes de vírus pertencentes ao gênero Flavivirus, família flaviviridae (DENV I a IV). Sua transmissão ocorre através de picadas de mosquitos do gênero Aedes, majoritariamente Aedes aegypti. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a dengue a infecção viral transmitida por artrópodes que mais rapidamente se alastra no mundo. A transmissão ocorre de forma endêmica em mais de 100 paises, onde anualmente são notificados de cinquenta a cem milhões de casos, causando pelo menos vinte e quatro mil óbitos. Na América do Sul entre 2001-2007, 64% dos casos de dengue foram diagnosticados em países do cone-sul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), dos quais 98% no Brasil, que apresenta a maior taxa de letalidade da subregião.(1-3)

O espectro da infecção pelo vírus da dengue inclui desde as formas assintomáticas até os quadros graves com choque, disfunção orgânica e sangramento significativo. Estas recomendações têm como foco as formas graves de dengue.

OBJETIVO

O objetivo deste documento é oferecer aos médicos intensivistas uma abordagem prática frente às apresentações graves de dengue no sentido de qualificar suas ações operacionais na ponta, tornando-as mais seguras, efetivas, eficientes, voltadas aos pacientes que desenvolvem risco elevado de morte, em tempo adequado e de forma equânime.

ASPECTOS GERAIS

Curso da doença

Nos pacientes com manifestações clínicas da infecção pelo vírus da dengue pode-se distinguir três fases de evolução da doença: febril, crítica e recuperação (Figura 1).(1,2)


- Fase febril: Febre, mialgia, cefaleia, artralgia, exantema, frequentemente indistinguíveis de outras patologias febris agudas. Podem ocorrer manifestações hemorrágicas discretas como gengivorragia e epistaxe: O reconhecimento da evolução para formas graves nesta fase pode ser difícil, devendo observar-se para tal os sinais de alerta (Figura 2). Duração: 2-7 dias


- Fase crítica ou defervescência: Caracterizada pelas manifestações clínico-laboratoriais da disfunção endotelial promovida pela infecção viral, com aumento da permeabilidade capilar e extravasamento de plasma para o espaço extravascular. Esta fase é marcada pela súbita defervescência, alterações circulatórias e perfusionais (hipotensão e choque de inicio hipovolêmico), derrames serosos (pleural e ascite) e disfunções orgânicas tais como insuficiência hepática, encefalite, miocardite e distúrbios de coagulação. Leucopenia progressiva e queda abrupta da contagem plaquetária precedem o extravasamento plasmático, e a elevação progressiva do hematócrito espelhará a magnitude da perda de volume para o terceiro-espaço. Deve-se, no entanto ressaltar que pode haver comprometimento orgânico grave, como hepatite, encefalite, miocardite e hemorragias clinicamente significativas na ausência de sinais clínicos de extravasamento plasmático. A fase crítica, evidente em 10-15% dos casos de dengue, marca a evolução da doença como grave. Duração: 1-3 dias

- Fase de recuperação: Melhora progressiva da disfunção endotelial com gradual reabsorção do fluido extravascular, estabilização do hematócrito e recuperação progressiva das plaquetas. Pode aparecer um exantema do tipo "ilhas bancas em um mar vermelho", prurido e bradicardia ao eletrocardiograma. Nesta fase, devido à progressiva recuperação da função endotelial, a administração de líquidos (e o uso eventual de diuréticos) deve ser criteriosa para evitar sobrecarga volêmica, insuficiência cardíaca congestiva e perpetuação da insuficiência respiratória e dos derrames serosos. Duração: 1-3 dias

Nova classificação da dengue

As formas clínicas de dengue são classificadas classicamente em febre da dengue, febre hemorrágica da dengue e síndrome do choque da dengue.(3-6) A OMS propõe, baseada nos resultados do estudo multicêntrico "DENCO" (DENgue COntrol),(7) uma classificação simplificada com maior aplicabilidade prática baseada na avaliação clínica e de exames laboratoriais amplamente disponíveis. O novo sistema divide os casos de dengue em duas categorias de gravidade: 1) dengue (com ou sem sinais de alerta) e 2) dengue grave (Figura 2).

- Dengue sem sinais de alerta: os sintomas correspondem à fase febril aguda, caracterizada por mialgias, cefaleia, artralgias, exantemas em variados graus de intensidade. Deve-se chamar a atenção que esses achados clínicos não distinguem casos que evoluirão de forma benigna ou grave.

- Dengue com sinais de alerta: A diminuição abrupta da temperatura, dor abdominal intensa e contínua, náusea e vômitos persistentes, hepatomegalia, redução do nível de consciência, sangramentos espontâneos, sinais clínicos de acumulação de líquidos (derrame pleural, ascite, derrame pericárdico) e o aumento do hematócrito acompanhado de diminuição das plaquetas, caracterizam os chamados sinais de alerta, que resultam do aumento da permeabilidade capilar com extravasamento de plasma para o terceiro espaço e determinam o início da fase crítica. A atenção para a presença de sinais de alerta no curso da evolução da dengue é fundamental, pois indica a possibilidade de evolução para dengue grave.

- Dengue grave: definida como a forma de evolução que apresenta a fase critica na sua maior intensidade, com importante extravasamento de plasma levando ao choque e/ou insuficiência respiratória, bem como, sangramento considerado relevante pelos médicos assistentes e ou evolução para disfunção orgânica.

RECOMENDAÇÕES GERAIS

Diagnóstico etiológico da dengue

Não é necessária a confirmação diagnóstica em todos os casos suspeitos da dengue nos períodos de epidemia. Os exames de confirmação deverão ser solicitados para os pacientes que apresentam as formas graves da doença, gestantes, crianças e em períodos inter epidêmicos e para aqueles que apresentem formas atípicas.(8)

A escolha do método laboratorial dependerá do tempo de instalação dos sintomas da doença. Do primeiro ao quinto dia, por ainda não haver conversão sorológica, a infecção pode ser diagnosticada através de isolamento viral em cultura de células, detecção do RNA viral através de técnicas de amplificação (RT-PCR) ou pela detecção de antígenos virais como o NS-1. Após o quinto dia, a viremia e antigenemia desaparecem coincidindo com a possibilidade de detecção dos anticorpos específicos. A partir do sexto dia o IgM ELISA é o método de escolha para o diagnóstico da dengue, apresentando uma positividade superior a 70% no sétimo dia do início dos sintomas e 100% a partir do décimo dia da evolução da doença.(1,9)

Indicação de internação

Constituem indicação de internação as situações abaixo definidas.(10)

1. Pacientes com quadro clínico de dengue com sinais de alerta deverão ser internados em unidades de observação, emergência ou unidade semi-intensiva com capacidade de apropriada monitoração, tratamento e eventual transferência para unidade de terapia intensiva (UTI) em caso de deterioração clínico-laboratorial.

2. Pelo potencial de agravamento de condições pre-existentes, pessoas com menos de 15 ou mais de 60 anos, mulheres grávidas e portadores de patologias como: obesidade, diabetes mellitus, doenca grave do sistema cardiovascular, asma brônquica e doença pulmonar obstrutiva crônica [DPOC]), doenças hematológicas (principalmente anemia falciforme e trombocitopenias crônicas), insuficiência renal crônica, doença acidopéptica em atividade, doenças auto-imunes ou o uso continuado de medicamentos tais como antiagregantes plaquetários, anticoagulantes, anti-inflamatórios e imunossupressores requerem atenção especial. Pacientes com quadro clínico-laboratorial compatível com dengue grave serão candidatos a cuidados em unidades de terapia intensiva.

Tratamento

A dengue é uma doença dinâmica, o que permite que o paciente evolua de um estágio a outro rapidamente. O manejo adequado depende do reconhecimento precoce de sinais de alerta, do contínuo monitoramento e re-estadiamento dos casos e da pronta tomada de condutas que garantam a estabilidade hemodinâmica e ventilatória dos pacientes, além das medidas de suporte aos eventuais comprometimentos orgânicos.

O tratamento de adultos(1,2,8-10) (Figura 3) e de crianças(8,11-13) (Figura 4) será abordado em algoritmos separados atendendo a especificidades próprias destas faixas etárias.



RECOMENDAÇÕES ESPECÍFICAS

Adultos

1. Os cuidados médicos não devem esperar a transferência para as unidades específicas, devendo ser iniciados imediatamente no local de atendimento conforme a classificação da gravidade da dengue.

2. O rápido restabelecimento do volume circulante é a pedra angular da terapia das formas graves de dengue. Neste contexto, as soluções cristalóides são as opções mais baratas e eficazes para a ressuscitação inicial.(14)

3. A persistência de sinais clínicos e laboratoriais de hipoperfusão (hipotensão ou pressão de pulso convergente, oliguria, hiperlactatemia) após as etapas de infusão de soluções cristalóides, associada à hemoconcentração, indica manutenção da perda de líquido para o intersticio. A utilização excepcional de colóides nesta situação deve idealmente ser orientada por metas perfusionais (pressão arterial média (PAM), diurese, pressão venosa central (PVC), SvcO2, lactato) de acordo com as possibilidades e experiência da equipe no local do atendimento (unidade de observação, emergência, unidade semi-intensiva ou UTI). Na escolha do tipo de colóide a ser empregado deverão ser levados em conta os potenciais efeitos adversos dos diferentes produtos (reações alérgicas e alteração da coagulação).

4. A inserção de cateteres venosos profundos para infusão, avaliação da PVC e SvcO2 deve ser limitada, priorizando os sítios de punção compressíveis e evitando o acesso subclávio. Sempre que possível, a punção deverá ser guiada por ultrassonografia. Apesar de não haver consenso quanto ao limiar mínimo de contagem de plaquetas para a punção de acesso central seguro, sugere-se a transfusão de plaquetas com o objetivo de atingir 50.000/mm3 para a realização de procedimentos na UTI e cirurgias de urgência nos pacientes com dengue. A contagem de plaquetas obtida pelo método de impedância elétrica (presente nos contadores automatizados), pode apresentar resultados falseados devido a presença de fragmentos de eritrócitos ou plaquetas gigantes.(15) Recomenda-se que, especialmente nas contagens de plaquetas < 30.000/ mm3, o resultado seja confirmado através da contagem manual na câmara de Neubauer.(16)

5. Durante o período de instabilidade hemodinâmica a monitoração do hematócrito e do número de plaquetas deverá ser frequente. O intensivista deve suspeitar de complicações hemorrágicas quando os sinais de hipoperfusão persistirem após a infusão de volume, associados à queda do hematócrito (Ht). A revisão do Ht deve ser feita após a primeira etapa de ressuscitação volêmica. Na vigência de choque, o Ht < 40% em crianças e mulheres adultas, e < 45% em homens adultos pode indicar sangramento e a necessidade de realização de prova cruzada para obtenção de sangue isotipado o mais rápido possível. Não se aplica aqui o patamar de Ht< 30% para indicar a terapia transfusional, como recomenda a ressuscitação objetivando metas na "Campanha de sobrevivência na sepse", pois a concomitância de extravasamento plasmático mascara a magnitude da queda do hematócrito, subestimando a real perda de massa sanguínea.

6. Será necessário avaliar parâmetros básicos de coagulação: tempo de protrombina (TAP), tempo de tromboplastina parcial ativada (PTTa) e fibrinogênio. Se o fibrinogênio < 100 mg/dL deverá ser priorizada a transfusão de crioprecipitado: 10 u/Kg. Se o fibrinogênio > 100 mg/dL e o TAP e/ou PTTa> 1.5 vezes o controle, deverá ser considerada a transfusão de plasma fresco congelado: 10 -15 mL/Kg.(2,8)

7. O uso de concentrado de plaquetas estará indicado nos casos de trombocitopenia menor que 50.000/mm3 com suspeita de sangramento grave (p.ex do sistema nervoso central), na dose de 1 unidade de concentrado de plaquetas para cada 7 Kg a cada 8 horas ou 12 horas, até o controle do sangramento (Figura 5).(17) O ideal é a transfusão de plaquetas isotipadas, filtradas e com tempo de existência menor que 72 horas, ou obtidas por aférese (doador único). As manifestações hemorrágicas na dengue são produzidas pela elevada fragilidade vascular, trombocitopenia e consumo do fibrinogênio que devem ser avaliadas clinica e laboratorialmente, caracterizando-se coagulação intravascular disseminada (CIVD). A trombocitopenia per se não é um fator preditor de sangramento e, portanto, a transfusão profilática de plaquetas não está indicada.(18)


8. O uso prévio de anti-inflamatórios não esteróides, anticoagulantes orais, antiagregantes plaquetários e a historia de doença péptica aumentam a chance de hemorragias no curso da dengue. O estado prolongado de hipo-hidratação, assim como de hipotensão arterial/choque e a hipotermia são fatores determinantes no desencadeamento e perpetuação do distúrbio da coagulação, devendo ser corrigidos. No contexto da coagulopatia da dengue, não há informações que sustentem a utilização de corticóides, imunoglobulinas ou fator VII ativado recombinante.

9. A disfunção miocárdica aguda reversível é a complicação cardíaca mais documentada na dengue, sendo a depressão miocárdica frequente nos casos de choque.(19) Embora a síndrome do choque relacionado à dengue ocorra primariamente em razão do aumento da permeabilidade vascular, com consequente padrão hipovolêmico, a persistência da instabilidade hemodinâmica depois de adequada expansão volêmica requer avaliação e tratamento da disfunção ventricular associada, aos moldes do tratamento atual da sepse.

10. Graus diferentes de disfunção hepática são frequentemente encontradas em pacientes com dengue.(20) A maioria dos estudos mostra que as elevações de transaminases ocorrem em mais de 60% dos casos. Todos os sorotipos estão envolvidos, sendo os tipos 3 e 4 relacionados com maior morbidade. A hepatite grave (alanina aminotransferase, ALT > 300 IU) está associada à maior tempo de internação hospitalar, a uma frequência maior de sangramentos graves e desenvolvimento de insuficiência renal aguda, evolução para encefalopatia e maior mortalidade. A hepatite fulminante deve ser classificada como superaguda quando a encefalopatia e a coagulopatia se instalam antes dos sete dias de evolução da doença e a forma aguda no período de 7 a 28 dias. A encefalopatia hepática, classificada a partir de graus de gravidade (grau I: alterações do humor e ritmo do sono; grau II: confusão mental; grau III: torpor; grau IV: coma) é o melhor critério para indicação de UTI, preferencialmente em unidades com acesso ao sistema de transplantes.

11. Outras causas de encefalopatia, além da hepática, devem ser consideradas, investigadas e adequadamente abordadas nos pacientes com dengue: distúrbios hidroeletrolíticos (especialmente hiponatremia), edema e hemorragia cerebrais, anoxia e encefalite primária pelo vírus.

Pacientes com condições pré-existentes

As condições médicas pré-existentes (p. ex. cardiopatia, diabetes, pneumopatia crônica, gravidez) devem ser acompanhadas em todas as etapas, adequando o tratamento geral da dengue às necessidades especificas de cada situação.

- Obesos: Para a infusão de volume em pacientes com sobrepeso ou obesidade deve-se usar como base o peso ideal.(2)

- Grávidas: A dengue durante a gravidez está associada a aumento da mortalidade maternal e fetal, prematuridade, baixo peso ao nascer e anomalias fetais.(21) Por apresentar aumento fisiológico do volume sanguíneo, a grávida pode mascarar os sinais de perda da volêmica até que esta atinja níveis críticos. Deverá ser realizada avaliação obstétrica e do bem-estar fetal a cada mudança do estado clínico materno, observando-se a possibilidade de complicações materno-fetais relacionadas à hipoperfusão, descolamento prematuro da placenta e outros sangramentos obstétricos. O protocolo de ressuscitação será o mesmo que o de pacientes não grávidas. Na ocorrência de parada cardiorrespiratória (PCR) durante a gravidez com mais de 20 semanas de gestação, as manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP) deverão levar em consideração o impacto da hipovolemia no mecanismo da PCR: deslocamento do útero para a esquerda liberando a veia cava inferior durante as manobras de ressuscitação e a consideração de cesariana de urgência na ineficácia das medidas após 5 min de RCP.

- Usuários de terapia antitrombótica: como regra geral, os pacientes com dengue devem evitar o uso de ácido acetilsalicílico (AAS) devido ao risco de desenvolvimento de síndrome de Reye e de agravamento das complicações advindas da trombocitopenia grave.(19)

a. Para pacientes com dengue e alto risco de trombose no curto prazo, tais como aqueles: 1) submetidos à angioplastia coronária com stents implantados recentemente (um mês para não farmacológico, e três a seis meses para farmacológico); 2) portadores de próteses valvares mecânicas, particularmente em posição mitral, tricúspide, ou com fibrilação atrial crônica (FAC) associada, história prévia de tromboembolismo ou nas pessoas com mais de uma válvula mecânica; 3) portadores de FAC com múltiplos fatores de risco trombótico (disfunção ventricular, idosos, hipertensos, diabéticos, valvopatas, acidente vascular cerebral (AVC) prévio, trombo intracavitário) - recomenda-se manter clopidogrel e AAS, naqueles que já recebiam. Suspender varfarina e substituir por heparina assim que o INR estiver abaixo da faixa terapêutica, monitorando seriadamente plaquetas e coagulograma. Suspender as medicações se contagem plaquetária for igual ou inferior a 50.000/mm3, evidência clínica ou laboratorial de sangramento ou choque.

b. Para pacientes com dengue e pequeno risco de trombose no curto prazo, tais como: 1) portadores de doença arterial coronária estável; 2) pacientes submetidos à angioplastia coronária com stents há mais de seis meses; 3) portadores de FAC sem fatores de risco trombóticos (ou com apenas um); 4) portadores de prótese valvar biológica - recomenda-se suspender AAS e considerar a suspensão do clopidogrel e varfarina por uma semana.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Devem-se considerar, na apresentação clínica das formas graves de dengue, os seguintes diagnósticos diferenciais: abdome agudo (gastroenterite grave, apendicite, colecistite, pancreatite, perfuração intestinal), sepse bacteriana ou fúngica, meningococcemia, malaria, leptospirose, febre tifóide, hepatite viral aguda grave, febre amarela, influenza, febre maculosa, hantavirose, síndrome retroviral aguda, doenças hematológicas agudas graves (leucemia, púrpuras trombocitopênicas), doença de Kawasaki.

CRITÉRIOS DE ALTA DA UTI

Pacientes que por mais de 24 horas permaneçam hemodinamicamente compensados sem aminas, com hematócrito estável e plaquetas em ascensão > 20.000 mm3, estabilidade ventilatória com suporte mínimo (suplementação de O2 ou períodos de ventilação não invasiva) e com as eventuais disfunções orgânicas compensadas mesmo que artificialmente (p.ex: hemodiálise) podem ser considerados para transferência para unidades de menor complexidade.

13. Fluxograma de abordagem da dengue na criança, elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro em colaboração com a Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ).

Final de elaboração: Junho de 2011

Submetido em 6 de Junho de 2011

Aceito em 13 de Junho de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

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  • Autor correspondente:
    Juan Carlos Rosso Verdeal
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      Jun 2011
    • Revisado
      06 Jun 2011
    • Aceito
      13 Jun 2011
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