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Biomarcadores na encefalopatia séptica: revisão sistemática dos estudos clínicos

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi revisar sistematicamente a importância da enolase específica neuronal e S100B para diagnóstico e monitorização da encefalopatia séptica. MÉTODOS: Foi realizada uma busca no banco de dados PubMed selecionando estudos que avaliaram níveis séricos de S 100 B e enolase específica neuronal em pacientes com sepse, publicados entre Janeiro de 2000 e Abril de 2012. Apenas estudos em humanos e que utilizaram um método adicional de avaliação neurológica foram selecionados. RESULTADOS: Foram identificados nove estudos, dos quais sete associaram concentrações elevadas de S100 beta e enolase específica neuronal ao desenvolvimento de encefalopatia séptica; quatro também as associaram ao aumento de mortalidade. Entretanto, dois trabalhos não encontraram essa associação quando avaliaram S100 beta e um deles não observou correlação entre a enolase específica neuronal e encefalopatia séptica. CONCLUSÃO: A S100 beta e enolase específica neuronal são biomarcadores promissores para diagnóstico e monitorização de pacientes com encefalopatia séptica, mas é necessária uma maior investigação.

Sepse; Encefalopatias; Marcadores biológicos; Proteínas S100; Fosfopiruvato hidratase; Terapia intensiva


OBJECTIVE: The aim of this study was to systematically review the importance of neuron-specific enolase and S100 beta for diagnosing and monitoring septic encephalopathy. METHODS: A PubMed database search was performed to identify studies that evaluated S100 beta and neuron-specific enolase serum levels in patients with sepsis and that were published between January 2000 and April 2012. Only human studies that employed an additional method of neurological assessment were selected. RESULTS: Nine studies were identified, seven of which associated high concentrations of S100 beta and neuron-specific enolase with the development of septic encephalopathy. Four studies also associated these concentrations with increased mortality. However, two studies did not find such an association when they evaluated S100 beta levels, and one of these studies did not observe a correlation between neuron-specific enolase and septic encephalopathy. CONCLUSION: S100 beta and neuron-specific enolase are promising biomarkers for diagnosing and monitoring patients with septic encephalopathy, but more research is necessary.

Sepsis; Brain diseases; Biological markers; S100 proteins; Phosphopyruvate hydratase; Intensive care


ARTIGO DE REVISÃO

Biomarcadores na encefalopatia séptica: revisão sistemática dos estudos clínicos

Paula Veriato ZenaideI; Dimitri Gusmao-FloresII,III

ICurso Acadêmico de Medicina, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - Salvador (BA), Brasil

IIPrograma de Pós-Graduação em Processo Interativos dos Órgãos e Sistemas, Instituto de Ciência da Saúde, Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA), Brasil

IIIUnidade de Terapia Intensiva, Hospital Universitário Professor Edgar Santos - HUPES - Salvador (BA), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Paula Veriato Zenaide Avenida Cardeal da Silva, 2.272, apto. 306 CEP: 41950-495 - Salvador (BA), Brasil E-mail: pvzenaide@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi revisar sistematicamente a importância da enolase específica neuronal e S100B para diagnóstico e monitorização da encefalopatia séptica.

MÉTODOS: Foi realizada uma busca no banco de dados PubMed selecionando estudos que avaliaram níveis séricos de S 100 B e enolase específica neuronal em pacientes com sepse, publicados entre Janeiro de 2000 e Abril de 2012. Apenas estudos em humanos e que utilizaram um método adicional de avaliação neurológica foram selecionados.

RESULTADOS: Foram identificados nove estudos, dos quais sete associaram concentrações elevadas de S100 beta e enolase específica neuronal ao desenvolvimento de encefalopatia séptica; quatro também as associaram ao aumento de mortalidade. Entretanto, dois trabalhos não encontraram essa associação quando avaliaram S100 beta e um deles não observou correlação entre a enolase específica neuronal e encefalopatia séptica.

CONCLUSÃO: A S100 beta e enolase específica neuronal são biomarcadores promissores para diagnóstico e monitorização de pacientes com encefalopatia séptica, mas é necessária uma maior investigação.

Descritores: Sepse/complicações; Encefalopatias/etiologia; Marcadores biológicos; Proteínas S100; Fosfopiruvato hidratase; Terapia intensiva

INTRODUÇÃO

A encefalopatia séptica (ES) é uma complicação comum, porém pouco compreendida da sepse, que atinge entre 9 e 71% dos pacientes sépticos,(1-4) variando de acordo com os critérios utilizados para o diagnóstico. Pode ser definida como uma disfunção cerebral resultante de alterações metabólicas e de sinalização celular mediadas por componentes inflamatórios.(2) Costuma ser um evento precoce no decorrer da história natural da doença, surgindo frequentemente antes da falência dos demais órgãos,(2,5) e associada a um pior prognóstico, quando presente.(6)

A ES não está associada apenas a uma alta mortalidade hospitalar (16 a 63%),(2) mas também pode levar a limitações cognitivas e funcionais em longo prazo para aqueles que sobrevivem.(7) Em virtude das possíveis consequências que essa disfunção orgânica pode provocar, o diagnóstico precoce de injúria cerebral pode contribuir para a identificação desses pacientes mais graves, que necessitam de maior vigilância e de intervenção imediata. No entanto, o quadro clínico é variado, de acordo com o grau de sedação do paciente, e também inespecífico, pois são comuns às diversas doenças achados como redução do nível de consciência ou agitação, desorientação e déficit de concentração, delirium e coma,(1,4,5,8) o que torna a ES um diagnóstico de exclusão.(1,2,9) Dessa forma, critérios clínicos, associados a testes eletrofisiológicos e bioquímicos, devem ser utilizados no diagnóstico da ES.(3) Nesse contexto, o uso de biomarcadores de ES(2) seria útil para monitorar a disfunção cerebral e prever a mortalidade,(10) mesmo que a exata função desses marcadores no manejo dos pacientes sépticos permaneça incerta.(11) Dentre os diversos biomarcadores utilizados, a enolase específica neuronal (NSE, sigla do inglês neuron especific enolase) e o S100 beta são os mais promissores.

A NSE é o isômero γγ da enzima glicolítica citoplasmática encontrada nos neurônios e nas células neuroendócrinas.(12) É liberada no sangue e no líquido cérebro-espinhal durante o dano cerebral.(13) Já a S100 beta é uma proteína ligadora de cálcio pertencente à família S100, formada por proteínas multigênicas de baixo peso molecular.(14) É produzida pelos astrócitos no sistema nervoso central (SNC), mas tem origem tanto neuroectodermal quanto mesodermal(15) e, por isso, também pode ser expressa por outras células, como condrócitos, adipócitos e melanócitos. Ainda não se sabe o mecanismo pelo qual é excretada, mas parece existir relação com o estresse oxidativo(16) presente na agressão ao tecido neural.

O objetivo desta revisão sistemática foi evidenciar a importância dos biomarcadores S100 beta e NSE para diagnóstico e monitorização da ES.

MÉTODOS

Foi realizada uma busca sistemática utilizando a interface PubMed, de trabalhos científicos relacionados aos biomarcadores da ES, empregando-se a seguinte estratégia:

"((((((S-100beta) OR S-100 beta) OR S100beta) OR s100b) OR neuron-specific enolase) OR NSE) AND Sepsis".

Além dessa estratégia de busca, foi utilizada a palavra-chave "septic encephalopathy", e os resumos de todos os estudos encontrados foram avaliados procurando identificar possíveis trabalhos relevantes.

Foram selecionados para análise inicial trabalhos publicados no período entre 1o de janeiro de 2000 e 31 de abril de 2012 e em idioma inglês.

Para a seleção dos estudos, foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: estudos de coorte prospectivos, ensaios clínicos que utilizaram os biomarcadores como parâmetros de avaliação e estudos de corte transversal. Além disso, os estudos deveriam utilizar pelo menos mais um método de avaliação neurológica, tais como escala de coma de Glasgow (ECG), Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU), tomografia computadorizada (TC), ressonância nuclear magnética (RNM), eletroencefalograma (EEG) e pressão intracraniana (PIC) ou medir as concentrações dos marcadores diretamente no líquor. Foram excluídos desta pesquisa trabalhos cuja metodologia não se enquadrou nos critérios de inclusão, que não avaliaram ES, que não mensuraram S100 beta ou NSE, e que utilizaram grávidas na amostra ou modelo experimental não humano.

As referências bibliográficas dos artigos selecionados também foram utilizadas para a seleção de estudos.

A busca dos artigos foi realizada de forma independente e cega pelos autores, obedecendo rigorosamente aos critérios de inclusão e exclusão definidos, com posterior comparação de resultados. Em caso de alguma controvérsia na seleção, os artigos eram reavaliados e, em conjunto, os autores deliberavam a relevância dos estudos, incluindo-os ou não no trabalho.

RESULTADOS

Utilizando as estratégias de busca determinadas, foram encontrados 130 estudos. Destes, 121 foram excluídos conforme demonstrado na figura 1. Alguns dos estudos excluídos preenchiam mais de um dos critérios de exclusão, mas foram enquadrados em apenas um. Nenhum estudo relevante foi encontrado nas referências dos artigos selecionados.


Dentre os estudos incluídos nesta revisão (Quadro 1), observou-se que a maioria apresentou um delineamento amostral não probabilístico, incluindo, em seus estudos, pacientes assistidos em seus respectivos serviços de saúde com sepse,(17-20) sepse grave(10,17,19-21) e choque séptico,(10,17,20,22,23) cujos diagnósticos foram estabelecidos conforme os critérios da American College of Chest Physicians (ACCP) e da Society of Critical Care Medicine (SCCM). Apenas um estudo foi realizado com indivíduos inicialmente saudáveis.(23) Três estudos fizeram suas investigações em crianças(18,19,22) com até 15 anos de idade,(22) enquanto os demais compuseram suas amostras com adultos de idade igual ou superior a 18 anos. No que tange aos critérios de exclusão, os mais frequentemente encontrados foram doenças primárias em SNC (meningite, encefalite, derrame, epilepsia e tumor),(10,17-20,22,23) desordem neurológica metabólica secundária à causa não séptica,(10,17,20,22) cirurgia recente de revascularização cardíaca(10,22,23) e neurocirurgia.(10,19,23) Cinco estudos utilizaram grupos controles para a comparação dos resultados,(10,18,19,22,24) enquanto três compararam seus resultados entre subgrupos de pacientes sépticos formados a partir de outros critérios de avaliação, como a ECG (21,23) e o CAM-ICU.(17) Um estudo realizou doopler transcraniano em seus pacientes e utilizou as medidas indiretas de PIC e pressão de perfusão cerebral para comparar resultados.(20)


A análise dos biomarcadores foi feita por diferentes tipos de ensaios. Alguns estudos utilizaram imunoensaio enzimático (ELISA),(18,19,22) um utilizou kit comercial LIAISON Sangect 100,(21) dois utilizaram radioimunoensaios,(10,23) um utilizou ensaio luminométrico(23) e em dois estudos(17,20) não foi determinado o tipo de ensaio. Também foram observados diferentes valores máximos de normalidade para concentrações sanguíneas de S100 beta (0,105 μg/L, 0,12 μg/L, <0,15 μg/L e 0,5 μg/L),(10,17,20,21,23,24) em adultos. Níveis sanguíneos de NSE ≤12,5 μg/L também foram considerados normais em três estudos.(10,23,24)

NSE

Dentre os estudos selecionados, quatro(10,18,22,24) avaliaram a NSE. Em relação à população pediátrica, um dos estudos encontrou concentrações sanguíneas de NSE mais elevadas em pacientes com choque séptico quando comparadas às de grupo controle (96,6 μg±8,9 versus 4,0 μg/L±1,3, p<0,001)(22) e EEG realizados em seis crianças com choque imprimiram 100% de alterações neurológicas sugestivas de encefalopatia. Já o estudo de Rodríguez-Núñez et al.(18) utilizou líquido cerebroespinal de crianças com sepse para análise e também demonstrou concentrações mais elevadas do biomarcador que o grupo controle (1,58 ng/mL±0,81 versus 1,52 ng/mL±1,01), porém sem significância estatística.

Um estudo realizado em adultos com sepse grave e choque séptico encontrou níveis elevados de NSE em 70% dos pacientes diagnosticados com encefalopatia, a partir de alterações neurológicas persistentes por pelo menos 72 horas após desmame da sedação.(10) Já no estudo de van den Boogaard com população previamente hígida, amostras sanguíneas coletadas durante a indução de inflamação sistêmica após a administração de lipopolissacarideo (LPS) de Escherichia coli revelaram comportamento decrescente nas concentrações de NSE em curto prazo (11,1 μg/L±0,47 para 7,7 μg/L±0,39; p<0,0001).(24)

Um estudo correlacionou aumento de mortalidade em pacientes com maiores concentrações de NSE,(22) enquanto que outro não encontrou correlação entre as variáveis, apesar de ter demonstrado que pacientes com níveis >30 μg/L vieram a óbito.(10)

S100 beta

A associação entre S100 beta e ES foi investigada em oito trabalhos(10,17,19-24) dentre os quais cinco correlacionaram a elevação do biomarcador ao desenvolvimento de ES(10,17,19,22,23) e um identificou altas concentrações sanguíneas de S100 beta em pacientes com baixa pressão de perfusão cerebral.(20) Os quatro estudos que utilizaram a ECG para diagnóstico clínico de ES encontraram níveis mais elevados de S100 beta nos pacientes que atingiram piores escores.(10,17,19,23) Dos estudos que utilizaram o EEG como critério de avaliação, dois associaram alterações eletroencefalográficas ao aumento das concentrações séricas de S100 beta.(19,22) Além disso, quatro estudos correlacionam níveis elevados do marcador ao aumento da mortalidade(10,17,20,22) e dois trabalhos reforçaram o uso do S100 beta como meio de monitorar dano cerebral durante a sepse.(10,23)

Entretanto, dois estudos não encontraram correlação entre o aumento das concentrações séricas de S100 beta e o desenvolvimento da ES.(21,24) Ambos utilizaram EEG como critério de avaliação e também não houve correlação entre os padrões do exame e os níveis do marcador. Além disso, o estudo que utilizou a ECG não indicou congruência entre os escores encontrados e as concentrações sanguíneas de S100 beta, sugerindo que a gravidade do dano cerebral não pode ser definida com base nos níveis dessa proteína.(21)

DISCUSSÃO

O presente estudo encontrou uma associação positiva entre os níveis elevados de NSE e S100 beta e o desenvolvimento da encefalopatia secundária à sepse. Tais achados sugerem que esses biomarcadores podem contribuir para o diagnóstico dessa complicação, que é frequente, porém, muitas vezes, não diagnosticada.(6)

A fisiopatologia da ES parece ser multifatorial. Resulta da interação e da sobreposição de diferentes mecanismos relacionados à resposta inflamatória sistêmica,(5) como estresse oxidativo, mediadores pró e anti-inflamatórios, cascata de complemento, disfunção endotelial, disfunção da barreira hematoencefálica, falência microvascular, entre outros.(1,25) Todo esse processo leva à disfunção, à apoptose e à morte celular. Portanto, o desenvolvimento da doença está mais intimamente relacionado à resposta inflamatória do que com o agente infeccioso somente.

Diferentes ferramentas clínicas têm sido utilizadas para o diagnóstico de ES. O CAM-ICU é uma escala validada para a identificação de delirium e capaz de acessar diferentes domínios do estado mental, incluindo atenção, organização do pensamento e nível de consciência.(26) Outra escala utilizada é a ECG, inicialmente criada para avaliar nível de consciência em pacientes vítimas de trauma, sendo hoje utilizada em diferentes tipos de pacientes(4,27) Entretanto, mesmo identificando a alteração do nível de consciência, os achados clínicos frequentemente são inespecíficos e não permitem definição sobre a causa da síndrome neurológica.

O uso de sedação, prática ainda comum nas unidades de terapia intensiva, também pode contribuir para uma avaliação comprometida do estado de consciência dos pacientes. Métodos de imagem poderiam ser uma alternativa, no entanto a TC não é capaz de identificar alterações definitivas em caso de ES, enquanto que a RNM costuma ser útil no diagnóstico de anormalidades cerebrais e, eventualmente, contribui na determinação do prognóstico.(28) Em contrapartida, possui custo elevado e o transporte dos pacientes para a realização do exame tem sido uma grande limitação para o seu uso.(28) Young et al. investigaram e concluíram que EEG é um método sensível para avaliar função cerebral na ES,(29) porém, novamente, a sedação é um fator limitante ao uso desse método.(4,21) Dessa maneira, na ausência de critérios bem definidos para o diagnóstico da ES,(1) outros métodos com maior acurácia precisam ser investigados.

Nesse contexto, a busca por marcadores bioquímicos parece ser um processo natural, visto que, uma vez demonstradas suas sensibilidades e suas especificidades, em geral são de fácil aplicação, podem ser mensurados sempre que amostras forem coletadas dos pacientes, independentemente do quadro clínico, e não requerem transporte do paciente ou de profissional especializado para a realização do procedimento. Diferentes estudos já demonstraram o uso de S100 beta e NSE como biomarcadores correlacionados a desfecho de pacientes com grave lesão cerebral traumática.(30) Stein et al. encontraram concentrações mais elevadas de S100 beta em pacientes admitidos com dano cerebral pós-trauma que tiveram pior prognóstico.(30) Outros estudos encontraram correlação entre os biomarcadores e lesões cerebrais isquêmicas não traumáticas, como a parada cardiorrespiratória (PCR)(31-33) e nos casos de cirurgias de revascularização cardíaca.(34,35) González-García et al. encontraram concentrações séricas significativamente mais elevadas de NSE e de S100 beta em pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) quando comparados ao grupo controle (NSE: 11,2 umol/L versus 9,5 umol/L, com p=0,0135; S100 beta: 127 nmol/L versus 84,6 nmol/L, com p=0,0000).(36)

São poucos os estudos que buscam associar S100 beta e NSE à ES. Seis estudos incluídos nessa revisão correlacionaram os biomarcadores ao desenvolvimento de ES(10,17,19,20,22,23) e, para isso, analisaram populações distintas. Os estudos de Hsu et al.(22) e de Hamed et al.(19) foram direcionados à população pediátrica, enquanto que os demais(10,17,20,23) incluíram adultos e idosos. Essa amostra variada, associada a achados clínicos semelhantes, sugere que S100 beta e NSE podem ser utilizados como marcadores de ES na população em geral. A maioria desses trabalhos só incluiu pacientes com sepse grave e choque séptico, ou seja, em estágios avançados da infecção, quando já existe disfunção orgânica. Como a ES costuma ser um evento precoce na história natural da sepse,(3,6) pacientes nessas fases da doença provavelmente já desenvolveram encefalopatia e o uso dos biomarcadores seria uma forma de confirmar essa suspeita.

Hamed et al.(19) também incluíram em seu estudo pacientes sépticos que não apresentavam evidências clínicas e eletroencefalográficas de lesão neurológica. Foi observado que esse grupo também possuía concentrações séricas de S100 beta mais elevadas que pacientes não sépticos, podendo sugerir a precocidade do dano cerebral na sepse, além de reforçar a pequena sensibilidade de outros testes diante dessa patologia. Outro achado relevante no estudo de Hamed et al. foi que as concentrações do marcador no líquor eram maiores que as sanguíneas, o que reforça a teoria de que há um aumento da produção intratecal de S100 beta durante a sepse. Em contrapartida, existem autores que argumentam que S100 beta pode não ser um marcador específico cerebral(22) e focos extracranianos de elevação dos níveis dessa proteína, como coração, musculatura esquelética e rins, têm sido descritos.(17,20) Apesar disso, Nguyen et al.(10) utilizaram como grupo controle em seu estudo pacientes que estavam em pós-operatório de cirurgia de revascularização cardíaca e não identificaram elevação das concentrações de S100 beta e de NSE nesse grupo.

Os estudos desenvolvidos por Spapen(23) e Pfister(20) não tinham como objetivo principal avaliar o uso de S100 beta como biomarcador de ES, mas, no decorrer do primeiro estudo, foram encontradas concentrações elevadas da proteína em pacientes com pontuações na ECG <13, achado que corrobora os resultados encontrados nos outros estudos que avaliaram S100 beta como critério diagnóstico de ES. Além disso, este ensaio clínico constitui um bom exemplo do uso da proteína para monitorização dos pacientes. Já Pfister(20) correlacionou baixas pressões de perfusão cerebral a elevadas concentrações séricas de S100 beta em pacientes com sepse, sepse grave e choque séptico. Embora perfusão cerebral não seja uma evidência comprovada de ES, baixa pressão de perfusão é um dos mecanismos fisiopatológicos da ES já citados anteriormente e que pode ser um sinal indireto de lesão no SNC. Portanto, esse achado reforça a associação entre S100 beta e ES.

Outros três estudos incluídos neste trabalho não associaram ES à elevação das concentrações dos biomarcadores.(18,21,24) Um deles foi o de Rodríguez-Núñez et al.,(18) que analisaram pontualmente as concentrações liquóricas de NSE em crianças com sepse. Esse modelo de estudo transversal pode ser considerado um fator limitante, pois o tempo de doença pode não ter sido suficiente para o desenvolvimento de isquemia e lesão neuronal.

Baseados na íntima relação entre resposta inflamatória e fisiopatogenia da ES, van den Boogaard et al.(24) estudaram o comportamento de NSE e S100 beta em indivíduos previamente hígidos nos quais foi induzida uma resposta inflamatória sistêmica transitória por meio da administração de LPS de E. coli. Concentrações séricas de cortisol, citocinas inflamatórias, NSE, S100 beta e alterações eletroencefalográficas foram utilizadas como parâmetros para avaliar resultados, mas não foram encontrados indícios de que a inflamação aguda resulta no aumento da concentração sanguínea das proteínas específicas do cérebro. Contudo, tais achados não podem ser considerados definitivos. O tempo do experimento pode ser um fator limitante ao estudo, pois, após 8 horas de monitorização, as citocinas inflamatórias, que tiveram aumento significativo, retornaram ao nível basal, de maneira que a resposta inflamatória, elemento fundamental para o desenvolvimento da encefalopatia, não foi perpetuada. Mas é possível que a quantidade de LPS administrada tenha sido o fator responsável pelos achados. A carga viral é um dos principais determinantes da resposta inflamatória durante uma infecção, de modo que a quantidade de LPS administrada pode não ter sido suficiente para causar uma resposta inflamatória capaz de lesar tecido cerebral e, consequentemente, aumentar as concentrações sanguíneas dos biomarcadores.

Dentre os estudos incluídos nesta revisão sistemática, quatro utilizaram a ECG como um parâmetro a ser correlacionado com os níveis dos biomarcadores na avaliação da encefalopatia.(10,19,21,23) Piazza et al.(21) afirmaram que S100 beta não pode determinar lesão cerebral em pacientes sépticos na admissão, pois, em seu estudo, as concentrações da proteína não tiveram relação com os achados clínicos da ECG. Entretanto, o estudo não apontou que todos os pacientes com pontuação ≤8 na ECG tinham elevadas concentrações séricas de S100 beta, com exceção de um que tinha Glasgow 8. O desmame adequado da sedação também pode ter influenciado no resultado, mas, como o estudo não informou o tipo de sedação utilizada nem o intervalo entre a suspensão da sedação e a aplicação da ECG, não há como determinar o grau de interferência da sedação na avaliação dos pacientes.

Em relação ao uso de NSE e S100 beta na monitorização desses pacientes, os estudos encontraram resultados divergentes, principalmente em relação ao S100 beta. Sete trabalhos fizeram avaliação seriada dos níveis dos biomarcadores,(10,17,20-24) no entanto apenas quatro deles correlacionaram as concentrações de NSE e S100 beta ao tempo.(21-24) Hsu et al.(22) sugeriram uma curva de alteração dos biomarcadores na qual as maiores concentrações foram encontradas entre o quinto e o sétimo dia após admissão. O trabalho de Piazza et al.(21) também determinou níveis mais elevados de S100 beta ao final do sétimo dia de internamento. Já Spapen et al.(23) encontraram o pico de S100 beta entre o segundo e o terceiro dia de monitorização. No entanto, um ponto em comum nesses trabalhos é que, desde o início da monitorização, os pacientes já apresentam níveis acima do normal dos marcadores. Isso sugere que essas substâncias devem ser avaliadas na admissão, mas, após esse momento, ainda não é claro de quanto em quanto tempo suas dosagens devem ser solicitadas na monitorização dos pacientes. Independentemente da forma de monitorização, propõe-se que a mesma seja realizada devido a associação entre níveis elevados dos biomarcadores e o aumento de mortalidade. Dessa maneira, seria possível estabelecer prognóstico e estratificar pacientes de acordo com a gravidade.

Uma característica comum observada nos estudos presentes nesta revisão sistemática foi o reduzido número de pacientes avaliados. O maior estudo incluiu 220 pacientes, mas apenas 27 pacientes foram diagnosticados com ES, diminuindo a validação externa dos resultados. Além disso, foi identificado que os diversos estudos utilizaram variados ensaios laboratoriais para quantificar as concentrações de S100 beta e NSE. Isso impossibilitou que fosse feita uma análise quantitativa dos resultados encontrados. Outro dado relevante é que a maioria dos estudos avaliou S100 beta, enquanto que apenas quatro incluíram NSE em sua pesquisa.(10,18,21,22)

Esta revisão sistemática teve algumas limitações que merecem ser comentadas. A utilização apenas do banco de dados Pubmed para a pesquisa e a inclusão de publicações escritas somente no idioma inglês são fatores que podem ter limitado os achados desta pesquisa.

CONCLUSÃO

A NSE e, principalmente, S100 beta são potenciais biomarcadores séricos no diagnóstico e na monitorização da ES. Entretanto, mais estudos precisam ser realizados com um número maior de indivíduos para se estabelecerem desfechos definitivos.

Submetido em 30 de janeiro de 2013

Aceito em 20 de março de 2013

Conflitos de interesse: Nenhum.

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  • Autor correspondente:

    Paula Veriato Zenaide
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Jan 2013
    • Aceito
      20 Mar 2013
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