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Heparina intermitente não é eficaz em impedir a retirada por obstrução de cateteres centrais inseridos perifericamente em recém-nascidos de termo e prematuros

Resumos

OBJETIVO: Verificar se a heparina em lavagens intermitentes é eficaz em reduzir oclusões de cateteres centrais inseridos perifericamente em recém-nascidos. MÉTODOS: Estudo randomizado, aberto, controlado, prospectivo. Os recém-nascidos foram alocados em dois grupos para receber lavagens ("flushes") com 0,5 mL da solução de heparina 10UI/mL (Grupo 1, n = 64) ou com 0,5 mL de salina (Grupo 2, n = 69), a cada 4 horas através do cateter central inserido perifericamente. Foram realizadas manobras de desobstrução por pressão negativa ("3-way stopcock method") nos casos de oclusão. RESULTADOS: Foram incluídos 133 recém-nascidos. Não houve diferença significativa no número de oclusões inéditas entre os grupos (26 no grupo 1, ou 31/1000 dias de cateter; 36 no grupo 2, ou 36/1000 dias de cateter, P = 0,19). No grupo 1, 5 cateteres apresentaram 9 recidivas da obstrução, após uma tentativa de desobstrução bem sucedida. No grupo 2, 19 cateteres apresentaram 40 recidivas (P <0,0001), mostrando papel protetor da heparina contra recidivas da obstrução (risco relativo = 0,36). Contudo, a heparina não evitou a retirada por oclusão definitiva (3 cateteres no grupo 1 e 8 no grupo 2, P = 0,24). CONCLUSÃO: A heparina intermitente não é eficaz em evitar oclusão dos cateteres centrais inseridos perifericamente neonatais. Apenas reduz as recidivas, se realizadas manobras de desobstrução

Heparina; Recém-nascido; Cuidados críticos; Cuidados de enfermagem; Cateteres de demora


OBJECTIVE: To evaluate the effectiveness of intermittent 10 U/mL heparin flushes in reducing the occlusion of peripherally inserted central catheters in neonates. METHODS: In this randomized, open-label, prospective, controlled study, neonates were allocated either to receive 0.5 mL flushes of heparin (Group 1: n = 64) or saline (Group 2: n = 69) every 4 hours. Actions were taken to restore patency by using negative pressure (3-way stopcock method) in cases of occlusion. RESULTS: A total of 133 neonates were included. No significant intergroup difference was observed in the number of new occlusions (26 in Group 1, or 31/1,000 catheter-days; 36 in Group 2, or 36/1,000 catheter-days; P = 0.19). In Group 1, 5 catheters had 9 recurrent obstructions after successful clearance maneuvers. In Group 2, 19 catheters had 40 relapses (P < 0.0001), showing heparin's protective role against recurrence of obstruction (Relative Risk = 0.36). However, heparin failed to prevent catheter withdrawal due to permanent occlusion (3 catheters in Group 1 and 8 in Group 2; P = 0.24). CONCLUSION: Intermittent heparin is not effective for preventing the occlusion of peripherally inserted central catheters in neonates but reduces relapses when clearance maneuvers were successful

Heparin; Infant, newborn; Critical care; Nursing care; Catheters, indwelling


ARTIGO ORIGINAL

Heparina intermitente não é eficaz em impedir a retirada por obstrução de cateteres centrais inseridos perifericamente em recém-nascidos de termo e prematuros

Orlei Ribeiro de Araujo; Milena Corrêa Araujo; Jane Sousa e Silva; Marcella Mathias de Barros

Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, Hospital Santa Marina, São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Orlei Ribeiro de Araujo Av. Lins de Vasconcelos, 356 - Cambucí CEP: 01538-000 - São Paulo (SP), Brasil Fone: (11) 3348-4000 - ramal 4715 E-mail: orlei@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar se a heparina em lavagens intermitentes é eficaz em reduzir oclusões de cateteres centrais inseridos perifericamente em recém-nascidos.

MÉTODOS: Estudo randomizado, aberto, controlado, prospectivo. Os recém-nascidos foram alocados em dois grupos para receber lavagens ("flushes") com 0,5 mL da solução de heparina 10UI/mL (Grupo 1, n = 64) ou com 0,5 mL de salina (Grupo 2, n = 69), a cada 4 horas através do cateter central inserido perifericamente. Foram realizadas manobras de desobstrução por pressão negativa ("3-way stopcock method") nos casos de oclusão.

RESULTADOS: Foram incluídos 133 recém-nascidos. Não houve diferença significativa no número de oclusões inéditas entre os grupos (26 no grupo 1, ou 31/1000 dias de cateter; 36 no grupo 2, ou 36/1000 dias de cateter, P = 0,19). No grupo 1, 5 cateteres apresentaram 9 recidivas da obstrução, após uma tentativa de desobstrução bem sucedida. No grupo 2, 19 cateteres apresentaram 40 recidivas (P <0,0001), mostrando papel protetor da heparina contra recidivas da obstrução (risco relativo = 0,36). Contudo, a heparina não evitou a retirada por oclusão definitiva (3 cateteres no grupo 1 e 8 no grupo 2, P = 0,24).

CONCLUSÃO: A heparina intermitente não é eficaz em evitar oclusão dos cateteres centrais inseridos perifericamente neonatais. Apenas reduz as recidivas, se realizadas manobras de desobstrução.

Descritores: Heparina; Recém-nascido; Cuidados críticos; Cuidados de enfermagem; Cateteres de demora

INTRODUÇÃO

Cateteres centrais inseridos perifericamente (PICC) tornaram-se parte essencial nos cuidados de terapia intensiva neonatal, ao permitir que recém-nascidos (RN), muitas vezes prematuros extremos, não sejam submetidos a múltiplas e dolorosas punções, além de propiciar um acesso venoso seguro e durável.(1) Não são, porém, artefatos isentos de complicações: além dos riscos de infecção e trombose, associados a qualquer dispositivo intravenoso, existe a possibilidade de oclusão com perda do cateter, levando à interrupção do tratamento, e possivelmente à necessidade de novas punções, difíceis e traumáticas, comprometendo a qualidade da assistência. Fatores que contribuem para a oclusão incluem o tipo de material do cateter, o calibre, a composição da solução infundida, os tipos de conectores utilizados, vários fatores do paciente (como estados de hipercoagulabilidade), além de protocolos de manipulação específicos de cada unidade.(2) A obstrução por depósitos de fibrina e componentes do sangue (oclusão trombótica) é a mais comum. Outras causas não-trombóticas podem ser mecânicas, como suturas apertadas, posicionamento inadequado do cateter e dobras. Podem ocorrer também obstruções por precipitação de componentes de soluções infundidas (por exemplo, precipitados de cálcio e fósforo na nutrição parenteral) ou condensações de lipídios.(3)

A prevenção das oclusões trombóticas inclui a lavagem frequente do cateter, além do cuidado em evitar o refluxo de sangue para o lume durante a manipulação. As propriedades anticoagulantes da heparina levaram médicos a prescreverem, ao longo de muitos anos, lavagens e preenchimento de cateteres com esta medicação, sem que houvesse evidências claras de benefícios. Poucos estudos se voltaram a esclarecer se o uso de heparina para evitar oclusões era eficaz, e esses estudos forneceram resultados contraditórios, devido a amostras inadequadas e metodologias díspares.(4,5) Em 2007, Shah et al. mostraram, de forma inequívoca, que a heparina em baixa dose e infusão contínua prolongava a vida útil de PICC em recém-nascidos.(6)

O uso de lavagens intermitentes dos PICC com heparina não encontra respaldo em evidências, visto inexistirem estudos conduzidos com metodologia adequada. Este estudo foi proposto para avaliar, de forma controlada e randomizada, se lavagens intermitentes (a cada 4 horas) com baixas doses de heparina (10U/mL) seriam mais efetivas em manter a permeabilidade e prolongar a vida útil de PICC em recém-nascidos do que lavagens com soro fisiológico. Como objetivos secundários, avaliamos a segurança deste método de administração de heparina em recém-nascidos, através da vigilância de ocorrência de sangramentos, plaquetopenia ou hemorragias intracranianas.

MÉTODOS

O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI Neonatal) de um hospital terciário em São Paulo, Brasil, no período de junho de 2006 a agosto de 2007. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local sob o número 02/2006 e um termo de consentimento pós-informação foi assinado por um dos pais, ou ambos. Foram considerados elegíveis para o estudo todos os recém-nascidos nos quais fosse indicada a inserção de PICC, desde que os pais concordassem com os termos e assinassem o consentimento. Além disso, o cateter deveria estar em localização central e extracardíaca (veia cava superior, confirmada por radiografia). Cateteres em localização periférica, presença de coagulopatias, plaquetopenia (abaixo de 150000), sinais clínicos e/ou ultrassonográficos de hemorragias intracranianas e ausência de consentimento foram critérios de exclusão.

Foram utilizados PICC de silicone Becton & Dickinson (BD First Picc®) 1.9 French, com introdutor peel-away Introsyte®. Em ordem de tentativa de punção, as veias utilizadas foram basílica, cefálica e mediana do cotovelo. A heparina comercial (heparina sódica 5000 UI/mL) foi diluída a 10 U/mL com salina.

Enfermeiras habilitadas da unidade foram as responsáveis pelas inserções, utilizando técnica-padrão com barreira máxima de proteção. Os cateteres foram manipulados com técnica asséptica, por técnicos de enfermagem e enfermeiras, e em todos foram utilizados conectores sem agulha (Clave®, da Abbott). Foram coletados em formulário específico dados referentes à inserção, tempos de permanência, dados demográficos, tipo de cateter, tempo de infusão por bomba, obstruções, quebras, rompimentos, extravasamentos, flebites e outras complicações e intercorrências

A randomização foi feita por software (Reseach Randomizer, http://www.randomizer.org). Como o desenho do estudo foi prospectivo e aberto, os pacientes foram randomizados na UTI Neonatal, sendo alocados de acordo com a lista fornecida pelo software, imediatamente após a inserção do cateter. Os pacientes foram alocados para receber lavagens ("flushes") com 0,5 mL da solução de heparina 10U/mL a cada 4 horas (Grupo 1) ou com 0,5 mL de salina (Grupo 2), a cada 4 horas através do PICC, com seringas de 10 mL.

A oclusão foi caracterizada quando não era possível injetar livremente 1 mL de salina através do cateter sem resistência, havendo necessidade de tentativas de desobstrução. No caso de reversão, as oclusões eram consideradas como "não-definitivas". As obstruções "definitivas" foram as que não puderam ser revertidas em até 24 horas de tentativas de desobstrução e levaram à retirada do cateter. Foram analisadas oclusões inéditas e recidivas. Para as tentativas de desobstrução, utilizamos a técnica de pressão negativa, descrita originalmente para a administração de uroquinase e alteplase:(7) uma torneira de três vias era conectada ao cateter. Duas seringas de 10 mL eram então conectadas à torneira, sendo uma com 5 mL da solução de desobstrução (heparina 10U/mL no grupo 1, soro fisiológico no grupo 2), e a outra vazia. O conteúdo do cateter era aspirado pela seringa vazia, formando um vácuo em seu interior, fechando-se esta via após. A via da torneira com solução era então aberta, com o objetivo de preencher o cateter apenas com o volume aspirado pelo vácuo. O sistema ficava bloqueado desta forma, sendo testado refluxo de sangue com 5, 10 e depois a cada 30 minutos, por um tempo máximo de 24 horas. O cateter era considerado desobstruído quando havia livre fluxo de infusão de 1 mL de salina com seringa de 10 ml, sem forçar contra resistência, e refluxo de sangue.

Apesar das baixas doses de heparina utilizadas no estudo, improváveis de provocar alterações na coagulação, foram anotadas as ultrassonografias de crânio feitas rotineiramente para os recém-nascidos, de acordo com a indicação do médico assistente, para avaliar a presença de hemorragias intracranianas, classificadas de acordo com Papile.(8) Os hemogramas e coagulogramas foram monitorados para verificar a ocorrência de plaquetopenia e alterações nos índices de coagulação. As principais indicações de acesso venoso central foram a necessidade de nutrição parenteral (NPT), antibioticoterapia prolongada por sepse, uso de drogas vasoativas. Sepse foi definida como a presença de um ou mais dos sinais: dificuldade respiratória, sintomas gastrointestinais (vômitos, distensão abdominal), labilidade de temperatura, hipotensão, acidose metabólica, hiperglicemia, letargia, convulsões, sangramentos, associados a leucopenia (<5000 leucócitos/mL),(8) leucocitose com desvio à esquerda, plaquetopenia ou aumento da proteína C-reativa, sendo confirmada ou não por hemoculturas positivas, conforme protocolo da UTI neonatal. Dada a impossibilidade de coleta de amostra de sangue através dos cateteres 1.9 F utilizados, consideramos como infecção de corrente sanguínea associada ao cateter a presença de pelo menos uma hemocultura de veia periférica positiva, em vigência de sinais clínicos de sepse, com isolamento da mesma bactéria em cultura semiquantitativa da ponta do cateter (>15 CFU/segmento).(9) Todos os cateteres foram submetidosà cultura semiquantitativa ao serem retirados.

Métodos estatísticos

Para analisar a ocorrência dos eventos ao longo do tempo de vida do cateter, utilizamos o método de Kaplan-Meier. A "sobrevivência" foi definida como a manutenção da permeabilidade até a retirada eletiva. Para comparar estatisticamente as curvas de sobrevivência dos dois grupos, utilizamos o teste log rank. Diferenças entre tempos de permanência e infusão contínua, dados demográficos e demais médias foram avaliadas através do teste T. Para significância das diferenças entre os grupos, consideramos P < 0,05. Os testes e gráficos foram feitos com o software SPSS® versão 13.0 (SPSS Inc, USA, 2004).

RESULTADOS

As características dos grupos estão resumidas na tabela 1. Não houve diferenças significativas entre os grupos em relação à distribuição de sexo, peso de nascimento, idade gestacional, tempo de infusão contínua por bomba, tempo de permanência do cateter, tempo de uso de nutrição parenteral. Nenhum cateter foi utilizado como via exclusiva para NPT, sendo todos utilizados para múltiplas infusões, respeitando a compatibilidade entre drogas e recebendo lavagem com soro fisiológico entre uma e outra infusão de drogas incompatíveis. Um recém-nascido, prematuro de extremo baixo-peso, apresentou hemorragia pulmonar, em decorrência de plaquetopenia por sepse fúngica (Candida parapsilosis), e teve que ser excluído do grupo 1, por estar contra-indicada a utilização de heparina. Foram analisados 133 recém-nascidos, com um cateter por paciente, sendo 64 no grupo 1 (heparina) e 69 no grupo 2 (salina).

Não houve diferença significativa no número de oclusões inéditas entre os grupos (26 no grupo 1, ou 31/1000 dias de cateter; 36 no grupo 2, ou 36/1000 dias de cateter, p = 0,2 - Figura 1). No grupo 1, 5 cateteres apresentaram 9 recidivas da obstrução, após uma tentativa de desobstrução bem sucedida. No grupo 2, 19 cateteres apresentaram 40 recidivas (P < 0,0001), mostrando papel protetor da heparina contra recidivas da obstrução (risco relativo = 0,36). Contudo, a heparina não evitou a retirada por oclusão definitiva (3 cateteres no grupo 1 e 8 no grupo 2, P = 0,24). Ocorreu uma fissura espontânea em 1 cateter no grupo 2, levando à retirada. Dentre as oclusões definitivas, dois cateteres se romperam durante tentativas de desobstrução no grupo 1, e dois no grupo 2. As rupturas ocorreram na extensão de silicone macio, distante da inserção. Foram feitas no total 35 tentativas de desobstrução no grupo 1, com sucesso em 32 episódios (91,4%), e 76 no grupo 2, com sucesso em 68 (89,4%).


Nas culturas das pontas dos cateteres retirados do grupo 1 foram isolados estafilococos coagulase-negativa em 3 casos. Nas culturas do grupo 2 foram isolados estafilococos coagulase-negativa (1 paciente) e Klebsiella pneumoniae (1 paciente). Este foi o único caso confirmado de infecção de corrente sanguínea associado ao cateter, com isolamento do mesmo agente, com o mesmo perfil de sensibilidade, em hemocultura de sangue periférico. Este cateter foi retirado por infecção, e os demais não-ocluídos definitivamente foram retirados ao término da infusão.

Nas ultrassonografias transfontanelares realizadas após o término do protocolo, foram observadas hemorragias de grau I ou II em 5 pacientes no grupo 1, e em 10 no grupo 2 (P = 0,12). Hemorragia grau III foi observada em 1 paciente em cada grupo (P = 0,97). No total, foram feitas ultrassonografias em 40 recém-nascidos no grupo 1, e 38 no grupo 2. Plaquetopenia ocorreu em 12 RN do grupo 1, em qualquer período da internação, sendo um caso de plaquetopenia congênita e os demais associados à sepse bacteriana. No grupo 2 foram observados 18 casos, sendo um caso de plaquetopenia associada à doença hipertensiva da gravidez e os demais também associados à sepse fúngica ou bacteriana. Não houve diferença estatística quanto à incidência de plaquetopenia entre os grupos (P = 0,16).

DISCUSSÃO

Várias abordagens têm sido utilizadas para otimizar a manutenção da permeabilidade dos cateteres venosos centrais em recém-nascidos: manter um fluxo mínimo de infusão, trocas frequentes dos equipos, não infundir sangue e derivados são estratégias para reduzir as ocorrências de oclusão. A intervenção mais comum observada na literatura é o uso de heparina, em infusão contínua em paralelo ou associada à solução de nutrição parenteral (NPT). No estudo de Shah et al., o uso de heparina contínua, na dose de 0,5 U/Kg por hora, associada à NPT, foi avaliado na manutenção da permeabilidade de PICCs em UTI Neonatal, em estudo randomizado e cego. A incidência de oclusão foi menor no grupo que recebeu heparina, em comparação com o grupo que recebeu apenas NPT, diminuindo em 47% o risco desta complicação.(6) Em uma tentativa de metanálise anterior, Shah e Shah não haviam encontrado evidências conclusivas de benefício no uso da heparina: dois estudos reportaram benefício, um reportou dano, e dois não relataram diferenças.(10) Um dos estudos analisados, de Kamala et al. havia mostrado um número menor de obstruções nos cateteres que receberam heparina, mas não chegou a haver diferença estatística, provavelmente em decorrência da amostra pequena e inadequada.(11) Apesar da escassez de evidências anteriores, a prática de "manter a via heparinizada" tem sido comum em todo o mundo, por quase três décadas.(4,5)

Se existem poucos estudos com o uso de heparina contínua, estudos com doses intermitentes são ainda mais raros, para qualquer tipo de cateter central. Smith et al. relataram o uso de heparina em lavagens intermitentes (heparina 10U/mL, 5 ml duas vezes ao dia) em 14 pacientes pediátricos oncológicos, portadores de cateteres centrais semi-implantados, não observando benefícios no uso da heparina, mas conclusões não podem ser tiradas de uma amostra tão pequena.(12) Em outra metanálise, desta vez avaliando a eficácia da heparina em "flushes" ou contínua sobre a permeabilidade de acessos venosos periféricos, também não foram encontrados benefícios.(4) As duas metanálises descritas foram prejudicadas pela grande heterogeneidade dos estudos, com doses de heparina muito variáveis e protocolos muito diferentes de administração. Em um outro estudo, Schilling et al. compararam os efeitos de "flushes" de heparina comparados aos de soro fisiológico em 360 crianças com 599 cateteres centrais de vários tipos e grande heterogeneidade de pacientes, não se observando diferenças nas taxas de oclusão.(2)

A heparina, em nosso estudo, não se demonstrou superior ao soro fisiológico, quando utilizada em "flushes" intermitentes em baixas doses, para evitar o surgimento de oclusões inéditas. Contudo, após o primeiro episódio de obstrução, em que a tentativa de desobstrução foi bem sucedida, a manutenção da permeabilidade com soro fisiológico foi mais problemática, ocorrendo um número maior de recidivas da obstrução. Em outros termos, após a primeira oclusão, os cateteres tenderam a permanecer disfuncionais, com necessidade de tentativas de desobstrução mais frequentes, no grupo que não recebeu heparina.

Tentativas de desobstrução de cateteres sempre trazem o risco de ruptura, mesmo quando são utilizados trombolíticos, pois há o problema de se infundir uma solução em um cateter que está totalmente obstruído. A técnica de desobstrução que utilizamos foi criada para infundir agentes trombolíticos, sugados para a luz do cateter pela pressão negativa criada pela seringa,(7) e optamos por utilizá-la pela evidente ação mecânica, que pode mobilizar o agente da obstrução por sucção. A ruptura pode ocorrer quando se tenta lavar o cateter (pressão positiva) e é encontrada resistência. Os cateteres utilizados (BD First PICC®) possuem extensão de silicone macio, que conecta o cateter ao "hub". Esse é o ponto de maior fragilidade, que habitualmente infla como um balão, ao se tentar injetar contra resistência, e onde ocorreram as rupturas que relatamos. Como as rupturas não foram próximas à inserção, e não foram completas, não houve risco de embolização. O risco de ruptura na desobstrução deve ser sempre avaliado contra o risco de uma nova tentativa de acesso venoso central.

As doses de heparina utilizadas no estudo podem ser consideradas de risco mínimo, pois 0,5 mL da solução de heparina 10 U/mL fornece 5 unidades a cada 4 horas, com um total de 30 U/dia. As doses de heparinização, ou seja, suficientes para provocar alterações significativas na coagulação, são de 50 a 100 U/Kg a cada 4 horas.(8) Portanto, não é esperado que ocorram distúrbios da coagulação ou piora em sangramentos ativos com este esquema de administração. Não foi observado nenhum outro evento adverso que pudesse ser atribuído ao seu uso.

Limitações desse estudo foram o fato de não ser um estudo cego e a falta de um grupo controle em que não fossem feitas lavagens, apenas mantida a infusão contínua. As altas taxas de obstrução observadas colocam a dúvida a eficácia desse método. Como a média de peso dos RN foi acima de 1,5 kg, esses dados não podem ser extrapolados para totalidade dos prematuros com peso inferior a 1 kg, que apresentam risco maior de sangramentos e infecções.

CONCLUSÃO

O uso de heparina intermitente na lavagem de PICC em recém-nascidos é benéfico apenas pelo fato de reduzir os episódios de recidiva de obstruções, caso seja feita opção pela desobstrução. Não é capaz de impedir obstruções inéditas ou a retirada por oclusão definitiva.

Agradecimentos

Às enfermeiras Djaise Guimarães Alves, Thais Helena Mendes, Edna C. da Silva, Adriana Prado Bezerra, e demais profissionais da UTI neonatal do Hospital Santa Marina que colaboraram na condução do estudo.

Submetido em 13 de Dezembro de 2010

Aceito em 1º de agosto de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado no Hospital Santa Marina - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Autor correspondente:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Dez 2010
    • Aceito
      01 Ago 2011
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