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Falta de acurácia dos índices ventilatórios para predizer sucesso de extubação em crianças submetidas a ventilação mecânica

Resumos

OBJETIVOS: Entre 10% e 20% das crianças submetidas a ventilação mecânica na unidade de terapia intensiva terão falha da extubação. Foram discutidos diversos índices ventilatórios para prever falha da extubação. O objetivo deste estudo foi analisar a acurácia destes índices para prever extubação bem sucedida em crianças e avaliar estas variáveis segundo a idade e doença específica. MÉTODOS: Este foi um estudo prospectivo observacional que incluiu todas as crianças submetidas a ventilação mecânica em uma unidade de terapia intensiva pediátrica de referência no Brasil realizado entre agosto de 2007 e agosto de 2008. Foram medidos antes da extubação o volume corrente, máxima pressão inspiratória negativa, índice de respiração rápida e superficial e outros índices ventilatórios. Estas variáveis foram analisadas segundo o desfecho da extubação (sucesso ou falha) assim como em relação à idade e doença específica (pós-cirurgia cardíaca e bronquiolite viral aguda). RESULTADOS: Foram incluídos 100 pacientes (idade mediana de 2,1 anos). Foi observada falha da extubação em 13%, que foi associada a baixo peso (10,3 ± 8,1 kg versus 5,5 ± 2,4 kg; p=0,01) e com a principal causa para indicação de ventilação mecânica: crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca (n=17) tiveram um índice de falha da extubação de 29,4%, com um risco relativo de 4,6 (1,2-17,2) em comparação com crianças com bronquiolite aguda (n=47; taxa de falha da extubação de 6,4%). A pressão inspiratória máxima foi a única variável fisiológica independentemente associada com o desfecho. Entretanto, esta variável demonstrou uma ampla dispersão e falta de acurácia para prever o sucesso da extubação (sensibilidade de 82% e especificidade de 55% para um ponto de corte de -37,5 cmH2O para prever sucesso). A mesma ampla dispersão foi observada para os demais índices ventilatórios. CONCLUSÃO: Os índices disponíveis para prever o sucesso da extubação em crianças submetidas a ventilação mecânica não são acurados; eles têm uma ampla variabilidade que depende da idade, doença de base e outros aspectos clínicos. Devem ser desenvolvidas novas fórmulas que incluam variáveis clínicas para melhor previsão da extubação em crianças submetidas a ventilação mecânica.

Unidades de terapia intensiva pediátrica; Respiração artificial; Intubação/efeitos adversos; Insuficiência respiratória; Desmame do respirador


OBJECTIVES: Between 10% and 20% of children submitted to mechanical ventilation in the pediatric intensive care unit present extubation failure. Several ventilatory indexes have been proposed to predict extubation failure. The aim of this study was to analyze the accuracy of these indices in predicting successful extubation in children and to evaluate these variables according to the age of the patient and the specific disease. METHODS: A prospective observational study including all children submitted to mechanical ventilation in a Brazilian referral pediatric intensive care unit was conducted between August 2007 and August 2008. The tidal volume, maximal negative inspiratory pressure, rapid shallow breathing index and other ventilatory indexes were measured before extubation. These variables were analyzed according to the extubation outcome (success or failure) as well as age and specific disease (post cardiac surgery and acute viral bronchiolitis). RESULTS: A total of 100 patients were included (median age of 2.1 years old). Extubation failure was observed in 13% and was associated with lower weight (10.3+8.1 Kg vs. 5.5+2.4 Kg; p=0.01). We also evaluated the relationship between extubation failure and the main cause indicating mechanical ventilation: children who had received cardiac surgery (n=17) presented an extubation failure rate of 29.4% with a relative risk of 4.6 (1.2-17.2) when compared to children with acute viral bronchiolitis (n=47, extubation failure rate of 6.4%). The maximal inspiratory pressure was the only physiologic variable independently associated with the outcome. However, this variable showed a wide dispersion and lack of accuracy for predicting extubation success (sensitivity of 82% and specificity of 55% for a cut point of -37.5 cmH2O predicting successful extubation). The same wide dispersion was observed with other ventilatory indexes. CONCLUSION: The indexes for predicting extubation success in children submitted to mechanical ventilation are not accurate; they vary widely depending on age, main disease and other clinical aspects. New formulas including clinical variables should be developed for better prediction of extubation success in children submitted to mechanical ventilation

Pediatric intensive care; Respiration, artificial; Intubation/adverse effects; Respiratory insufficiency; Ventilator weaning


ARTIGO ORIGINAL

Falta de acurácia dos índices ventilatórios para predizer sucesso de extubação em crianças submetidas a ventilação mecânica

Silvia Gatiboni; Jefferson Pedro Piva; Pedro Celiny Ramos Garcia; Cinthia Jonhston; Patrícia Hommerding; Flávia Franz; Lucien Gualdi

Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS, Porto Alegre (RS), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Jefferson Pedro Piva UTI Pediátrica – Hospital São Lucas - 5º andar. Av. Ipiranga, 6690 CEP: 90610-000 - Porto Alegre (RS), Brasil. E-mail: jpiva@pucrs.br

RESUMO

OBJETIVOS: Entre 10% e 20% das crianças submetidas a ventilação mecânica na unidade de terapia intensiva terão falha da extubação. Foram discutidos diversos índices ventilatórios para prever falha da extubação. O objetivo deste estudo foi analisar a acurácia destes índices para prever extubação bem sucedida em crianças e avaliar estas variáveis segundo a idade e doença específica.

MÉTODOS: Este foi um estudo prospectivo observacional que incluiu todas as crianças submetidas a ventilação mecânica em uma unidade de terapia intensiva pediátrica de referência no Brasil realizado entre agosto de 2007 e agosto de 2008. Foram medidos antes da extubação o volume corrente, máxima pressão inspiratória negativa, índice de respiração rápida e superficial e outros índices ventilatórios. Estas variáveis foram analisadas segundo o desfecho da extubação (sucesso ou falha) assim como em relação à idade e doença específica (pós-cirurgia cardíaca e bronquiolite viral aguda).

RESULTADOS: Foram incluídos 100 pacientes (idade mediana de 2,1 anos). Foi observada falha da extubação em 13%, que foi associada a baixo peso (10,3 ± 8,1 kg versus 5,5 ± 2,4 kg; p=0,01) e com a principal causa para indicação de ventilação mecânica: crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca (n=17) tiveram um índice de falha da extubação de 29,4%, com um risco relativo de 4,6 (1,2-17,2) em comparação com crianças com bronquiolite aguda (n=47; taxa de falha da extubação de 6,4%). A pressão inspiratória máxima foi a única variável fisiológica independentemente associada com o desfecho. Entretanto, esta variável demonstrou uma ampla dispersão e falta de acurácia para prever o sucesso da extubação (sensibilidade de 82% e especificidade de 55% para um ponto de corte de -37,5 cmH2O para prever sucesso). A mesma ampla dispersão foi observada para os demais índices ventilatórios.

CONCLUSÃO: Os índices disponíveis para prever o sucesso da extubação em crianças submetidas a ventilação mecânica não são acurados; eles têm uma ampla variabilidade que depende da idade, doença de base e outros aspectos clínicos. Devem ser desenvolvidas novas fórmulas que incluam variáveis clínicas para melhor previsão da extubação em crianças submetidas a ventilação mecânica.

Descritores: Unidades de terapia intensiva pediátrica; Respiração artificial; Intubação/efeitos adversos; Insuficiência respiratória; Desmame do respirador

INTRODUÇÃO

Entre 40% e 60% das crianças admitidas a unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIP) são submetidas a ventilação mecânica (MV). Observa-se falha da extubação (FE) em 10% a 20% delas.(1-3) Define-se FE como a necessidade de reintrodução do tubo traqueal e volta à VM nas primeiras 48 horas após a remoção do tubo traqueal.(3-5) A FE tem sido associada a alguns maus resultados, como: parada cardiorrespiratória, prolongamento da estada na UTIP, predisposição a infecções hospitalares e aumento das taxas de mortalidade.(6-10) Os fatores de risco associados a FE incluem: baixa idade (menos de 24 meses de idade), condições disgenéticas, doenças respiratórias crônicas, condições neurológicas crônicas, hipóxia prolongada (choque ou parada cardiorrespiratória) e o número de trocas de tubo durante o período em VM.(11-14)

FE em crianças ocorre como consequência de uma obstrução das vias aéreas superiores em um quarto dos casos. As principais causas de FE em pacientes pediátricos são agrupadas em um grupo heterogêneo, que inclui: deterioração da condição pulmonar, insuficiência cardiovascular, falha da musculatura respiratória (fadiga), comprometimento neurológico e efeitos residuais de sedativos.(1,5,6,8,11,12,14)

Não existem sinais clínicos específicos que poderiam prever com precisão a FE em crianças antes da retirada do tubo traqueal. Foram propostos diversos índices de adultos para prever sucesso da extubação em crianças, como índice de respiração rápida e superficial (IRRS), índice CROP [complacência dinâmica x pressão negativa inspiratória máxima x (PaO2/PAO2)/frequência respiratória], e pressão inspiratória máxima (PIM).(11,15-21) Entretanto, não foram ainda definidos os exatos pontos de corte para cada um destes diferentes índices para prever o sucesso da extubação em crianças.(9,10,12)

Os objetivos deste estudo foram analisar a acurácia de alguns índices ventilatórios para prever o sucesso da extubação em crianças submetidas a VM e avaliar essas variáveis segundo a idade e doença específica.

MÉTODOS

Foi realizado entre agosto de 2007 e agosto de 2008 um estudo clínico observacional prospectivo em uma UTIP de um hospital universitário de referência (Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), Brasil). São anualmente admitidos a um dos 13 leitos desta UTIP em média 450 crianças, com uma mortalidade de 9%.(22) Cerca de 60% das crianças admitidas à UTIP são submetidas a VM, sendo que 50-60% delas são submetidas a VM por mais de 24 horas.(11,22) Esta UTIP é uma referência regional para casos de transplante de rim, neurocirurgia e cirurgia cardíaca. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, com a exigência de que os pais (ou responsável legal) assinassem um termo de consentimento livre e esclarecido.

Todas as crianças (com idades de 1 mês a 15 anos) admitidas à UTIP durante este período e submetidas a VM por mais de 24 horas foram consideradas elegíveis para o estudo. Foram excluídos pacientes com traqueostomia. Havia três modelos de respirador disponíveis durante o estudo: Siemens Servo 300, Siemens Servo i e Engströn GE Healthcare.

A modalidade ventilatória preferida nesta UTIP se baseia no controle da pressão com ventilação obrigatória sincronizada intermitente conectada a suporte pressórico. O processo de desmame e o momento preciso da extubação traqueal ficaram a critério da equipe médica, sem a interferência do investigador principal (SG). As condições gerais exigidas para a extubação foram: (a) estar alerta e desperto (Ramsay 1-2) sem (ou com mínima) infusão de sedativos e analgésicos; (b) melhora ou resolução da causa de base da insuficiência respiratória aguda; (c) trocas gasosas adequadas, conforme indicado pela pressão arterial parcial de oxigênio (PaO2) acima de 60 mmHg respirando com uma fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 0,40 ou menos; (d) necessidade de pressão expiratória final positiva (PEEP) abaixo de 7 cmH2O, e (e) boa resposta no teste de respiração espontânea (TER) com pressão de suporte de 7 cmH2O por 30-60 minutos.(5,6,10,12)

Imediatamente após definido pela equipe médica que a criança estava pronta para extubação, o paciente era mantido em ventilação mecânica com os mesmos parâmetros prévios ao teste de respiração espontânea, e o terapeuta respiratório contatado para colher as seguintes variáveis: a) parâmetros de VM; b) risco relativo (RR); c) volume minuto (VE) por meio de um ventilômetro, por um minuto; d) volume corrente (VC), calculado pela divisão de VE pelo RR; e) IRRS, calculado pela pressão inspiratória máxima (PIM) e pressão expiratória máxima (PEM) medidas com um manovacuômetro digital, escolhendo o valor mais negativo entre cinco esforços. Após todas as medidas, independentemente dos valores dos índices, o tubo traqueal era removido e a VM cessada.

Após a remoção do tubo traqueal, a criança era mantida recebendo oxigênio (2-4 litros/minuto) por meio de sonda nasal. Neste estudo, definiu-se FE como necessidade de reinserção do tubo traqueal dentro das 48 horas após a extubação. Com base em informações da equipe médica assim como de dados obtidos na ficha clínica, as razões para FE foram classificadas como: a) obstrução das vias aéreas superiores; e b) insuficiência respiratória.

O parâmetro principal deste estudo foi extubação traqueal bem sucedida. Extratos específicos desta amostra foram analisados para avaliar os diferentes índices quanto ao sucesso da extubação: crianças abaixo de um ano de idade e crianças com bronquiolite aguda, assim como crianças no período pós-operatório de cirurgia cardíaca.

Tamanho da amostra: com base em estudos prévios,(11,23) assumimos uma taxa de falha da extubação de 15%. Adotando um erro alfa de 5% e um erro beta de 80%, estimou-se que um número mínimo de 13 crianças com falha da extubação seria apropriado para avaliar os índices respiratórios com relação ao sucesso da extubação. Considerando nossos estudos prévios e os critérios de inclusão, estimamos que seria necessário um período de estudo de um ano para obter o número necessário de crianças em ambos os grupos.

Foi utilizado o teste t de Student para comparação de variáveis contínuas com distribuição normal, e o teste U de Mann-Whitney foi utilizado para variáveis com distribuição não normal. Possíveis fatores associados com falha da extubação foram medidos utilizando análise univariada (risco relativo com o respectivo intervalo de confiança de 95%). Os fatores significantes foram selecionados e analisados utilizando análise multivariada, sendo expressos pela odds ratio com o respectivo intervalo de confiança de 95%. Foi utilizada a curva ROC (receiver operating characteristic) para verificar o ponto de corte de melhor sensibilidade e especificidade para prever sucesso da extubação.

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital Lucas - PUCRS (CEP 271/04).

RESULTADOS

Durante o período do estudo, cem crianças submetidas a VM [média de idade = 25,8 ± 41,9 anos; mediana 6,5 (IQ25-75% 3,0-27,3) anos] cumpriram os critérios de inclusão e foram avaliadas de forma prospectiva. Todos os candidatos foram avaliados, sem qualquer perda. Observou-se FE em 13 crianças (13%), sendo que 6 delas (6%) precisaram voltar à VM dentro da primeira hora após a retirada do tubo traqueal. A duração média da VM em todo o grupo foi de 7,3 ± 0,8 dias (apenas 2 casos tiveram mais de 1 mês sob VM). Bronquiolite viral aguda foi o principal diagnóstico clínico (47%).

A taxa de FE variou segundo a principal causa para indicação da VM. Crianças com bronquiolite viral aguda (BVA; n=47) tiveram uma taxa de FE de 6,4%, enquanto crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca (n=17) tiveram uma taxa de FE 29,4% [RR 4,6 (1,2-17,2); p=0,02]. A FE foi associada com baixo peso (10,2 ± 8,1 kg versus 5,5 ± 2,4 kg; p=0,01), porém não houve diferença referente à média de idade, estatura e duração da VM. A pressão inspiratória máxima média medida imediatamente antes da extubação foi muito mais negativa em crianças com sucesso da extubação do que no grupo com FE (-60 ± 28,5 cmH2O versus -40,9 ± 19,5 cmH2O; p=0,02). Na análise de um modelo de regressão observamos que PIM e idade foram fatores independentes associados com falha da extubação (p=0,015 e 0,012, respectivamente). Por outro lado, não encontramos uma correlação significante entre pressão inspiratória máxima e idade (r2 = 0,59; p=0,07).

Os parâmetros de VM (pico de pressão inspiratória, PIP, PEEP, FiO2 e tempo inspiratório (Ti) avaliados imediatamente antes da extubação não mostraram qualquer diferença entre os dois grupos (Tabela 1). Quando apenas o grupo com BVA (n=47), observou-se que, mesmo sendo um grupo heterogêneo com relação à idade e o diagnóstico clínico, os resultados obtidos nas avaliações fisiológica respiratórias mostraram uma acentuada dispersão. A PIM foi de -66,2 ± 29,9 cmH2O (Figura 1A), assim como o índice de respiração superficial e rápida mostrou a mesma grande variabilidade, tornando difícil qualquer previsão em relação ao desfecho da extubação (Figura 1B).


Um total de 61 crianças (70% do sexo masculino) abaixo de um ano de idade foram extubadas após em média 8,5 dias de VM. BVA foi o principal diagnóstico em 42 (69%), seguido por pós-operatório de cirurgia cardíaca (8%), um grupo com diferentes diagnósticos clínicos (15%) e outro grupo em pós-operatório de diversas condições (8%). A taxa de FE neste grupo foi de 18% (11 crianças), todas em razão de piora de angústia respiratória, sem qualquer caso de obstrução de vias aéreas superiores (segundo o diagnóstico clínico feito pela equipe médica).

A pressão inspiratória máxima foi o único índice ventilatório em crianças abaixo de um ano de idade que mostrou uma diferença entre crianças que foram extubadas com sucesso e as com FE (-62,6 ± 29 cmH2O versus -42,7 ± 20,2 cmH2O; p=0,03) (Tabela 2). A área sob a curva ROC para PIM foi de 0,7 com sensibilidade de 82% e especificidade de 55%, para um ponto de corte de -37,5 cmH2O para prever extubação bem sucedida (Figura 2).


DISCUSSÃO

A taxa de FE neste estudo (13%) foi comparável ao relatado em estudos similares envolvendo crianças sob ventilação mecânica.(3,5,6,11,22) Neste estudo a FE se associou com baixo peso e com o diagnóstico principal de crianças submetidas a cirurgia cardíaca, mostrando uma taxa mais elevada de FE do que o observado em crianças com BAV [29,4% versus 6,4%, RR 4,6 (1,2-17,2)], conforme citado em diversos estudos.(3,6,24,25) Quando se comparam os grupos com sucesso e com falha, apenas uma variável respiratória mostrou significância estatística: a pressão inspiratória média máxima (PIM) que foi muito mais negativa no grupo bem sucedido do que no grupo com falha. Entretanto, a não uniformidade e a ampla dispersão desta variável afetou a acurácia para prever o sucesso da extubação (sensibilidade de 82% e especificidade de 55% para um ponto de corte de -37,5 cmH2O para prever sucesso).

A identificação precisa de crianças em VM com risco elevado de FE é um dos principais desafios atuais no campo da terapia intensiva pediátrica.(1-15) A remoção do tubo traqueal de uma criança que ainda não está pronta para sustentar suas próprias demandas respiratórias tem se associado com diversos problemas de risco à vida como parada cardiorrespiratória súbita, necessidade de intubação traqueal de emergência, taxa mais elevada de infecção adquirida no hospital, assim como prolongamento da estada na UTIP, duração da permanência hospitalar e aumento da taxa de mortalidade.(3,5,6,12,13)

Conforme foi demonstrado em diversos estudos, a FE é resultado de uma série de fatores que interagem entre si como a idade da criança, a duração da VM, o número de trocas do tubo traqueal, uso intenso de sedativos, assim como disfunção cardíaca e neurológica.(5-8,11,13,14,25,26) Consequentemente, é intrigante que mesmo conhecendo as variáveis associadas com pior prognóstico da retirada do tubo traqueal, estas não sejam levadas em conta nas diferentes fórmulas e índices utilizados para prever o sucesso/falha da extubação em crianças. Mais ainda, é difícil crer que apenas uma variável ou índice possa prever de forma acurada o sucesso da extubação em um grupo heterogêneo de crianças submetidas a VM.

Para uma melhor avaliação das limitações destes índices, apresentamos na Figura 3 o volume corrente de nossos pacientes, medido imediatamente antes da extubação e relacionando o ponto de corte escolhido por diferentes autores como acurados para prever sucesso da extubação.(7,11,16,17) Com o uso do ponto de corte do volume corrente de 4 ml/kg,(4,7,12,17) como preditor de extubação bem sucedida em crianças, sua sensibilidade e especificidade seriam de 16% e 85%, respectivamente. Se o ponto de corte de VC < 5,5 ml/kg(16) fosse adotado, sua sensibilidade seria de 31% e especificidade de 69%; por outro lado, se o ponto de corte de volume corrente fosse deslocado para 6 ml/kg(5), a sensibilidade e especificidade seriam, respectivamente de 39% e 54% (Figura 3).


A mesma limitação acima descrita se observa quando foram adotados pontos de corte diferentes para dois outros índices. Assumindo um ponto de corte de 8 rpm/ml/kg(7,8,11,16) no índice de respiração rápida e superficial como preditor de extubação bem sucedida, teríamos uma sensibilidade de 72% e uma especificidade de 23%. Considerando um ponto de corte de PIM ≤ 50 cmH2O(9) para prever o sucesso da extubação, teríamos uma sensibilidade de 57% e uma especificidade de 69%.

É bem conhecido que as crianças têm uma grande variabilidade em seus parâmetros fisiológicos. Dependendo da reserva fisiológica e do resultado das defesas do hospedeiro, e do impacto do processo patológico, a variabilidade destes parâmetros seria ainda maior. Levando em conta este conceito, não é surpreendente que estes índices se demonstrem não acurados e sem sensibilidade para prever o sucesso na população pediátrica.

Estamos conscientes de que nosso estudo apresenta limitações como A) o processo de desmame e de retirada do tubo traqueal se baseou exclusivamente na indicação médica, e não em um protocolo rígido. Entretanto, deve ser salientado que neste caso, o possível viés seria um número excessivo de falhas da extubação. Porém, isto não ocorreu em nosso estudo, onde a taxa de FE (13%) concorda com o número mais baixo aceitável de FE relatado em estudos prévios.(3,11,14) B) O tamanho da amostra não foi calculado para comparação de subgrupos, como crianças com BAV, ou com menos de um ano de idade, ou o grupo de cirurgia cardíaca e, obviamente, estas comparações devem ser avaliadas com cautela; C) O número restrito de crianças com FE. Este número pequeno de FE traz um desafio matemático para o cálculo da acurácia destes índices para prever falha da extubação. Contudo, isto não se constitui em um obstáculo para cálculo da sensibilidade e especificidade para sucesso da extubação, e nem para análise da grande variabilidade destes parâmetros.

Considerando os múltiplos aspectos envolvidos na extubação traqueal, não parece confiável crer que apenas uma ou duas variáveis fisiológicas respiratórias teriam a capacidade de prever o sucesso ou falha após remoção do tubo traqueal.(14,18,26-28) Com relação a isto, diz M. Tobin que "como um intensivista, nada desafia mais meu intelecto do que um paciente difícil de desmamar."(26) Se isto é real para pacientes adultos, podemos inferir que a retirada do tubo traqueal em crianças sob ventilação mecânica representa um desafio ainda maior.

Recentemente, Harikumar demonstrou em um grupo de 80 crianças em uso de ventilador que o índice tensão-tempo (ITT) é um previsor acurado do resultado da extubação.(29) Neste estudo, o ITT foi medido simultaneamente, utilizando duas abordagens: por meio da medida (tradicional) invasiva, assim como de uma forma não invasiva. Ambas as mensurações mostraram boa concordância e excelente capacidade de prever o desfecho da extubação em crianças ventiladas. Entretanto, estes resultados necessitam ser confirmados (validados) em outras populações similares de crianças submetidas a ventilação mecânica.

Em conclusão, as atuais fórmulas e índices para prever sucesso da extubação ou falha da extubação em crianças sob VM não são acurados, têm uma ampla variabilidade que depende da idade, da doença principal e de outros aspectos clínicos. Sob nossa perspectiva, o próximo passo neste campo deveria ser o desenvolvimento de índices ou fórmulas para prever o sucesso da extubação em crianças, incluindo algumas variáveis ponderadas como peso, idade, doença principal, condição nutricional, incapacidade neurológica, quantidade de bloqueadores neuromusculares e analgésicos/sedativos utilizados.

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi parcialmente apoiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq.

Submetido em 1 de março de 2011

Aceito em 23 de maio de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado no Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, Porto Alegre (RS), Brasil.

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  • Autor correspondente:
    Jefferson Pedro Piva
    UTI Pediátrica – Hospital São Lucas - 5º andar.
    Av. Ipiranga, 6690
    CEP: 90610-000 - Porto Alegre (RS), Brasil.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      23 Maio 2011
    • Recebido
      01 Mar 2011
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