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Aumento da conscientização sobre delirium em pacientes criticamente enfermos

EDITORIAL

Aumento da conscientização sobre delirium em pacientes criticamente enfermos

Jorge Ibrain de Figueira SalluhI,II; Robert David StevensIII

IInstituto D'Or de Pesquisa e Ensino - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIPrograma de Pós-graduação, Instituto Nacional de Câncer - INCA - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIDivisão de Terapia Intensiva em Neurociências, The Johns Hopkins University School of Medicine - Baltimore

Autor correspondente Autor correspondente: Jorge Ibrain de Figueira Salluh Rua Diniz Cordeiro, 30 - Botafogo CEP: 22281-100 - Rio de Janeiro (RJ), Brasil E-mail: jorgesalluh@gmail.com

Delirium é uma síndrome de disfunção cerebral aguda que inclui ampla variedade de manifestações clínicas, as quais ocorrem frequentemente em pacientes criticamente enfermos.(1,2) Embora tenha havido um aumento significativo no número de estudos sobre fisiopatologia, epidemiologia e desfechos e, até mesmo, ensaios clínicos envolvendo pacientes com delirium, há levantamentos que mostram que essa condição continua subdiagnosticada em todo o mundo.(3,4) Considerando que se identifica delirium em mais de 80% dos pacientes com ventilação mecânica(2) e que este se associa com aumento da mortalidade e comprometimento cognitivo em longo prazo,(5) como lidamos com essa deficiência no diagnóstico dessa importante síndrome? Devem ser considerados diversos fatores.

1 - Os médicos não têm o conhecimento suficiente sobre delirium

Diversos levantamentos avaliaram o conhecimento de profissionais de saúde a respeito de delirium, demonstrando que, embora o conhecimento geral sobre diagnóstico e controle do delirium tenha aumentado na última década,(4,6) este ainda é insuficiente, considerando-se a elevada frequência e o ônus sanitário e social que tal condição representa. Como exemplo, levantamentos recentes demonstram que até 90% dos que responderam ao questionário acreditam que hiperatividade e alucinações são fenômenos necessários para o diagnóstico de delirium.

2 - Na maioria das unidades de terapia intensiva não há implantação de ferramentas validadas para triagem de delirium

Apoiar-se na impressão clínica pode levar a deixar de diagnosticar até dois terços dos casos de delirium, provavelmente devido à ênfase em sua apresentação hiperativa. Por outro lado, podem ser obtidas taxas melhores de identificação de delirium por meio do uso de uma escala validada. Embora estejam disponíveis diversas escalas, o Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU) e o Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC) são os instrumentos mais frequentemente empregados; ambos foram validados em português.(7) Essas escalas são reprodutíveis e identificam o delirium com precisão.(8) As versões em português estão disponíveis gratuitamente e são facilmente encontradas no sítio educacional (www.icudelirium.org), inclusive com uma versão curta validada do CAM-ICU (denominada flowsheet). Apesar disso, ainda há uma brecha significativa entre a evidência disponível e a prática clínica, sendo demonstrado, em estudos, que a implantação rotineira de escalas validadas de delirium ocorrem em menos de metade dos pacientes de unidades de terapia intensiva.(3)

3 - Os médicos não sabem o que fazer quando há diagnóstico de delirium

Uma questão relevante é que os médicos frequentemente dizem que "não sabem o que fazer" quanto um paciente tem diagnóstico de delirium, e isso é especialmente verdadeiro com o subgrupo hipoativo. Essa percepção gera ceticismo com relação à utilidade da triagem de delirium. Enquanto a intervenção farmacológica não é tipicamente necessária para pacientes com delirium hipoativo, o reconhecimento do delirium em tempo oportuno pode desencadear uma gama de outras medidas, como levantamento abrangente de fatores etiológicos/precipitantes e instituição de intervenções não farmacológicas, tais como terapia de reabilitação precoce e otimização do ambiente. Intervenções promissoras incluem tarefas estimulantes,(9) trazer familiares ao pé do leito, mobilidade precoce(10) e restauração do controle sensorial (óculos e aparelhos auditivos, quando adequado). Em suma, há muito que pode ser feito quando se reconhece o delirium.

Nesta edição da Revista Brasileira de Terapia Intensiva, Carvalho et al. apresentam os resultados de uma revisão sistemática descritiva de escalas de gradação de delirium em pacientes criticamente enfermos. Os autores identificam seis escalas que foram validadas para identificação de delirium em pacientes criticamente enfermos, duas das quais validadas em populações de língua portuguesa. Concluem que, embora todas as escalas estudadas identifiquem com precisão a ocorrência de delirium, a Intensive Care Delirium Screening Checklist(11) poderia ser mais apropriada para implantação rotineira nas condições brasileiras. Faria e Moreno, em ampla revisão narrativa, apresentam diferentes aspectos desta doença, inclusive fatores de risco, sintomas clínicos e uma abordagem terapêutica e profilática atualizada.(12) Os estudos publicados neste número da Revista Brasileira de Terapia Intensiva representam um ganho em termos de conhecimento, o que é valioso para os provedores de cuidados críticos. Eles constituem uma oportunidade para aumentar a conscientização sobre delirium nas unidades de terapia intensiva do Brasil. Esforços educacionais e treinamento de profissionais de saúde, na implantação sistemática de ferramentas de triagem, são passos fundamentais neste processo.

Conflitos de interesse: Nenhum.

  • 1. Salluh JI, Soares M, Teles JM, Ceraso D, Raimondi N, Nava VS, Blasquez P, Ugarte S, Ibanez-Guzman C, Centeno JV, Laca M, Grecco G, Jimenez E, Árias-Rivera S, Duenas C, Rocha MG; Delirium Epidemiology in Critical Care Study Group. Delirium epidemiology in critical care (DECCA): an international study. Crit Care. 2010;14(6):R210.
  • 2. Ely EW, Shintani A, Truman B, Speroff T, Gordon SM, Harrell FE Jr, et al. Delirium as a predictor of mortality in mechanically ventilated patients in the intensive care unit. JAMA. 2004;291(14):1753-62.
  • 3. Salluh JI, Dal-Pizzol F, Mello PV, Friedman G, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Bozza FA, Soares M; Brazilian Research in Intensive Care Network. Delirium recognition and sedation practices in critically ill patients: a survey on the attitudes of 1015 Brazilian critical care physicians. J Crit Care. 2009;24(4):556-62.
  • 4. Patel RP, Gambrell M, Speroff T, Scott TA, Pun BT, Okahashi J, et al. Delirium and sedation in the intensive care unit: survey of behaviors and attitudes of 1384 healthcare professionals. Crit Care Med. 2009;37(3):825-32.
  • 5. Girard TD, Jackson JC, Pandharipande PP, Pun BT, Thompson JL, Shintani AK, et al. Delirium as a predictor of long-term cognitive impairment in survivors of critical illness. Crit Care Med. 2010;38(7):1513-20.
  • 6. Ely EW, Stephens RK, Jackson JC, Thomason JW, Truman B, Gordon S, et al. Current opinions regarding the importance, diagnosis, and management of delirium in the intensive care unit: a survey of 912 healthcare professionals. Crit Care Med. 2004;32(1):106-12.
  • 7. Gusmao-Flores D, Salluh JI, Dal-Pizzol F, Ritter C, Tomasi CD, Lima MA, et al. The validity and reliability of the Portuguese versions of three tools used to diagnose delirium in critically ill patients. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(11):1917-22.
  • 8. Gusmao-Flores D, Figueira Salluh JI, Chalhub RA, Quarantini LC. The confusion assessment method for the intensive care unit (CAM-ICU) and intensive care delirium screening checklist (ICDSC) for the diagnosis of delirium: a systematic review and meta-analysis of clinical studies. Crit Care. 2012;16(4):R115.
  • 9. Brummel NE, Jackson JC, Girard TD, Pandharipande PP, Schiro E, Work B, et al. A combined early cognitive and physical rehabilitation program for people who are critically ill: the activity and cognitive therapy in the intensive care unit (ACT-ICU) trial. Phys Ther. 2012;92(12):1580-92.
  • 10. Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-82.
  • 11. Carvalho JP, Almeida AR, Gusmao-Flores D. Escalas de avaliação de delirium em pacientes graves: revisão sistemática da literatura. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):148-154.
  • 12. Faria RS, Moreno RP. Delirium na unidade de cuidados intensivos: uma realidade sub-diagnosticada. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):137-147.
  • Autor correspondente:

    Jorge Ibrain de Figueira Salluh
    Rua Diniz Cordeiro, 30 - Botafogo
    CEP: 22281-100 - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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