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Papel neuroprotector da hipotermia terapêutica pós paragem cardio-respiratória

Resumos

OBJECTIVOS: A hipotermia terapêutica demonstrou ter efeitos neuro e cardioprotectores, com melhoria da sobrevida e redução das sequelas neurológicas em doentes vítimas de paragem cardio-respiratória. O objectivo deste estudo foi avaliar a evolução dos doentes submetidos a hipotermia terapêutica após paragem cardio-respiratória. MÉTODOS: Estudo prospectivo observacional dos doentes submetidos a hipotermia terapêutica após paragem cardio-respiratória numa unidade de cuidados intensivos polivalente durante 10 meses. Aos doentes admitidos até 12 horas após paragem cardio-respiratória foi induzida a hipotermia terapêutica através da administração de fluidos arrefecidos e arrefecimento corporal externo e mantida a temperatura alvo, 33°C, durante 24 horas. RESULTADOS: Foram incluídos 12 doentes, idade (mediana) de 64 anos, 58% do sexo masculino. A paragem cardio-respiratória ocorreu em meio hospitalar em 6 doentes. O índice de Charlson, o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) e o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II, no primeiro dia, foram 2.9 [IIQ 6.8], 11 [IIQ 2.75], e 24.5 [IIQ 15.25], respectivamente. A taxa de mortalidade na unidade de cuidados intensivos polivalente foi de 42% (N=5). Dos 7 sobreviventes, 5 recuperaram o estado neurológico prévio à paragem cardio-respiratória. A hipotermia terapêutica foi iniciada cerca de 120 minutos [IIQ 78.75], após recuperação de circulação espontânea. A maioria dos doentes (75%) necessitou de suporte vasopressor. Foi constatado, nos 3 dias subsequentes à paragem cardio-respiratória e hipotermia terapêutica, uma diminuição do valor mediano de SOFA (11[IIQ 2.75], no dia 0, 10 [IIQ 3], no dia 1 e 7 [IIQ 4.5], no dia 2). CONCLUSÃO: A aplicação de um protocolo de hipotermia terapêutica revelou ser simples e eficaz e permitiu obter em doentes com indicação, boa recuperação neurológica.

Hipotermia induzida; Parada cardíaca; terapia; Recuperação neurológica


OBJECTIVES: Therapeutic hypothermia following cardiorespiratory arrest has been demonstrated to have cardio- and neuroprotective effects, resulting in improved survival and better neurological outcomes. The objective of this study was to assess the outcomes of patients undergoing therapeutic hypothermia following cardiorespiratory arrest. METHODS: A prospective, 10-month observational study of patients admitted to an intensive care unit and undergoing therapeutic hypothermia after cardiorespiratory arrest was undertaken. Therapeutic hypothermia was induced by cold fluid administration and body surface cooling in patients admitted no more than 12 hours after resuscitation from cardiorespiratory arrest. A target temperature of 33ºC was maintained for 24 hours. RESULTS: Overall, 12 patients were included (median age 64 years, 58% male). Half of the cardiorespiratory arrests were in-hospital. The median first-day Charlson Index, Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) and Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II scores were of 2.9, 11 and 24.5, respectively. The intensive care unit mortality rate was 42% (N=5). Five of the 7 surviving patients recovered their pre-cardiorespiratory arrest neurological status. Hypothermia was initiated 120 min (median) after recovery of spontaneous circulation. Most patients (75%) required vasopressor support. During the first 3 days after cardiorespiratory arrest and therapeutic hypothermia, a progressive SOFA score decrease (median 11 on day 0, 10 on day 1 and 7 on day 2) was observed. DISCUSSION: In this study, therapeutic hypothermia was applied to all post-cardiorespiratory arrest patients and demonstrated good neurological outcome in surviving patients.

Hypothermia, induced; Heart arrest; therapy; Neurological recovery


ARTIGO ORIGINAL

Papel neuroprotector da hipotermia terapêutica pós paragem cardio-respiratória

Ana AbreuI; Ana DuqueI; Carolina PaulinoI; João BritoI; Joana SilvestreI, II; João Gonçalves-PereiraI, II; Vítor MendesI; Camila TapadinhasI; Pedro PóvoaI, II

IUnidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental - CHLO - Lisboa, Portugal

IICentro Hospitalar de Lisboa Ocidental - CHLO, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa - Lisboa, Portugal

Autor correspondente Autor correspondente: Ana Abreu Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente Hospital de São Francisco Xavier - Centro Hospitalar Lisboa Ocidental Estrada do Forte do Alto do Duque 1449-005 - Lisboa - Portugal Fone: +351 21 043 1104/5 E-mail: a.leonor.abreu@gmail.com

RESUMO

OBJECTIVOS: A hipotermia terapêutica demonstrou ter efeitos neuro e cardioprotectores, com melhoria da sobrevida e redução das sequelas neurológicas em doentes vítimas de paragem cardio-respiratória. O objectivo deste estudo foi avaliar a evolução dos doentes submetidos a hipotermia terapêutica após paragem cardio-respiratória.

MÉTODOS: Estudo prospectivo observacional dos doentes submetidos a hipotermia terapêutica após paragem cardio-respiratória numa unidade de cuidados intensivos polivalente durante 10 meses. Aos doentes admitidos até 12 horas após paragem cardio-respiratória foi induzida a hipotermia terapêutica através da administração de fluidos arrefecidos e arrefecimento corporal externo e mantida a temperatura alvo, 33°C, durante 24 horas.

RESULTADOS: Foram incluídos 12 doentes, idade (mediana) de 64 anos, 58% do sexo masculino. A paragem cardio-respiratória ocorreu em meio hospitalar em 6 doentes. O índice de Charlson, o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) e o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II, no primeiro dia, foram 2.9 [IIQ 6.8], 11 [IIQ 2.75], e 24.5 [IIQ 15.25], respectivamente. A taxa de mortalidade na unidade de cuidados intensivos polivalente foi de 42% (N=5). Dos 7 sobreviventes, 5 recuperaram o estado neurológico prévio à paragem cardio-respiratória. A hipotermia terapêutica foi iniciada cerca de 120 minutos [IIQ 78.75], após recuperação de circulação espontânea. A maioria dos doentes (75%) necessitou de suporte vasopressor. Foi constatado, nos 3 dias subsequentes à paragem cardio-respiratória e hipotermia terapêutica, uma diminuição do valor mediano de SOFA (11[IIQ 2.75], no dia 0, 10 [IIQ 3], no dia 1 e 7 [IIQ 4.5], no dia 2).

CONCLUSÃO: A aplicação de um protocolo de hipotermia terapêutica revelou ser simples e eficaz e permitiu obter em doentes com indicação, boa recuperação neurológica.

Descritores: Hipotermia induzida; Parada cardíaca/terapia; Recuperação neurológica

INTRODUÇÃO

A paragem cardio-respiratória (PCR) está associada a uma elevada morbilidade e mortalidade. A sobrevida, em casos de PCR intra-hospitalar, não ultrapassa os 20% e esta taxa diminui para menos de metade nos casos de PCR extra-hospitalar.(1)

Apesar de algumas melhorias nos últimos 50 anos no suporte de vida, básico e avançado, a mortalidade e sequelas neurológicas após a recuperação da circulação espontânea (RCE) continuam a ser elevados,(2) as quais a longo prazo comprometem gravemente a qualidade de vida.

Nos doentes vítimas de PCR com RCE a mortalidade e sequelas neurológicas após PCR devem-se principalmente a dois mecanismos fisiopatológicos: encefalopatia anóxica, resultante do compromisso da circulação cerebral, e a síndrome de reperfusão. Esta síndroma caracteriza-se por uma resposta inflamatória sistémica desencadeada durante o período de reperfusão, que se pode prolongar por 48-72h, consequência da activação de várias cascatas bioquímicas que levam à geração de radicais livres de oxigénio e outros mediadores lesivos para as células cerebrais.(1,3,4)

A hipotermia terapêutica (HT) moderada consiste no arrefecimento corporal até temperatura central de 33±0.5ºC, com o intuito de prevenir e/ou reverter os mecanismos responsáveis pela lesão neurológica de reperfusão.

A HT é conhecida desde meados dos anos 40, com os primeiros casos clínicos descritos,(5) e mais tarde, em meados dos anos 80, com a demonstração da sua eficácia em estudos animais.(6,7) Contudo, só recentemente foi validada como terapêutica eficaz no contexto de PCR. O seu efeito cardio-protetor, redução da mortalidade e das sequelas neurológicas após PCR foram claramente demonstrados em dois ensaios clínicos randomizados e controlados.(4,8) Estes ensaios levaram à inclusão pela International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR) da HT nos cuidados pós PCR desde 2003, com nível de evidência I-B.(9) Apesar de nestas recomendações estar preconizado o uso de HT, a sua aplicação prática tem sido inferior à esperada(3,10) em muitos países europeus, incluindo Portugal.

As recomendações mais recentes da ILCOR referem que a HT deve ser aplicada aos doentes adultos em coma após PCR por fibrilhação ventricular em ambulatório e poderá ser benéfica em casos de PCR por ritmos não desfibrilháveis em meio hospitalar.(11) Neste estudo, foi avaliada a aplicabilidade de um protocolo de HT e a evolução dos doentes vítimas de PCR submetidos a esta intervenção terapêutica.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo prospectivo observacional dos doentes submetidos a HT pós PCR, admitidos na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente (UCIP) do Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), durante um período de 10 meses de agosto 2009 a maio 2010. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital que declinou a necessidade de solicitação de consentimento informado dada a natureza observacional, sem qualquer intervenção específica em relação à abordagem habitual destes doentes.

Os critérios de inclusão foram circulação espontânea mantida durante ≥ 5 minutos, com pressão arterial sistólica (PAs) > 80 mmHg, tempo desde PCR < 12 horas, tempo até suporte avançado de vida (SAV) < 10 minutos, tempo de SAV < 45 minutos, tempo de hipotensão após RCE < 30 minutos (PAs < 80 mmHg ou pressão arterial média (PAM) < 45 mmHg), e Glasgow Coma Scale (GCS) < 9.(12)

Os critérios de exclusão foram coagulopatia primária, doença terminal ou indicação de não reanimação, trauma, dissecção aórtica, hemorragia intra-craniana, hemorragia significativa ou estado de mal mioclónico.

A HT foi realizada de acordo com protocolo local. A indução de HT foi efectuada com uma infusão rápida de soros, preferencialmente soro polielectrolítico, a 4ºC, 30 ml/kg e a 100 ml/min e o arrefecimento externo era feito através da aplicação de gelo nas axilas e virilhas e, eventualmente, lençóis molhados no corpo cobrindo as mãos e pés. Adicionalmente era suspenso o aquecimento do circuito de humidificação do ventilador e feita lavagem gástrica e vesical com soro fisiológico a 4ºC. Dado que o arrefecimento pode ser realizado por acesso venoso periférico, este processo não era atrasado pela colocação de cateter venoso central (CVC). A manutenção da temperatura era efectuada através da aplicação de toalhas húmidas arrefecidas ou um cobertor térmico de arrefecimento. A ventilação era feita em modalidade controlada com o objectivo de manter saturações periféricas de oxigénio entre 93-95%, evitando a hipoxémia e a hipocápnia. A sedação e analgesia contínuas eram obtidas com midazolam e alfentanil, o propofol era evitado devido ao seu efeito inotrópico negativo; era ainda efectuado um bloqueio neuromuscular com vecurónio com o objectivo de prevenir tremores. O protocolo incluía a monitorização hemodinâmica invasiva da pressão arterial (linha arterial) o que também permitia ainda o controlo gasimétrico e recolha de sangue para exames laboratoriais. A temperatura era avaliada de forma contínua com termómetro faríngeo.

Para manter uma PAM sempre superior a 80mmHg era necessário um acesso venoso central para reposição de volume e/ou administração de vasopressores. Em caso de insuficiência renal, acidose metabólica ou ainda arrefecimento insuficiente com as manobras anteriormente descritas (redução da temperatura > 1,5ºC ou temperatura > 35ºC ao fim de 90 min) era instituída técnica de substituição renal contínua (hemofiltração ou hemodiafiltração veno-venosa contínua) com arrefecimento activo do circuito extra-corporal através da aplicação de gelo. A avaliação analítica era realizada diariamente e incluía o doseamento da enolase neuronal específica (NSE).

Todos os doentes efectuaram profilaxia para úlcera de stress, trombose venosa profunda e úlceras de decúbito. Era ainda feita perfusão de sulfato de magnésio e controlo rigoroso do potássio e da glicemia. O objectivo era atingir, e posteriormente manter, uma temperatura alvo de 33±0,5ºC durante 24h.

O reaquecimento era feito de forma lenta e passiva durante um mínimo de 8 h, a uma velocidade não superior a 0,5ºC/hora, fazendo uma monitorização horária da glicemia, pelo risco acrescido de hipoglicemia. Após elevação da temperatura corporal para valores ≥36ºC, procedia-se à suspensão da curarização e posteriormente da sedação.

Foram recolhidos os seguintes dados clínicos e demográficos dos doentes submetidos a HT: idade, género, o índice de Charlson,(13) o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II),(14) o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) score.(15) A PCR foi caracterizada em termos de local de ocorrência (intra versus extra-hospitalar), duração das manobras de SAV, tempo total até RCE (tempo de paragem) e ritmo cardíaco de RCE. A aplicação da HT foi avaliada em relação aos seguintes parâmetros: tempo decorrido desde RCE até início HT, tempo decorrido desde início HT até atingir temperatura alvo (33ºC), duração da HT, temperatura mínima atingida, volume de fluido arrefecido administrado, necessidade de suporte vasopressor, necessidade de circulação extra-corporal, doseamento da NSE, proteína C-reactiva e contagem leucocitária. Foi também avaliada a variação SOFA e resultado neurológico de acordo com Glasgow Outcome Scale(16) (1. Morte; 2. Estado vegetativo; 3. Incapacidade grave; 4. Incapacidade moderada; 5. Boa recuperação)(12) nos 3 dias subsequentes a PCR e HT (D 0. dia de HT, D1. fase de reaquecimento, D2. dia após reaquecimento) bem como a mortalidade hospitalar.

Foi feita uma análise estatística descritiva recorrendo ao Microsoft Office Excel (versão 2007). Embora tenham sido analisadas variáveis no grupo de sobreviventes e não sobreviventes, optou-se apenas pela análise descritiva devido ao pequeno número de pacientes. Os resultados foram expressos em mediana e intervalo interquartil (IIQ) ou em média ± desvio padrão, a depender da distribuição da variável.

RESULTADOS

Durante o período do estudo foram incluídos 12 doentes, com mediana de 64 (IIQ 29) anos de idade, sendo a maioria do sexo masculino (58,3%). O APACHE II foi de 24,5 (IIQ 15.25), e o índice Charlson foi baixo em 5 doentes (41,6%), moderado em 3 (25%) e elevado em 4 (33%). À admissão os doentes apresentavam um GCS de 5 (IIQ 3.75).

Relativamente às circunstâncias da PCR, esta ocorreu em meio hospitalar em 6 doentes (50%), dos quais 2 na UCIP (Tabela 1). O tempo de PCR foi de 12,5 minutos (IIQ 13,3 minutos) e o tempo até RCE (duração de manobras de SAV) foi de 7 minutos (IIQ 7,5 minutos). O ritmo predominante de RCE foi ritmo sinusal em 75% dos casos, fibrilhação auricular em 16,6% e outros ritmos supra-ventriculares em 8,3% dos casos.

Aplicação da hipotermia terapêutica

O tempo decorrido desde a RCE até início de HT foi de 120 minutos (IIQ 79 minutos). O intervalo de tempo para alcançar a temperatura corporal alvo foi variável, com cerca de 240 minutos (IIQ 327,5 minutos) e a duração da hipotermia foi de 27 horas. Todos os doentes alcançaram a temperatura alvo e a temperatura mínima alcançada foi de 32,2°C.

Para atingir a temperatura alvo foram administrados 5,3 ± 2,9L de fluidos arrefecidos por doente. A maioria dos doentes alcançou a temperatura alvo com arrefecimento externo e fluidos arrefecidos. Houve um caso extremo de administração de 12,5L de fluidos arrefecidos e em dois doentes foi necessário usar técnica de substituição renal contínua.

Na maioria dos casos (9 doentes, 75%) foi necessário suporte vasopressor durante a HT. A escolha de aminas vasoactivas foi feita de acordo com o critério do médico responsável do doente. As doses máximas que os doentes receberam durante o período de HT foram de 5.82 μg/kg/min de noradrenalina e 7.5 μg/kg/min de dopamina, respectivamente.

A NSE foi de 21,4 (IIQ 14 ng/mL) no D1 e de 27,15 (IIQ 28,9 ng/mL) no D2. No entanto em alguns doentes (N=5) esta determinação não foi efectuada ou foi feita de forma incompleta durante o período da HT.

Evolução clínica

Dos doentes incluídos no estudo, 5 faleceram na UCIP (mortalidade 41,6%). O resultado neurológico nos sobreviventes foi de recuperação neurológica completa em 5, incapacidade grave e estado vegetativo nos restantes. Este último faleceu posteriormente na enfermaria do hospital o que traduz uma taxa de mortalidade hospitalar de 50%.

Houve uma redução no valor de SOFA após a implementação da HT nos 3 primeiros dias de internamento na UCIP: 11 (IIQ 2.75) no dia de início da HT, 10 (IIQ 3) no dia de reaquecimento e 7 (IIQ 4,5) após reaquecimento (Figura 1).


Verificou-se sobrevida com total recuperação neurológica em todos os doentes cujo local de PCR foi intra-UCIP (N=2, 16%). Dos doentes com PCR intra-hospitalar (N=4, 33,3%) e extra-hospitalar (N=6, 50%), metade em cada grupo faleceram; os sobreviventes recuperaram com incapacidade moderada a grave no primeiro grupo e sem sequelas no segundo (Tabela 2).

A idade, o índice de Charlson, o tempo de paragem (tempo de PCR+tempo de SAV) e tempo até iniciar o protocolo de HT (mediana [IIQ]) foram superiores no grupo de doentes falecidos do que nos doentes com boa recuperação neurológica (Score 5) (66 [33] vs. 56 [43] anos, 4,5 [6,8] vs. 1,6 [7], 30 [25] vs. 24 [8] min. e 135 [70] vs. 120 [90] min., respectivamente). O tempo até temperatura alvo foi muito variável tanto no grupo de doentes com bom resultado neurológico como no grupo dos falecidos.

Não foi possível avaliar a evolução dos valores de NSE durante o período de HT por ausência de determinações em alguns doentes. O valor de proteína C-reactiva teve um valor crescente ao longo do processo de HT em todos os doentes (2,3, 2,7 e 4,1 mg/dL em D0, 1 e 2, respectivamente).(17)

Complicações

Não houve evidência de lesões cutâneas de queimadura associada ao arrefecimento externo. Diagnosticaram-se 3 complicações infecciosas após alta da UCIP: uma pneumonia nosocomial num doente com boa recuperação neurológica e em 2 doentes falecidos, pneumonia nosocomial e candidíase invasiva.

DISCUSSÃO

No nosso estudo, o protocolo de HT foi instituído com sucesso aos doentes vítimas de PCR. A taxa de mortalidade hospitalar foi de 50%, isto é, inferior à mortalidade apresentada na literatura, de 71.4% em Nolan et al.(2,9) e de 66% em Ravetti et al.(18) No entanto, este achado resulta do pequeno tamanho da nossa amostra, da inclusão de casos de PCR tanto intra como extra-hospitalar, bem como com qualquer ritmo de paragem. Outro aspecto que poderá ter influenciado este resultado é o menor número de PCR com origem cardiovascular.

Na nossa série os doentes falecidos eram mais idosos, tinham mais comorbilidades e tiveram tempos de PCR superiores. Observou-se uma recuperação neurológica completa em 41,6% dos doentes, mas se forem considerados apenas os doentes sobreviventes esta recuperação foi de 71,4%. Os doentes com melhor recuperação neurológica, após a HT, foram os mais jovens e com menos comorbilidades (GCS à entrada superior e índice de Charlson menor).

À semelhança de outras séries pequenas houve uma relação directa entre a boa recuperação neurológica e os tempos reduzidos de PCR e de início de HT.(19) Do mesmo modo o tempo de PCR e o tempo até início de HT, no nosso estudo, foram menores no grupo de doentes que sobreviveu.

Apesar da evidência apontar claramente para um benefício da HT em casos de fibrilhação ou taquicardia ventricular(20,21) extra-hospitalar, na nossa série esta terapêutica foi aplicada independentemente do ritmo pré RCE ou local de paragem.

O resultado neurológico foi melhor nos doentes vítimas de PCR intra-UCIP, o que está de acordo com outros estudos.(18,22) É razoável assumir que uma monitorização hemodinâmica contínua seja benéfica no rápido reconhecimento e abordagem da paragem, nomeadamente de causas potencialmente reversíveis, com tempos significativamente menores de início de manobras de suporte básico e avançado de vida, bom como a vantagem em avaliar a eficácia das mesmas. Após os estudos de referência da HT nomeadamente os estudos HACA e de Bernard(4,8) terem demonstrado a sua eficácia na recuperação neurológica dos doentes vítimas de PCR, esta terapêutica foi incluída nas recomendações do ILCOR de 2003 e 2010.(9,21) No entanto, não há referência nestas recomendações sobre um protocolo ou um método exacto para atingir a temperatura alvo. Existem diversos métodos, externos ou internos, para se atingir a temperatura alvo na fase de indução.(21) Um dos métodos mais frequentemente usados é a perfusão de soros arrefecidos (geralmente soro fisiológico a 4ºC a 30mL/Kg) que diminui em cerca de 1,5ºC a temperatura central. Outros métodos possíveis para induzir e manter a HT são sacos com gelo, toalhas húmidas arrefecidas, almofadas ou cobertores de arrefecimento, almofadas de gel com água circulante, permutadores de calor intravasculares e circulação extra-corporal.(21) Até à data nenhum estudo comparou a eficácia destes diferentes métodos de HT.

A aplicação de HT no nosso estudo, definido previamente por um protocolo local, baseou-se na instituição de arrefecimento externo e fluidos arrefecidos, sem necessidade de qualquer tecnologia específica e portanto sem custos acrescidos. De referir que a temperatura alvo foi alcançada em todos os doentes. Foram usados métodos internos (infusão de soros a 4ºC) e externos (aplicação de gelo nas axilas e virilhas, eventualmente lençóis molhados no corpo, lavagem gástrica e vesical com soro arrefecido) geralmente com necessidade de suporte vasopressor. Em apenas 2 doentes foi necessário recorrer uma técnica dialítica para atingir a temperatura alvo. Na maior parte dos doentes o protocolo de hipotermia foi simples e de baixo custo. Foi possível atingir a temperatura alvo em média, ao fim de cerca de 5 horas (293 minutos), o que está de acordo com os resultados publicados na literatura.(4,8)

Em relação a complicações houve um caso de infecção nosocomial no grupo de doentes sobreviventes e 2 nos falecidos, e não se registaram arritmias, coagulopatia, lesões cutâneas por queimadura de gelo ou alterações hidroelectrolíticas graves.

Em Portugal existem poucos estudos sobre HT sugerindo uma fraca implementação desta terapêutica. O nosso estudo, mostra claramente a simplicidade e segurança desta abordagem com benefício comprovado e recomendado, podendo ser aplicado em doentes com indicação, numa qualquer unidade de cuidados intensivos.

Apesar dos resultados encontrados serem concordantes com séries maiores, o número limitado de doentes estudados, o tempo limitado de follow-up, o facto de ser retrospectivo, incluir ritmos e locais de PCR diferentes tornam estes achados apenas descritivos. Também não foi possível analisar a evolução dos níveis de NSE pelo que não foi possível fazer uma aferição prognóstica com base neste parâmetro.

CONCLUSÕES

A HT está recomendada para doentes vítimas de PCR de acordo com ILCOR, com grau de evidência IB. A metodologia usada neste estudo, sem recurso a qualquer tecnologia específica ou consumo de recursos dispendiosos revelou-se simples, eficaz e permitiu uma boa recuperação neurológica na maioria dos doentes sobreviventes. A sua implementação foi facilitada pela existência de um protocolo de orientação.

Submetido em 8 de Setembro de 2011

Aceito em 17 de Outubro de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental - CHLO - Lisboa, Portugal.

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  • Autor correspondente:
    Ana Abreu
    Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente
    Hospital de São Francisco Xavier - Centro Hospitalar Lisboa Ocidental
    Estrada do Forte do Alto do Duque
    1449-005 - Lisboa - Portugal
    Fone: +351 21 043 1104/5
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Out 2011
    • Recebido
      08 Set 2011
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