Acessibilidade / Reportar erro

Colistina parenteral no tratamento de infecções graves: experiência em centro único

Resumos

Objetivo:

Descrever a experiência de um único centro com o uso de colistina para tratar infecções hospitalares causadas por bactérias Gram-negativas resistentes a múltiplos fármacos e identificar fatores associados com lesão renal aguda e mortalidade.

Métodos:

Estudo longitudinal retrospectivo que avaliou pacientes gravemente enfermos, com infecções causadas por bactérias Gram-negativas resistentes a múltiplos fármacos. Foram considerados elegíveis para este estudo, durante o período compreendido entre janeiro e dezembro de 2008, todos os pacientes adultos com necessidade de tratamento com colistina endovenosa (colistimetato de sódio). As informações coletadas incluem dados demográficos, diagnóstico, duração do tratamento, presença de lesão renal aguda e mortalidade em 30 dias.

Resultados:

A colistina foi utilizada para tratar uma infecção em 109 de 789 pacientes (13,8%) admitidos à unidade de terapia intensiva. A mortalidade em 30 dias observada nestes pacientes foi de 71,6%. Vinte e nove pacientes (26,6%) tinham lesão renal prévia ao tratamento com colistina, sendo que seis deles conseguiram recuperar a função renal, mesmo durante o tratamento com colistina. Vinte e um pacientes (19,2%) desenvolveram lesão renal aguda durante o tratamento com colistina, sendo que 11 destes pacientes necessitaram ser submetidos à diálise. A variável independentemente associada com a presença de lesão renal aguda foi a pontuação segundo o sistema Sequential Organ Failure Assessment no início do tratamento com colistina (OR=1,46; IC95%=1,20-1,79; p<0,001). Idade (OR=1,03; IC95%=1,00-1,05; p=0,02) e uso de vasopressores (OR=12,48; IC95%=4,49-34,70; p<0,001) foram fatores associados a óbito, segundo um modelo de regressão logística.

Conclusões:

Disfunção de órgão quando do início do tratamento com colistina associou-se com lesão renal aguda. Em um pequeno grupo de pacientes, pudemos observar uma melhora da função renal durante o tratamento com colistina. Idade e uso de vasopressores associaram-se a óbito.

Colistina/uso terapêutico; Cuidados intensivos; Infecção hospitalar/quimioterapia; Acinetobacter baumannii ; Pseudomonas aeruginosa ; Lesão renal aguda; Morte


Objective:

To describe a single center experience involving the administration of colistin to treat nosocomial infections caused by multidrug-resistant Gram-negative bacteria and identify factors associated with acute kidney injury and mortality.

Methods:

This retrospective longitudinal study evaluates critically ill patients with infections caused by multidrug-resistant Gram-negative bacteria. All adult patients who required treatment with intravenous colistin (colistimethate sodium) from January to December 2008 were considered eligible for the study. Data include demographics, diagnosis, duration of treatment, presence of acute kidney injury and 30-day mortality.

Results:

Colistin was used to treat an infection in 109 (13.8%) of the 789 patients admitted to the intensive care unit. The 30-day mortality observed in these patients was 71.6%. Twenty-nine patients (26.6%) presented kidney injury prior to colistin treatment, and six of these patients were able to recover kidney function even during colistin treatment. Twenty-one patients (19.2%) developed acute kidney injury while taking colistin, and 11 of these patients required dialysis. The variable independently associated with the presence of acute kidney injury was the Sequential Organ Failure Assessment at the beginning of colistin treatment (OR 1.46; 95%CI 1.20-1.79; p<0.001). The factors age (OR 1.03; 95%CI 1.00-1.05; p=0.02) and vasopressor use (OR 12.48; 95%CI 4.49-34.70; p<0.001) were associated with death in the logistic-regression model.

Conclusions:

Organ dysfunction at the beginning of colistin treatment was associated with acute kidney injury. In a small group of patients, we were able to observe an improvement of kidney function during colistin treatment. Age and vasopressor use were associated with death.

Colistin/therapeutic use; Intensive care; Cross infection/drug therapy; Acinetobacter baumannii ; Pseudomonas aeruginosa ; Acute kidney injury; Death


INTRODUÇÃO

O uso de colistina para tratar infecções causadas por microrganismos resistentes não é novo; em 1961, foi descrita a obtenção de melhora clínica com o tratamento com colistina em pacientes com infecções por Pseudomonas aeruginosa resistente a penicilina, canamicina e cloranfenicol.(11. Yow EM, Tan E, Shane L, Schonfeld S, Abu-Nassar H. Colistin (coly-mycin) in resistant bacterial infections. A clinical appraisal. Arch Intern Med. 1961;108:664-70.) Entretanto, a resistência a múltiplos fármacos é, atualmente, muito mais comum, e o problema continua a piorar nas unidades de terapia intensiva (UTI). P. aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Enterobacteriaceae resistentes a carbapenens desafiam os profissionais de saúde em todo o mundo, inclusive no Hospital Universitário da Universidade de Londrina, onde foram relatados 17 casos de pneumonia associada a ventilador (PAV) causada por A. baumannii OXA-23, um produtor de carbapenemase.(22. Carneiro M, Barbosa PI, Vespero EC, Tanita MT, Carrilho CM, Perugini M, et al. Carbapenem-resistant OXA-23-producing Acinetobacter baumannii isolates causing ventilator-associated pneumonia. Am J Infect Control. 2010;38(8):667-9.) Foram descritos muitos outros surtos;(33. Dalla-Costa LM, Coelho JM, Souza HA, Castro ME, Stier CJ, Bragagnolo KL, et al. Outbreak of carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii producing the OXA-23 enzyme in Curitiba, Brazil. J Clin Microbiol. 2003;41(7):3403-6.

4. Tognim MC, Gales AC, Penteado AP, Silbert S, Sader HS. Dissemination of IMP-1 metallo- beta -lactamase-producing Acinetobacter species in a Brazilian teaching hospital. Infect Control Hosp Epidemiol. 2006;27(7):742-7.
-55. Wybo I, Blommaert L, De Beer T, Soetens O, De Regt J, Lacor P, et al. Outbreak of multidrug-resistant Acinetobacter baumannii in a Belgian university hospital after transfer of patients from Greece. J Hosp Infect. 2007;67(4):374-80.) contudo, é difícil controlar esses surtos e nem sempre se obtém sucesso, sendo que, em muitos hospitais, esses microrganismos são endêmicos.(66. dos Santos Saalfeld SM, Fukita Viana G, Dias Siqueira VL, Cardoso CL, Botelho Garcia L, Bronharo Tognim MC. Endemic carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii in a Brazilian intensive care unit. J Hosp Infect. 2009;72(4):365-8.

7. Suarez C, Peña C, Arch O, Dominguez MA, Tubau F, Juan C, et al. A large sustained endemic outbreak of multiresistant Pseudomonas aeruginosa: a new epidemiological scenario for nosocomial acquisition. BMC Infect Dis. 2011;11:272.
-88. Weisenberg SA, Schuetz AN, Alexander EA, Eiss B, Behta M, Saiman L, et al. Endemic Acinetobacter baumannii in a New York hospital. PLoS One. 2011;6(12):e28566.) Muitos fatores se associam com infecções hospitalares causadas por bactérias resistentes a múltiplos fármacos, inclusive uso prévio de antimicrobianos de amplo espectro, uso excessivo de antibióticos em pacientes com condições inflamatórias, uso empírico em longo prazo de antibióticos, presença de dispositivos invasivos, duração da permanência, admissão à UTI, idade, choque séptico, presença de comorbidades e gravidade da doença.(99. Dizbay M, Tunccan OG, Sezer BE, Hizel K. Nosocomial imipenem-resistant Acinetobacter baumannii infections: epidemiology and risk factors. Scand J Infect Dis. 2010;42(10):741-6.

10. Zavascki AP, Barth AL, Gaspareto PB, Gonçalves AL, Moro AL, Fernandes JF, et al. Risk factors for nosocomial infections due to Pseudomonas aeruginosa producing metallo-beta-lactamase in two tertiary-care teaching hospitals. J Antimicrob Chemother. 2006;58(4):882-5.
-1111. Zavascki AP, Barth AL, Gonçalves AL, Moro AL, Fernandes JF, Martins AF, et al. The influence of metallo-beta-lactamase production on mortality in nosocomial Pseudomonas aeruginosa infections. J Antimicrob Chemother. 2006;58(2):387-92.)

O estudo SENTRY relatou suscetibilidade à polimixina B em diversos bacilos Gram-negativos entre 2001 e 2004. A sensibilidade ao imipenem foi de cerca de 80% em todas as amostras de Acinetobacter spp. e P. aeruginosa, sendo que, com a polimixina B, excedeu a 97%; entretanto, foram detectados, nessas amostras, altos níveis de resistência a outros fármacos.(1212. Gales AC, Jones RN, Sader HS. Global assessment of the antimicrobial activity of polymyxin B against 54 731 clinical isolates of Gram-negative bacilli: report from the SENTRY antimicrobial surveillance programme (2001-2004). Clin Microbiol Infect. 2006;12(4):315-21.) Uma nova investigação microbiológica no SENTRY avaliou amostras de 2006 a 2009 e demonstrou uma tendência temporal à redução na sensibilidade de Acinetobacter spp. e Klebsiella spp ao imipenem em todas as regiões geográficas. Exceto no que ser refere a Acinetobacter spp. e Klebsiella spp. das regiões Ásia-Pacífico e América Latina,(1313. Gales AC, Jones RN, Sader HS. Contemporary activity of colistin and polymyxin B against a worldwide collection of Gram-negative pathogens: results from the SENTRY Antimicrobial Surveillance Program (2006-09). J Antimicrob Chemother. 2011;66(9):2070-4.) a maioria dos isolados permaneceu sensíveis às polimixinas.

As taxas de mortalidade podem atingir até 40%(1414. Schimith Bier KE, Luiz SO, Scheffer MC, Gales AC, Paganini MC, Nascimento AJ, et al. Temporal evolution of carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii in Curitiba, southern Brazil. Am J Infect Control. 2010;38(4):308-14.,1515. Levin AS, Barone AA, Penço J, Santos MV, Marinho IS, Arruda EA, et al. Intravenous colistin as therapy for nosocomial infections caused by multidrug-resistant Pseudomonas aeruginosa and Acinetobacter baumannii. Clin Infect Dis. 1999;28(5):1008-11.) e estão relacionadas, por exemplo, a doses de polimixina B <200mg por dia, presença de sepse grave ou choque séptico, ventilação mecânica, insuficiência renal, idade e comorbidades.(1616. Elias LS, Konzen D, Krebs JM, Zavascki AP. The impact of polymyxin B dosage on in-hospital mortality of patients treated with this antibiotic. J Antimicrob Chemother. 2010;65(10):2231-7.,1717. Paul M, Bishara J, Levcovich A, Chowers M, Goldberg E, Singer P, et al. Effectiveness and safety of colistin: prospective comparative cohort study. J Antimicrob Chemother. 2010;65(5):1019-27.) Desde os primeiros estudos sobre o assunto, foi relatada nefrotoxicidade relacionada às polimixinas.(1818. Pulaski EJ, Baker HJ, Rosenberg ML, Connell JF. Laboratory and clinical studies of polymyxin B and E. J Clin Invest. 1949; 28(5 Pt 1):1028-31.) Segundo alguns relatos, até 32% dos pacientes em uso de colistina desenvolvem lesão renal aguda (LRA). Os fatores predisponentes podem incluir idade, disfunção renal prévia, uso de outros fármacos nefrotóxicos, dose elevada de colistina e pontuação Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) elevada.(1515. Levin AS, Barone AA, Penço J, Santos MV, Marinho IS, Arruda EA, et al. Intravenous colistin as therapy for nosocomial infections caused by multidrug-resistant Pseudomonas aeruginosa and Acinetobacter baumannii. Clin Infect Dis. 1999;28(5):1008-11.,1919. Koch-Weser J, Sidel VW, Federman EB, Kanarek P, Finer DC, Eaton AE. Adverse effects of sodium colistimethate. Manifestations and specific reaction rates during 317 courses of therapy. Ann Intern Med. 1970;72(6):857-68.) Recentemente, foi relatada uma incidência menor de insuficiência renal associada com o tratamento com colistina, tendo o fármaco sido bem tolerado em pacientes gravemente enfermos com função renal normal.(2020. Reina R, Estenssoro E, Sáenz G, Canales HS, Gonzalvo R, Vidal G, et al. Safety and efficacy of colistin in Acinetobacter and Pseudomonas infections: a prospective cohort study. Intensive Care Med. 2005;31(8):1058-65.

21. Falagas ME, Rizos M, Bliziotis IA, Rellos K, Kasiakou SK, Michalopoulos A. Toxicity after prolonged (more than four weeks) administration of intravenous colistin. BMC Infect Dis. 2005;5:1.

22. Michalopoulos AS, Tsiodras S, Rellos K, Mentzelopoulos S, Falagas ME. Colistin treatment in patients with ICU-acquired infections caused by multiresistant Gram-negative bacteria: the renaissance of an old antibiotic. Clin Microbiol Infect. 2005;11(2):115-21.
-2323. Markou N, Apostolakos H, Koumoudiou C, Athanasiou M, Koutsoukou A, Alamanos I, et al. Intravenous colistin in the treatment of sepsis from multiresistant Gram-negative bacilli in critically ill patients. Crit Care. 2003;7(5):R78-83.)

A finalidade deste estudo foi descrever a experiência em um único centro com o uso de colistina para tratar infecções hospitalares causadas por bactérias Gram-negativas resistentes a múltiplos fármacos, e identificar os fatores associados com LRA e mortalidade.

MÉTODOS

Delineamento do estudo e pacientes

Este estudo foi uma análise retrospectiva de dados coletados de forma prospectiva na base de dados de uma UTI. Trata-se de estudo longitudinal, que visou avaliar pacientes gravemente enfermos com infecção hospitalar causada por bactérias Gram-negativas resistentes a múltiplos fármacos tratados por via parenteral com colistina na UTI de um hospital geral universitário.

A UTI de adultos do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina admite pacientes clínicos e cirúrgicos. Ela conta com 17 leitos e taxa de ocupação acima de 90% durante o ano.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local (número da aprovação: 284/05) e foi realizado em conformidade com os padrões éticos estabelecidos na Declaração de Helsinque, de 1964, e suas subsequentes atualizações. O comitê de ética local dispensou a necessidade de obter a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.

Os pacientes foram identificados pela base de dados do Comitê de Controle de Infecção Hospitalar. Todos os pacientes adultos, que necessitaram de tratamento endovenoso com colistina (colistimetato de sódio) entre janeiro e dezembro de 2008, foram considerados elegíveis para este estudo. Realizamos uma coleta consecutiva, que incluiu todos os pacientes elegíveis durante o período do estudo. Para pacientes admitidos à UTI por mais de uma vez durante período do estudo, foi considerada para análise a primeira admissão, na qual foi empregado tratamento com colistina. Os critérios de exclusão foram idade abaixo dos 18 anos, uso de colistina por menos de 48 horas, uso de colistina antes da admissão à UTI, uso de polimixina B e ocorrência de óbito em menos de 48 horas.

Coleta dos dados

Para cada paciente, os dados clínicos foram extraídos da base de dados da UTI. A base de dados incluía variáveis como idade, gênero, diagnóstico e data de admissão ao hospital e à UTI, primeiro dia de uso e duração do tratamento com colistina, data e condição vital na alta da UTI e do hospital. Analisamos também dados sobre o foco de infecção, as datas das culturas positivas e os testes de suscetibilidade a antimicrobianos. A base de dados incluía as pontuações APACHE II das primeira 24 horas na UTI(2424. Knaus WA, Draper EA, Wagner DP, Zimmerman JE. APACHE II: a severity of disease classification system. Crit Care Med. 1985;13(10):818-29.) e a presença ou ausência de comorbidades. Foram também registrados efeitos colaterais associados ao uso de colistina, disfunção de órgãos, choque séptico, ventilação mecânica invasiva, diálise e uso concomitante de vancomicina, anfotericina B, aminoglicosídeos, diuréticos e vasopressores. Para avaliação da disfunção de órgãos, foi calculado durante a permanência na UTI o escore Sequential Organ Failure Assessment (SOFA).(2525. Vincent JL, Moreno R, Takala J, Willatts S, De Mendonça A, Bruining H, et al. The SOFA (Sepsis-related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure. On behalf of the Working Group on Sepsis-Related Problems of the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 1996;22(7):707-10.)

Variáveis e definições

O desfecho primário foi definido como mortalidade de 30 dias por todas as causas. Foram adotados os critérios do Centers for Disease Control (CDC)(2626. Garner JS, Jarvis WR, Emori TG, Horan TC, Hughes JM. CDC definitions for nosocomial infections, 1988. Am J Infect Control. 1988;16(3):128-40. Erratum in: Am J Infect Control 1988;16(4):177.) para diagnóstico de infecção hospitalar. Para diagnóstico de sepse, foram adotados os critérios do consenso American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine (ACCP/SCCM).(2727. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference: definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. Crit Care Med. 1992;20(6):864-74. Review.) Para cada um dos seis sistemas de órgãos avaliados pelo escore SOFA (neurológico, cardiovascular, respiratório, renal, hematológico e hepático), a insuficiência de órgão foi definida como um escore >2.(2525. Vincent JL, Moreno R, Takala J, Willatts S, De Mendonça A, Bruining H, et al. The SOFA (Sepsis-related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure. On behalf of the Working Group on Sepsis-Related Problems of the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 1996;22(7):707-10.)

A medicação em estudo foi colistimetato de sódio (Promixin®, Opem Pharmaceuticals, 80mg = 1.000.000IU). Pacientes com clearance de creatinina (ClCr) >80mL/minuto receberam colistina na dose de 5mg/kg/dia; pacientes com ClCr entre 30 e 80mL/minuto receberam 2,5mg/kg/dia e pacientes com ClCr <30mL/minuto receberam entre 1 e 1,5mg/kg/dia. O clearance de creatinina foi estimado utilizando a fórmula de Cockcroft-Gault.(2828. Botev R, Mallié JP, Couchoud C, Schück O, Fauvel JP, Wetzels JF, et al. Estimating glomerular filtration rate?: Cockcroft-Gault and Modification of Diet in Renal Disease formulas compared to renal inulin clearance. Clin J Am Soc Nephrol. 2009;4(5):899-906.) A dose foi calculada com base no peso do paciente, e a duração do tratamento foi determinada segundo as recomendações do Comitê de Controle de Infecção Hospitalar local. Após hemodiálise, foi administrada uma dose adicional de 80 a 160mg. Em todos os pacientes incluídos neste estudo, o protocolo do tratamento cumpriu as diretrizes do Comitê de Controle de Infecção Hospitalar. Os tratamentos combinados possíveis, recomendados por essas diretrizes foram colistina associada com carbapenens e/ou glicopeptídeos ou linezolida. Para infecções com documentação microbiológica, a suscetibilidade antimicrobiana foi testada utilizando um método automatizado (MicroScan®, Dade Behring).

Uso de diuréticos foi definido como furosemida em dose ≥40mg ao dia por pelo menos 24 horas durante o tratamento com colistina. O uso de vancomicina, anfotericina B ou aminoglicosídeos foi considerado se a medicação fosse empregada por 48 horas durante o tratamento com colistina. A análise do uso de vasopressores considerou os fármacos dopamina, noradrenalina ou adrenalina.

LRA foi identificada segundo as definições KDIGO(2929. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int. 2012;2(Suppl 1):1-138.) como um aumento de 0,3mg/dL na creatinina dentro de um período de 48 horas; ou o aumento da creatinina para 1,5 vez ou mais o nível basal, que se soubesse ou presumisse ter ocorrido dentro dos últimos 7 dias. Para fins de análise estatística, os pacientes foram divididos entre os com ou sem LRA durante o uso de colistina. Pacientes em tratamento de substituição renal antes de iniciar o tratamento com colistina foram agrupados em uma terceira categoria (presença de lesão renal antes da colistina), o que não teve efeitos na análise dos fatores associados com LRA.

Análise estatística

A análise estatística descritiva utilizou mediana e variações interquartis ou média e desvio padrão para descrever as variáveis contínuas, segundo a distribuição dos dados. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para avaliar a distribuição normal dos dados. Para a descrição das variáveis categóricas, foi utilizada percentagem. Os dados são apresentados utilizando tabelas. O teste qui-quadrado foi utilizado para comparar as variáveis categóricas, e o teste de Mann-Whitney foi utilizado para as variáveis contínuas. As variáveis dependentes testadas na análise univariada para óbito e LRA foram: gênero, idade, comorbidades, duração da permanência no hospital e na UTI antes da prescrição de colistina, ventilação mecânica, uso concomitante de outros antibióticos, diuréticos e vasopressores, microrganismo e foco de infecção. Para o modelo de regressão logística, as variáveis para as quais os valores de p fossem ≤0,2 na análise univariada foram incluídos um a um, em um método de progressão gradual. Os resultados foram descritos como frequência, odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%), medianas e faixas interquartis. A sobrevivência dos pacientes é descrita utilizando um modelo de Cox de riscos proporcionais, considerando os fatores de confusão. Foi aplicado um método de progressão gradual para inserir as variáveis relevantes sequencialmente e, verificando-as, removendo aquelas não significantes. Os resultados são descritos como taxa de risco (HR) e IC95%. Valor de p de 0,05 foi considerado significante. A área sob a curva ROC foi utilizada para avaliar a precisão e comparar o desempenho do APACHE II e SOFA para discriminar os sobreviventes dos não sobreviventes. Os dados foram analisados utilizando o programa Medcalc 12 (MedCalc Software, Bélgica).

RESULTADOS

Pacientes, focos de infecção e microrganismos

Durante o período do estudo, foi usada colistina para tratar uma infecção em 109 (13,8%) dos 789 pacientes admitidos à UTI. As características basais dos pacientes estão resumidas na tabela 1. Estes pacientes tinham idade mediana de 66 (48-75) anos, sendo predominantemente do gênero masculino (66,1%). O escore APACHE II mediano, quando da admissão à UTI, foi de 25 (20-32). O escore SOFA mediano, quando da admissão à UTI, foi de 9 (6-12), e não houve diferença significante na comparação com o escore SOFA no início do tratamento com colistina (8 [6-11]; p=0,142). A mortalidade de 30 dias observada nestes pacientes foi de 71,6%. Em 79 (72,5%) pacientes, o uso de colistina foi iniciado empiricamente, antes de se obterem resultados das culturas, segundo as diretrizes do Comitê de Controle de Infecção Hospitalar. O tratamento com colistina foi iniciado, em média, 10 (6-14,2) dias após a admissão à UTI. A mediana da creatinina sérica foi de 1,25 (0,93-2,11) mg/dL por ocasião da admissão à UTI, e de 1,49 (0,90-2,29) mg/dL por ocasião do início do tratamento com colistina. Vinte e um (19,2%) pacientes desenvolveram LRA, 11 dos quais necessitaram de diálise após iniciar colistina, e 9 necessitaram de terapia diurética. Foi aplicada ventilação mecânica invasiva em 105 (96,3%) pacientes, com duração média de 12,4±8,8 dias. Foram utilizados vasopressores em 73 (66,9%) pacientes, por uma média de 3,2±4,6 dias.

Tabela 1
Características gerais dos 109 pacientes tratados com colistina

PAV foi o foco de infecção mais frequente (76/109; 69,7%), seguido por infecção da corrente sanguínea (15/109; 13,7%), infecção de foco cirúrgico (8/109; 7,3%), infecção do trato urinário (7/109; 6,4%), peritonite (2/109; 1,9%) e infecção da pele e tecidos moles (1/109; 0,9%). As infecções foram confirmadas microbiologicamente em 102 pacientes, e 7 casos de PAV tiveram culturas negativas. Entre os pacientes com culturas positivas, A. baumannii foi isolado em 52 casos (50,9%) e foi o microrganismo causal em 48 pacientes com PAV e 3 pacientes com infecção da corrente sanguínea. P. aeruginosa foi isolado em 23 (22,5%) pacientes e foi o agente etiológico em 10 pacientes com PAV e em 4 pacientes com infecção da corrente sanguínea. Oito casos (7,8%) foram positivos para ambos os microrganismos (A. baumannii e P. aeruginosa), sete nas secreções traqueais e um na hemocultura. Outros microrganismos isolados menos frequentemente incluíram Candida sp. (3,9%), Escherichia coli (2,9%), Enterococcus faecium (1,9%), Stenotrophomonas maltophilia (1,9%), Enterobacter cloacae (1,9%), Staphylococcus aureus (0,9%), Delftia acidovorans (0,9%), Staphylococcus haemolyticus (0,9%), Klebsiella pnuemoniae (0,9%), Burkholderia cepaia (0,9%) e Providencia stuarti (0,9%). Todos os isolados de A. baumannii e P. aeruginosa demonstraram resistência a carbapenens, aminoglicosídeos, quinolonas, ampicilina-sulbactam e piperacilina-tazobactam.

Fatores associados à lesão renal aguda

Vinte e nove pacientes tinham lesão renal e estavam em uso de diálise antes do tratamento com colistina, de forma que não foram incluídos na análise de fatores de risco para desenvolvimento de LRA. Entre estes pacientes em diálise antes do tratamento com colistina, observamos que 7/29 (24,1%) conseguiram recuperar sua função renal e dispensar a diálise, mesmo durante o tratamento com colistina.

Durante o período do estudo, 21 de 80 pacientes (26,2%) analisados preencheram os critérios de LRA durante o uso de colistina. Não houve diferença entre os grupos (com e sem LRA) quanto a qualquer das variáveis avaliadas, exceto para o escore SOFA no início do tratamento (OR=1,46, IC95%=1,2-1,79; p<0,001), uso de fármacos vasopressores (OR=4,72, IC95%=1,25-17,8; p=0,010) e creatinina sérica no início do tratamento (OR1,94, IC95%=1,12-3,38; p=0,010). No modelo de regressão logística, a variável independentemente associada com a presença de LRA foi o escore SOFA no início do tratamento com colistina (OR=1,46, IC95%=1,20-1,79; p<0,001; Tabela 2).

Tabela 2
Análise univariada e multivariada dos fatores associados com lesão renal aguda em 80 pacientes tratados com colistina

Fatores associados ao óbito

A análise univariada demonstrou que idade (OR=1,02, IC95%=1,00-1,04; p=0,028), escore SOFA no primeiro dia de tratamento com colistina (OR=1,30, IC95%=1,12-1,51; p=0,001) e uso de vasopressores (OR=11,17, IC95%=4,24-29,40; p<0,001) se associaram ao óbito. No modelo de regressão logística, idade (OR=1,03, IC95%=1,00-1,05; p=0,027) e uso de vasopressores (OR=12,48, IC95%=4,49-34,70; p<0,001) associaram-se independentemente com óbito (Tabela 3).

Tabela 3
Análise univariada e multivariada dos fatores associados com a mortalidade aos 30 dias em 109 pacientes tratados com colistina

Foram usadas curvas ROC para analisar os dados referentes aos escores APACHE II e SOFA, quando da admissão à UTI, e o escore SOFA no primeiro dia de tratamento com colistina. As áreas sob a curva foram de 0,545 (IC95%=0,447-0,641; p=0,449) para o APACHE II; 0,530 (IC95%=0,432-0,626; p=0,618) para o escore SOFA no dia da admissão à UTI; e 0,724 (IC95%=0,631-0,806; p<0,001) para o escore SOFA no primeiro dia de tratamento com colistina. O ponto de corte para o escore APACHE II foi 30 (34,6% de sensibilidade e 83,8% de especificidade); o ponto de corte para o escore SOFA foi 8 (56,4% de sensibilidade e 54,8% de especificidade) na admissão à UTI e 9 (47,4% de sensibilidade e 90,3% de especificidade) no primeiro dia de tratamento com colistina.

Não houve diferenças na probabilidade de sobrevivência para os grupos de pacientes divididos segundo a presença de LRA (HR=1,019, IC95%=0,646-1,608; p=0,933); entretanto, o uso de vasopressores foi um fator determinante para a probabilidade de sobrevivência após 30 dias (HR=4,093, IC95%=2,286-7,326; p<0,001) (Figura 1).

Figura 1
Regressão de riscos proporcionais de Cox avaliando a probabilidade de sobrevivência de pacientes tratados com colistina segundo o uso de vasopressores. Tempo = dias; taxa de risco = 4,093 (intervalo de confiança de 95%: 2,286-7,326); p<0,001.

DISCUSSÃO

O tratamento com colistina foi frequente na amostra do estudo, já que 13,8% dos pacientes da UTI adquiriram infecções hospitalares causadas por microrganismos resistentes a múltiplos fármacos, durante o período do estudo. Na maioria dos pacientes, estiveram presente infecções microbiologicamente documentadas e infecções por A. baumannii e P. aeruginosa resistentes a carbapenemas. LRA foi frequente nestes pacientes, e em muitos não pôde ser associada com colistina, já que ocorreu até mesmo antes do início do tratamento com colistina. O escore SOFA, no primeiro dia do tratamento com colistina, associou-se com piora da função renal. LRA não se associou com maior mortalidade. Idade e necessidade de vasopressor foram fatores associados com óbito.

Foi descrito um aumento na incidência de infecções causadas por A. baumannii e P. aeruginosa em pacientes gravemente enfermos. Doença maligna, hemodiálise e permanência na UTI são riscos conhecidos para infecção causada por A. baumannii resistente à imipenem.(99. Dizbay M, Tunccan OG, Sezer BE, Hizel K. Nosocomial imipenem-resistant Acinetobacter baumannii infections: epidemiology and risk factors. Scand J Infect Dis. 2010;42(10):741-6.) O uso prévio de antibióticos beta-lactâmicos e fluorquinolonas, doença neurológica, infecção do trato urinário, nefropatia e admissão à UTI se associam com infecções por cepas de P. aeruginosa produtoras de metalo-beta-lactamase.(1010. Zavascki AP, Barth AL, Gaspareto PB, Gonçalves AL, Moro AL, Fernandes JF, et al. Risk factors for nosocomial infections due to Pseudomonas aeruginosa producing metallo-beta-lactamase in two tertiary-care teaching hospitals. J Antimicrob Chemother. 2006;58(4):882-5.)

A nefrotoxicidade das polimixinas foi descrita desde os primeiros estudos sobre o assunto, sendo relatado sua associação com doses mais elevadas do fármaco.(1818. Pulaski EJ, Baker HJ, Rosenberg ML, Connell JF. Laboratory and clinical studies of polymyxin B and E. J Clin Invest. 1949; 28(5 Pt 1):1028-31.) Outros fatores podem também estar envolvidos. Em 1970, Koch-Weser et al. analisaram 317 cursos terapêuticos e encontraram que 20,2% se associaram a toxicidade renal.(1919. Koch-Weser J, Sidel VW, Federman EB, Kanarek P, Finer DC, Eaton AE. Adverse effects of sodium colistimethate. Manifestations and specific reaction rates during 317 courses of therapy. Ann Intern Med. 1970;72(6):857-68.) Além da dose de colistina, a existência prévia de disfunção renal, o uso simultâneo de cefalotina, a duração do tratamento e a idade se associaram com LRA. Não houve ajuste para a gravidade da doença; entretanto, enquanto a LRA foi mais frequente em pacientes que utilizaram vasopressores, essa associação não foi estatisticamente significante.(1919. Koch-Weser J, Sidel VW, Federman EB, Kanarek P, Finer DC, Eaton AE. Adverse effects of sodium colistimethate. Manifestations and specific reaction rates during 317 courses of therapy. Ann Intern Med. 1970;72(6):857-68.)

Levin et al. relataram que 32% dos pacientes mostraram níveis de creatinina >1,5mg/dL com uma dose média de colistina de 152,8mg.(1515. Levin AS, Barone AA, Penço J, Santos MV, Marinho IS, Arruda EA, et al. Intravenous colistin as therapy for nosocomial infections caused by multidrug-resistant Pseudomonas aeruginosa and Acinetobacter baumannii. Clin Infect Dis. 1999;28(5):1008-11.) Recentemente, outro estudo, com cerca de 65% dos pacientes oriundos de UTI, relatou que 14% dos pacientes desenvolveram LRA. A dose terapêutica foi de 5mg/kg para pacientes com função renal normal, tendo sido ajustada à medida do declínio do ClCr. Escore APACHE II, idade, duração da permanência e comorbidades não mostraram associação com LRA.(3030. Cheng CY, Sheng WH, Wang JT, Chen YC, Chang SC. Safety and efficacy of intravenous colistin (colistin methanesulphonate) for severe multidrug-resistant Gram-negative bacterial infections. Int J Antimicrob Agents. 2010;35(3):297-300.)

Em nossos pacientes, observamos que ocorreu um aumento nos níveis de creatinina mesmo antes do uso de colistina, e a ocorrência de LRA se associou com escores SOFA mais altos no início do tratamento. Assim, não pudemos atribuir a ocorrência de LRA exclusivamente ao uso de colistina, mas como parte do diagnóstico de falência de múltiplos órgãos em razão da gravidade da doença, assim como a outros fatores, como agentes potencialmente nefrotóxicos administrados concomitantemente. Entretanto, também observamos um grupo de pacientes que recuperou sua função renal durante o uso de colistina, provavelmente devido ao controle da infecção, à recuperação do choque e à melhora clínica. Dados de publicações recentes sugerem que a colistina seja uma intervenção terapêutica segura para tratar infecções causadas por bactérias Gram-negativas resistentes a múltiplos fármacos.(2121. Falagas ME, Rizos M, Bliziotis IA, Rellos K, Kasiakou SK, Michalopoulos A. Toxicity after prolonged (more than four weeks) administration of intravenous colistin. BMC Infect Dis. 2005;5:1.

22. Michalopoulos AS, Tsiodras S, Rellos K, Mentzelopoulos S, Falagas ME. Colistin treatment in patients with ICU-acquired infections caused by multiresistant Gram-negative bacteria: the renaissance of an old antibiotic. Clin Microbiol Infect. 2005;11(2):115-21.
-2323. Markou N, Apostolakos H, Koumoudiou C, Athanasiou M, Koutsoukou A, Alamanos I, et al. Intravenous colistin in the treatment of sepsis from multiresistant Gram-negative bacilli in critically ill patients. Crit Care. 2003;7(5):R78-83.)

A taxa de mortalidade observada em nosso estudo foi elevada, e os dados referentes à duração da permanência na UTI indicam evoluções precoces para óbito. Nenhum dos escores avaliados pelas curvas ROC teve bom desempenho, com áreas sob a curva <0,8. Idade e necessidade de vasopressores foram fatores de risco associados a óbito. Considerando as atuais recomendações de doses mais elevadas para tratar infecções graves, especulamos que nossos resultados de elevadas taxas de mortalidade poderiam ser devido às doses diárias mais baixas administradas aos nossos pacientes.

Em um dos primeiros relatos a respeito da reintrodução de colistina na prática clínica, Levin et al. relataram o uso de doses de 2,5 a 5mg/kg para o tratamento de infecções causadas por A. baumannii e P. aeruginosa em 59 pacientes, e descreveram uma mortalidade de 42%.(1515. Levin AS, Barone AA, Penço J, Santos MV, Marinho IS, Arruda EA, et al. Intravenous colistin as therapy for nosocomial infections caused by multidrug-resistant Pseudomonas aeruginosa and Acinetobacter baumannii. Clin Infect Dis. 1999;28(5):1008-11.) A mortalidade, nesses pacientes, pode estar relacionada a diversos fatores de risco,(1717. Paul M, Bishara J, Levcovich A, Chowers M, Goldberg E, Singer P, et al. Effectiveness and safety of colistin: prospective comparative cohort study. J Antimicrob Chemother. 2010;65(5):1019-27.) inclusive baixas doses de polimixina B.(1616. Elias LS, Konzen D, Krebs JM, Zavascki AP. The impact of polymyxin B dosage on in-hospital mortality of patients treated with this antibiotic. J Antimicrob Chemother. 2010;65(10):2231-7.)

Algumas limitações devem ser consideradas em nosso estudo. O delineamento retrospectivo do estudo, apesar de analisar dados de uma base de dados coletados de forma prospectiva, apresenta pontos fracos inerentes. A amostra de 109 pacientes pode ter resultado em um poder estatístico insuficiente para identificar outros fatores associados com os desfechos avaliados. Nosso estudo não apresenta dados sobre testes de sensibilidade à colistina, e este fator pode ter contribuído para tratamentos ineficazes e subsequentemente às taxas elevadas de mortalidade observadas. A dose recomendada para tratamento dessas infecções, por ocasião da coleta dos dados, pode ser considerada baixa. Nosso estudo também não dispõe de dados a respeito de outras intervenções potencialmente nefrotóxicas, de forma que não podemos atribuir a ocorrência de LRA exclusivamente ao uso de colistina. Um estudo populacional recente a respeito da farmacocinética da colistina sugere o uso de doses superiores às empregadas em nossos pacientes.(3131. Garonzik SM, Li J, Thamlikitkul V, Paterson DL, Shoham S, Jacob J, et al. Population pharmacokinetics of colistin methanesulfonate and formed colistin in critically ill patients from a multicenter study provide dosing suggestions for various categories of patients. Antimicrob Agents Chemother. 2011;55(7):3284-94.) As definições KDIGO para LRA não incluíram dados a respeito do volume urinário, já que nossa base de dados não incluía essa informação. Assim, o diagnóstico de LRA pode ter sido subestimado na presente amostra. Apesar disso, algumas relevantes informações clínicas emergem deste estudo. Neste grupo de pacientes gravemente enfermos, LRA não foi associada com aumento da mortalidade. Apesar de LRA ter sido descrita como um importante efeito adverso da colistina, foi possível observar melhora da função renal em pacientes com boa resposta clínica ao tratamento com colistina.

CONCLUSÃO

Concluímos que nosso estudo descreve a experiência em um único centro com o uso de colistina para tratamento de infecções hospitalares. Identificamos uma elevada frequência de pacientes com infecções causadas por bactérias Gram-negativas resistentes a múltiplos fármacos, e estes pacientes tiveram elevadas taxas de mortalidade; entretanto, encorajamos o uso de colistina para estes pacientes, já que é uma das últimas opções terapêuticas restantes para tratar estas infecções. Lesão renal aguda associou-se a escores SOFA mais altos no início do uso de colistina. Em um pequeno grupo de pacientes, pudemos observar uma melhora da função renal durante o tratamento com colistina. Idade e vasopressores associaram-se com taxas de mortalidade mais elevadas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Yow EM, Tan E, Shane L, Schonfeld S, Abu-Nassar H. Colistin (coly-mycin) in resistant bacterial infections. A clinical appraisal. Arch Intern Med. 1961;108:664-70.
  • 2
    Carneiro M, Barbosa PI, Vespero EC, Tanita MT, Carrilho CM, Perugini M, et al. Carbapenem-resistant OXA-23-producing Acinetobacter baumannii isolates causing ventilator-associated pneumonia. Am J Infect Control. 2010;38(8):667-9.
  • 3
    Dalla-Costa LM, Coelho JM, Souza HA, Castro ME, Stier CJ, Bragagnolo KL, et al. Outbreak of carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii producing the OXA-23 enzyme in Curitiba, Brazil. J Clin Microbiol. 2003;41(7):3403-6.
  • 4
    Tognim MC, Gales AC, Penteado AP, Silbert S, Sader HS. Dissemination of IMP-1 metallo- beta -lactamase-producing Acinetobacter species in a Brazilian teaching hospital. Infect Control Hosp Epidemiol. 2006;27(7):742-7.
  • 5
    Wybo I, Blommaert L, De Beer T, Soetens O, De Regt J, Lacor P, et al. Outbreak of multidrug-resistant Acinetobacter baumannii in a Belgian university hospital after transfer of patients from Greece. J Hosp Infect. 2007;67(4):374-80.
  • 6
    dos Santos Saalfeld SM, Fukita Viana G, Dias Siqueira VL, Cardoso CL, Botelho Garcia L, Bronharo Tognim MC. Endemic carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii in a Brazilian intensive care unit. J Hosp Infect. 2009;72(4):365-8.
  • 7
    Suarez C, Peña C, Arch O, Dominguez MA, Tubau F, Juan C, et al. A large sustained endemic outbreak of multiresistant Pseudomonas aeruginosa: a new epidemiological scenario for nosocomial acquisition. BMC Infect Dis. 2011;11:272.
  • 8
    Weisenberg SA, Schuetz AN, Alexander EA, Eiss B, Behta M, Saiman L, et al. Endemic Acinetobacter baumannii in a New York hospital. PLoS One. 2011;6(12):e28566.
  • 9
    Dizbay M, Tunccan OG, Sezer BE, Hizel K. Nosocomial imipenem-resistant Acinetobacter baumannii infections: epidemiology and risk factors. Scand J Infect Dis. 2010;42(10):741-6.
  • 10
    Zavascki AP, Barth AL, Gaspareto PB, Gonçalves AL, Moro AL, Fernandes JF, et al. Risk factors for nosocomial infections due to Pseudomonas aeruginosa producing metallo-beta-lactamase in two tertiary-care teaching hospitals. J Antimicrob Chemother. 2006;58(4):882-5.
  • 11
    Zavascki AP, Barth AL, Gonçalves AL, Moro AL, Fernandes JF, Martins AF, et al. The influence of metallo-beta-lactamase production on mortality in nosocomial Pseudomonas aeruginosa infections. J Antimicrob Chemother. 2006;58(2):387-92.
  • 12
    Gales AC, Jones RN, Sader HS. Global assessment of the antimicrobial activity of polymyxin B against 54 731 clinical isolates of Gram-negative bacilli: report from the SENTRY antimicrobial surveillance programme (2001-2004). Clin Microbiol Infect. 2006;12(4):315-21.
  • 13
    Gales AC, Jones RN, Sader HS. Contemporary activity of colistin and polymyxin B against a worldwide collection of Gram-negative pathogens: results from the SENTRY Antimicrobial Surveillance Program (2006-09). J Antimicrob Chemother. 2011;66(9):2070-4.
  • 14
    Schimith Bier KE, Luiz SO, Scheffer MC, Gales AC, Paganini MC, Nascimento AJ, et al. Temporal evolution of carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii in Curitiba, southern Brazil. Am J Infect Control. 2010;38(4):308-14.
  • 15
    Levin AS, Barone AA, Penço J, Santos MV, Marinho IS, Arruda EA, et al. Intravenous colistin as therapy for nosocomial infections caused by multidrug-resistant Pseudomonas aeruginosa and Acinetobacter baumannii. Clin Infect Dis. 1999;28(5):1008-11.
  • 16
    Elias LS, Konzen D, Krebs JM, Zavascki AP. The impact of polymyxin B dosage on in-hospital mortality of patients treated with this antibiotic. J Antimicrob Chemother. 2010;65(10):2231-7.
  • 17
    Paul M, Bishara J, Levcovich A, Chowers M, Goldberg E, Singer P, et al. Effectiveness and safety of colistin: prospective comparative cohort study. J Antimicrob Chemother. 2010;65(5):1019-27.
  • 18
    Pulaski EJ, Baker HJ, Rosenberg ML, Connell JF. Laboratory and clinical studies of polymyxin B and E. J Clin Invest. 1949; 28(5 Pt 1):1028-31.
  • 19
    Koch-Weser J, Sidel VW, Federman EB, Kanarek P, Finer DC, Eaton AE. Adverse effects of sodium colistimethate. Manifestations and specific reaction rates during 317 courses of therapy. Ann Intern Med. 1970;72(6):857-68.
  • 20
    Reina R, Estenssoro E, Sáenz G, Canales HS, Gonzalvo R, Vidal G, et al. Safety and efficacy of colistin in Acinetobacter and Pseudomonas infections: a prospective cohort study. Intensive Care Med. 2005;31(8):1058-65.
  • 21
    Falagas ME, Rizos M, Bliziotis IA, Rellos K, Kasiakou SK, Michalopoulos A. Toxicity after prolonged (more than four weeks) administration of intravenous colistin. BMC Infect Dis. 2005;5:1.
  • 22
    Michalopoulos AS, Tsiodras S, Rellos K, Mentzelopoulos S, Falagas ME. Colistin treatment in patients with ICU-acquired infections caused by multiresistant Gram-negative bacteria: the renaissance of an old antibiotic. Clin Microbiol Infect. 2005;11(2):115-21.
  • 23
    Markou N, Apostolakos H, Koumoudiou C, Athanasiou M, Koutsoukou A, Alamanos I, et al. Intravenous colistin in the treatment of sepsis from multiresistant Gram-negative bacilli in critically ill patients. Crit Care. 2003;7(5):R78-83.
  • 24
    Knaus WA, Draper EA, Wagner DP, Zimmerman JE. APACHE II: a severity of disease classification system. Crit Care Med. 1985;13(10):818-29.
  • 25
    Vincent JL, Moreno R, Takala J, Willatts S, De Mendonça A, Bruining H, et al. The SOFA (Sepsis-related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure. On behalf of the Working Group on Sepsis-Related Problems of the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 1996;22(7):707-10.
  • 26
    Garner JS, Jarvis WR, Emori TG, Horan TC, Hughes JM. CDC definitions for nosocomial infections, 1988. Am J Infect Control. 1988;16(3):128-40. Erratum in: Am J Infect Control 1988;16(4):177.
  • 27
    American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference: definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. Crit Care Med. 1992;20(6):864-74. Review.
  • 28
    Botev R, Mallié JP, Couchoud C, Schück O, Fauvel JP, Wetzels JF, et al. Estimating glomerular filtration rate?: Cockcroft-Gault and Modification of Diet in Renal Disease formulas compared to renal inulin clearance. Clin J Am Soc Nephrol. 2009;4(5):899-906.
  • 29
    Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int. 2012;2(Suppl 1):1-138.
  • 30
    Cheng CY, Sheng WH, Wang JT, Chen YC, Chang SC. Safety and efficacy of intravenous colistin (colistin methanesulphonate) for severe multidrug-resistant Gram-negative bacterial infections. Int J Antimicrob Agents. 2010;35(3):297-300.
  • 31
    Garonzik SM, Li J, Thamlikitkul V, Paterson DL, Shoham S, Jacob J, et al. Population pharmacokinetics of colistin methanesulfonate and formed colistin in critically ill patients from a multicenter study provide dosing suggestions for various categories of patients. Antimicrob Agents Chemother. 2011;55(7):3284-94.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2013
  • Aceito
    13 Dez 2013
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br