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Plasmaférese como modalidade terapêutica na pancreatite aguda por hipertrigliceridemia

Resumos

Pancreatite aguda é uma condição inflamatória manifestada clinicamente por dor abdominal e níveis séricos elevados das enzimas pancreáticas. A hipertrigliceridemia é sua terceira causa mais comum. O presente relato teve por objetivo descrever um caso de pancreatite aguda por hipertrigliceridemia, cuja modalidade terapêutica utilizada foi a plasmaférese. Paciente, gênero feminino, 48 anos, apresentou-se ao hospital com queixa de "dor muito forte na barriga". Relatou início do quadro com náuseas, vômitos e dor abdominal do tipo queimação, iniciada em região epigástrica. Negou febre. Ao exame: obesa, orientada, taquipneica, normotensa, taquicárdica, normocorada, desidratada, afebril, anictérica, acianótica; abdome: distendido, ruídos hidroaéreos presentes, timpânico, doloroso difusamente, porém, principalmente em andar supramesocólico. Aos exames de admissão: triglicerídeo 10.932 mg/dL, colesterol 1.548 mg/dL, amilase 226 mg/dL, lípase 899 mg/dL. A tomografia computadorizada de abdome evidenciou pâncreas aumentado de volume (Balthazar E). Evoluiu com piora do estado geral, sendo encaminhada para o centro de terapia intensiva. Foi realizada plasmaférese sem intercorrências. No 14º dia, teve alta do centro de terapia intensiva indo para enfermaria de gastrenterologia, onde foi reiniciada dieta oral, com boa aceitação. Evoluiu bem, com alta hospitalar no 25º de internação. São necessários níveis elevados de triglicerídeos para causar pancreatite, sendo importante excluir causas mais comuns. A abordagem terapêutica utilizada foi importante para reduzir, rapidamente, a hipertrigliceridemia elevada, evitando, assim, danos tissulares maiores.

Pancreatite; Hipertrigliceridemia; Plasmaférese; Relatos de casos


Acute pancreatitis is an inflammatory condition that is clinically manifested by abdominal pain and elevated serum levels of pancreatic enzymes. Hypertriglyceridemia is the third most common cause of acute pancreatitis. The present report aimed to describe a case of hypertriglyceridemia-induced acute pancreatitis, where the therapeutic approach was plasmapheresis. A 48-year-old female patient was admitted to the hospital with complaints of "severe abdominal pain". She reported the onset of such symptoms as nausea, vomiting and abdominal pain with a burning feeling in the epigastric area. The patient denied having a fever. The initial examination revealed that she was obese, oriented, tachypneic, normotensive, tachycardic, dehydrated, afebrile, anicteric and acyanotic and had normal color. Her abdomen was distended with bowel sounds, tympanic and diffusely painful, which was mostly in the supramesocolic compartment. The initial laboratory exams showed 10.932 mg/dL triglycerides, 1.548 mg/dL cholesterol, 226 mg/dL amylase and 899 mg/dL lipase. The abdominal computed tomography exhibited increased pancreatic volume (Balthazar E). The patient's condition worsened, and she was sent to the intensive care center. Plasmapheresis was performed with no complications. On the 14th day after admission, the patient was discharged from the intensive care center and was sent to the gastroenterology ward, where an oral diet was resumed with good acceptance. The patient progressed well and was discharged from the hospital on the 25th day after admission. High triglyceride levels are necessary to cause pancreatitis, and it is important to exclude the most common causes. Importantly, the therapeutic approach reduced the high hypertriglyceridemia quickly, thereby avoiding tissue damage.

Pancreatitis; Hypertriglyceridemia; Plasmapheresis; Case reports


RELATO DE CASO

Plasmaférese como modalidade terapêutica na pancreatite aguda por hipertrigliceridemia

Felipe Soares Castelliano Lucena de Castro; Ana Maria Reis Nascimento; Igor Amorim Coutinho; Fernanda Ribeiro de Fernandez Y Alcazar; Jorge Mugayar Filho

Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Felipe Soares Castelliano Lucena de Castro Hospital Universitário Antônio Pedro Centro de Terapia Intensiva - 3º andar Rua Marquês do Paraná, 303 - Centro CEP: 24033-900 - Niterói (RJ), Brasil E-mail: felipelucena21@hotmail.com

RESUMO

Pancreatite aguda é uma condição inflamatória manifestada clinicamente por dor abdominal e níveis séricos elevados das enzimas pancreáticas. A hipertrigliceridemia é sua terceira causa mais comum. O presente relato teve por objetivo descrever um caso de pancreatite aguda por hipertrigliceridemia, cuja modalidade terapêutica utilizada foi a plasmaférese. Paciente, gênero feminino, 48 anos, apresentou-se ao hospital com queixa de "dor muito forte na barriga". Relatou início do quadro com náuseas, vômitos e dor abdominal do tipo queimação, iniciada em região epigástrica. Negou febre. Ao exame: obesa, orientada, taquipneica, normotensa, taquicárdica, normocorada, desidratada, afebril, anictérica, acianótica; abdome: distendido, ruídos hidroaéreos presentes, timpânico, doloroso difusamente, porém, principalmente em andar supramesocólico. Aos exames de admissão: triglicerídeo 10.932 mg/dL, colesterol 1.548 mg/dL, amilase 226 mg/dL, lípase 899 mg/dL. A tomografia computadorizada de abdome evidenciou pâncreas aumentado de volume (Balthazar E). Evoluiu com piora do estado geral, sendo encaminhada para o centro de terapia intensiva. Foi realizada plasmaférese sem intercorrências. No 14º dia, teve alta do centro de terapia intensiva indo para enfermaria de gastrenterologia, onde foi reiniciada dieta oral, com boa aceitação. Evoluiu bem, com alta hospitalar no 25º de internação. São necessários níveis elevados de triglicerídeos para causar pancreatite, sendo importante excluir causas mais comuns. A abordagem terapêutica utilizada foi importante para reduzir, rapidamente, a hipertrigliceridemia elevada, evitando, assim, danos tissulares maiores.

Descritores: Pancreatite; Hipertrigliceridemia; Plasmaférese; Relatos de casos

INTRODUÇÃO

Pancreatite aguda é uma condição inflamatória do pâncreas, decorrente da ativação precoce de suas enzimas digestivas e manifestada clinicamente por dor abdominal e níveis séricos elevados das enzimas pancreáticas. Essa patologia tem a hipertrigliceridemia como sua terceira causa mais comum, vindo após o álcool e a litíase biliar, responsáveis por 1 a 38% dos casos.(1) São necessários, geralmente, níveis séricos de triglicerídeos (TG) >1.000 mg/dL (10 mmol/L) para induzir a pancreatite aguda.(2) O presente relato teve por objetivo descrever um caso de pancreatite aguda por hipertrigliceridemia, cuja modalidade terapêutica utilizada foi a plasmaférese, com desfecho favorável do quadro.

RELATO DE CASO

Paciente do gênero feminino, 48 anos, branca, casada, natural do Rio de Janeiro, já trabalhou como promotora de vendas e, no momento do atendimento, estava desempregada. Paciente relatou início do quadro com náuseas, vômitos e dor abdominal do tipo queimação, iniciada em região epigástrica e, posteriormente, irradiando-se para todo o abdome, porém concentrando-se no quadrante superior esquerdo (QSE). Procurou serviço médico de urgência, onde realizou exames que descartaram infarto agudo do miocárdio (IAM). Negou febre e episódios anteriores. Permaneceu internada por 48 horas, quando apresentou novo episódio de mal-estar após ingestão alimentar, seguido de vômitos, sendo, então, encaminhada para a emergência do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP).

Como história patológica pregressa, relatava tratamento para lúpus eritematoso sistêmico há 6 anos, em uso de prednisona (60 mg ao dia), hidroxicloroquina (400 mg ao dia) e azatioprina (100mg ao dia). Hipertensa e diabética há 7anos, em uso de captopril e glibenclamida. Metrorragia há aproximadamente 1 mês, associada à dor abdominal tipo cólica em baixo ventre. Informou ter sido fumante de 1 maço por dia, por 14 anos, tendo interrompido o hábito há 14 anos. Negava etilismo. Relatava três gestações, três partos e nenhum aborto.

Ao exame, paciente obesa (índice de massa corpórea (IMC) = 35,29), lúcida, orientada no tempo e no espaço, normocorada, desidratada (+/4+), afebril, anictérica, acianótica, apresentando eritema de face. Pressão arterial: 110x70 mmHg, frequência cardíaca de: 120 bpm, frequência respiratória de: 32 irpm, ausculta cardíaca: ritmo cardíaco regular em 2 tempos com bulhas normofonéticas sem sopros. Aparelho respiratório: murmúrio vesicular diminuído em bases, com estertores crepitantes em 1/3 médio do pulmão esquerdo. Abdome muito distendido, obeso, ruídos hidroaéreos presentes, timpânico, Traube livre, provável hepatomegalia (exame prejudicado pela obesidade), extremamente doloroso difusamente, porém, principalmente em quadrante superior esquerdo, quadrante inferior esquerdo e hipogástrio. Ausência de lesões equimóticas periumbilicais ou nos flancos. Membros inferiores sem edema, panturrilhas livres, pulsos periféricos palpáveis e simétricos.

A tomografia computadorizada (TC) de abdome total (admissão) (Figura 1) mostrou pâncreas aumentado de volume; densificação difusa da gordura peripancreática; presença de duas coleções líquidas livres, localizadas acima da fáscia renal esquerda e entre o pâncreas e o fígado. Esteatose hepática. Critério E de gravidade de Balthazar.


Na admissão também foram colhidos exames de sangue que mostraram hemoglobina de 16,4g/dL (valor de referência [VR] 12-17), hematócrito 48% (VR 36-50), glicose 236 mg/dL (VR 40-80), creatinina 4,32 mg/dL (VR 06-1,2), lactato desidrogenase de 50 U/L (VR 240-480), colesterol total 1.548 mg/dL (VR <200) e triglicerídeo (TG) de 10.932 mg/dL (VR <150).

A paciente evoluiu com piora do estado geral, sendo encaminhada ao centro de terapia intensiva (CTI) no mesmo dia da chegada à emergência do HUAP. No 1º dia de internação no CTI, foi colocada em macronebulização com oxigênio, dieta zero, puncionado acesso venoso profundo e iniciado fibrato, como tratamento coadjuvante. No dia seguinte, foi realizada uma sessão de plasmaférese, com duração de 2 horas e 10 minutos, sem intercorrências. O padrão hemodinâmico não se alterou e foi mantida a estabilidade clínica. Pôde-se observar que, em 48 horas, houve redução de aproximadamente 65% nos níveis de TG.

No terceiro dia de internação, foi iniciada nutrição parenteral total, na qual permaneceu por 1 semana, quando foi introduzida dieta enteral monomérica.

No 8º dia, foi iniciada piperacilina+tazobactam 4,5 g, intravenoso (IV), a cada 6 horas, em virtude da extensão da necrose pancreática vista na TC de abdome. Paciente evoluiu com episódios de diarreia, sem febre e com aumento discreto da lipase sérica, porém sem agudização da dor abdominal. Contudo, esse quadro se mostrou autolimitado, tendo duração de 4 dias, sem que fosse alterada a dieta.

Após 2 semanas, a paciente encontrava-se estável clinicamente, sem queixas e com exame físico sem alterações. Recebeu alta do CTI, sendo transferida para enfermaria de gastrenterologia clínica. A dieta oral hipolipemiante foi introduzida com boa aceitação da paciente. Evoluiu com estabilização do quadro clínico, laboratorial e tomográfico.

No 25º dia de internação hospitalar, recebeu alta, sendo encaminhada para o ambulatório de gastrenterologia. Estava em uso de genfibrozil 600 mg, 2 vezes ao dia, via oral (VO). Optou-se pela conduta expectante frente ao pseudocisto pancreático, que havia sido identificado na TC de abdome no 21º dia de internação. A antibioticoterapia totalizou 19 dias.

A TC abdome total (8º dia) mostrou coleções em toda extensão abdominal com focos múltiplos de necrose pancreática. Critério E de gravidade de Balthazar E. Posteriormente, a TC abdome total (21º dia) (Figura 2) mostrou pâncreas aumentado de volume, heterogêneo, com lesão hipodensa regular, retrogástrica, medindo 9 cm, rechaçando o estômago, parecendo formar uma cápsula ao redor (sugerindo pseudocisto), líquido peripancreático, periesplênico e ao redor do hilo, e pequeno derrame pleural bilateral.


A tabela 1 mostra os resultados dos exames laboratoriais da paciente que foram realizados ao longo de sua internação no HUAP.

DISCUSSÃO

A pancreatite aguda pode ser suspeitada inicialmente pelo quadro clínico, caracterizado por dor súbita e constante no andar superior do abdome, variando de leve desconforto à dor incapacitante, por vezes irradiada para o dorso, definida como "dor em barra", com duração variável de 5 a 7 dias. A dor, aliviada com a flexão do tronco sobre o abdome, geralmente é acompanhada por náuseas, vômitos, e distensão abdominal pela hipomotilidade gástrica e intestinal. Contudo, 5 a 10% dos pacientes não apresentam dor abdominal.(3)

Apesar da suspeita clínica, são necessários exames laboratoriais e de imagem, de modo a corroborar o diagnóstico clínico e determinar a causa base. Em termos gerais, são necessários dois dos três critérios seguintes para diagnóstico de pancreatite: manifestação clínica compatível, enzimas pancreáticas elevadas e métodos de imagem com alterações pancreáticas.

Os achados laboratoriais se caracterizam pela elevação da amilase sérica a um nível de 3 ou mais vezes acima de seu limite superior, nos casos de pancreatite aguda, retornando aos valores normais em torno de 3 a 5 dias. O aumento da lipase se dá concomitantemente ao da amilase (entre 2 e 12 horas após a crise), porém é mais específica para pancreatite e seu declínio para os valores normais é mais lento, podendo permanecer alta por até 14 dias. O aumento dos TG pode subestimar os níveis séricos da lipase e amilase, os quais podem estar normais ou pouco elevados, como no caso descrito.(4)

O mecanismo de indução à pancreatite ainda não é totalmente conhecido. Entre os modelos expostos a fatores desencadeantes, somente um pequeno número apresenta a doença. Níveis séricos de TG a partir de 1.000 mg/dL demonstraram ser o principal fator de risco para o desenvolvimento de pancreatite aguda, embora poucos casos com níveis entre 500 e 1.000 mg/dL já tenham sido registrados.(5) Em geral, os pacientes que apresentam pancreatite aguda por hipertrigliceridemia possuem algum tipo de alteração preexistente no metabolismo das lipoproteínas.(1) Foi descrito que a hidrólise de TG por ação da lipase pancreática provoca a liberação local de ácidos graxos livres em quantidade tóxica, capaz de lesar as células acinares. Concomitantemente, há elevação de quilomícrons nos capilares pancreáticos, evoluindo para congestão capilar e contribuindo para isquemia e acidose. Diante de um dano celular direto grave ou bloqueio ductal, ocorre a liberação de grande quantidade de secreção pancreática com suas pró-enzimas já ativadas, como a ativação do tripsinogênio estimulada pelo ambiente ácido, etapa crucial no processo que leva à pancreatite.(5,6)

O tratamento inicial da pancreatite aguda é baseado na rápida hidratação venosa, analgesia e, quando necessária, a nutrição parenteral, livre de infusão lipídica. A intenção primordial de qualquer conduta é reduzir a hipertrigliceridemia para níveis abaixo de 500 mg/dL.(7) Dentre as diversas abordagens terapêuticas, a dislipidemia apresenta resultados eficazes, com o uso de medicamentos como os fibratos (redução de até 50% dos TG) e ácido nicotínico (redução entre 15 e 25%), assim como infusões de heparina e de insulina estimulam a atividade de lipoproteína lipase e aceleram a degradação de quilimícron.(6-8) Os fibratos são os medicamentos mais usados para o tratamento da hipertrigliceridemia. Eles agem em receptores nucleares denominados "receptores alfa ativados de proliferação dos peroxissomas" (PPAR-a). Esse estímulo leva ao aumento da produção e da ação da lipase lipoproteica, responsável pela hidrólise intravascular dos TG. Em geral, são indicados quando há falhas nas medidas não farmacológicas ou, ainda, usados inicialmente quando os níveis de TG estão acima de 500 mg/dL, juntamente de medidas não farmacológicas. Em trigliceridemias muito graves (maiores que 1.000 mg/dL) os fibratos podem ser considerados, porém o tratamento mais recomendado é a plasmaférese.(9)

Piolot et al.(10) descreveram o uso desse procedimento em pacientes com hipertrigliceridemia primária severa e pancreatite aguda recorrente como instrumento de prevenção de futuros episódios de pancreatites. Seu mecanismo de ação consiste na purificação extracorpórea do sangue designada a remover substâncias de alto peso molecular do plasma, como TG, além de enzimas ativas e mediadores inflamatórios do plasma, filtrando-os e retirando-os do sangue.(11) A premissa básica desse tipo de tratamento é reduzir o dano tissular causado e reverter o processo fisiopatológico, reduzindo a hiperviscosidade do plasma e a trigliceridemia em poucas horas.(12) Em 2 horas de terapia, a plasmaférese atinge redução aguda de 60 a 85% no nível sérico de TG e colesterol total. A sessão deve ser realizada o mais precocemente possível, para que haja maior eficácia.(5)

Diversos estudos reafirmam o uso da plasmaférese como terapêutica para pancreatite causada pela hipertrigliceridemia, embora os mesmos se apresentem na forma de relatos de caso e estudos de sessões clínicas. Nenhum estudo clínico randomizado foi desenvolvido para corroborar essa afirmativa até o momento.(5,6) A terapêutica, na abordagem de pancreatite por hipertrigliceridemia, segundo a Sociedade Americana de Aférese, de 2007,(13) é considerada categoria III na indicação para o tratamento com plasmaférese, significando que ainda não há evidências conclusivas ou inconclusivas sobre o seu uso, mas há indicação clínica em casos específicos. É utilizada com sucesso até o momento também como terapia preventiva de pancreatite recorrente em pacientes com dislipidema. Entretanto, possui limitações decorrentes de reações anafiláticas, hipotensão, hipocalcemia e infecções relacionadas à transfusão.(6)

Consecutivas comparações nos níveis séricos de lipídeos e lipoproteínas plasmáticas devem ser realizadas, a fim de se confirmar a recuperação progressiva do tecido pancreático.(7)

No relato em questão, foi realizada apenas uma sessão de plasmaférese, na qual pôde-se observar redução nos níveis de TG, passando de 10.932 mg/dL para 3.866 mg/dL, após 3 dias (redução de 64,6%). Devido à escassez de relatos de casos na literatura sobre o assunto, a conduta de manter apenas uma sessão foi baseada no importante estudo de Yeh et al.,(14 ) que mostrou que uma simples troca removeu 66,3% dos TG, enquanto que uma segunda sessão removeu 83,3% dos níveis séricos de TG. O tempo do procedimento foi de 2 horas e 10 minutos, porque sessões curtas (com duração de aproximadamente 2 horas) foram relacionadas a uma menor pressão transmembrana do filtro da plasmaférese e, consequentemente, a um melhor clearance de TG (maior retirada de TG do plasma). O número de sessões, no entanto, não se correlacionou com o prognóstico clínico do paciente. Por esse motivo e por considerar que a plasmaférese não é isenta de complicações, que varia desde o risco inerente vascular (como infecções e hemorragias), desequilíbrios hidroeletrolíticos e reações alérgicas, incluindo choque anafilático, além de elevado custo, optou-se por manter uma única sessão. Apesar de a paciente continuar com níveis ainda muito elevados de TG (3.866 mg/dL), em vista do aqui exposto, optou-se por dar continuidade ao tratamento com fibratos e dieta hipolipemiante. Medidas não farmacológicas, como redução da ingestão de álcool, perda de peso ponderal e controle da diabetes, também foram estimuladas, pois são coadjuvantes importantes para a diminuição dos níveis de colesterol e TG. Também faz-se importante uma dieta balanceada, seguida por nutricionista, objetivando ingesta de ácidos graxos saturados menores que 7% do valor total da ingesta calórica diária, além de limitações de ingestão de gorduras trans e colesterol. Estudos não randomizados comprovam a melhora clínica, com redução dos parâmetros laboratoriais, como os níveis de TG, amilase e lipase, assim como a redução de citocinas liberadas durante o processo inflamatório do quadro agudo. Embora não haja, na literatura, descrição de protocolos detalhados acerca da aplicação cronológica dessa terapêutica em situações emergenciais, a mesma revela-se benéfica na evolução clínica e no prognóstico dos pacientes.

A hipertrigliceridemia é uma condição comum nos dias de hoje em consequência a hábitos de vida como o sedentarismo, o abuso de álcool e a dieta rica em gordura - hábitos estes que constituem risco cardiovascular. Entretanto, sua associação como principal causa da pancreatite não é comumente encontrada, pois são necessários elevados níveis séricos de TG para deflagrar o processo, devendo ser considerada após excluir condições mais frequentes, como o álcool e litíase biliar. A hipertrigliceridemia, em geral, é controlada com medicamentos e, ocasionalmente, ocorre refratariedade ao tratamento convencional.

Há situações, como a deste relato de caso, em que os TG apresentam-se em níveis extremamente elevados, podendo oferecer risco ao paciente. A plasmaférese mostrou ser uma boa alternativa para redução abrupta da hipertrigliceridemia.

Submetido em 27 de Janeiro de 2012

Aceito em 21 de Junho de 2012

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro, Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ), Brasil.

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  • Autor correspondente:

    Felipe Soares Castelliano Lucena de Castro
    Hospital Universitário Antônio Pedro Centro de Terapia Intensiva - 3º andar
    Rua Marquês do Paraná, 303 - Centro
    CEP: 24033-900 - Niterói (RJ), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2012
    • Aceito
      21 Jun 2012
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