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Ângulo de fase derivado de bioimpedância elétrica em pacientes sépticos internados em unidades de terapia intensiva

Resumos

OBJETIVO: Identificar valores de ângulo de fase em pacientes sépticos, por meio de bioimpedância elétrica, buscando associação com variáveis clínicas e bioquímicas, bem como comparação com valores de ângulo de fase de referência. MÉTODOS: Estudo de coorte, com 50 pacientes sépticos, idade ≥18 anos, internados em unidade de terapia intensiva, avaliados quanto a índices prognósticos (APACHE II e SOFA), evolução clínica (mortalidade, gravidade da sepse e tempo de internação na unidade de terapia intensiva), parâmetros bioquímicos (albumina e proteína C-reativa) e ângulo de fase. RESULTADOS: A média de idade dos pacientes estudados foi de 65,6±16,5 anos, a maioria do gênero masculino (58%) e apresentando choque séptico (60%). A média dos escores APACHE II e SOFA foi de 22,98±7,1 e 7,5±3,4, respectivamente, o tempo de internação na unidade de terapia intensiva dos pacientes que sobreviveram foi de 9 dias (5 a 13) e a taxa de mortalidade foi de 30%. A média do ângulo de fase da amostra total foi de 5,4±2,6° e menor no gênero feminino (p=0,01). Não houve associação entre ângulo de fase e a gravidade da sepse, mortalidade, gênero e idade, assim como não houve correlação entre ângulo de fase, tempo de internação e parâmetros bioquímicos. Comparativamente a dados em população saudável, os valores de ângulo de fase, a depender da idade e gênero, apresentaram-se 1,1 a 1,9 vezes inferiores. CONCLUSÃO: O ângulo de fase médio de pacientes sépticos foi inferior aos valores referência para população saudável, não havendo correlação e associação com as variáveis clínicas e bioquímicas, o que poderia ser atribuído a homogeneidade da amostra.

Sepse; Unidades de terapia intensiva; Impedância elétrica; Avaliação nutricional; Pacientes internados; Prognóstico


OBJECTIVE: To calculate the values of the phase angle of septic patients using bioelectrical impedance analysis, correlate the values with clinical and biochemical variables, and compare them to reference values. METHODS: Cohort study conducted with 50 septic patients aged ≥18 years old, admitted to intensive care units, and assessed according to prognostic indexes (APACHE II and SOFA), clinical progression (mortality, severity of sepsis, length of stay in intensive care unit), biochemical parameters (albumin and C-reactive protein), and the phase angle. RESULTS: The average age of the sample was 65.6±16.5 years. Most patients were male (58%) and suffering from septic shock (60%). The average APACHE II and SOFA scores were 22.98±7.1 and 7.5±3.4, respectively. The patients who survived stayed nine days on average (five to 13) in the intensive care unit, and the mortality rate was 30%. The average value of the phase angle was 5.4±2.6° in the total sample and was smaller among the females compared with the males (p=0.01). The phase angle measures did not exhibit an association with the severity of the sepsis, mortality, gender, and age or correlate with the length of hospitalization or the biochemical parameters. The participants' phase angle values adjusted per gender and age were 1.1 to 1.9 times lower compared with the values for a normal population. CONCLUSION: The average value of the phase angle of septic patients was lower compared with the reference values for a healthy population. The phase angle measures did not exhibit association with the clinical and biochemical variables, which might be explained by the sample homogeneity.

Sepsis; Intensive care units; Electric impedance; Nutrition assessment; Inpatients; Prognosis


ARTIGO ORIGINAL - PESQUISA CLÍNICA

Ângulo de fase derivado de bioimpedância elétrica em pacientes sépticos internados em unidades de terapia intensiva

Marina Carvalho BerbigierI,II; Valeska Fernandes PasinatoI,II; Bibiana de Almeida RubinII,III; Rafael Barberena MoraesIV; Ingrid Dalira Schweigert PerryII,V

IPrograma de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde com ênfase em Adulto Crítico, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

IICentro de Estudos em Alimentação e Nutrição, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

IIIServiço de Nutrição e Dietética, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

IVServiço de Medicina Intensiva, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

VDepartamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Marina Carvalho Berbigier Rua Ramiro Barcelos, 2.350 - Santa Cecília CEP: 90035-903 - Porto Alegre (RS), Brasil E-mail: marina.berbigier@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Identificar valores de ângulo de fase em pacientes sépticos, por meio de bioimpedância elétrica, buscando associação com variáveis clínicas e bioquímicas, bem como comparação com valores de ângulo de fase de referência.

MÉTODOS: Estudo de coorte, com 50 pacientes sépticos, idade ≥18 anos, internados em unidade de terapia intensiva, avaliados quanto a índices prognósticos (APACHE II e SOFA), evolução clínica (mortalidade, gravidade da sepse e tempo de internação na unidade de terapia intensiva), parâmetros bioquímicos (albumina e proteína C-reativa) e ângulo de fase.

RESULTADOS: A média de idade dos pacientes estudados foi de 65,6±16,5 anos, a maioria do gênero masculino (58%) e apresentando choque séptico (60%). A média dos escores APACHE II e SOFA foi de 22,98±7,1 e 7,5±3,4, respectivamente, o tempo de internação na unidade de terapia intensiva dos pacientes que sobreviveram foi de 9 dias (5 a 13) e a taxa de mortalidade foi de 30%. A média do ângulo de fase da amostra total foi de 5,4±2,6° e menor no gênero feminino (p=0,01). Não houve associação entre ângulo de fase e a gravidade da sepse, mortalidade, gênero e idade, assim como não houve correlação entre ângulo de fase, tempo de internação e parâmetros bioquímicos. Comparativamente a dados em população saudável, os valores de ângulo de fase, a depender da idade e gênero, apresentaram-se 1,1 a 1,9 vezes inferiores.

CONCLUSÃO: O ângulo de fase médio de pacientes sépticos foi inferior aos valores referência para população saudável, não havendo correlação e associação com as variáveis clínicas e bioquímicas, o que poderia ser atribuído a homogeneidade da amostra.

Descritores: Sepse; Unidades de terapia intensiva; Impedância elétrica; Avaliação nutricional; Pacientes internados; Prognóstico

INTRODUÇÃO

A sepse é considerada uma doença complexa, caracterizada pela síndrome da resposta inflamatória sistêmica induzida por infecção,(1-4) sendo a causa mais comum de admissão e morte de pacientes em unidades de terapia intensiva (UTI).(1,5-7) No Brasil, muitos estudos têm demonstrado um aumento da incidência de sepse e apenas uma leve redução na mortalidade por essa causa, com valores ainda superiores aos encontrados em outros países.(6-9) Frequentemente, quando associada à disfunção orgânica múltipla, apresenta altas taxas de mortalidade e custos hospitalares elevados, tornando seu diagnóstico e seu manejo um desafio para as equipes de saúde.(6,8)

A utilização de índices prognósticos no paciente crítico permite uma avaliação quanto à gravidade e o prognóstico da doença, além do correto monitoramento da evolução clínica do mesmo. O Sequential Organ Failure Assessment (SOFA)(10) e o Acute Phisiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II)(11) são índices que estimam risco de morbimortalidade em pacientes hospitalizados e valores elevados destes estão diretamente relacionados a piores prognósticos clínicos, principalmente em pacientes críticos.(1,12,13)

Nesse contexto, a bioimpedância elétrica (BIA) é um método de avaliação de composição corporal e estado nutricional amplamente utilizado.(14-16) Caracteriza-se por ser um método não invasivo, prático e que pode ser aferido à beira do leito, sendo utilizado em indivíduos saudáveis e enfermos.(17) A análise é baseada na medida da resistência total do corpo à passagem de uma corrente elétrica de baixa amplitude (800mA) e alta frequência (50 kHz), mensurando, por meio destas, propriedades como impedância, resistência (R), reactância (Xc) e o ângulo de fase (AF).(14,18)

O AF determinado pela análise da BIA, obtido por meio da relação entre medidas diversas de R e Xc (AF=arco tangente Xc/R), consiste em uma medida direta da estabilidade das células e reflete a distribuição de água nos espaços intra e extracelular. É interpretado como indicador de integridade de membrana e preditor de massa celular corporal (MCC).(14)

O AF têm sido interpretado como indicador de prognóstico e preditor de sobrevida em algumas situações clínicas.(18-29) Estudos demonstram que baixos valores de AF em pacientes críticos estão associados a pior evolução da doença e maior mortalidade.(26,30,31) Sua utilização, ao contrário das demais variáveis aferidas por meios da BIA para estimar a composição corporal, é descrita como válida, mesmo em situações com oscilações no estado de hidratação.(17,22)

Dessa forma, o presente estudo visou avaliar o AF, obtido por meio da BIA, em pacientes com diagnóstico de sepse internados em UTI, buscando associação com tempo de internação, mortalidade, escores clínicos e parâmetros bioquímicos, bem como estabelecer comparação com valores de AF de referência.

MÉTODOS

Estudo de coorte, no qual foram avaliados pacientes admitidos em três áreas de UTI do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Os dados foram coletados de maio a agosto de 2012. Foram incluídos pacientes com idade ≥18 anos, com diagnóstico de sepse no momento da admissão na UTI e tempo previsto de internação de, no mínimo, 72 horas, sendo excluídos pacientes com impossibilidade de aplicação da BIA (doentes portadores de marca-passo, amputados ou com integridade de pele prejudicada). Como critério diagnóstico de sepse, foi considerado o consenso da International Sepsis Definitions Conference.(32)

Dados sociodemográficos (idade e gênero), clínicos (patologia de base, escore APACHE II, escore SOFA, evolução clínica - mortalidade e gravidade da sepse, e tempo de internação na UTI) e bioquímicos (albumina sérica e proteína C-reativa - PCR) foram retirados do prontuário. Valores de albumina foram obtidos em até 48 horas da admissão do paciente na UTI. A PCR foi analisada em dois momentos: na admissão e entre o 3º e 5º dias da primeira aferição. Todos os pacientes foram acompanhados desde a internação na UTI até o momento da alta, óbito ou até 28 dias depois da inclusão no estudo.

Os escores APACHE II(11) e SOFA(10) foram aplicados exclusivamente no momento da admissão, sendo que não foi utilizado o delta-SOFA como variável. Assim, não foi avaliado o surgimento e/ou evolução de disfunções orgânicas. As dosagens de albumina sérica e PCR foram determinadas segundo os métodos colorimétrico verde de bromocresol e turbidometria, respectivamente.

Para obtenção do AF avaliado em até 48 horas da admissão do paciente na UTI, foi utilizado o aparelho de BIA Biodynamics 450, versão 5.1 (Biodinamics®, Corp. Seattle, WA, USA) e eletrodos da marca Resting Tab ECG (Conmed® Corporation, Utica, NY, USA). Por meio da passagem de uma corrente alternada de baixa frequência e alta voltagem (800 mA e 50 kHz), esse modelo de bioimpedância fornece os seguintes parâmetros corporais: R, Xc, AF, massa celular, extracelular, massa magra, massa gorda, índice de massa corporal (IMC), taxa metabólica basal (TMB), água corporal total, e água intracelular e extracelular. A avaliação foi realizada com o paciente deitado com as pernas e os braços paralelos ao corpo e afastados do tronco. Os eletrodos foram colocados em locais preconizados (um eletrodo na superfície dorsal do pulso direito, um eletrodo no terceiro metacarpo, um eletrodo na superfície anterior do tornozelo direito entre as porções proeminentes dos ossos e um quarto eletrodo colocado na superfície dorsal do terceiro metatarso).(15) Todos os procedimentos foram realizados por profissional treinado.

Os dados de peso e estatura, necessários para inclusão no aparelho da BIA foram obtidos pela pesagem dos pacientes com Eleve (Eleve Dymat E3 - Phoenix Mecano Company) ou camas balança e régua Luft, respectivamente.(33)

Para comparação do AF, foram utilizados os valores de referência da investigação de Barbosa-Silva et al., realizada em adultos americanos saudáveis.(34)

Todos os protocolos de controle de infecção para o manuseio do paciente foram seguidos, tomando-se os cuidados pertinentes para segurança do mesmo. Foram utilizadas luvas de borracha, máscara e avental descartáveis, sendo a superfície corporal em que os eletrodos foram aplicados higienizada com álcool 70% antes e após a aplicação dos mesmos.

Este estudo obedeceu aos princípios éticos para pesquisa envolvendo seres humanos, conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 196/96 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA, sob o protocolo n° 110.663. Todos os pacientes avaliados (ou, na impossibilidade destes, os responsáveis) assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Análise estatística

O cálculo da amostra considerando os valores médios do AF de pacientes sépticos de UTI sobreviventes (5,6±2,2) e não sobreviventes (2,5±1,1)(35) resultou em uma amostra mínima de 35 pacientes para uma mortalidade esperada de 20%,(31) poder de 90% e nível de significância de 0,05%.

Para verificar a normalidade das distribuições de variáveis, foi utilizado o teste Kolmogorov-Smirnov. Variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas ou relativas e variáveis contínuas, como média e desvio padrão, ou mediana e intervalo interquartil, conforme apropriado. O teste do qui-quadrado foi usado para testar a associação entre as variáveis categóricas; o teste t de Student para comparação entre as médias e o teste de Mann-Wthiney para variáveis independentes, com distribuição não normal; o teste de Wilcoxon foi utilizado para avaliar medidas repetidas não paramétricas; o coeficiente de correlação de Spearman ou Pearson para testar a correlação entre variáveis paramétricas. Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0, (Inc., Chicago, IL) e os resultados foram considerados significativos quando p≤0,05.

RESULTADOS

Dos 80 pacientes internados com sepse, no período do estudo, no Serviço de Medicina Intensiva do HCPA, 22 foram considerados perdas: 17 por impossibilidade e/ou ausência de responsável em até 48 horas para assinatura do TCLE e 5 por recusarem a participação. Não preencheram critérios de inclusão seis pacientes, que foram a óbito antes da avaliação da BIA, e dois por possuírem marca-passo cardíaco. Dessa forma a presente amostra incluiu 50 pacientes (62% dos potenciais participantes) dos quais 29 indivíduos do gênero masculino (58%). A média de idade foi de 65,6±16,5 anos (Tabela 1).

Em relação ao perfil dos pacientes admitidos, a maioria (64%) era de origem clínica (todos os pacientes não cirúrgicos). No momento da admissão, a frequência mais elevada foi de casos de choque séptico (60%), com a principal origem de infecção sendo respiratória (50%). A média de escore APACHE II foi de 22,98±7,1 e do escore SOFA de 7,5±3,4 pontos. A média do AF foi de 5,4±2,6°, sendo menor no gênero feminino (p=0,01), com mais de 50% dos pacientes com valores ≤5° (Tabela 1).

A mediana de tempo de internação na UTI dos pacientes que sobreviveram foi de 9 dias. Do total de pacientes estudados, 15 (30%) foram a óbito (Tabela 1).

Os pacientes com sepse e/ou sepse grave não diferiram dos pacientes com choque séptico quando comparados, em relação à média do AF (4,5±1,4° e 5,0±1,9°; p=0,36; teste t de Student). A figura 1 representa o AF de acordo com a gravidade da sepse. Também não houve associação entre este e a gravidade da sepse, perfil do paciente, mortalidade, gênero e idade (Tabela 2).


Não houve correlação entre o AF e os índices APACHE II e SOFA, tempo de internação e parâmetros bioquímicos (Tabela 3). Quando considerados esses mesmos parâmetros categorizados em AF≤5 e >5, observaram-se, respectivamente, médias de 22,7±7,3 e 23,2±7,1 (p=0,82) para o APACHE II; 7,1±3,4 e 8±3,5 (p=0,35) para o SOFA; 2,4±0,4 e 2,6±0,4 (p=0,45) para albumina; medianas de 222,5 (106,5 a 323,9) e 134,2 (76,4 a 219) para PCR1 (p=0,13); 8 (5,0 a 13) e 10 (7,0 a 12) para tempo de internação em dias (p=0,23) (segundo o teste t de Student ou Mann-Whitney).

Comparativamente a dados de AF para população saudável, considerando idade e gênero, os pacientes em estudo apresentaram medianas perfazendo 67,7% (P25=59,9%; P75=83,7%) dos valores referência.(34)

DISCUSSÃO

A identificação de fatores prognósticos em pacientes sépticos tem sido considerada de importância para o manejo clínico da doença. O AF tem sido estudado mais recentemente como um instrumento de valor prognóstico, capaz de avaliar função de membrana celular em diversas situações clínicas.(18,20-22,27,29-31,36-38) Nesses estudos, valores médios de AF inferiores ao esperado para uma população sadia (entre 4 e 10°, a depender do gênero e da idade) são descritos.(34) Baixos valores de AF estão relacionados à diminuição de integridade celular, à redução de massa magra e ao aumento de morbimortalidade.(14,15,27) Em pacientes com cirrose hepática, valores de AF ≤5,4° estão associados a maior mortalidade, comparativamente aos doentes com ângulos de fase mais elevados.(18) Nesse mesmo contexto, vários estudos identificaram o AF como forte indicador prognóstico e importante ferramenta para avaliar sinais clínicos e monitorar a progressão da doença em pacientes em uso de diálise peritoneal, HIV positivos e com câncer de cólon e pâncreas, respectivamente.(20-22,38) Estudo que analisou populações com câncer de mama, cabeça e pescoço entre outros, observou que, para todos os tipos, o AF foi fator preditivo independente de mortalidade para os pacientes em tratamento com quimioterapia com uma média de 5,12±0,89°.(21)

Entre os reduzidos estudos avaliando pacientes sépticos, um dos poucos que comparou pacientes sépticos e não sépticos, ratificou a utilização do AF como indicador prognóstico.(30) Os valores de AF encontrados naquele estudo se assemelham aos valores do estudo de Miranda, que encontrou uma média de AF de 5,6±2,2° nos pacientes sépticos sobreviventes e de 2,5±1,1° nos que não sobreviveram.(31) Neste estudo, observou-se que 60% dos pacientes que foram a óbito apresentaram um AF ≤5°, corroborando os demais achados na literatura.

No entanto, ao analisar os valores de AF, com as diferentes variáveis, não se verifica associação entre AF e a gravidade da sepse, perfil do paciente, mortalidade, gênero e idade. É possível que essas associações não tenham sido encontradas em função da homogeneidade da amostra. Diferente deste trabalho, no qual a maior parte da amostra se encontrava em choque séptico, outro estudo no qual foram encontradas associações com as mesmas variáveis avaliadas consistia de amostra que apresentava distribuição equitativa entre os diferentes graus de gravidade da sepse. Além disso, utilizava avaliações sequenciais da variável.(31) No entanto, é possível observar que, mesmo a maior parte dos pacientes incluídos no estudo tendo sido de origem clínica (64%), foram os pacientes cirúrgicos que perfizeram os percentuais mais elevados de AF≤5, assim como foi observado em outros estudos com pacientes sépticos, politraumatizados e em cirurgia de emergência.(3,31)

A relação entre o AF e variáveis como o gênero, a idade, a raça e indicadores de composição corporal foi estudada por Barbosa-Silva et al.(34) Comparando os resultados encontrados no presente estudo aos valores de referência para população americana saudável, observou-se que, para ambos os gêneros e nas diferentes faixas etárias, os valores de AF encontraram-se em torno de 32% inferiores.(34) No estudo de Miranda, foi estabelecida a mesma comparação e, semelhantemente a este estudo, foram obtidos valores inferiores de AF nos pacientes sépticos.(31)

A média do AF neste trabalho foi de 5,4±2,6°, sendo menor no gênero feminino (4,1±1,3°), o que também foi encontrado em outros estudos.(18,20-22,27-31,36-38) Valores inferiores são esperados no gênero feminino em populações saudáveis, uma vez que o AF aumenta conforme a quantidade de massa muscular e MCC.(16,18)

Neste contexto, observa-se que os valores de AF tendem a diminuir com o aumento da idade, visto que este se relaciona com a diminuição da massa muscular e sofre influência da relação de água intra e extracelular, alterações estas observadas no envelhecimento.(23,34) Também em indivíduos enfermos, como em estudo com pacientes sépticos(31) e pacientes em hemodiálise,(37) foi identificada correlação negativa entre idade e AF, indicando que AF mais baixos correspondiam a idades mais avançadas, padrão não observado neste trabalho. Considerando que pacientes em estado crítico também sofrem perda de massa muscular e alteração na distribuição de líquidos intra e extracelular,(17,31) essa constatação poderia estar relacionada à gravidade dos pacientes estudados; 60% apresentavam choque séptico e médias de escores APACHE II e SOFA de 22,98±7,1 e 7,5±3,4, respectivamente.

Valores elevados dos índices prognósticos APACHE II e SOFA estão associados a risco de morbimortalidade e tempo de internação em pacientes hospitalizados, sobretudo em estado crítico.(6) Além disso, foi identificada uma relação inversa entre os valores de AF e os índices clínicos em pacientes sépticos (escores prognósticos de gravidade e tempo de internação mais elevados e menores valores de AF).(31) Adicionalmente, no contexto do paciente crítico, valores elevados de PCR e reduzidos de albumina sérica são considerados indicadores prognósticos e ferramentas para acompanhamento da evolução da doença, sendo baixos valores de albumina associados ao AF em algumas situações clínicas, como em pacientes sépticos e com câncer de pâncreas, com grau de correlação variando de muito fraco a moderado.(22,31) No presente estudo, a concentração de albumina sérica e a PCR não se correlacionaram com o AF, assim como não houve correlação entre o AF e os índices APACHE II, SOFA e tempo de internação. No entanto, a Xc se correlacionou positivamente com o AF, como esperado, uma vez que aquela é um indicador de quantidade de MCC. Tais parâmetros associados transcendem a avaliação morfológica da membrana celular e passam a representar uma avaliação funcional da célula.(14)

Com relação às limitações do estudo, deve-se considerar a homogeneidade da amostra estudada, com mais da metade da mesma sendo de pacientes em choque séptico, as expressivas perdas e a ausência de valores de AF para população brasileira, tendo sido utilizados, como referência, os valores para população americana saudável, bem como a pequena quantidade de estudos relacionando essa temática a pacientes críticos, diminuindo a possibilidade de estabelecer comparativos.

Estudos adicionais devem ser realizados, abrangendo uma amostra maior e mais diversificada do ponto de vista da gravidade dos casos, a fim de permitir que o AF possa ser melhor avaliado quanto à sua capacidade prognóstica em pacientes com sepse.

CONCLUSÃO

O AF médio de pacientes sépticos foi inferior aos valores de referência para população saudável, não havendo correlação e nem associação com as variáveis clínicas e bioquímicas, o que poderia ser atribuído a homogeneidade da amostra.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Fundo de Incentivo a Pesquisa e Eventos do HCPA pelo suporte financeiro.

Submetido em 18 de dezembro de 2012

Aceito em 14 de março de 2013

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

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  • Autor correspondente:

    Marina Carvalho Berbigier
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Dez 2012
    • Aceito
      14 Mar 2013
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