Acessibilidade / Reportar erro

Interleucina-12 em crianças com sepse e choque séptico

Resumos

OBJETIVO: Examinar o comportamento da interleucina-12 e verificar se pode ser utilizada para diferenciar condições sépticas em crianças. MÉTODOS: Foram inscritas, de forma prospectiva, entre janeiro de 2004 e dezembro de 2005, crianças com idades de 28 dias a 14 anos, subdivididas nos grupos sepse (SG; n=47) e choque séptico (SSG; n=43). A interleucina-12 foi avaliada quando da admissão (T0) e 12 horas mais tarde (T12). A gravidade da doença foi avaliada utilizando o escore PRISM. RESULTADOS: A interleucina-12 não diferenciou crianças com sepse das com choque séptico quando da admissão [SSG: 0,24 (0-22,64)=SG: 1,23 (0-511,6); p=0,135)] e na avaliação T12 [SG: 6,11 (0-230,5)=SSG: 1,32 (0-61,0); p=0,1239)]. Na comparação entre os momentos, não foi observada diferença estatística para SG [SG, T0: 1,23 (0-511,6)=T12: 6,11 (0-230,5); p=0,075]. Entretanto, em casos de SSG, a interleucina-12 aumentou entre as avaliações T0 e T12 [SSG, T0: 0,24 (0-226,4)<T12: 1,32 (0-61,0); p=0,018]. As porcentagens médias de concordância entre o diagnóstico clínico e os achados laboratoriais foram de 59,7% e 58,5% respectivamente para SG e SSG, sem diferença estatística entre os grupos e momentos de avaliação (p>0,05). Para ambos os grupos, não houve correlação entre interleucina-12 na admissão e o escore PRISM. CONCLUSÃO: A interleucina-12 não diferencia as condições sépticas e não se relaciona com a gravidade da doença por ocasião da admissão. Em pacientes com choque séptico, a interleucina-12 aumenta com o tempo.

Interleucina-12; Cuidados críticos; Choque; Choque séptico; Criança


OBJECTIVE: To examine the behavior of interleukin-12 and verify whether it can be used to differentiate septic conditions in children. METHODS: Septic children aged between 28 days and 14 years, prospectively enrolled from 01/2004 to 12/2005, were divided into sepsis (SG; n=47) and septic shock (SSG; n=43) groups. Interleukin-12 levels were measured at admission (T0) and 12 hours later (T12). Disease severity was assessed by the PRISM score. RESULTS: Interleukin-12 levels did not differentiate children with sepsis from those with septic shock at admission [SSG: 0.24 (0-226.4)=SG: 1.23 (0-511.6); p=0.135)] and T12 [SG: 6.11 (0-230.5)=SSG: 1.32 (0-61.0); p=0.1239)]. Comparing time points, no significant difference was observed in the SG [SG, T0: 1.23 (0-511.6)=T12: 6.11 (0-230.5); p=0.075]. In SSG however, interleukin-12 increased from T0 to T12 (SSG, T0: 0.24 (0-226.4)<T12: 1.32 (0-61.0); p=0.018]. The mean percentage agreement between the clinical diagnosis and laboratory findings was 59.7% and 58.5% for the SG and SSG, respectively, with no significant difference between groups and time points (p>0.05). There was no correlation between onterleukin-12 levels at admission and the PRISM score for either group. CONCLUSION: Interleukin-12 levels cannot differentiate between septic conditions and are not related to disease severity at admission. In septic shock patients, interleukin-12 increases with time.

Interleukin-12; Critical care; Shock; Septic shock; Child


ARTIGOS ORIGINAIS - PESQUISA BÁSICA

Interleucina-12 em crianças com sepse e choque séptico

Joelma Gonçalves Martin; Cilmery Suemi Kurokawa; Mario Ferreira Carpi; Rossano Cesar Bonatto; Marcos Aurélio de Moraes; José Roberto Fioretto

Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Joelma Gonçalves Martin Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP Distrito de Rubião Júnior CEP: 18618-000 – Botucatu (SP), Brasil E-mail: colaute@uol.com.br / pediatria@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Examinar o comportamento da interleucina-12 e verificar se pode ser utilizada para diferenciar condições sépticas em crianças.

MÉTODOS: Foram inscritas, de forma prospectiva, entre janeiro de 2004 e dezembro de 2005, crianças com idades de 28 dias a 14 anos, subdivididas nos grupos sepse (SG; n=47) e choque séptico (SSG; n=43). A interleucina-12 foi avaliada quando da admissão (T0) e 12 horas mais tarde (T12). A gravidade da doença foi avaliada utilizando o escore PRISM.

RESULTADOS: A interleucina-12 não diferenciou crianças com sepse das com choque séptico quando da admissão [SSG: 0,24 (0-22,64)=SG: 1,23 (0-511,6); p=0,135)] e na avaliação T12 [SG: 6,11 (0-230,5)=SSG: 1,32 (0-61,0); p=0,1239)]. Na comparação entre os momentos, não foi observada diferença estatística para SG [SG, T0: 1,23 (0-511,6)=T12: 6,11 (0-230,5); p=0,075]. Entretanto, em casos de SSG, a interleucina-12 aumentou entre as avaliações T0 e T12 [SSG, T0: 0,24 (0-226,4)<T12: 1,32 (0-61,0); p=0,018]. As porcentagens médias de concordância entre o diagnóstico clínico e os achados laboratoriais foram de 59,7% e 58,5% respectivamente para SG e SSG, sem diferença estatística entre os grupos e momentos de avaliação (p>0,05). Para ambos os grupos, não houve correlação entre interleucina-12 na admissão e o escore PRISM.

CONCLUSÃO: A interleucina-12 não diferencia as condições sépticas e não se relaciona com a gravidade da doença por ocasião da admissão. Em pacientes com choque séptico, a interleucina-12 aumenta com o tempo.

Descritores: Interleucina-12; Cuidados críticos; Choque; Choque séptico; Criança

INTRODUÇÃO

A identificação precoce de sepse ainda é um dos grandes desafios na medicina intensiva e é central para seu controle clínico.(1,2) Os sinais clínicos de sepse ou seus achados laboratoriais típicos são observados mais tardiamente, quando já ocorreu falência de múltiplos órgãos e sistemas (FMOS), e a mortalidade é consideravelmente maior. Assim, a efetividade de novas estratégias terapêuticas está diretamente relacionada com a rapidez com que é estabelecido o diagnóstico de sepse.(3)

Em resposta a diversos estímulos infecciosos e não infecciosos, os monócitos/macrófagos liberam uma série de mediadores, inclusive citocinas, envolvidas na resposta pró-inflamatória da sepse. A liberação excessiva desses mediadores resulta no desenvolvimento de inflamação em todo o corpo e desempenha um papel importante na patogênese da sepse e do choque séptico.(4) Em modelos de animais, a fase pró-inflamatória sistêmica inicial envolve o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucina-1 (IL-1), IL-6 e interferona gama (IFN-γ), que agem em sinergia com a IL-12 para induzir o choque séptico.(5)

A IL-12, uma das citocinas inflamatórias mais importantes, é uma citocina heterodimérica produzida principalmente por células com antígenos e desempenha um papel-chave na natureza decisiva da resposta imune a antígenos exógenos e endógenos. A IL-12 é composta por duas subunidades proteicas com ligação dissulfeto designadas p35 e p40, que são codificadas por dois genes diferentes.(6) Essa citocina é um intermediário importante entre a imunidade inata e adaptativa, já que é secretada sob estimulação de monócitos/macrófagos e células dendríticas, e ativa a produção e proliferação de interferona, e a atividade citolítica das células natural killer e linfócitos T.(7)

O papel da IL-12 na sepse e no choque séptico ainda é assunto controvertido tanto no campo experimental quanto clínico. A administração de E. coli vivos desencadeia a liberação da subunidade de IL-12 biologicamente ativa p70. Sua neutralização proporciona um claro benefício de sobrevida após administração de uma dose alta de lipossacarídeo (LPS) em camundongos.(8-10) Outros achados experimentais, entretanto, dão suporte ao conceito de que o comprometimento da produção de IL-12 pode limitar gravemente a defesa do hospedeiro contra algumas infecções e, então, associar-se com taxas mais elevadas de mortalidade.(11,12)

Clinicamente, em um estudo recente de 1.113 pacientes submetidos à cirurgia eletiva do trato gastrintestinal alto e baixo, foram isolados monócitos do sangue periférico, estimulados com IFN-γ e LPS, sendo a produção de IL-12 por essas células quantificada para correlacionar com a taxa de sobrevida. Os autores identificaram que a secreção pré-operatória de IL-12 p70 e IL-12 p40 pelos monócitos estava significantemente reduzida em pacientes que desenvolveram sepse pós-operatória letal em comparação a pacientes que sobreviveram à sepse e pacientes com recuperação pós-operatória sem intercorrências. Mais ainda, a produção pré-operatória de IL-12 pelos monócitos foi um fator preditivo independente de desfecho letal em sepse pós-operatória.(8) Semelhantemente, em 66 pacientes que desenvolveram sepse pós-operatória, Emmanuilidis et al.(13) observaram níveis significantemente mais baixos de IL-12 no grupo controle, mas não observaram diferenças nos valores entre pacientes que sobreviveram e os que não sobreviveram.

Apenas um estudo foi identificado em pacientes pediátricos, mostrando uma correlação positiva entre os níveis plasmáticos de IL-12 e a gravidade da doença medida por meio do escore Pediatric Risk of Mortality (PRISM) em pacientes criticamente enfermos com diagnóstico de meningococcemia.(14)

Esses resultados conflitantes, juntamente da falta de estudos em pacientes pediátricos avaliando o papel da IL-12, indicam a necessidade de definir melhor sua utilidade para diagnosticar sepse/choque séptico em crianças. Os objetivos do estudo foram: estudar o comportamento da IL-12 em crianças com diagnósticos clínicos de sepse ou choque séptico e verificar se esse mediador é também um indicador de gravidade da doença, e capaz de diferenciar entre sepse e choque séptico em crianças após o período neonatal.

MÉTODOS

Pacientes, definições e monitoramento

Este foi um estudo observacional prospectivo realizado entre janeiro de 2004 e dezembro de 2005, incluindo crianças com idades entre 28 dias e 14 anos, admitidas à unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), com diagnóstico de sepse ou choque séptico. Foram excluídas as crianças que tivessem doenças inflamatórias crônicas, neurológicas degenerativas, de imunodeficiência primária ou adquirida; estivessem em terapia com corticosteroides, anti-inflamatórios não esteroides ou antibióticos por mais de 24 horas; tivessem sofrido traumatismo ou queimadura; ou estivessem em tratamento pós-operatório. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Antes do recrutamento, foi obtido um termo de consentimento livre e esclarecido por escrito dos pais ou guardiães legais. Todos os procedimentos foram realizados em conformidade com os padrões éticos do comitê responsável pela experimentação em humanos e com a Declaração de Helsinque de 1975, revisada em 1996.

Sepse e choque séptico foram definidos conforme os critérios estabelecidos pela Conferência de Consenso de 2001.(15) Como a mais recente conferência de consenso sobre definições de sepse teve seus resultados publicados quando o estudo já estava praticamente em andamento, a adequação do protocolo de diagnóstico foi revisado conforme necessário.

Quando da admissão os pacientes foram designados para um de dois grupos de estudo: sepse (SG) ou choque séptico (SSG). O diagnóstico de sepse ou choque séptico foi acordado para cada paciente por um consenso entre todos os pesquisadores em reuniões semanais. Como os pacientes com sepse podem progredir para choque séptico, o diagnóstico inicial foi considerado como critério definitivo para designação ao grupo de estudo.

Os pacientes foram monitorados e tratados segundo o estabelecido pela força tarefa da Society of Critical Care Medicine.(16) FMOS foi definida como a presença de pelo menos duas disfunções de órgãos diagnosticadas segundo critérios pré-estabelecidos.(17) O escore PRISM foi calculado por ocasião da admissão para todos os pacientes.(18)

Coleta de amostras para os exames

A primeira amostra de sangue foi obtida à admissão e rotulada como T0. Outra amostra foi obtida 12 horas mais tarde e rotulada como T12. Os resultados das análises bioquímicas não foram disponibilizados para os médicos responsáveis. As amostras de sangue para os ensaios de IL-12 foram de 2 mL para T0 e 2 mL para T12. Após a coleta, as amostras de sangue foram centrifugadas e o plasma armazenado a -70ºC até a realização do ensaio de IL-12.

Mensuração de IL-12

As concentrações de IL-12 foram medidas por ELISA (ensaio de imunoabsorção ligado a enzima) utilizando o sistema Duo Set (R&D System, Minneapolis, MN, EUA). Cada amostra foi testada em triplicata, obtendo-se o valor médio. O limite de detecção foi de 4 pg/mL e as variações nos ensaios e entre os ensaios foram respectivamente de 5% e 7%. Essa metodologia permitiu a identificação da subunidade de IL-12 p70, a fração biologicamente ativa desse mediador.

Análise estatística

Foram realizadas, na admissão, análises da distribuição entre os gêneros, focos de infecção e escore PRISM. Os níveis plasmáticos de IL-12 foram comparados por momento de avaliação de grupos.

Gênero, foco de infecção e momento de avaliação entre os grupos foram analisados utilizando o teste de Goodman para contrastes entre populações multinomiais. A avaliação dos grupos por idade e escores PRISM foi realizada utilizando o teste U de Mann-Whitney. Foi utilizada análise de medidas repetidas para comparar IL-12. A correlação entre o escore PRISM e IL-12 foi examinada com o teste de Spearman. A concordância entre o diagnóstico clínico e os níveis de IL-12 foi analisada pela percentagem de pacientes com níveis plasmáticos acima e abaixo do limite de detecção, sendo os resultados comparados utilizando o teste exato de Fisher. Todas as conclusões levaram em consideração um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Durante o período do estudo foram admitidos à UTIP 689 pacientes, sendo que 59 atendiam os critérios para sepse e 65 para choque séptico. Doze pacientes foram excluídos do grupo SG (6 haviam recebido antibióticos por mais de 24 horas, 4 eram pacientes em pós-operatório e 2 tinham doença neurológica degenerativa), e 22 foram excluídos do grupo SSG (12 haviam recebido antibióticos por mais de 24 horas, 3 tinham doença inflamatória crônica ativa, 2 tinham doença neurológica degenerativa, 2 haviam recebido corticosteroides, e 3 morreram antes que pudessem ser coletadas amostras). Assim, a amostra final compreendeu 90 pacientes, sendo 47 no SG e 43 SSG.

Comparação entre os grupos: características gerais

A Tabela 1 mostra uma comparação entre os grupos com relação a idade, gênero e escore PRISM. Os grupos não diferiram estatisticamente em termos de idade ou gênero. Entretanto, eles foram estatisticamente diferentes em termos de gravidade da doença, avaliada pelo escore PRISM, que foi maior no grupo SSG [SSG: 29 (19,6-33,5)>SG: 17,8 (16-21,7); p<0,05]. A frequência de progressão para FMOS foi significantemente maior no SSG [SSG: 42/43 (97,7%) versus SG: 11/47 (23,4%); risco relativo = 4,17; p<0,05]. Três pacientes (6,4%) no grupo SG e 11 (25,6%) no grupo SSG morreram.

Foram isolados micro-organismos de culturas de sangue e líquor raquidiano em 54 pacientes. As culturas de sangue foram positivas em 40 pacientes, 29 (72,5%) no grupo SSG, e as culturas de líquor raquidiano foram positivas em 14 crianças, 11 delas (78,6%) no grupo SSG. Foram identificados germes Gram negativos em 38 (70,4%) pacientes (Pseudomonas aeruginosa; Haemophilus influenzae; Acinetobacter baumannii; e Klebsiellasp); em 11 (20,4%) pacientes foram identificados micro-organismos Gram positivos (Staphylococcus aureus; Streptococcus pneumoniae; Staphylococcus epidermidis) e em outros 4 pacientes (7,4%) a infecção era polimicrobiana. Foi diagnosticada infecção fúngica (Candida albicans) em um paciente (1,8%).

Os pulmões foram o foco primário de infecção no grupo SG [pulmões: 33 (70,2%) versus sistema nervoso central: 5 (10,6%) versus intestinos: 4 (8,5%) versus outros: 5 (10,6%); p<0,05] e em comparação entre os dois grupos [SG: 33 (70,2%) versus SSG: 17 (39,5%); p<0,05]. A distribuição dos focos de infecção não foi estatisticamente diferente no grupo SSG [pulmões: 17 (39,5%) versus sistema nervoso central: 11 (25,6%) versus intestinos: 8 (18,6%) versus outros: 7 (16,3%); p>0,05].

IL-12 nos momentos T0 e T12 e escore PRISM

A comparação dos níveis de IL-12 no momento T0 [SG: 1,23(0-511,6)=SSG: 0,24 (0-226,4); p=0,135] e T12 [SG: 6,11 (0-230,5) = SSG: 1,32 (0-61,0); p=0,1239] não revelou diferenças estatísticas entre os grupos (Figura 1). A comparação entre os momentos (T0 versus T12) não revelou diferenças estatísticas no grupo SG [SG- T0: 1,23 (0-511,6) = T12: 6,11 (0-230,5); p=0,075], porém mostrou um aumento significante nos níveis de IL-12 entre os momentos T0 e T12 no grupo SSG [SSG - T0: 0,24 (0-226,4)<T12: 1,32 (0-61,0); p=0,018] (Figura 1).


Uma proporção maior de pacientes teve níveis de IL-12 acima do limite estabelecido pelo laboratório tanto em T0 quanto T12 [T0: acima (SG=63,04%)=(SSG=53,6%) e T12: acima (SG=56,5%)=(SSG=63,4%)] porém sem qualquer diferença estatística entre os grupos ou momentos de avaliação (p>0,05). As percentagens médias de concordância entre o diagnóstico clínico e os achados laboratoriais foram de 79,7% e 58,5% respectivamente para os grupos SG e SSG, sem qualquer diferença estatística entre os grupos ou momentos de avaliação (p>0,05).

Não houve correlação positiva entre os níveis de IL-12 e escore PRISM no momento T0 tanto no SG (r=0,19; p=0,028) quanto no SSG (r=0,20; p=0,215).

DISCUSSÃO

Demonstramos que, na admissão, a porção p70 de IL-12 não diferenciou crianças com sepse ou com choque séptico. Também não houve diferença significante entre os grupos na concordância entre os diagnósticos clínicos de sepse ou choque séptico e os níveis de IL-12. Em contraste, ao estudar 117 neonatos com sepse, Sherwin et al.(19) concluíram que a IL-12 p70 pode ser utilizada para confirmar a sepse. Previamente, ao comparar a IL-12 com outras citocinas, encontramos uma percentagem mais elevada (acima de 90%) de pacientes nos quais o diagnóstico de sepse e choque séptico concordou com os achados laboratoriais para IL-6, procalcitonina e proteína C-reativa(20,21) mais do que com IL-12.

Estudos que relataram efeitos deletérios da IL-12 tanto em modelos experimentais(22,23) quanto em estudos realizados em seres humanos(14,24) observaram uma correlação entre o aumento da subunidade p40 e mortalidade. Assim como Sprong et al.(25) em crianças com doença meningocócica, também não observamos uma correlação entre IL-12 p70 e a gravidade da doença avaliada pelo escore PRISM. Os mesmos resultados foram obtidos por Livaditi et al.(26) em 44 pacientes adultos criticamente enfermos. Em contraste, foi relatada uma correlação entre IL-12 e a gravidade da doença em crianças com queimaduras.(24) Em um achado interessante, observamos que a IL-12 aumentou após 12 horas em nossos pacientes com choque séptico.

Muitos fatores podem ter influenciado nossos resultados. A discordância entre os achados dos dados de IL-12 em pacientes sépticos pode estar ligada à curta meia-vida da IL-12,(27) à sua cinética, ao momento da coleta das amostras de sangue, à intensidade do estímulo, às diferenças na idade dos pacientes e suas condições clínicas,(28) e à subunidade de IL-12 estudada.(29) Foi demonstrado que a subunidade p40 de IL-12 é produzida imediatamente após o estímulo enquanto a p40(29) é produzida de 12 a 72 horas após o estímulo, com pico em torno de 36 horas;(30) isto é após o momento em que coletamos a segunda amostra. Entretanto, o estímulo imunológico é mais intenso em pacientes com choque séptico, o que nos possibilitou detectar um aumento de IL-12 no momento T12, diferentemente do grupo com sepse em que o estímulo foi menos intenso. É também possível que, no início do estímulo infeccioso, a liberação mais precoce da subunidade p40 tenha diminuído a atividade da p70, um efeito mais pronunciado em pacientes com enfermidade menos grave.(31) Esse desequilíbrio entre as isoformas bioativas, que provavelmente têm a finalidade de controlar o excesso de inflamação, também pode tornar os pacientes sépticos mais suscetíveis às infecções hospitalares.(32) Um outro ponto que deve ser mencionado é que, dependendo da ativação de células imunes, ocorre uma liberação de ATP para o espaço extracelular. Foi demonstrado que o ATP tem múltiplos efeitos anti-inflamatórios, desempenhando um papel na diminuição da reação imune excessiva em doenças infecciosas. Em situações como a sepse e o choque séptico, o ATP é liberado a partir de células mortas; isso pode diminuir a ação da IL-12 dos macrófagos, acentuando a liberação de citocinas inflamatórias.(33)

Algumas das diferenças nos resultados quando se estuda a IL-12 podem ser relacionadas às diferentes populações analisadas. Upham et al.(28) estudaram IL-12 em voluntários saudáveis em diferentes faixas etárias: ao nascer, aos 5 anos de idade, aos 12 anos de idade e na vida adulta. Esses autores observaram que a subunidade p70 diferiu grandemente nos quatro grupos, sendo mais baixa em pacientes mais jovens. Eles também relataram que a capacidade de sintetizar IL-12 em níveis comparáveis aos do adulto só parece ser atingida na adolescência. Em nossa série, estudamos um grupo heterogêneo em termos de idade, envolvendo idades entre 1 mês e 15 anos, com uma grande proporção de pacientes mais jovens; isso pode ter limitado a detecção de aumentos de IL-12 e influenciado nossos resultados.

Limitações e implicações deste estudo

Primeiramente, nosso comitê de ética não nos permitiu incluir um grupo controle; isso dificultou a realização de cálculos de sensibilidade, especificidade e chance. Em segundo lugar, o uso de critérios de diagnósticos clínicos pode ter introduzido um viés na classificação dos pacientes. Como os resultados de IL-12 foram mantidos confidenciais para os médicos responsáveis pelo tratamento, estes não foram influenciados pelos resultados, o que significa que a falta de um padrão-ouro para o diagnóstico não comprometeu nossos resultados. Finalmente, a influência de diferentes classes de antibióticos e corticosteroides nos níveis de IL-12 não deve ser ignorada, assim como não se deve ignorar a influência do tipo de disfunção orgânica ou duração da doença. Alguns dos pacientes com meningite só receberam corticosteroides nas primeiras 48 horas; portanto, cremos que esse fármaco teve pouco efeito em nossos resultados. Com relação ao tipo de disfunção orgânica ou doença, o caráter clínico de nosso estudo implica que, quando da admissão, os pacientes possivelmente estariam em diferentes fases da doença. Cremos que a exclusão de crianças que já estavam utilizando antibióticos por mais de 24 horas minimizou esses efeitos.

CONCLUSÃO

Os níveis de IL-12 não diferenciaram entre as condições sépticas e não estão relacionados com a gravidade da doença quando da admissão. Esses níveis aumentam com o tempo em pacientes com choque séptico.

Agradecimentos

Este estudo foi subsidiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo número 04/03776-0.

Gostaríamos de expressar nossos agradecimentos a toda a equipe da UTIP e ao Centro de Pesquisa Clínica e Experimental do Departamento de Pediatria da UNESP por sua ajuda na coleta e análise laboratorial.

Submetido em 4 de maio de 2012

Aceito em 3 de junho de 2012

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado na unidade de terapia intensiva pediátrica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP), Brasil.

Contribuição dos autores: a Dra. Joelma G. Martin teve a responsabilidade primária pelo desenvolvimento do protocolo, triagem de pacientes, inscrição, avaliação do desfecho, análise primária dos dados, e redação do manuscrito. A Dra. Cilmery S. Kurokawa participou do desenvolvimento do protocolo do estudo e formatação analítica e contribuiu para a redação do manuscrito. O Dr. Mario F. Capri participou do desenvolvimento do protocolo do estudo e da formatação analítica. Os Drs. Rossano C. Bonatto e Marcos A. de Moraes contribuíram da mesma forma que o Dr. Capri. O Dr. José Roberto Fioretto supervisionou o delineamento do estudo e sua execução, realizou as análises finais dos dados e contribuiu para a redação do manuscrito.

  • 1. Angus DC, Wax RS. Epidemiology of sepsis: an update. Crit Care Med. 2001;29(7 Suppl):S109-16. Review.
  • 2. Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM, Bion J, Parker MM, Jaeschke R, Reinhart K, Angus DC, Brun-Buisson C, Beale R, Calandra T, Dhainaut JF, Gerlach H, Harvey M, Marini JJ, Marshall J, Ranieri M, Ramsay G, Sevransky J, Thompson BT, Townsend S, Vender JS, Zimmerman JL, Vincent JL; International Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee; American Association of Critical-Care Nurses; American College of Chest Physicians; American College of Emergency Physicians; Canadian Critical Care Society; European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases; European Society of Intensive Care Medicine; European Respiratory Society; International Sepsis Forum; Japanese Association for Acute Medicine; Japanese Society of Intensive Care Medicine; Society of Critical Care Medicine; Society of Hospital Medicine; Surgical Infection Society; World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2008. Crit Care Med. 2008;36(1):296-327. Erratum in Crit Care Med. 2008;36(4):1394-6.
  • 3. Meisner M. Biomarkers of sepsis: clinically useful? Curr Opin Crit Care. 2005;11(5):473-80.
  • 4. Dinarello CA. Proinflammatory and anti-inflammatory cytokines as mediators in the pathogenesis of septic shock. Chest. 1997;112(6 Suppl):321S-9.
  • 5. Pfeffer K, Matsuyama T, Kündig TM, Wakeham A, Kishihara K, Shahinian A, et al. Mice deficient for the 55 kd tumor necrosis factor receptor are resistant to endotoxic shock, yet succumb to L. monocytogenes infection. Cell. 1993;73(3):457-67.
  • 6. Gately MK, Renzetti LM, Magram J, Stern AS, Adorini L, Gubler U, et al. The interleukin-12/interleukin-12-receptor system: role in normal and pathologic immune responses. Annu Rev Immunol. 1998;16:495-521.
  • 7. Trinchieri G. Interleukin 12: a proinflammatory cytokine with immunoregulatory functions that bridge innate resistance and antigen-specific adaptive immunity. Annu Rev Immunol. 1995;13:251-76.
  • 8. Weighardt H, Heidecke CD, Westerholt A, Emmanuilidis K, Maier S, Veit M, et al. Impaired monocyte IL-12 production before surgery as a predictive factor for the lethal outcome of postoperative sepsis. Ann Surg. 2002;235(4):560-7.
  • 9. Jansen PM, van der Pouw Kran TC, de Jong IW, van Mierlo G, Wijdenes J, Chang AA, et al. Release of interleukin-12 experimental Escherichia coli septic shock in baboons: relation to plasma levels of interleukin-10 and interferon-gamma. Blood. 1996;87(12):5144-51.
  • 10. Zisman DA, Kunkel SL, Strieter RM, Gauldie J, Tsai WC, Bramson J, et al. Anti-interleukin-12 therapy protects mice in lethal endotoxemia but impairs bacterial clearance in murine Escherichia coli peritoneal sepsis. Shock. 1997;8(5):349-56.
  • 11. Lauw FN, Dekkers PE, te Velde AA, Speelman P, Levi M, Kurimoto M, et al. Interleukin-12 induces sustained activation of multiple host inflammatory mediator systems in chimpanzees. J Infect Dis. 1999;179(3):646-52.
  • 12. Göebel A, Kavanagh E, Lyons A, Saporoschetz IB, Soberg C, Lederer JA, et al. Injury induces deficient interleukin-12 production, but interleukin-12 therapy after injury restores resistance to infection. Ann Surg. 2000;231(2):253-61.
  • 13. Emmanuilidis K, Weighardt H, Matevossian E, Heidecke CD, Ulm K, Bartels H, et al. Differential regulation of systemic IL-18 and IL-12 release during postoperative sepsis: high serum IL-18 as an early predictive indicator of lethal outcome. Shock. 2002;18(4):301-5.
  • 14. Hazelzet JA, Kornelisse RF, van der Pouw Kraan TC, Joosten KF, van der Voort E, van Mierlo G, et al. Interleukin 12 levels during the initial phase of septic shock with purpura in children: relation to severity of disease. Cytokine. 1997;9(9):711-6.
  • 15. Levy MM, Fink MP, Marshall JC, Abraham E, Angus D, Cook D, Cohen J, Opal SM, Vincent JL, Ramsay G; SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS. 2001 SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Crit Care Med. 2003;31(4):1250-6. Review.
  • 16. Carcillo JA, Fields AI; American College of Critical Care Medicine Task Force Committee Members. Clinical practice parameters for hemodynamic support of pediatric and neonatal patients in septic shock. Crit Care Med. 2002;30(6):1365-78. Review.
  • 17. Wilkinson JD, Pollack MM, Glass NL, Kanter RK, Katz RW, Steinhart CM. Mortality associated with multiple organ system failure and sepsis in pediatric intensive care unit. J Pediatr. 1987;111(3):324-8.
  • 18. Pollack MM, Ruttimann EU, Getson PR. Pediatric risk of mortality (PRISM) score. Crit Care Med. 1988;16(11):1110-6.
  • 19. Sherwin C, Broadbent R, Young S, Worth J, McCaffrey F, Medlicott NJ, et al. Utility of interleukin-12 and interleukin-10 in comparison with other cytokines and acute-phase reactants in the diagnosis of neonatal sepsis. Am J Perinatol. 2008;25(10):629-36.
  • 20. Fioretto JR, Martin JG, Kurokawa CS, Carpi MF, Bonatto RC, de Moraes MA, et al. Comparison between procalcitonin and C-reactive protein for early diagnosis of children with sepsis or septic shock. Inflamm Res. 2010;59(8):581-6.
  • 21. Fioretto JR, Martin JG, Kurokawa CS, Carpi MF, Bonatto RC, Ricchetti SMQ, et al. Interleukin-6 and procalcitonin in children with sepsis and septic shock. Cytokine. 2008;43(2):160-4.
  • 22. Abdi K. IL-12: the role of p40 versus p75. Scand J Immunol. 2002;56(1):1-11. Review.
  • 23. Heremans H, Dillen C, Groenen M, Matthys P, Billiau A. Role of interferon-gamma and nitric oxide in pulmonary edema and death induced by lipopolysaccharide. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(1):110-7.
  • 24. Finnerty CC, Herndon DN, Chinkes DL, Jeschke MG. Serum cytokine differences in severely burned children with and without sepsis. Shock. 2007;27(1):4-9.
  • 25. Sprong T, van der Ven-Jongekrijg J, Neelemam C, van der Meer JW, van Deuren M. Influence of innate cytokine production capacity on clinical manifestation and severity of pediatric meningococcal disease. Crit Care Med. 2009;37(10):2812-8.
  • 26. Livaditi O, Kotanidou A, Psarra A, Dimopoulou I, Sotiropoulou C, Augustatou K, et al. Neutrophil CD64 expression and serum IL-8: sensitive early markers of severity and outcome in sepsis. Cytokine. 2006;36(5-6):283-90.
  • 27. Chizzonite R, Gubler U, Magram J, Stern AS. Interleukin-12. Cytokine. 1998;183-203.
  • 28. Upham JW, Lee PT, Holt BJ, Heaton T, Prescott SL, Sharp MJ, et al. Development of interleukin-12-producing capacity throughout childhood. Infect Immun. 2002;70(12):6583-8.
  • 29. Heinzel FP, Rerko RM, Ling P, Hakimi J, Schoenhaut DS. Interleukin 12 is produced in vivo during endotoxemia and stimulates synthesis of gamma interferon. Infect Immun. 1994;62(10):4244-9.
  • 30. Jansen P, van der Pouw Kraan TC, de Jong IW, van Mierlo G, Wijdenes J, Chang AA, et al. Release of interleukin-12 in experimental Escherichia coli septic shock in baboons: relation to plasma levels of interleukin-10 and interferon-gamma. Blood. 1996;87(12):5144-51.
  • 31. Mattner F, Fischer S, Guckes S, Jin S, Kaulen H, Schmitt E, et al. The interleukin-12 subunit p40 specifically inhibits effects of the interleukin-12 heterodimer. Eur J Immunol. 1993;23(9):2202-8.
  • 32. Gogos CA, Skoutelis A, Lekkou E, Drosou E, Starakis I, Marangos MN, et al. Comparative effects of ciprofloxacin and ceftazidime on cytokine production in patients with severe sepsis caused by gram-negative bacteria. Antimicrob Agents Chemother. 2004;48(8):2793-8.
  • 33. Haskó G, Kuhel DG, Salzman L, Szabó C. ATP suppression of interleukin-12 and tumour necrosis factor-alpha release from macrophages. Br J Pharmacol. 2000;129(5):909-14.
  • Autor correspondente:

    Joelma Gonçalves Martin
    Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
    Distrito de Rubião Júnior
    CEP: 18618-000 – Botucatu (SP), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Maio 2012
    • Aceito
      03 Jun 2012
    Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbti.artigos@amib.com.br