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Infecção por Clostridium tetani no recém-nascido: revisão sobre o tétano neonatorum

Resumos

A despeito de ser uma doença imunoprevenível, o tétano permanece ceifando vidas em diferentes regiões do planeta. Se para a doença de origem acidental a ocorrência de novos casos reflete a insuficiente imunização da população, no caso do tétano neonatorum o problema tem dupla natureza: a precária cobertura vacinal dos adultos e as dificuldades de acesso ao pré-natal de qualidade, situação agudizada pela extrema gravidade da moléstia nesta faixa etária, cuja letalidade pode chegar a 80%. Deste modo, ainda que seja importante o reconhecimento precoce do tétano no recém-nato para seu pronto e adequado tratamento, o aspecto de maior relevância é, indubitavelmente, a implementação de adequadas medidas de profilaxia e controle. Com base nestas premissas, propõe-se, neste artigo, uma atualização sobre o tétano neonatorum, enfatizando-se, com mais vigor, o tratamento e a prevenção da moléstia.

Clostridium tetani; Tétano; prevenção & controle; Recém-nascido


Although tetanus is a preventable disease by vaccination, it continues to claim lives around the world. Whereas cases of accidental origin reflect insufficient population immunization, tetanus neonatorum reveals a double-nature fault-poor vaccination coverage of adults coupled with difficulties accessing appropriate prenatal care; this situation is aggravated by the extreme severity of tetanus in this age group in which the mortality rate can reach up to 80%. The early detection of tetanus in neonates is essential for immediately initiating the proper therapy. Therefore, although reaching an early diagnosis of tetanus is important, the most relevant aspect is related to the appropriate management and prophylaxis of this disease. Consequently, the aim of this article is to review neonatorum tetanus with an emphasis on its therapy and prevention.

Clostridium tetani; Tetanus; prevention & control; Infant, newborn


ARTIGO DE REVISÃO

Infecção por Clostridium tetani no recém-nascido: revisão sobre o tétano neonatorum

Andréia Patrícia GomesI; Brunnella Alcantara Chagas de FreitasII; Denise Cristina RodriguesII; Guilherme Lobo da SilveiraIII;Walter TavaresIV; Rodrigo Siqueira-BatistaI

IDepartamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa - UFV - Viçosa (MG), Brasil

IIDepartamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa - UFV - Viçosa (MG), Brasil. Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital São Sebastião - HSS - Viçosa, (MG), Brasil

IIIUnidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital São Sebastião - HSS - Viçosa, MG. Curso de Pós-graduação em Neonatologia, Fundação Educacional Lucas Machado - FELUMA - Brasil

IVCurso de Graduação em Medicina, Centro Universitário Serra dos Órgãos - UNIFESO - Teresópolis (RJ), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Andréia Patrícia Gomes Universidade Federal de Viçosa Departamento de Medicina e Enfermagem (DEM) Avenida P. H. Rolfs s/n - Campus Universitário CEP: 36571-000 - Viçosa (MG), Brasil E-mail: andreiaapgomes@gmail.com

RESUMO

A despeito de ser uma doença imunoprevenível, o tétano permanece ceifando vidas em diferentes regiões do planeta. Se para a doença de origem acidental a ocorrência de novos casos reflete a insuficiente imunização da população, no caso do tétano neonatorum o problema tem dupla natureza: a precária cobertura vacinal dos adultos e as dificuldades de acesso ao pré-natal de qualidade, situação agudizada pela extrema gravidade da moléstia nesta faixa etária, cuja letalidade pode chegar a 80%. Deste modo, ainda que seja importante o reconhecimento precoce do tétano no recém-nato para seu pronto e adequado tratamento, o aspecto de maior relevância é, indubitavelmente, a implementação de adequadas medidas de profilaxia e controle. Com base nestas premissas, propõe-se, neste artigo, uma atualização sobre o tétano neonatorum, enfatizando-se, com mais vigor, o tratamento e a prevenção da moléstia.

Descritores:Clostridium tetani; Tétano/prevenção & controle; Recém-nascido

INTRODUÇÃO

Espasmos após a ocorrência de um ferimento são fatais.

Hipócrates de Cós

O tétano é uma doença infecciosa aguda, não contagiosa,(1) desencadeada pela ação de neurotoxinas - mormente a tetanospasmina - produzidas pelo bastonete gram-positivo Clostridium tetani,(2,3) uma bactéria anaeróbia e formadora de esporos. O C. tetani é encontrado no ambiente(3,4) - em locais como areia, terra, galhos, arbustos, águas putrefatas, instrumentos de lavoura, fezes de animais ou humanas - sendo sua multiplicação coadjuvada pela ação de substâncias oxirredutoras,(2,3) podendo, assim, contaminar feridas(4) e, em condições ideais, passar da forma de esporo à forma vegetativa, a qual produz a tetanospasmina. Outra toxina produzida pelo bacilo é a tetanolisina. Vale ressaltar que esta não promove, à luz dos conhecimentos atuais, qualquer das manifestações clínicas descritas no tétano.(3)

Em indivíduos não imunes, a toxina vai promover o bloqueio dos neurônios inibitórios, provocando hipertonia muscular, hiperreflexia e espasmos musculares, permanecendo, no entanto, a lucidez do paciente. Há, igualmente, ação da toxina em nível dos neurônios simpáticos pré-ganglionares - com hiperexcitabilidade simpática, níveis aumentados de catecolaminas circulantes, cursando com disautonomia e consequentes labilidade da pressão arterial sistêmica, arritmias cardíacas, sudorese e hipertermia.(2,3) No recém-nascido, a entidade nosológica se manifesta em três a 12 dias após o nascimento, com dificuldade progressiva na alimentação (i. e., sucção e deglutição), redundando em fome e choro importante associados. Ademais, a paralisia ou a diminuição de movimentação, a hipertonia ao toque e os espasmos, com ou sem opistótono, caracterizam a doença.(2,3,5)

O tétano é uma moléstia potencialmente letal, imunoprevenível, com diagnóstico essencialmente baseado em critérios clínicos e cujo prognóstico depende tanto do reconhecimento precoce quanto do tratamento adequado, sendo possível seu controle e sua erradicação com medidas relativamente simples, tais como educação e vacinação da população. Cabe destacar, neste domínio, a vacinação das mulheres em idade fértil e das gestantes - durante o acompanhamento pré-natal - como a melhor estratégia de prevenção do tétano neonatorum.(1,6-8)

Com base nestas breves considerações, o escopo do presente manuscrito é revisar os aspectos etiopatogênicos, clínicos, terapêuticos, epidemiológicos e o controle do tétano neonatorum.

Clostridium tetani

O agente etiológico da condição mórbida, produtor da toxina, é um bacilo gram-positivo anaeróbio obrigatório, não capsulado, medindo cerca de quatro micrômetros de comprimento. Apresenta-se sob a forma de esporo - descrita por alguns como similar a uma raquete de tênis(2) - o qual está presente no solo(3), nas fezes de animais (humanos e não-humanos), em águas putrefatas e em material cirúrgico não esterilizado. Os esporos são altamente resistentes - inclusive a desinfetantes, podendo sobreviver no meio ambiente por anos. Já as formas vegetativas - facilmente inativadas e suscetíveis a díspares antimicrobianos - são as responsáveis pela produção da tetanospasmina,(2) a toxina que produz a moléstia ao atingir os neurônios motores da medula.(3)

PATOGÊNESE

A contaminação de feridas ou do coto umbilical com o bacilo tetânico é um evento relativamente comum, devido à ubiquidade do agente etiológico na natureza. Para a germinação, com o surgimento da forma vegetativa e a produção da toxina, são exigidas condições próprias, nas quais a anaerobiose e o baixo potencial de oxidorredução estejam presentes. Com efeito, a doença só ocorrerá na presença deste contexto, particularmente observado em feridas contendo tecidos desvitalizados ou necróticos, quando há presença de corpos estranhos ou infecção por outros microrganismos.(2) A toxina é liberada no ferimento, acessando, ato contínuo, os terminais dos neurônios motores periféricos, caminhando pelo axônio, sendo levada até o sistema nervoso central ,tronco encefálico e medula espinhal. As toxinas passam dos terminais sinápticos à membrana pré-sináptica, na qual bloqueia a liberação de glicina e de ácido gama-amino-butírico (GABA), neurotransmissores inibitórios. Há incremento da taxa de disparo, em repouso, dos neurônios motores, surgindo hiperreflexia e espasmos musculares. Pode, igualmente, ser observada a perda da inibição de neurônios simpáticos pré-ganglionares, com hiperexcitabilidade simpática e circulação de altos níveis de catecolaminas, elementos que concorrem para o surgimento da disautonomia.(3,5)

Nos casos de tétano generalizado, a toxina atinge o sistema circulatório, sangue e linfa, disseminando-se para outros terminais nervosos. Os nervos mais curtos são primeiramente acometidos, o que permite explicar o acometimento sequencial da cabeça, tronco e, por último, das extremidades. No caso do tétano localizado e do tétano cefálico, somente determinados nervos são afetados, com espasmos musculares localizados.(2,5)

ASPECTOS CLÍNICOS

O tétano neonatorum tem como foco o coto umbilical e resulta da manipulação do mesmo, sem condições assépticas. Em locais do interior do Brasil - nos quais a doença é denominada "mal-de-sete-dias ou "mal do umbigo",(7,9) ainda é comum o parto domiciliar, com a colocação de diversas substâncias sobre o coto umbilical ,tais como terra, café e teia-de-aranha, dentre outras, visando a cicatrização e, também, como parte de rituais e de costumes arraigados.(9,10) Além disso, cabe ressaltar as falhas no programa de vacinação, incluindo gestantes - e no acompanhamento pré-natal, culminando com a ocorrência da doença no recém-nascido. O quadro clínico do tétano neonatorum se dá após um período de incubação de cinco a 13 dias, iniciando-se com dificuldade de aleitamento - por incapacidade de sugar, evoluindo com trismo e impossibilidade de deglutição. Apresenta, então, subsequentemente, hipertonia, opistótono e contraturas generalizadas. O quadro 1 resume a classificação do tétano neonatorum utilizada por Bazin.(10) É um quadro de extrema gravidade, com letalidade próxima e até superior a 90%, se o tratamento adequado não for instituído. O óbito se dá usualmente por alterações do equilíbrio hidroeletrolítico ou por asfixia, podendo sobrevir mesmo com tratamento adequado para o tétano, destacando-se, neste domínio, a labilidade hemodinâmica como importante causa de óbito.(9)


Chama-se tempo de incubação o período que dura da implantação do germe (por exemplo, em um ferimento) ao aparecimento dos primeiros sinais e sintomas - em média sete dias -, com possibilidade de ocorrência entre os cinco e 15 dias após a infecção por C. tetani.(2,3) Outra informação de vital importância para o manejo adequado do enfermo é o tempo de progressão, o qual engloba o período entre o surgimento das primeiras manifestações e o aparecimento das contraturas generalizadas. Quanto mais curtos o tempo de incubação e o tempo de progressão, mais grave é a doença.(2,3) A moléstia não confere imunidade.(1)

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico do tétano neonatorum é feito inteiramente com base nos achados clínicos - rigidez muscular e espasmos musculares dolorosos(9) - já que a presença do agente etiológico não confirma a doença e sua ausência, em pessoas com manifestações clínicas, não a exclui. A cultura de material extraído do foco ou as hemoculturas não têm valor diagnóstico.(2)

Deve-se propor, como diagnósticos diferenciais do tétano neonatorum, os efeitos adversos de fármacos (metoclopramida), os distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos (hipocalcemia, por exemplo), as lesões neurológicas adquiridas durante o trabalho de parto e as meningoencefalites, principalmente.(2,11,12)

TERAPÊUTICA

Os objetivos do tratamento devem ser a) a neutralização da atividade das toxinas circulantes - ou seja, não ligadas ainda a receptores -, b) a eliminação da fonte produtora da toxina - a forma vegetativa do C. tetani - e, principalmente, c) o controle das manifestações clínicas - com suporte ventilatório, nutricional, hemodinâmico e a abordagem dos espasmos musculares.(6,10-13)

Neutralização da atividade das toxinas circulantes

A toxina tetânica não fixada encontra-se nos líquidos orgânicos - mormente no sangue e nos tecidos circunvizinhos ao ferimento. Com a finalidade de neutralizá-la, utiliza-se o soro heterólogo antitetânico (SAT) ou a imunoglobulina hiperimune tetânica humana (TIG), os quais devem ser administrados assim que possível, antes que a toxina tetânica tenha iniciado sua ascensão axonal para a medula espinhal, quando não mais poderá ser neutralizada por tais imunobiológicos. Parece não haver diferenças entre o SAT e a TIG na efetividade do tratamento. A TIG mantém níveis séricos mais duradouros e o SAT exige um teste de sensibilidade prévio, tendo em vista o risco de reação ao soro heterólogo. As doses utilizadas variam na literatura médica,(2,5,14-16) sendo recomendadas pelo Ministério da Saúde as seguintes: SAT, de 10.000 a 20.000 UI, por via intravenosa; TIG, de 1.000 a 3.000 UI, por via intramuscular, distribuídas em duas massas musculares. A via intratecal, para a TIG, ainda não está regularmente recomendada.(1,17)

Eliminação da fonte produtora da toxina

Embora o desbridamento e a retirada de corpos estranhos das feridas infectadas por C. tetani seja um fator relevante para o controle da enfermidade no período pós neonatal, a exérese do coto umbilical no tétano neonatal não é recomendada. Devem, sim, ser realizadas 1) a limpeza rigorosa do coto umbilical e 2) a antibioticoterapia sistêmica.(1) Os fármacos de escolha são a penicilina G ou o metronidazol, ambos empregados por via intravenosa.(1,5,14,16,18) Eventualmente, em condições especiais (casos com menor gravidade), a cefalexina e a eritromicina podem ser utilizados, por via oral, como substitutos.(1,19)

Controle das manifestações clínicas

O aspecto mais importante no tratamento é garantir a sobrevivência do paciente até que se desfaça a ligação toxina com os receptores celulares, objetivando a manutenção das funções vitais, a nutrição e a prevenção das infecções associadas.(2,5)

Devido à gravidade e às altas taxas de letalidade, é indicada a internação em unidade de terapia intensiva. O recém-nascido com tétano neonatal apresenta instabilidade de vários sistemas orgânicos, podendo evoluir com insuficiência respiratória, alterações hemodinâmicas, pela hiperatividade simpática, arritmias cardíacas, além das contraturas típicas da doença, contexto capaz de originar um estado hipercatabólico com grande potencial de sequelas e óbito. Algumas unidades de tratamento intensivo alcançam sobrevida superior a 90%, enquanto que a sobrevida sem terapia intensiva atinge 20 a 50%.(20,21) O recém-nascido deve ser mantido em mínima manipulação - pois os estímulos podem levar aos espasmos musculares - em ambiente silencioso e com pouca luminosidade. Ações coordenadas entre médicos, enfermeiros e fisioterapeutas - dentre outros profissionais da área da saúde - devem ocorrer para que o cuidado ao enfermo seja rápido e efetivo. Controle e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos, assim como aporte nutricional, são essenciais.(2,5)

O controle dos espasmos musculares (contraturas) é feito através da infusão de benzodiazepínicos por via intravenosa, fármacos que apresentam funções ansiolítica, sedativa e relaxante muscular. O midazolam, uso contínuo, com doses de até 6 a 8 µg/kg/minuto, e o diazepam, 0,3 a 2 mg/kg/dose são os mais empregados e devem ter a dose adequada de acordo com a resposta clínica.(1,2,5,22) Os espasmos musculares são extremamente dolorosos, de modo que fármacos analgésicos devem sempre ser utilizados, sendo o fentanil uma boa opção. Nos casos em que os espasmos não se resolvem com uso de benzodiazepínicos e analgésicos, impõe-se a curarização do paciente - utilizando-se pancurônio ou vecurônio - o qual já estará em ventilação mecânica.(1,23)

EPIDEMIOLOGIA

O tétano neonatorum é uma moléstia cosmopolita, afetando recém-nascidos de ambos os sexos,(1,14) com diferentes incidências nos diversos países do mundo e grande letalidade, ocorrendo mais amiúde em locais com precárias condições de saúde e sérias dificuldades socioeconômicas, as quais impedem a divulgação de informações corretas, dificultando o acesso da população aos serviços.(15)

No Brasil, vem havendo uma importante redução do número de casos confirmados de tétano neonatorum. De fato, comparando-se a década atual com a anterior, houve uma redução na incidência da moléstia de 89,0%, com letalidade atualmente em torno de 43,7%.(24,25) No quadro 2, apresentam-se os fatores de risco para o tétano neonatal.


A vacinação tem reduzido substantivamente a ocorrência da enfermidade. Nos Estados Unidos da América, os casos existentes - em pequeno número -, ocorrem basicamente em pessoas não vacinadas ou inadequadamente vacinadas ou em idosos que não receberam a dose de reforço com intervalos satisfatórios, fato esse também observado na Europa.(26) Ao contrário, nos países em desenvolvimento, o tétano continua acometendo idosos, adultos jovens, recém-nascidos e crianças, refletindo a imunização ineficiente e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde.(12)

PROFILAXIA E CONTROLE

Embora muitos progressos tenham sido feitos no sentido de erradicar o tétano neonatorum, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou a ocorrência de aproximadamente 60000 mortes pela doença em 2008, das quais mais da metade na região da África.(27) Nações que conseguiram erradicar o tétano neonatorum implantaram estratégias relativamente simples, tais como o aumento da imunização primária, atenção adequada aos partos - incluindo a capacitação das parteiras -, a vacinação das mulheres grávidas com toxóide tetânico e vigilância para a notificação do tétano neonatorum.(27-33)

No contexto brasileiro, dados oficiais do Ministério da Saúde mostram uma redução em 89,0% na incidência de casos de tétano neonatorum em relação à década anterior, com um predomínio de casos nas regiões Norte e Nordeste, sem notificações de casos novos na região Centro-oeste desde o ano de 2005.(24,25)

A erradicação do tétano neonatorum é factível e depende de ações educativas e de imunização, para o que se torna essencial a vontade política, concernente aos diferentes níveis de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS) e implantação de medidas preventivas e de educação cabíveis em toda e qualquer sociedade.(34,35) De fato, o tétano neonatorum ocorre em recém-nascidos de mães que não possuem anticorpos circulantes suficientes para protegê-los, passivamente, por via transplacentária. Dessa forma, o principal modo de prevenção é a vacinação das mulheres em idade fértil e das gestantes - atualização ou início do esquema vacinal - durante o acompanhamento pré-natal, com toxóide tetânico, medida eficaz e de baixo custo.(1,8,36) O esquema de imunização básica, preconizado pelo Ministério da Saúde do Brasil e pela Sociedade Brasileira de Pediatria encontra-se no quadro 3. Somando-se à vacinação e ao pré-natal adequado, a prevenção do tétano neonatorum é possível a partir de ações de educação em saúde,(1) estando sumarizada nos quadros 4 e 5.




O controle de uma enfermidade imunoprevenível é geralmente alcançado, do ponto de vista epidemiológico, com cobertura vacinal de 70 a 80% em uma população suscetível. No contexto do tétano neonatorum, devem ser pensadas estratégias para ampliar a cobertura vacinal, destacando-se o aproveitamento de oportunidades de se vacinar crianças e adultos - incluindo gestantes não adequadamente imunizadas - durante suas visitas a um serviço de atenção à saúde, evitando-se, desta feita, o que se denomina oportunidade perdida de vacinação.(37,38) Além disso, deve-se ressaltar o cuidado com o coto umbilical, o qual deve ser manipulado de forma asséptica durante e após o parto, orientando-se bem a mãe sobre os procedimentos a serem adotados no puerpério.(18)

A atenção à gestação e ao parto tem melhorado no Brasil como um todo, com substancial aprimoramento no nível socioeconômico e nas condições de moradia das famílias - e com importantes avanços no cuidado à gestação e ao parto, embora permaneçam deficiências nas regiões menos desenvolvidas do país.(39) Estudos realizados no Brasil identificaram a perda de oportunidades e a baixa cobertura de vacinação antitetânica - tanto em crianças quanto em gestantes, com respectivas frequências de 31,0 e 70,0%.(38) Esses achados apontam para a necessidade de conscientização de todo trabalhador da área da saúde responsável pelo cuidado às gestantes, tanto nos postos públicos quanto em clínicas privadas.(38) Em contrapartida, é importante ressaltar que há uma subnotificação de óbitos neonatais, fato esse que ainda permanece como um dos problemas de grande relevância na sociedade brasileira, havendo um subregistro bem evidente na região Nordeste.(40)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que seja importante o reconhecimento precoce do tétano no recém-nascido para seu pronto e adequado tratamento - fatores estes que interferem diretamente no prognóstico - o aspecto de maior relevância é, indubitavelmente, o conhecimento e a prática das cabíveis medidas de profilaxia e controle. Sabe-se que o Clostridium tetani não pode ser eliminado do ambiente - na verdade, tal conjectura não faz o menor sentido - e compreende-se, também, que o tétano é uma doença imunoprevinível que pode e deve ser controlada, bastando para isso vontade política (no âmbito dos gestores do SUS) e a conscientização dos trabalhadores da área da saúde. A erradicação do tétano neonatorum é factível, na dependência da melhoria do nível educacional e da melhor oferta de cuidado à saúde, mormente no âmbito do pré-natal.

É importante ressaltar que as medidas preventivas e de controle para o tétano neonatorum devem ser sustentadas e continuadas, baseando-se nas particularidades de cada local e contando com sistemas de vigilância e notificação ativos e ininterruptos. Por meio da manutenção de altos níveis de cobertura com a vacina - método eficaz e de baixo custo - poder-se-á extinguir a mortalidade por tétano neonatorum.

Submetido em 8 de Agosto de 2011

Aceito em 2 de Novembro de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

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  • Autor correspondente:
    Andréia Patrícia Gomes
    Universidade Federal de Viçosa
    Departamento de Medicina e Enfermagem (DEM)
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      02 Nov 2011
    • Recebido
      08 Ago 2011
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