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Injúria renal aguda em unidade de terapia intensiva: estudo prospectivo sobre a incidência, fatores de risco e mortalidade

Resumos

OBJETIVO: Comparar características clínicas e evolução de pacientes com e sem injúria renal aguda adquirida em unidade de terapia intensiva geral de um hospital universitário terciário e identificar fatores de risco associados ao desenvolvimento de injúria renal aguda e à mortalidade. MÉTODOS: Estudo prospectivo observacional com 564 pacientes acompanhados diariamente durante a internação em unidade de terapia intensiva geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu por 2 anos consecutivos (de maio de 2008 a maio de 2010), divididos em 2 grupos: com injúria renal aguda adquirida (G1) e sem injúria renal aguda adquirida (G2). RESULTADOS: A incidência de injúria renal aguda foi 25,5%. Os grupos diferiram quanto à etiologia da admissão em unidade de terapia intensiva (sepse: G1:41,6% x G2:24,1%, p<0,0001 e pós operatório neurológico 13,8% x 38,1%, p<0,0001), idade (56,8±15,9 x 49,8± 17,8 anos, p< 0,0001), APACHE II (21,9±6,9 x 14,1±4,6, p<0,0001), ventilação mecânica (89,2 x 69,1%, p<0,0001) e uso de drogas vasoativas (78,3 x 56,1%, p<0,0001). Com relação aos fatores de risco e às comorbidades, os grupos foram diferentes quanto à presença de diabetes mellitus, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal crônica e uso de anti-inflamatórios não hormonais (28,2 x 19,7%, p=0,03; 23,6 x 11,6%, p=0,0002, 21,5 x 11,5%, p< 0,0001 e 23,5 x 7,1%, p<0,0001, respectivamente). O tempo de internação e a mortalidade foram superiores nos pacientes que adquiriram injúria renal aguda (6,6 ± 2,7 x 12,9± 5,6 dias p<0,0001 e 62,5 x 16,4%, p<0,0001). À análise multivariada foram identificados como fatores de risco para injúria renal aguda, idade>55 anos, APACHE II>16, creatinina (cr) basal>1,2 e uso de anti-inflamatórios não hormonais (OR=1,36 IC:1,22-1,85, OR=1,2 IC:1,11-1,33, OR=5,2 IC:2,3-11,6 e OR=2,15 IC:1,1-4,2, respectivamente) e a injúria renal aguda esteve independentemente associada ao maior tempo de internação e à mortalidade (OR=1,18 IC:1,05-1,26 e OR=1,24 IC:1,09-1,99 respectivamente). À análise da curva de sobrevida, após 30 dias de internação, a mortalidade foi de 83,3% no G1 e 45,2% no G2 (p<0,0001). CONCLUSÃO: A incidência de injúria renal aguda é elevada em unidade de terapia intensiva, os fatores de riscos independentes para adquirir injúria renal aguda são idade >55 anos, APACHE II>16, Cr basal >1,2 e uso de anti-inflamatórios não hormonais e a injúria renal aguda é fator de risco independente para o maior tempo de permanência em unidade de terapia intensiva e mortalidade.

Lesão renal aguda; Incidência; Fatores de risco; Mortalidade; Unidade de terapia intensiva


OBJECTIVE:To compare the clinical features and outcomes of patients with and without acute kidney injury in an intensive care unit of a tertiary university hospital and to identify acute kidney injury and mortality risk factors. METHODS: This was a prospective observational study of a cohort including 564 patients followed during their stay in the intensive care unit of Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (Botucatu, São Paulo, Brazil) between May 2008 and May 2010. Patients were allocated to two different groups: with (G1) and without (G2) acute kidney injury. RESULTS: The incidence of acute kidney injury was 25.5%. The groups were different with respect to the reason for admission to the intensive care unit (sepsis, G1: 41.6% versus G2: 24.1%; P < 0.0001; neurosurgery, postoperative G1: 13.8% versus G2: 38.1%; P < 0.0001); age (G1: 56.8 ± 15.9 vs. G2: 49.8 ± 17.8 years; P < 0.0001); Acute Physiological Chronic Health Evaluation (APACHE) II score (G1: 21.9 ± 6.9 versus G2: 14.1 ± 4.6; P < 0.0001); use of mechanical ventilation (G1: 89.2% vs. G2: 69.1%; P < 0.0001) and use of vasoactive drugs (G1: 78.3% vs. G2: 56.1%; P < 0.0001). Higher rates of diabetes mellitus, congestive heart failure, chronic renal disease and use of non-steroidal anti-inflammatory drugs were more frequent in acute kidney injury patients (28.2% vs. 19.7%, P = 0.03; 23.6 vs. 11.6%, P = 0.0002; 21.5% vs. 11.5%, P < 0.0001 and 23.5% vs. 71.%, P < 0.0001, for G1 versus G2, respectively). Length of hospital stay and mortality were also higher for acute kidney injury patients (G1: 6.6 ± 2.7 days versus G2: 12.9 ±5.6 days, P < 0.0001 and G1: 62.5% versus G2: 16.4%, P < 0.0001). Multivariate analysis identified the following as risk factors for acute kidney injury: age above 55 years, APACHE II score above 16, baseline creatinine above 1.2 and use of non-steroidal anti-inflammatory drugs (odds ratio (OR) = 1.36, 95% confidence interval (95%CI): 1.22 - 1.85; OR = 1.2, 95%CI: 1.11 - 1.33; OR = 5.2, 95%CI: 2.3 - 11.6 and OR = 2.15, 95%CI: 1.1 - 4.2, respectively). Acute kidney injury was independently associated with longer hospital stay and increased mortality (OR = 1.18, 95%CI: 1.05 - 1.26 and OR = 1.24, 95%CI: 1.09 - 1.99, respectively). Analysis of the survival curve 30 days after admission showed 83.3% mortality for acute kidney injury patients and 45.2% for non-acute kidney injury patients (P < 0.0001). CONCLUSION: The incidence of acute kidney injury was high in this intensive care unit; the independent risk factors associated with acute kidney injury were age > 55 years, APACHE II > 16, baseline serum creatinine > 1.2 and use of non-steroidal anti-inflammatory drugs. Acute kidney injury is an independent risk factor for longer intensive care unit stay and mortality.

Acute kidney injury; Incidence; Risk factors; Mortality; Intensive care unit


ARTIGO ORIGINAL

Injúria renal aguda em unidade de terapia intensiva: estudo prospectivo sobre a incidência, fatores de risco e mortalidade

Daniela Ponce; Caroline de Pietro Franco Zorzenon; Nara Yamane dos Santos; Ubirajara Aparecido Teixeira; André Luís Balbi

Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Daniela Ponce Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu Distrito de Rubião Júnior, s/n CEP: 18618-970 - Botucatu (SP), Brasil Fone/Fax: (14) 3811-6005 / (14) 9762-5806 E-mail: dponce@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar características clínicas e evolução de pacientes com e sem injúria renal aguda adquirida em unidade de terapia intensiva geral de um hospital universitário terciário e identificar fatores de risco associados ao desenvolvimento de injúria renal aguda e à mortalidade.

MÉTODOS: Estudo prospectivo observacional com 564 pacientes acompanhados diariamente durante a internação em unidade de terapia intensiva geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu por 2 anos consecutivos (de maio de 2008 a maio de 2010), divididos em 2 grupos: com injúria renal aguda adquirida (G1) e sem injúria renal aguda adquirida (G2).

RESULTADOS: A incidência de injúria renal aguda foi 25,5%. Os grupos diferiram quanto à etiologia da admissão em unidade de terapia intensiva (sepse: G1:41,6% x G2:24,1%, p<0,0001 e pós operatório neurológico 13,8% x 38,1%, p<0,0001), idade (56,8±15,9 x 49,8± 17,8 anos, p< 0,0001), APACHE II (21,9±6,9 x 14,1±4,6, p<0,0001), ventilação mecânica (89,2 x 69,1%, p<0,0001) e uso de drogas vasoativas (78,3 x 56,1%, p<0,0001). Com relação aos fatores de risco e às comorbidades, os grupos foram diferentes quanto à presença de diabetes mellitus, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal crônica e uso de anti-inflamatórios não hormonais (28,2 x 19,7%, p=0,03; 23,6 x 11,6%, p=0,0002, 21,5 x 11,5%, p< 0,0001 e 23,5 x 7,1%, p<0,0001, respectivamente). O tempo de internação e a mortalidade foram superiores nos pacientes que adquiriram injúria renal aguda (6,6 ± 2,7 x 12,9± 5,6 dias p<0,0001 e 62,5 x 16,4%, p<0,0001). À análise multivariada foram identificados como fatores de risco para injúria renal aguda, idade>55 anos, APACHE II>16, creatinina (cr) basal>1,2 e uso de anti-inflamatórios não hormonais (OR=1,36 IC:1,22-1,85, OR=1,2 IC:1,11-1,33, OR=5,2 IC:2,3-11,6 e OR=2,15 IC:1,1-4,2, respectivamente) e a injúria renal aguda esteve independentemente associada ao maior tempo de internação e à mortalidade (OR=1,18 IC:1,05-1,26 e OR=1,24 IC:1,09-1,99 respectivamente). À análise da curva de sobrevida, após 30 dias de internação, a mortalidade foi de 83,3% no G1 e 45,2% no G2 (p<0,0001).

CONCLUSÃO: A incidência de injúria renal aguda é elevada em unidade de terapia intensiva, os fatores de riscos independentes para adquirir injúria renal aguda são idade >55 anos, APACHE II>16, Cr basal >1,2 e uso de anti-inflamatórios não hormonais e a injúria renal aguda é fator de risco independente para o maior tempo de permanência em unidade de terapia intensiva e mortalidade.

Descritores: Lesão renal aguda; Incidência; Fatores de risco; Mortalidade; Unidade de terapia intensiva

INTRODUÇÃO

A injúria renal aguda (IRA) é caracterizada por uma rápida queda do ritmo de filtração glomerular, podendo ser acompanhada de retenção de produtos nitrogenados e distúrbios hidroeletrolíticos.(1-2) É uma síndrome complexa, de etiologias múltiplas e variáveis e sem consenso em sua definição.(3,4) Em 2007, Mehta et al.,(5) com o objetivo de uniformizar o diagnóstico e a classificação desta síndrome, propuseram como critérios diagnósticos de IRA as alterações agudas dos níveis séricos da creatinina (aumento absoluto de creatinina superior a 0,3 mg/dL ou relativo de 50% em relação ao valor basal) ou do débito urinário (diminuição inferior a 0,5 ml/kg/min por mais de 6 horas - oligúria).

A IRA é uma das mais importantes complicações observadas em pacientes que estão hospitalizados. Sua incidência varia de acordo com as condições clínicas dos pacientes, sendo maior em unidades de terapia intensiva (UTI - 20 a 40%) e menor em unidades onde o cuidado é intermediário (1 a 7%). Em estudo multicêntrico, Uchino et al.(6) mostraram que 5,7% dos pacientes internados em UTI evoluem com IRA e necessidade dialítica.

Além de ser uma complicação comum em pacientes críticos, a IRA é um fator de risco independente de morte.(6,7) O prognóstico destes pacientes continua grave, com mortalidade ao redor de 50%, apesar dos avanços tecnológicos no manejo de pacientes graves e das novas técnicas de diálise. A despeito deste quadro grave e do aumento da incidência hospitalar da IRA, há evidências recentes de queda da mortalidade nos últimos anos.(3,4,8)

Certamente, diversos fatores contribuem para a manutenção deste quadro, destacando-se a falta de identificação de fatores de risco para o desenvolvimento da IRA, o diagnóstico tardio e o desconhecimento de fatores associados à mortalidade.(9,10)

No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HC-FMB), a IRA ocorre em torno de 1,9% das internações.(11) Entretanto, nas UTIs deste hospital este número aumenta para estimados 30%, com mortalidade dos pacientes em torno de 70%. É consenso geral da equipe que presta o atendimento nefrológico que provavelmente vários diagnósticos de IRA não são realizados ou ocorrem de modo tardio. Deste modo, são fundamentais estudos que avaliem a incidência e as características clínicas desta população, para que medidas preventivas e de diagnóstico precoce possam ser realizadas.

Este estudo teve como objetivos comparar características clínicas e evolução de pacientes com e sem IRA adquirida na UTI geral do HC-FMB e identificar fatores de risco associados ao desenvolvimento de IRA e à mortalidade.

MÉTODOS

Foram avaliados e acompanhados, de modo prospectivo, pacientes adultos admitidos na UTI geral do HC-FMB, durante o período de maio de 2008 a maio de 2010, desde a internação até o dia da alta da UTI para leitos da enfermaria ou óbito. O acompanhamento foi apenas observacional, sem qualquer intervenção.

Diariamente, um dos responsáveis pela pesquisa visitou a UTI geral e para cada paciente internado foi utilizado um protocolo contendo a identificação do paciente, as condições associadas com sua internação e o acompanhamento clínico e laboratorial (creatinina, uréia e potássio séricos) dos parâmetros de função renal, assim como o momento do diagnóstico de IRA realizado pela equipe de médicos intensivistas.

Os pacientes foram divididos, ao final do período de acompanhamento, em 2 grupos, de acordo com a evolução da função renal apresentada durante a internação na UTI:

- Grupo 1: pacientes com IRA adquirida durante internação na UTI

- Grupo 2: pacientes sem IRA adquirida durante internação na UTI

IRA foi definida de acordo com os critérios do AKI em um acréscimo de 50% no valor da creatinina sérica basal em 48 horas ou na presença de diurese inferior a 0,5 ml/kg/hora por mais de 6 horas, a partir de um insulto renal,(5) ocorrido durante a internação na UTI .

Foram excluídos pacientes menores de 18 anos, portadores de insuficiência renal crônica (IRC) avançada com creatinina sérica basal > 4,0 mg/dL, aqueles em tratamento dialítico crônico ou submetidos a transplante renal e pacientes com permanência inferior a 48 horas na UTI.

Como variáveis foram avaliados idade, gênero, etiologia da admissão na UTI, necessidade de ventilação mecânica e drogas vasoativas, o escore Acute Physiologic Chronic Health Evaluation (APACHE) II, presença de IRC (creatinina basal maior que 1,5 mg/dL), diabetes, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), uso de anti-inflamatórios não hormonais (AINH) definido como ingestão de pelo menos um comprimido de AINH diário por 5 dias consecutivos no mês que antecedeu a internação e a evolução dos pacientes.

À medida do possível, o observador não informou à equipe de médicos intensivistas sobre o desenvolvimento do trabalho, exceto para os responsáveis pela UTI.

O paciente ou o responsável legal assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, aceitando em participar do protocolo após explicações detalhadas de todas as suas etapas. Este estudo recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da FMB-UNESP, sendo aprovado em 03/09/2007, sob número 1793/2007.

Análise estatística

A partir do protocolo de estudo, os dados foram digitados em planilha eletrônica e verificados possíveis erros de digitação. A análise dos dados foi feita com auxílio do programa estatístico STATA 8.0 (STATACORP, 2004).

Inicialmente foi realizada uma análise descritiva dos pacientes internados na UTI, sendo avaliada a incidência de IRA durante o período de observação.

A seguir foram estudados os pacientes divididos em 2 grupos, de acordo com a presença ou não de IRA adquirida na UTI, sendo feita análise descritiva e calculadas medidas de tendência central e dispersão para as variáveis contínuas e de freqüência para as variáveis categóricas.

Em ambos os grupos, a significância estatística da associação entre as variáveis categóricas e a presença de IRA foi avaliada através do Teste do Qui-Quadrado, enquanto entre as variáveis contínuas e o mesmo desfecho foi avaliada pelo Teste t. Em ambos foi considerada significância estatística quando p < 0,05.

Foram realizadas comparações entre os grupos com e sem IRA adquirida na UTI. Os dados contínuos com distribuição paramétrica foram analisados pelo teste t e os não paramétricos pelo teste de Mann-Whitney

Para a identificação de fatores de risco associados ao desenvolvimento de IRA foi realizada a análise multivariada do tipo regressão logística, a partir de variáveis clínicas e laboratoriais que na análise univariada apresentaram p < 0,25. Foram construídas curvas de sobrevida de Kaplan Meyer em cada grupo, utilizando-se o teste estatístico de logrank. Finalizando, para comparar a evolução dos pacientes com e sem IRA, foi realizada a análise multivariada utilizando-se o modelo de Cox a partir de variáveis que na análise univariada apresentaram p < 0,25.

Em todas as etapas foi considerada significância estatística quando p<0,05.

RESULTADOS

Foram incluídos nesse estudo 564 pacientes, durante o período de maio de 2008 a maio de 2010. Desses pacientes, 66 foram excluídos pelas seguintes razões: 30 devido à permanência na UTI inferior a 48 horas, 16 por apresentarem creatinina basal maior que 4 mg/dL, 20 por estar em tratamento dialítico crônico ou submetidos a transplante renal. Portanto, na análise final foram avaliados 498 pacientes.

IRA esteve presente em 144 pacientes (25,5%). Os grupos diferiram quanto à idade (G1: 56,8±15,9 x G2: 49,8±17,8 anos; p< 0,0001), APACHE II (G1: 22,9±6,9 x G2: 14,1±4,6; p<0,0001), etiologia da admissão na UTI (sepse: G1: 41,6 x G2: 24,2%; p<0,0001 e pós operatório neurológico: 13,8 x 38,1%; p<0,0001), oligúria (diurese < 400 mL/24 h) (67,1 x 4,9%; p < 0,0001), necessidade de ventilação mecânica (89,2 x 69,1%; p<0,0001), uso de drogas vasoativas (78,3 x 56,1%; p<0,0001), tempo de internação em UTI (12,9±5,6 x 6,6±2,7 dias; p<0,0001) e mortalidade (62,5 x 16,4%; p<0,0001).

Com relação aos fatores de risco para IRA, os grupos foram diferentes quanto à presença de diabetes melitus (G1: 28,1 x G2:19,9%; p=0,03), insuficiência cardíaca congestiva (23,6 x 11,6%; p=0,0002), insuficiência renal crônica (21,5 x 11,5%, p< 0,0001), uso de anti-inflamatórios não hormonais (23,5 x 7,1%, p<0,0001) e presença de choque séptico (68,7 x 14,2%; p< 0,0001). A tabela 1 sumariza as principais características clínicas e laboratoriais dos grupos estudados.

Na análise multivariada, foram identificados como fatores de risco para IRA: idade >55 anos (OR=1,36; IC95%:1,22-1,85; p= 0,004), APACHE II >16 (OR=1,2 IC95%:1,11-1,33; p= 0,008), creatinina basal >1,2 mg/dL, (OR=5,2 IC95%: 2,3-11,6; p<0,0001), uso de AINH (OR=2,1 IC95%:1,1-4,2; p=0,001) e presença de choque séptico (OR = 2,61; IC95%: 2,1-6,1; p= 0,001), conforme mostra a tabela 2.

A IRA esteve independentemente associada ao maior tempo de internação (OR=1,18 IC95%:1,05-1,26; p=0,02) e à maior mortalidade (OR=1,24 IC95%:1,09-1,99; p=0,001). A figura 1 mostra as curvas de sobrevida dos grupos após 60 dias de internação hospitalar.


DISCUSSÃO

O presente trabalho teve como objetivos avaliar a incidência da IRA em pacientes admitidos em UTI geral de hospital terciário, identificar os fatores de risco para o desenvolvimento de IRA em pacientes críticos e comparar as características clínicas e a evolução dos pacientes que desenvolveram ou não IRA durante a internação na UTI geral do HC-FMB.

A IRA é uma das mais importantes complicações observadas em pacientes que estão hospitalizados. Sua incidência varia de acordo com as condições clínicas dos pacientes, sendo maior em UTI, onde ocorre em 20 a 40% dos casos.(12) Em estudo recente, Hsu et al.(13) mostraram que a incidência da IRA com e sem necessidade de suporte renal agudo (SRA) vem aumentando progressivamente na ultima década. De 1996 a 2003, a incidência da IRA sem necessidade SRA passou de 322,7 para 522, 4/100.000 pessoas/ano, enquanto a IRA com necessidade de SRA de 19,5 para 29,5/100.000 pessoas/ano. Como já descrito, a IRA além de ser uma complicação comum em pacientes críticos, é um fator de risco independente de morte.(1-4,6-9)

Neste estudo, de acordo com o descrito na literatura, a IRA foi freqüente em UTI, ocorrendo em 29,7% dos pacientes admitidos.

De modo geral, estudos mostram que a presença de condições que determinam hipoperfusão e isquemia renal está diretamente relacionada com o desenvolvimento de IRA e que a redução da reserva funcional renal possibilita a instalação desta lesão mesmo com agressões renais de pequena intensidade.(14-17) Dessa forma, vários fatores de risco estão associados ao desenvolvimento de IRA, tais como idade avançada, nível prévio de creatinina, presença de diabetes mellitus, de hipertensão arterial e de insuficiência cardíaca congestiva, além do uso crônico de anti-inflamatórios não hormonais.(15-19)

Neste trabalho, pacientes com IRA apresentaram características clínicas semelhantes às descritas na literatura, tais como idade mais avançada e várias comorbidades associadas, principalmente hipertensão arterial e IRC. Na análise multivariada, foram identificados como fatores de risco para o desenvolvimento de IRA durante a internação em UTI a idade superior a 55 anos, o APACHE II maior que 16, a creatinina basal maior que 1,2 mg dL, o uso prévio de AINH e a presença de choque séptico.

Muitos fatores contribuem para a manutenção da mortalidade elevada na IRA, com destaque para a falta de identificação de fatores de risco para o desenvolvimento desta patologia, assim como o desconhecimento de fatores associados à mortalidade.(15)

Liaño et al.(17) mostraram diferenças significativas entre a mortalidade de pacientes com IRA internados em UTI (70 a 80%) e em unidades de cuidados intermediários (próximas de 50%). Uma possível explicação para esta diferença é o perfil epidemiológico dos pacientes em UTI, que se tornaram mais graves com predomínio de insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas. Nesta condição clínica, raramente a IRA apresenta-se como manifestação isolada, mas sim como uma complicação de um largo espectro de doenças.(18-23)

Desta maneira, o desenvolvimento de complicações durante a internação em UTI como infecções, sepse, hemorragias, cirurgias e necessidade de diálise podem fazer com que o nível de gravidade do paciente e da IRA seja maior, estando estes fatores associados à maior mortalidade.(14-18)

Neste trabalho, a mortalidade dos pacientes que adquiriram IRA foi 62, 1%, estatisticamente superior à observada no grupo sem IRA, que foi de 16,5%, (p<0,0001). Isto pode ser justificado pela presença de parâmetros clínicos e índices prognósticos de maior gravidade encontrados nos pacientes com IRA, ou seja, eram mais idosos, mais oligúricos, mais sépticos, com APACHE II mais elevado, além da maior necessidade de drogas vasoativas e de ventilação mecânica.

Neste trabalho também foi observado que a IRA esteve independentemente associada ao maior tempo de internação e à maior mortalidade. Após 30 dias de internação hospitalar, a sobrevida dos pacientes no grupo que adquiriu IRA foi significativamente inferior ao grupo de pacientes sem IRA durante a permanência na UTI.

CONCLUSÃO

Neste estudo a IRA foi freqüente em UTI e foram identificados como fatores de risco para o seu desenvolvimento a idade superior a 55 anos, o APACHE II maior que 16, a creatinina basal superior a 1,2 mg dL, o uso prévio de AINH e a presença de choque séptico. Além disso, a IRA esteve independentemente associada ao maior tempo de internação em UTI e à maior mortalidade dos pacientes.

Porém, mais estudos prospectivos são necessários para confirmar a identificação dos fatores de risco associados ao desenvolvimento e ao prognóstico desfavorável da IRA para que medidas preventivas e de diagnóstico precoce possam ser realizadas.

Submetido em 3 de Maio de 2011

Aceito em 11 de Agosto de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado na Unidade de Terapia Intensiva Geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP), Brasil.

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  • Autor correspondente:

    Daniela Ponce
    Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      03 Maio 2011
    • Aceito
      11 Ago 2011
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