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A nutrição adequada pode melhorar o prognóstico dos neonatos prematuros

EDITORIAL

A nutrição adequada pode melhorar o prognóstico dos neonatos prematuros

Heitor Pons Leite

Departamento de Pediatria, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Heitor Pons Leite Rua Loefgreen 1647 CEP: 04040-032 - São Paulo (SP), Brasil E-mail: heitorpons@gmail.com

Neste número da RBTI o artigo de revisão de Freitas et al.(1) traz uma visão panorâmica da terapia nutricional em neonatos prematuros de muito baixo peso, com especial enfoque no seu efeito protetor contra a sepse e a enterocolite necrosante. O tema é muito oportuno, pois, em que pese o grande progresso científico, há ainda muito para se conhecer e entender nesta área.

No passado, os conceitos de que a administração de nutrientes nos primeiros dias de vida poderia ser prejudicial e o retardo de crescimento não acarretaria maiores conseqüências levaram a condutas nutricionais inadequadas. Hoje está claro que a nutrição deficiente neste período crítico não apenas aumenta a morbidade a curto prazo, mas ao longo da vida.(2,3) Em relação ao desenvolvimento neurocognitivo, o dano é maior quando as deficiências nutricionais incidem no início do período neonatal, fase em que os aumentos de oferta de nutrientes são lentos e graduais. Uma relação direta entre a oferta de nutrientes e o prognóstico foi primeiro detectada por Stephens et al., que mostraram associação entre o aumento da oferta protéica protéico-energética na primeira semana de vida e melhores escores de desenvolvimento neuromotor das crianças aos 18 meses de idade.(3) Esta constatação vem fortalecer a idéia de que a nutrição parenteral deve ser iniciada tão precocemente quanto possível, preferencialmente nas primeiras horas após o nascimento, conduta que já teve segurança e efetividade bem demonstrada.(4)

Em 2005 a European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition - ESPGHAN publicou um guia de terapia nutricional em pediatria,(5) cujas recomendações por via digestiva para neonatos prematuros foram revistas e atualizadas em 2010.(6) Contudo, sabemos que na prática estas recomendações não são seguidas nas primeiras semanas de vida, em parte por inércia em aderir aos novos protocolos. Um prematuro de 1 kg tem uma reserva calórica não protéica de 110 kcal de peso corporal.(7) Na ausência de substratos exógenos, esta reserva permite sobreviver à inanição por apenas quatro dias, tempo que será ainda mais curto em situações de hipermetabolismo como sepse e insuficiência respiratória. Logo, a simples noção de que uma nutrição deficiente durante o período neonatal, em especial nos primeiros dias de vida, pode afetar decisivamente o prognóstico justifica plenamente a opinião expressa na literatura de que o nascimento de um prematuro deve ser encarado pelas equipes de unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal como uma urgência nutricional.(8)

Embora haja consenso de que o objetivo da terapia nutricional é se obter um crescimento similar ao que ocorreria intrautero, o conhecimento atual sobre as reais necessidades de nutrientes do prematuro é fragmentado e ainda não permite responder questões importantes. A maior parte dos estudos refere-se aos prematuros estáveis, conhecendo-se pouco sobre as particularidades metabólicas e o impacto de algumas doenças sobre as necessidades nutricionais.(9) Ziegler identificou na oferta protéica insuficiente uma causa importante da restrição ao crescimento.(10) Estima-se que ofertas protéicas de 4 a 4.5 g/kg/dia em neonatos com peso até 1000g e 3,5 a 4g/kg/dia para os com peso de 1000 a 1800g satisfaçam as necessidades da maior parte dos prematuros.(7) Por outro lado, na fase aguda do estresse metabólico o risco de hiperalimentação e suas consequências (hiperglicemia, hipocalemia, hipofosfatemia, lesão hepática) não deve ser ignorado.(11) Em relação ao efeito imunoprotetor, as dúvidas sobre a utilidade de medidas coadjuvantes na prevenção e tratamento da sepse neonatal, como a administração de selênio e de probióticos deverão ser respondidas por pesquisas clínicas em curso.

Nesse contexto, a posse de informações de cunho prático e de utilidade já comprovada permite destacar medidas que devem obrigatoriamente integrar as condutas clínicas na UTI neonatal. Entre elas, o uso do leite materno ordenhado que, entre outras vantagens óbvias, diminui o risco de enterocolite necrosante,(12) de sepse(13) e permite que o prematuro tolere mais cedo a nutrição plena por via digestiva.(14) A aplicação de protocolos padronizados diminui o tempo para se alcançar a nutrição enteral plena sem aumentar a morbidade e pode ainda reduzir a incidência de sepse tardia.(15) A monitoração metabólica e nutricional freqüente por uma equipe multidisciplinar de terapia nutricional é outra medida que pode melhorar a evolução nutricional de crianças internadas em UTI neonatal.

Ao observarmos o fluxo dos novos conhecimentos, reconhecemos que uma maior atenção vem sendo dedicada à nutrição do recém-nascido, que passa agora a ser considerada como fator determinante da saúde na idade adulta. Há evidências fortes de que mecanismos epigenéticos, desencadeados por fatores nutricionais em fases iniciais do desenvolvimento, podem afetar processos fisiológicos e metabólicos e aumentar a susceptibilidade a doenças crônicas ao longo da vida.(16,17) Portanto, considerando-se a grande vulnerabilidade dos prematuros e os impactos negativos que uma nutrição inadequada nesta fase pode causar no futuro da criança é crucial conhecer melhor a biologia de seu crescimento e suas necessidades nutricionais, para que possam ter a perspectiva de uma vida saudável e produtiva na idade adulta. Esperamos que os conhecimentos que advirão de pesquisas experimentais, clínicas e epidemiológicas possam influir de modo benéfico nas condutas clínicas e de saúde pública a serem tomadas no futuro.

Conflitos de interesse: Nenhum.

  • 1. Freitas BAC, Leão RT, Gomes AP, Siqueira-Batista R. Terapia nutricional e sepse neonatal. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(4):492-8.
  • 2. Ziegler EE. Malnutrition in the premature infant. Acta Paediatr Scand Suppl. 1991;374:58-66.
  • 3. Stephens BE, Walden RV, Gargus RA, Tucker R, McKinley L, Mance M, et al. First-week protein and energy intakes are associated with 18-month developmental outcomes in extremely low birth weight infants. Pediatrics. 2009;123(5):1337-43.
  • 4. te Braake FW, van den Akker CH, Wattimena DJ, Huijmans JG, van Goudoever JB. Amino acid administration to premature infants directly after birth. J Pediatr. 2005;147(4):457-61.
  • 5. Koletzko B, Goulet O, Hunt J, Krohn K, Shamir R; Parenteral Nutrition Guidelines Working Group; European Society for Clinical Nutrition and Metabolism; European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN); European Society of Paediatric Research (ESPR). Guidelines on Paediatric Parenteral Nutrition of the European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) and the European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN), Supported by the European Society of Paediatric Research (ESPR). J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005;41 Suppl 2:S1-87.
  • 6. Agostoni C, Buonocore G, Carnielli VP, De Curtis M, Darmaun D, Decsi T, Domellöf M, Embleton ND, Fusch C, Genzel-Boroviczeny O, Goulet O, Kalhan SC, Kolacek S, Koletzko B, Lapillonne A, Mihatsch W, Moreno L, Neu J, Poindexter B, Puntis J, Putet G, Rigo J, Riskin A, Salle B, Sauer P, Shamir R, Szajewska H, Thureen P, Turck D, van Goudoever JB, Ziegler EE; ESPGHAN Committee on Nutrition. Enteral nutrient supply for preterm infants: commentary from the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2010;50(1):85-91.
  • 7. Ziegler EE, O'Donnell AM, Nelson SE, Fomon SJ. Body composition of the reference fetus. Growth. 1976;40(4):329-41.
  • 8. Corpeleijn WE, Vermeulen MJ, van den Akker CH, van Goudoever JB. Feeding very-low-birth-weight infants: our aspirations versus the reality in practice. Ann Nutr Metab. 2011;58 Suppl 1:20-9.
  • 9. van den Akker CH, Vlaardingerbroek H, van Goudoever JB. Nutritional support for extremely low-birth weight infants: abandoning catabolism in the neonatal intensive care unit. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2010;13(3):327-35.
  • 10. Ziegler EE. Meeting the nutritional needs of the low-birth-weight infant. Ann Nutr Metab. 2011;58 Suppl 1:8-18.
  • 11. Chwals WJ. Overfeeding the critically ill child: fact or fantasy? New Horiz. 1994;2(2):147-55. Review.
  • 12. Rønnestad A, Abrahamsen TG, Medbø S, Reigstad H, Lossius K, Kaaresen PI, et al. Late-onset septicemia in a Norwegian national cohort of extremely premature infants receiving very early full human milk feeding. Pediatrics. 2005;115(3):e269-76.
  • 13. Lucas A, Cole TJ. Breast milk and neonatal necrotising enterocolitis. Lancet. 1990;336(8730):1519-23.
  • 14. Sisk PM, Lovelady CA, Gruber KJ, Dillard RG, O'Shea TM. Human milk consumption and full enteral feeding among infants who weight < 1,250 grams. Pediatrics. 2008;121(6):e1528-33. Erratum in Pediatrics. 2008;122(5):1162-3.
  • 15. McCallie KR, Lee HC, Mayer O, Cohen RS, Hintz SR, Rhine WD. Improved outcomes with a standardized feeding protocol for very low birth weight infants. J Perinatol. 2011;31 Suppl 1:S61-7.
  • 16. Barker DJ, Osmond C, Kajantie E, Eriksson JG. Growth and chronic disease: findings in the Helsinki Birth Cohort. Ann Hum Biol. 2009;36(5):445-58.
  • 17. Jackson AA, Burdge GC, Lillicrop KA. Diet, nutrition and modulation of genomic expression in fetal origins of adult disease. J Nutrigenet Nutrigenomics. 2010;3(4-6):192-208.
  • Autor correspondente:
    Heitor Pons Leite
    Rua Loefgreen 1647
    CEP: 04040-032 - São Paulo (SP), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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