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Malária por Plasmodium falciparum: estudos proteômicos

Resumos

A despeito dos avanços no tratamento e das campanhas de prevenção e de controle da malária nos distintos continentes nos quais a moléstia grassa, a entidade mórbida permanece com significativa relevância no mundo contemporâneo. O Plasmodium falciparum é o grande responsável pela malária grave, caracterizada por distúrbios em diferentes órgãos e sistemas, com possibilidade de evolução ao óbito. Embora incipientes, os estudos proteômicos na malária têm trazido boas perspectivas para melhor compreensão dos aspectos biológicos do Plasmodium, assim como dos mecanismos fisiopatológicos, diagnósticos, terapêuticos e profiláticos da enfermidade. Desse modo, o objetivo do presente artigo é apresentar uma breve revisão das aplicações da análise proteômica na malária por P. falciparum.

Proteoma; Malária; Plasmodium falciparum


Despite advances in treatment and campaigns for prevention and control of malaria on the various continents where it is still rampant, this disease remains significantly relevant to the contemporary world. Plasmodium falciparum is the organism that is mainly responsible for severe malaria, which is characterized by disturbances in different organs and systems, with possibly fatal outcomes. Although incipient, proteomic studies of malaria have yielded favorable prospects for elucidating the biological aspects of Plasmodium as well as the pathophysiological, diagnostic, prophylactic, and therapeutic mechanisms of the disease. Thus, the aim of the present article is to present a brief review of the applications of proteomic analysis in P. falciparum malaria.

Proteome; Malaria; Plasmodium falciparum


ARTIGO DE REVISÃO

Malária por Plasmodium falciparum: estudos proteômicos

Rodrigo Siqueira-BatistaI; Andréia Patrícia GomesI; Eduardo Gomes de MendonçaII; Rodrigo Roger VitorinoIII; Sarah Fumian Milward de AzevedoI; Rodrigo de Barros FreitasI; Luiz Alberto SantanaI; Maria Goreti de Almeida OliveiraII

IDepartamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa - UFV - Viçosa (MG), Brasil

IIDepartamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Universidade Federal de Viçosa - UFV - Viçosa (MG), Brasil

IIICurso de Graduação em Medicina, Centro Universitário Serra dos Órgãos - UNIFESO - Teresópolis (RJ), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Rodrigo Siqueira-Batista Departamento de Medicina e Enfermagem Universidade Federal de Viçosa Avenida P. H. Rolfs, s/n, Campus Universitário CEP: 36571-000 - Viçosa (MG), Brasil E-mail: rsbatista@ufv.br

RESUMO

A despeito dos avanços no tratamento e das campanhas de prevenção e de controle da malária nos distintos continentes nos quais a moléstia grassa, a entidade mórbida permanece com significativa relevância no mundo contemporâneo. O Plasmodium falciparum é o grande responsável pela malária grave, caracterizada por distúrbios em diferentes órgãos e sistemas, com possibilidade de evolução ao óbito. Embora incipientes, os estudos proteômicos na malária têm trazido boas perspectivas para melhor compreensão dos aspectos biológicos do Plasmodium, assim como dos mecanismos fisiopatológicos, diagnósticos, terapêuticos e profiláticos da enfermidade. Desse modo, o objetivo do presente artigo é apresentar uma breve revisão das aplicações da análise proteômica na malária por P. falciparum.

Descritores: Proteoma; Malária; Plasmodium falciparum

INTRODUÇÃO

Os avanços no tratamento, na profilaxia e no controle da malária nos diferentes continentes têm sido bastante expressivos, mas ainda insuficientes para alterar significativamente o atual panorama da doença - de fato, a entidade mórbida permanece como a parasitose de maior impacto no planeta, figurando como a quinta causa de morte por doença infecciosa no mundo.(1,2)

Dentre as diferentes possibilidades de evolução clínica estão os quadros de malária grave, causada usualmente por Plasmodium falciparum e caracterizados por distúrbios em múltiplos órgãos e sistemas - tais como acidose metabólica, acometimento do sistema nervoso central, anemia grave, choque, coagulação intravascular disseminada, disfunção pulmonar, distúrbio hepático, hipoglicemia e insuficiência renal, quadro similar, do ponto de vista fisiopatológico, à sepse de etiologia bacteriana(3) - os quais impõem a necessidade de tratamento em unidade de terapia intensiva (UTI) para evitar a progressão ao óbito.(4) Com efeito, a transferência do enfermo com suspeita de malária grave à UTI permite a detecção precoce e o manejo adequado das complicações implicadas na evolução para o óbito.(5-7)

Devido às peculiaridades atinentes ao suporte clínico dessas complicações, a integração entre médicos intensivistas e especialistas em medicina tropical/doenças infecciosas possibilita um desfecho mais favorável aos pacientes acometidos.(6) Dessa forma, o médico intensivista deve se apropriar dos conceitos epidemiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos da malária, no contexto do denominado "intensivismo em infecção".(8)

Apesar das investigações dirigidas aos novos fármacos e ao desenvolvimento de medidas de suporte mais eficazes, da aplicação de escalas que subsidiam o diagnóstico e que sejam capazes de predizer o prognóstico e da utilização de métodos que detectam precocemente as complicações da infecção, o risco de morte por malária grave permanece elevado, destacando-se que, em muitas casuísticas, a letalidade é superior a 50%.(5-7,9) Desde essa perspectiva, a abordagem biológica da interação P. falciparum / Homo sapiens sapiens pode colaborar para o desenvolvimento de novos modelos de pesquisa científica, oferecendo salutar possibilidade de avanço na compreensão dessa condição infecciosa.(10,11) Nesse contexto, a análise proteômica - metodologia que objetiva delinear as unidades funcionais de uma célula, proteínas e sua complexa rede de interações e vias de sinalização em uma determinada moléstia subjacente(12) - tem trazido boas possibilidades para o entendimento dos aspectos fisiopatológicos, diagnósticos, terapêuticos e profiláticos das enfermidades infecciosas,(13) dentre as quais a malária grave.(14,15) De fato, o aprimoramento das investigações na área de proteômica é capaz de permitir a elucidação dos mecanismos moleculares implicados no desenvolvimento da moléstia, facultando (1) a identificação de alterações na expressão de proteínas relacionadas às vias de sinalização intercelular e intracelular, (2) o desenvolvimento de marcadores biológicos para o diagnóstico precoce e para a predição prognóstica e (3) a criação de novas terapias.(16,17)

Dessa forma, o objetivo do presente artigo é apresentar uma breve revisão das atuais aplicações da análise proteômica na malária por P. falciparum.

MÉTODOS

Para a revisão da literatura, foram consultadas as fontes PubMed (U. S. National Library of Medicine), SciELO (Scientific Eletronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Cochrane. Os termos pesquisados foram definidos com base nos Descritores em Ciências da Saúde (Decs), a partir de duas estratégias de busca: (1) malaria + proteome; (2) Plasmodium falciparum + proteome. A busca resultou em 551 citações (Quadro 1), publicadas nos últimos 10 anos, em línguas espanhola, inglesa e portuguesa. Desse total de citações, foram selecionados 12 artigos originais.


O critério de elegibilidade utilizado foi a abordagem da aplicabilidade das técnicas protêmicas no estudo da malária por P. falciparum, enfocando os aspectos etiológicos, patogênicos, diagnósticos, terapêuticos e profiláticos. Uma síntese desses 12 trabalhos é apresentada no quadro 2. Além dos manuscritos descritos, foram consultados outros 23 textos – incluindo artigos de revisão obtidos a partir da aplicação da estratégia de busca e textos previamente conhecidos pelos autores, não necessariamente relacionados à investigação proteômica da malária falcípara, mas considerados úteis para a contextualização do problema.


ABORDAGEM PROTEÔMICA DA MALÁRIA GRAVE

Diversos estudos têm demonstrado o papel da abordagem proteômica na elucidação dos aspectos etiológicos, patogênicos, diagnósticos e terapêuticos da malária grave. As principais informações obtidas nos artigos consultados (Quadro 2) foram organizadas nas seguintes seções: (1) Plasmodium falciparum, (2) patogênese, (3) diagnóstico, (4) tratamento e (5) prevenção – desenvolvimento de vacinas.

Plasmodium falciparum

O ciclo de vida do P. falciparum é extraordinariamente complexo e inclui a expressão de proteínas especializadas quando o protista se encontra em diferentes hospedeiros - H. sapiens sapiens e mosquitos do gênero Anopheles -, para (i) a sobrevivência intracelular e/ou extracelular, (ii) a penetração nos díspares tipos de células e (iii) a evasão das respostas imunes dos hospedeiros. Estratégias de intervenção– incluindo vacinas e medicamentos –, serão mais eficazes se orientadas para fases específicas da vida do micro-organismo e/ou dirigidas para protídios próprios expressos nesses estágios.(17) A decodificação do genoma do P. falciparum, em 2002, forneceu uma base para a realização de estudos proteômicos dirigidos ao patógeno. Nesse mesmo ano, Florens et al.(18) publicaram os resultados de uma pesquisa utilizando análise proteômica sobre o ciclo de vida do agente etiológico. Para tal, utilizou-se tecnologia multidimensional de identificação de proteínas (MudPIT), a qual combina cromatografia líquida de alta eficiência e espectrometria de massa. Foram estudados o proteoma de esporozoítos (forma infecciosa inserida no homem pelo mosquito), merozoítos (fase invasiva das hemácias), trofozoítos (forma de multiplicação nos eritrócitos) e gametócitos (estágio sexual) do P. falciparum. Das 2.415 proteínas identificadas, 46% de todos os produtos gênicos foram detectados em todos os quatro estágios do ciclo de vida do Plasmodium. Do total de proteínas identificadas, 49% eram exclusivamente de esporozoítos, mostrando ser esse estágio o mais díspar de todos. Essa fase compartilha uma média de 25% de seus protídios com qualquer outra fase. De outro modo, trofozoítos, merozoítos e gametócitos apresentam entre 20 e 33% de proteínas exclusivas, compartilhando de 39 a 56% de seus peptídeos. Por conseguinte, apenas 152 proteínas (6%) foram comuns às quatro fases, as quais dizem respeito a funções celulares básicas (protídios ribossomais, fatores de transcrição, histonas e proteínas do citoesqueleto).(18)

Concomitantemente, Lasonder et al.(19) também publicaram um estudo sobre os distintos estágios do ciclo biológico do P. falciparum, utilizando cromatografia líquida associada à espectrometria de massa. A análise revelou 1.289 proteínas, das quais 714 foram identificadas na fase assexuada do sangue, 931 em gametócitos e 645 em gametas. Em dois estudos prévios, foram evidenciadas informações sobre a biologia dos estágios sexuais do micro-organismo, os quais incluem peptídeos conservados, assim como proteínas de estágio-específico secretadas e associadas à membrana. A partir do subconjunto dessas proteínas, é possível compreender melhor o papel nas interações intercelulares e, assim, obter subsídios para o desenvolvimento de uma possível vacina para a malária.(19)

Em 2005, Gelhaus et al.(20) obtiveram os primeiros mapas proteicos em géis bidimensionais dos proteomas de merozoítos e de esquizontes de P. falciparum, destacando-se como estudo pioneiro na utilização da eletroforese bidimensional e da espectrometria de massa, técnicas importantes da análise proteômica moderna. A investigação estabeleceu uma nova estratégia para identificação de proteínas plasmodiais, aspecto significativo na busca de vacina e de novos fármacos. Sem embargo, houve importante contaminação com proteínas do hospedeiro, tornando necessário o desenvolvimento de protocolos de separação, de extração e de análises mais eficazes para se apreciar independentemente o proteoma do agente etiológico.

Como todo micro-organismo que possui várias fases de desenvolvimento - consoante ao anteriormente mencionado -, tornou-se necessário o estudo das formas evolutivas em separado - bem como de seus subproteomas -, diminuindo, assim, a quantidade de spots por gel e facilitando a identificação das referidas proteínas. Khan et al.(21) desenvolveram um método eficiente para separação e purificação dos gametócitos masculinos e femininos, para estudo de seus respectivos proteomas. O proteoma do gametócito masculino continha 36% - ou seja, 236 das 650 proteínas eram macho-específicas - e o proteoma do gametócito feminino 19 % - ou seja, 101 das 541 eram proteínas fêmea-­específicas. Tais formas compartilham apenas 69 proteínas, o que enfatiza as características divergentes das formas evolutivas. De todas as fases do ciclo de vida do P. falciparum analisadas, os gametócitos machos têm o proteoma mais distinto, contendo muitas proteínas envolvidas na motilidade flagelar e na replicação rápida do genoma. O desenvolvimento sexual para a transmissão do protista faz das proteínas de superfície das fases sexuais - tais como os gametas e zigotos - moléculas atraentes ao desenvolvimento de estratégias que impeçam a transmissão.(21)

Patogênese

A malária grave por P. falciparum pode ser caracterizada, do ponto de vista fisiopatológico, como um quadro de sepse,(3,22) implicando elementos da resposta inflamatória sistêmica. Nesses termos, a caracterização de organelas invasivas de P. falciparum (por meio de eletroforese unidimensional, cromatografia líquida e espectrometria de massa) tem permitido a obtenção do proteoma de micronemas de oocineto,(23) com boas perspectivas para a elucidação da teia fisiopatológica da malária falcípara grave. No estudo de Lal et al.,(23) os constituintes proteicos mais abundantes foram quitinase, proteínas relacionadas com circunsporozoito e trombospodina, HSP70, dissulfeto isomerase e proteínas adesivas secretadas por oocinetos. A análise proteômica evidenciou 345 proteínas, dentre elas aminopeptidase M1 e dissulfeto isomerase, reconhecidos alvos para o desenvolvimento de fármacos.(23,24)

Assim, a análise de subproteomas permite identificar com maior precisão proteínas de uma determinada organela na qual se tem interesse. Dessa forma, minimiza-se a complexidade dos mapas proteicos, facilitando o estudo das proteínas contidas no gel e permitindo, também, a análise das formas de vida mais infectivas e/ou mais lesivas ao H. sapiens sapiens. Ademais, desvendando o mapa proteico dessas formas, é possível buscar novas estratégias (i) de controle – desenvolvimento de vacinas que impeçam a infecção a partir da inibição da evolução do patógeno – e (ii) de tratamento – pela interferência em algum processo vital do protista –, destacando-se a necessária distinção entre as proteínas do protozoário e dos seres humanos.(25)

Durante seu ciclo de vida, P. falciparum está exposto a diferentes condições ambientais, particularmente a variações na pressão de O2 no hospedeiro vertebrado. Além disso, o micro-organismo é exposto a níveis de 21% de O2 nas glândulas salivares do Anopheles.(24) Essa variação de pressão de O2 gera alterações metabólicas no protozoário, as quais são essenciais para a sobrevivência do mesmo, em condições de hipóxia e hiperóxia, minimizando a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), aspecto importante para que o mesmo se mantenha infectante. A compreensão de tal fenômeno por análise proteômica revelou aumento dos níveis de proteínas de choque térmico e diminuição dos níveis de enzimas glicolíticas, destacando-se que alguns desses eventos refletem modificações pós-transcricionais durante a resposta à hiperóxia.(24) Tais resultados parecem indicar que, no caso da hiperóxia, há ativação dos sistemas de resposta antioxidante do P. falciparum, de modo a preservar a integridade de suas estruturas celulares. Além disso, as restrições ambientais parecem induzir a uma adaptação energética do metabolismo do protista.

Diagnóstico

A rápida ascensão e a aplicação de tecnologias proteômicas têm resultado em um incremento exponencial da descrição de proteínas, as quais têm sido apresentadas como potenciais biomarcadores de doenças específicas. No atual cenário, a ênfase no desenvolvimento de métodos, para direcionar e medir a quantidade absoluta de proteínas e peptídeos específicos, em amostras proteômicas complexas, tem crescido.(26) Com efeito, muito do esforço - no âmbito da análise proteômica - nas últimas décadas tem sido dirigido para o planejamento de experimentos e para o desenvolvimento de tecnologias capazes de caracterizar o máximo possível do proteoma. Uma vez que as ferramentas para a realização da completa análise do proteoma se tornaram disponíveis, grande parte do interesse voltou-se para a avaliação de fluidos biológicos e de tecidos, com o objetivo de encontrar novos biomarcadores de doenças, dentre elas a malária. A premissa geral foi bastante simples: identificar o maior número possível de protídios em um biofluido específico, adquirido de pacientes infectados, e compará-los àqueles adquiridos de indivíduos saudáveis. Para se obter a identificação de mais de 1.000 proteínas em uma amostra de soro ou plasma gasta-se, em média, dias por amostra.(27) Tal produção tem limitado número de amostras analisadas por estudo, raramente mais do que 10. Essa falta de poder estatístico é uma das razões pelas quais o progresso em validação tem sido tão pobre, de modo que há uma geral falta de confiança na maioria dos potenciais biomarcadores relatados na literatura e baixa credulidade em outros. Apesar do destacado avanço na tecnologia, estudos para a descrição de biomarcadores usando identificação proteômica permanecerão, provavelmente, com baixa vazão em comparação com experiências como microarray de mRNA ou o sequenciamento do genoma.(26)

Um dos aspectos cruciais para o sucesso das investigações em sistemas biológicos é a perturbação do sistema de maneira controlada, com o intuito de se obterem medidas quantitativas para cada componente da perturbação. Desta feita, a análise da expressão de genes por microarranjos tem sido a estratégia mais usada em sistemas biológicos para armazenar uma coleção de dados. Arranjos de DNA e seus protocolos relacionados são capazes de fornecer abundância de transcritos dos genes, de uma maneira precisa e reproduzível, do sistema que está sendo estudado. Para a apreciação proteômica, torna-se necessária uma técnica que seja precisa, no que diz respeito à quantificação absoluta ou relativa para todas as proteínas relevantes.(28)

Uma nova linha de trabalho em proteômica direcionada (targeted proteomics) vem emergindo para fornecer uma solução ao problema.(29) Essa abordagem fornece, a partir de uma perspectiva quantitativa e qualitativa, amplas informações. Programando o instrumento para coletar dados dos íons detectáveis - de maneira semelhante ao sequenciamento de express sequence tag (EST) no campo da genômica -, a proteômica direcionada começa com uma lista de elementos precisos que serão marcados, como no caso de experimentos de microarrays em transcriptômica. O espectrômetro de massa é ajustado para monitorar sinais únicos de alvos especificados antes dos ensaios. Isso não resulta apenas no aumento da sensibilidade, mas também assegura que os mesmos alvos possam ser medidos por várias corridas.(16) Desse modo, por meio da proteômica direcionada, é possível obter a quantificação absoluta dos peptídeos-alvo e, assim, da proteína-alvo. O mais comumente praticado diz respeito à injeção de peptídeos de referência ou proteínas sintéticas em concentrações conhecidas junto da amostra a ser analisada. Tais peptídeos de referência são, usualmente, formas pesadas marcadas isotopicamente.(30) Essa pode ser a ferramenta proteômica utilizada futuramente para se diagnosticar condições mórbidas como malária falcípara, de forma rápida e precisa. Ademais, além de diagnosticar, o método pode ser útil para avaliar a progressão da moléstia, pela quantificação precisa de proteínas específicas, estabelecendo qual o estágio da doença, de acordo com o aumento ou a diminuição da substância analisada.

Tratamento

Os estudos proteômicos têm, igualmente, grandes potencialidades para a investigação dos mecanismos de ação dos medicamentos antimaláricos, assim como para a compreensão das vias bioquímicas pelas quais agem esses fármacos. Em 2005, Makanga et al.(31) analisaram, separadamente, o efeito de dois antimaláricos (arteméter e lumefantrina) sobre o proteoma de P. falciparum. Ambos os medicamentos induziram profundas alterações no proteoma do micro-organismo. Sem embargo, o padrão de alteração do proteoma foi específico para cada antimicrobiano empregado. Os dois medicamentos induziram efeitos opostos sobre as principais enzimas glicolíticas, enquanto exerceram influência semelhante na expressão de protídeos de resposta ao estresse. Tais resultados demonstram o alcance da abordagem proteômica no estudo dos mecanismos na ação farmacológica.(31)

Nos últimos anos, um grande aumento na ocorrência de resistência aos antimaláricos tem sido relatado. Análogos da colina, como o bis-tiazólio T4, representam uma nova classe de compostos com potente ação contra clones de P. falciparum sensíveis e resistentes a outros medicamentos. Embora o T4 e seus análogos interfiram no metabolismo lipídico do protista, o mecanismo exato de ação permanece desconhecido.(32) Análises proteômicas de P. falciparum foram realizadas para se caracterizar a resposta global a esse medicamento durante o ciclo intraeritrocítico do micro-­organismo, as quais revelaram redução significativa no nível de colina/etanolamina fosfotransferase (PfCEPT), enzima envolvida na etapa final da síntese de fosfatidilcolina (PC). Esse efeito foi ainda apoiado por estudos metabólicos, os quais demonstraram grande alteração na síntese de PC, a partir de colina e etanolamina, pelo composto.(32) A enzima glicogênio sintase quinase (GSK), cuja capacidade de inibir o crescimento de P. falciparum selvagem (3D7) e dos ­estirpes multidroga-resistentes (2D2) foi alvo de análise proteômica, com a finalidade de identificar ligações fracas no proteoma de P. falciparum. Dos 4.645 compostos ativos do GSK, foram identificadas 293 proteínas do protista, seis das quais mostraram potencial para uso terapêutico.(33) Da mesma forma, Briolant et al.(34) investigaram o mecanismo de ação da desoxiciclina sobre a forma esquizonte de P. falciparum por meio de técnicas de proteômica. Foram utilizados ensaios complementares de eletroforese de fluorescência diferencial em gel 2D (2D-DIGE) e etiquetas isobáricas para quantificação relativa e absoluta (iTRAQ) para comparar a expressão proteica de amostras tratadas e não tratadas com desoxiciclina. Após o tratamento com desoxiciclina, 32 e 40 proteínas de P. falciparum tiveram seus níveis de expressão desregulados, constatados por 2D-DIGE e iTRAQ, respectivamente. Ainda que a desregulação dessas proteínas já tenha sido descritas por tratamentos com outros fármacos, inúmeras alterações no teor de protídeos parecem ser específicas para tratamento com desoxiciclina, efeitos que podem perturbar o metabolismo no apicoplasto.(34)

Prevenção - desenvolvimento de vacinas

A técnica de microarrays de proteínas foi empregada por Doolan et al.(35) para elucidar o perfil de anticorpos que se desenvolvem após infecção malárica (natural ou experimental) ou após a vacinação com organismos atenuados. Assim, antígenos imunorreativos, de interesse para o desenvolvimento de vacinas ou para outras aplicações, foram identificados. Um microarray da proteína utiliza uma matriz na qual diferentes moléculas de proteínas ou sequências específicas de DNA são afixadas, em separado, de maneira ordenada, formando, assim, uma matriz microscópica. A técnica oferece uma abordagem múltipla para mapear interações proteína-proteína, identificar os substratos de enzimas, elucidar a ativação de fatores de transcrição ou dectectar os alvos de pequenas moléculas biologicamente ativas. Desse modo, vetores de expressão para 250 proteínas de P. falciparum foram gerados por PCR/clonagem e, ato contínuo, tais proteínas foram expressas individualmente com mais de 90% de eficiência em Escherichia coli e impressas diretamente, sem purificação, em lâminas de microarray. Os microarrays da proteína foram sondados com soro humano de um dos quatro grupos que diferiam no status imunológico ao protozoário. No total, (i) 72 antígenos de P. falciparum altamente reativos e (ii) características proteômicas associadas à imunorreatividade foram identificados. Um resultado particularmente importante diz respeito aos perfis de anticorpos, os quais foram distintos para cada grupo de doadores. Informações obtidas nessas análises podem facilitar a identificação de antígenos para o desenvolvimento de uma vacina, paralelamente à investigação das bases moleculares da imunidade ao P. falciparum,(35) bem como os mecanismos imunológicos desencadeados na resposta do hospedeiro.(36)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A malária falcípara é um dos exemplos que justifica o olhar do médico intensivista sobre a infectologia. De fato, o conhecimento acerca da malária caminha para a exploração dos aspectos biológicos do vetor, do protista, do hospedeiro e da relação estabelecida entre os mesmos, tendo em vista o delineamento de estratégias profiláticas, diagnósticos e terapêuticas.

Embora ainda preliminares, os estudos proteômicos representam uma promissora ferramenta, a qual, futuramente, pode oferecer subsídios para o aprimoramento do cuidado aos enfermos vitimados pela malária falcípara ou sob risco de aquisição da doença.

Submetido em 10 de Abril de 2012

Aceito em 4 de Dezembro de 2012

Conflitos de interesse: Nenhum.

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  • Autor correspondente:
    Rodrigo Siqueira-Batista
    Departamento de Medicina e Enfermagem
    Universidade Federal de Viçosa
    Avenida P. H. Rolfs, s/n, Campus Universitário
    CEP: 36571-000 - Viçosa (MG), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2012
    • Aceito
      04 Dez 2012
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