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Interação fármaco-nutriente em unidade de terapia intensiva: revisão da literatura e recomendações atuais

Resumos

OBJETIVO: Descrever as interações entre fármacos e nutriente e sua frequência nas unidades de terapia intensiva bem como avaliar o grau de consciência a esse respeito por parte da equipe de profissionais. MÉTODOS: Foram revisados, na base de dados eletrônica PubMed, especificamente no MeSH, os unitermos: "drug interactions" e "nutrition therapy". Os estudos foram sistematicamente revisados para a descrição de tipos de interações entre fármacos e nutrientes, suas frequências e consequências. RESULTADOS: Foram encontrados 67 artigos. Dentre estes, 20 artigos estavam adequados à metodologia adotada e atingiram os objetivos do estudo. Destes, 14 artigos descreviam interações entre fármacos e nutrição enteral, 3 descreviam interações entre fármacos e nutrição parenteral, e 3 descreviam a importância e os cuidados para evitar tais interações. CONCLUSÃO: A literatura referente a interações entre fármacos e nutrientes é escassa e sugere a fragilidade das equipes assistenciais em reconhecer o potencial para interações. Possivelmente a construção de um protocolo para avaliação de interação fármaco-nutriente aumente a segurança e eficácia dos processos terapêuticos.

Preparações farmacêuticas; Nutrientes; Terapia nutricional; Terapia intensiva; Cuidados críticos; Interações de medicamentos


OBJECTIVE: To describe the interactions between drugs and nutrients and their frequency in the intensive care unit and to assess the professional team's awareness regarding this subject. METHODS: The keywords "drug interactions" and "nutrition therapy" were searched in the PubMed (specifically MeSH) electronic database. The studies were systematically reviewed for descriptions of the types of interactions between drugs and nutrients, including their frequency and consequences. RESULTS: Sixty-seven articles were found. Among these, 20 articles were appropriate for the methodology adopted and accomplished the objectives of the study. Of these 20 articles, 14 articles described interactions between drugs and enteral nutrition, three described interactions between drugs and parenteral nutrition, and three described the importance and care required to avoid such interactions. CONCLUSIONS: The literature about drug and nutrient interactions is limited and suggests the inability of health care teams to recognize the potential for these interactions. Possibly, the elaboration of a protocol to evaluate drug-nutrient interactions will increase the safety and efficacy of therapeutics.

Pharmaceutical preparations; Nutrients; Nutrition therapy; Intensive care; Critical care; Drug interactions


ARTIGO DE REVISÃO

Interação fármaco-nutriente em unidade de terapia intensiva: revisão da literatura e recomendações atuais

Tatiane HeldtI,II; Sergio Henrique LossII

IPrograma de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde com ênfase em Adulto Crítico, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

IIServiço de Medicina Intensiva, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Tatiane Heldt Rua Ramiro Barcelos, 2.350 - Santa Cecília CEP: 90035-903 - Porto Alegre (RS), Brasil E-mail: tatiheldt@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as interações entre fármacos e nutriente e sua frequência nas unidades de terapia intensiva bem como avaliar o grau de consciência a esse respeito por parte da equipe de profissionais.

MÉTODOS: Foram revisados, na base de dados eletrônica PubMed, especificamente no MeSH, os unitermos: "drug interactions" e "nutrition therapy". Os estudos foram sistematicamente revisados para a descrição de tipos de interações entre fármacos e nutrientes, suas frequências e consequências.

RESULTADOS: Foram encontrados 67 artigos. Dentre estes, 20 artigos estavam adequados à metodologia adotada e atingiram os objetivos do estudo. Destes, 14 artigos descreviam interações entre fármacos e nutrição enteral, 3 descreviam interações entre fármacos e nutrição parenteral, e 3 descreviam a importância e os cuidados para evitar tais interações.

CONCLUSÃO: A literatura referente a interações entre fármacos e nutrientes é escassa e sugere a fragilidade das equipes assistenciais em reconhecer o potencial para interações. Possivelmente a construção de um protocolo para avaliação de interação fármaco-nutriente aumente a segurança e eficácia dos processos terapêuticos.

Descritores: Preparações farmacêuticas; Nutrientes; Terapia nutricional; Terapia intensiva; Cuidados críticos; Interações de medicamentos

INTRODUÇÃO

Interação entre fármaco e nutrientes é uma constante na evolução de doentes hospitalizados, sobretudo nas áreas em que normalmente há maior número de medicamentos prescritos, como unidade de terapia intensiva (UTI). As interações são, eventualmente, desejadas, mas, como regra, ocorrem sem a devida ciência da equipe assistente e podem colocar o paciente em risco. As interações podem ocorrer durante a administração do medicamento e alimento, durante o processo digestivo ou, mais tardiamente, na distribuição ou eliminação do fármaco.(1,2)

Esta revisão abordou sistematicamente essas interações, visando trazer maior esclarecimento à equipe assistente e melhorar os processos terapêuticos de doentes graves. Concomitantemente, avaliou o conhecimento dos profissionais que atuam com pacientes graves a respeito dessas interações.

MÉTODOS

Foram revisados, na base de dados eletrônica Pubmed, os unitermos MESH: "drug interactions" e "nutrition therapy". A busca limitou-se aos artigos publicados nos 10 anos precedentes (entre agosto de 2002 e agosto de 2012), publicados em inglês e português, realizados em seres humanos.

Em um primeiro momento, foram avaliados títulos e resumos, sendo excluídos artigos que descreviam intervenções nutricionais ou farmacológicas sem, contudo, discutirem as interações entre as duas intervenções. Posteriormente, foi realizada uma leitura crítica dos estudos remanescentes, sendo selecionados os que preencheram os critérios predefinidos de qualidade, como clareza nas informações, metodologia adequada e relevância clínica.

RESULTADOS

Foram encontrados 67 artigos utilizando-se as palavras-chave selecionadas. Após a seleção por título e resumo, foram excluídos 12 artigos que não estavam disponíveis integralmente; 35 artigos não atingiram os critérios relacionados com a discussão sobre interações entre fármacos e nutrientes. Atingiram os objetivos do trabalho 20 estudos, que foram selecionados para discussão no decorrer do artigo. Destes, 14 descreviam interações entre fármacos e nutrição enteral, 3 versavam sobre interações entre fármacos e nutrição parenteral (NP), e 3 revisavam a importância e os cuidados para evitar tais interações. O quadro 1 resume esses artigos.


DISCUSSÃO

Durante a internação hospitalar, principalmente em UTI, é frequente a combinação de múltiplos fármacos. Trata-se de uma estratégia útil, que visa potencializar os efeitos terapêuticos dos agentes combinados em relação ao uso isolado do fármaco. A avaliação de todos os fatores que podem modificar a resposta farmacológica esperada exige conhecimento das fontes de variabilidade, para que as interações entre fármacos e nutrientes sejam identificadas.(23) Infelizmente, a literatura que aborda esse tema não é ampla, e as recomendações derivadas de estudos prospectivos ainda são escassas, visto a ausência de estudos com desenho ideal (estudos prospectivos, controlados e cegos).(17,18)

A interação fármaco-nutriente é definida como uma alteração da cinética ou dinâmica de um medicamento ou nutriente, ou, ainda, o comprometimento do estado nutricional como resultado de administração de um medicamento. Cinética refere-se à descrição quantitativa de um medicamento ou de sua disposição, o que inclui a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção. Dinâmica caracteriza o efeito clínico ou fisiológico do medicamento.(24) Assim, a disponibilidade do nutriente poderá ser afetada pelo medicamento, ou o efeito do medicamento poderá ser alterado pelo nutriente, havendo, inclusive, o risco de efeito adverso.(25) A via de administração, a dose e o tempo de administração dos medicamentos em relação à nutrição, assim como suas características físico-químicas e a forma de apresentação podem ser determinantes da interação.(26)

O quadro 2 resume os possíveis mecanismos de interação entre medicamentos e nutrientes.


Administração de nutrição enteral através de um tubo de alimentação é o método preferido para suporte nutricional em pacientes que têm o trato gastrintestinal (TGI) funcional e que são incapazes de se alimentar por via oral,(20) sendo muito utilizado em unidades de terapia intensiva para manter uma oferta adequada de nutrientes.(6) Tubos de alimentação entérica são classificados por local de inserção e localização distal da sonda.(20) A alimentação enteral pode ser realizada por meio de vários métodos: contínuo, cíclico, em bólus e intermitente. Há diferentes possibilidades de acesso ao trato digestório, classificando o método pela combinação de duas variáveis: o acesso e a localização da extremidade distal. Assim, as sondas inseridas através das cavidades oral ou nasal podem ser gástricas (60% das ocorrências) ou duodenais (40% das ocorrências). Podem ainda ser colocadas através da introdução intragástrica por acesso transcutâneo de um trocater com a ajuda de endoscopia (muito conhecidas como PEG, do inglês percutany endoscopic gastrotomy). Finalmente, o acesso ao trato digestório pode ser feito através da realização de gastrostomia ou jejunostomia cirúrgicas.(27-29) É importante o conhecimento da posição da sonda no TGI quando são prescritos medicamentos por essa via. A posição pré ou pós-pilórica da sonda de alimentação, preferida em alguns cenários, como no caso de doentes críticos e com pancreatite grave, não traz evidente benefício para a terapia nutricional e nem proteção para pneumonia de aspiração.(30) Contudo, em função da região do TGI em que será administrado determinado medicamento, o conhecimento da localização da sonda é importante, para que sejam antecipadas possíveis alterações na absorção e na farmacodinâmica da substância utilizada.(1,16,21)

A interação entre nutrientes e fármacos é um problema de grande relevância na prática clínica, devido às potenciais alterações nos efeitos esperados para o medicamento.(24) Fármacos podem interferir no balanço hidroeletrolítico corporal e, consequentemente, repercutir nos processos digestivos.(21) O Quadro 3(20) apresenta um resumo dessas possibilidades.


A administração enteral de medicamentos pode provocar alterações funcionais no trato digestivo. A ação farmacodinâmica mais comum ocorre com os medicamentos que atuam na motilidade do TGI, como procinéticos. Vários medicamentos apresentam potenciais efeitos colaterais no TGI (náuseas, vômito, diarreia, dor abdominal ou a combinação destes), que podem repercutir na qualidade da terapia nutricional. Os principais fatores descritos e associados a essa incompatibilidade são a osmolaridade e veículos dos medicamentos.(31)

Em relação à potenciação da ocorrência de interações entre fármacos e nutrientes, o método de administração contínua de alimentos pode contemplar o cenário mais problemático, requerendo, frequentemente, a interrupção da alimentação por tubo quando da administração do medicamento (Quadro 3).(20) As dificuldades aumentam quando se considera que medicamentos de uso oral não são testados ou aprovados pelos fabricantes ou pelo Food and Drug Administration (FDA) para o uso em sistema de nutrição enteral. Dessa forma, os pacientes que recebem nutrição enteral por sonda associada a tratamento medicamentoso apresentam risco adicional,(31) além do fato de fármacos em apresentações sólidas, ao serem triturados, promovem frequentemente obstruções, que podem resultar na necessidade de troca da sonda, com aumento de custos e de desconforto aos pacientes.(32)

As interações entre medicamentos e nutrientes são complexas e difíceis de serem reconhecidas. Como já enfatizado, as possíveis interações podem determinar prejuízo da ação do medicamento e/ou alimento, podendo determinar inadequado efeito farmacológico do medicamento ou comprometimento do estado nutricional, além de obstrução de sondas de alimentação. Tudo isso pode ocasionar aumentos no custo e no tempo de internação hospitalar.(20,21,33) Uma postura de suspeição elevada deve estar presente na equipe assistencial para avaliar possíveis interações entre drogas e nutrientes, aumentando a possibilidade de antecipar a indesejada interação e modificar a forma ou a via de administração de medicamentos, como, por exemplo, as cápsulas com revestimento entérico e absorção programada, que não podem ser trituradas. Assim, elixires e suspensões são preferidos para administração entérica.(20) O quadro 4(18,20) resume e sugere as precauções que devem ser implementadas para evitar a oclusão do tubo.


Possivelmente, os pacientes mais idosos ou os que cursam com patologias mais graves são ainda mais suscetíveis a interações dessa natureza. Esses fatores convergem para criar um risco cada vez maior de interações entre fármaco e alimentos adversas em ambiente de cuidado complexo.(22,34)

Uma das mais indesejadas consequências da não utilização de práticas corretas para administração de medicamentos a pacientes sendo alimentados através de sonda é a obstrução do tubo enteral (Quadro 4). A obstrução da sonda de alimentação pode interromper o apoio nutricional e prejudicar a administração do fármaco. Ocorre em 8,3% e um protocolo de treinamento pode reduzir essa incidência.(6) Também há relatos de administração de medicamentos por uma porta exclusiva na sonda de alimentação, diminuindo a interação entre medicamentos e alimento.(35) Para evitar a obstrução do tubo enteral pelo uso de medicamentos, recomenda-se que um farmacêutico participe e faça o seguimento de protocolos de desenvolvimento para a administração do fármaco, por meio de sonda enteral, para assegurar sua eficácia. Além disso, é também recomendado mostrar a importância de aplicação de protocolo para toda equipe, incluindo todos os tipos de diluição de fármaco, a necessidade de suspensão temporária da dieta enteral, os tipos de tubos e a utilização de outras vias.(6)

Interações fármaco-nutrientes específicas

As interações mais conhecidas e melhores descritas são as que interferem na absorção e na distribuição de fármacos ou medicamentos. Um bom exemplo é a interação entre antiparkinsonianos e dieta hiperproteica. É bem conhecido que a ingestão de alto valor proteico pode impedir a absorção de levodopa/carbidopa, conduzindo à perda de eficácia e às flutuações de sintomas de Parkison. Os aminoácidos da dieta podem competir com a levodopa para sua absorção no intestino.(13,14) Muitos estudos relataram interação entre as refeições ricas em proteínas e levodopa, mas poucos com nutrição enteral e levodopa.(13) Uma das estratégias que poderia ser adotada é a esquematização dos horários da dieta, visando à administração da maior composição proteica à noite. Em aqueles parkinsonianos submetidos a nutrição enteral, há três estratégias descritas para diminuir o potencial de interação entre a nutrição entérica e a levodopa. O primeiro método consiste em separar as fontes de proteínas da administração de medicamentos; o segundo em limitar a quantidade total de ingestão diária de proteína (o que poderia trazer uma desvantagem em termos da qualificação da oferta proteica ao doente); o último método disponível é aumentar a dose de levodopa. Nesse caso, medicamentos devem ser administrados 30 minutos até 2 horas antes da nutrição entérica ou 2 horas após a administração dos suplementos. Para pacientes criticamente enfermos com doença de Parkinson, que podem cursar em ambiente metabólico de elevado catabolismo, a restrição proteica pode não estar indicada, podendo condicionar desnutrição, aumento do tempo de internamento ou outras complicações associadas.(14,36)

Outro bom exemplo de interação entre medicamentos e nutrientes pode ser observado com o anticonvulsivante levetiracetam, sendo que a utilização desse medicamento a doentes submetidos à terapia nutricional enteral se correlaciona com uma ligeira redução no nível sérico do medicamento.(8) Curiosamente, a administração intravenosa a pacientes submetidos à nutrição enteral se associou a maior biodisponibilidade do medicamento.(3) O contrário é demonstrado com o antibiótico gatifloxacina. Sua administração intravenosa não é afetada por alimentação enteral, o que ocorre quando da administração desse antibiótico por sonda, determinando uma redução de seu nível sérico. Assim, uma potencial vantagem, em termos de fármaco-economia, na redução de custos pela transição da via do medicamento (intravenosa para enteral), pode ser perdida na manutenção da via intravenosa e consequente menor efetividade.(9)

Possivelmente, as interações entre varfarina e nutrição são as mais conhecidas e descritas. Atingir níveis terapêuticos do fármaco pode ser difícil porque ele está sujeito a uma grande variedade de interações com alimentos.(15) Resistência da varfarina associada à dieta enteral contínua foi originalmente atribuída às grandes quantidades de vitamina K contidas dentro das formulações.(19) A administração inicial da dose usual de varfarina (5mg) não determinou aumento no Índice de Normatização Internacional (INR) quando o medicamento foi concomitantemente administrado junto à nutrição enteral contínua. Após aumento na dose de varfarina para 7,5mg por dia, o INR aumentou para perto dos níveis terapêuticos. Isso motivou os autores a sugerir um ajuste na administração do medicamento por meio da pausa, durante 1 hora, antes e após a administração varfarina, com melhora no INR.(19) O mecanismo de interação, além da óbvia administração de vitamina K (antídoto para o medicamento), ocorre pelo fato dos constituintes da dieta enteral reduzirem a absorção de varfarina por meio de um mecanismo de ligação a proteínas.(11,15) Outro mecanismo possivelmente relacionado seria a elevação dos níveis de albumina em consequência de dieta hiperproteica, aumentando a ligação do fármaco a essa proteína e reduzindo o efeito do medicamento.(11,37)

Redução da absorção do medicamento caracteriza algumas interações, como as verificadas com o antifúngico voriconazol ou o homônio levotiroxina. Em relação ao voriconazol, deve ser evitada sua administração enteral em pacientes com alimentação enteral concomitante, uma vez que essa situação determina uma importante redução no nível sérico do fármaco.(12) O hormônio levotiroxina pode ter dois tipos de interações: redução da absorção por perda do fármaco junto às paredes da sonda de alimentação e competição pelo alimento administrado através do tubo enteral. As perdas durante o esmagamento do medicamento e sua transferência são secundárias à presença de resíduo de dieta e fluido gástrico no estômago no momento que o medicamento é administrado. A absorção de levotiroxina é aumentada pelo jejum e está diminuída na insuficiência cardíaca congestiva, síndromes de má absorção e diarreia. Alimentos enriquecidos com fibras diminuem a absorção da levotiroxina.(5) Finalmente, e não menos importante, temos que registrar a ação de medicamentos que modificam, estrutural ou funcionalmente, o sistema digestório, comprometendo todo o processo digestivo. Esse cenário fica mais evidente quando se observam os efeitos constipantes de analgésicos opioides, diarreia determinada por elixires de elevada osmolaridade ou decorrente de disbiose secundária à utilização de antibióticos e de antinflamatórios, determinando erosões ou outras aliterações importantes na estrutura do epitélio digestivo. Um programa de normatização de regras, para diminuir os efeitos indesejados de interação entre medicamentos e nutrientes, deveria levar em conta essas possibilidades.(21,31)

Interações entre medicamentos e nutrição parenteral

Algumas interações entre medicamentos intravenosos e nutrição enteral foram já explorados na seção anterior. Esse tipo de interação é ainda menos estudada e, desse modo, ainda menos conhecida. Alguns relatos existem, como estudos demonstrando ausência de alterações significativas na concentração plasmática do antibiótico netilmicina em crianças alimentadas com NP.(4)

Anticonvulsivantes têm sido mais estudados nesse contexto. Há relatos de que um aumento na concentração de ácidos graxos livres no soro determina um aumento da fração livre de ácido valproico.(16) A ligação do ácido valproico às proteínas plasmáticas varia de 90 a 95% e ocorre principalmente com a albumina. Observou-se que a ligação às proteínas, em relação à fenitoína, foi significativamente diminuída. Por conseguinte, os ácidos graxos livres a partir de emulsões de gordura na NP poderiam deslocar drogas, como a fenitoína, de seus sítios de ligação da albumina.(16) Um estudo realizado in vitro, que avaliou a interação entre anticonvulsivantes (carbamazepina, fenitoína, fenobarbital, procainamida, quinidina e ácido valproico) e teofilina, no soro humano, com cinco tipos de fluidos de NP demonstrou que cinco medicamentos (fenobarbital, fenitoína, procainamida, quinidina e ácido valproico) apresentaram maior ligação com o soro humano do que com os elementos da NP. Já para a carbamazepina, a NP teve maior ligação, enquanto para a teofilina a ligação para a NP e ao soro foi semelhante. Assim, concluiu-se que a administração de NP pode alterar significativamente a fração livre de alguns medicamentos.(10) Alterações na fração de droga livre causada pela coadministração de fluidos de NP pode ser clinicamente significativo e exigir uma reavaliação cuidadosa de doses de medicamentos em pacientes que recebem esses regimes. A monitorização de concentrações de droga livre pode ser útil, especialmente para aquelas drogas que são fortemente ligadas a proteínas. Essas interações devem ser estudadas de forma prospectiva in vivo.(10)

CONCLUSÕES

Os estudos que avaliam o impacto clínico relacionadas a interações entre medicamentos e nutrientes são escassos e a evidência na qual se baseiam as recomendações é fraca. Assim, urge ensaios clínicos com desenhos e amostras adequados para que se derive recomendações sólidas. A padronização na administração de medicamentos simultaneamente a nutrição enteral ou parenteral, além de desenvolvimento de métodos de monitoramento, constituem processos importantes para a prevenção de interações fármaco-nutriente. Possivelmente um programa de interação fármaco-nutriente envolvendo um grupo profissional multidisciplinar (farmacêuticos, nutricionistas, enfermeiros, médicos e outros profissionais envolvidos nesse processo) possa determinar melhores resultados nesta área e, igualmente, necessita ser estudado.

Submetido em 30 de janeiro de 2013

Aceito em 14 de maio de 2013

Conflitos de interesse: Nenhum.

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  • Autor correspondente:

    Tatiane Heldt
    Rua Ramiro Barcelos, 2.350 - Santa Cecília
    CEP: 90035-903 - Porto Alegre (RS), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Jan 2013
    • Aceito
      14 Maio 2013
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