Acessibilidade / Reportar erro

Fatores preditivos para falha de extubação e reintubação de recém-nascidos submetidos à ventilação pulmonar mecânica

Resumos

Objetivo:

Identificar os fatores de risco para falha de extubação e reintubação em recém-nascidos submetidos à ventilação pulmonar mecânica, e determinar se parâmetros ventilatórios e dados gasométricos são fatores preditores desses eventos.

Métodos:

Estudo prospectivo, realizado no período entre maio a novembro de 2011, em uma unidade de terapia intensiva neonatal. Foram avaliados 176 recém-nascidos de ambos os gêneros, submetidos à ventilação pulmonar mecânica posterior à extubação. Considerou-se falha na extubação se o retorno à ventilação pulmonar mecânica ocorresse antes de 72 horas. A reintubação ocorreu quando, em algum momento após as 72 horas, os recém-nascidos necessitassem de ser reintubados.

Resultados:

Na análise univariada, idade gestacional <28 semanas, peso <1.000g e valores baixos de Apgar estiveram associados a falha de extubação e a reintubação. Já na análise multivariada, as variáveis que se mantiveram associadas à falha na extubação foram dias de ventilação mecânica, potencial hidrogeniônico e pressão parcial de oxigênio, e, para a reintubação, foram Apagar no 5º minuto e idade na extubação.

Conclusão:

Menores Apgar no 5º minuto, idade na extubação e tempo de ventilação mecânica, além da presença de distúrbios ácido-base e hiperóxia foram variáveis que apresentaram relação com os eventos analisados.

Recém-nascido; Prematuro; Respiração artificial; Intubação intratraqueal/efeitos adversos; Desmame do respirador/efeitos adversos; Falha de tratamento


Objective:

To identify risk factors for extubation failure and reintubation in newborn infants subjected to mechanical ventilation and to establish whether ventilation parameters and blood gas analysis behave as predictors of those outcomes.

Methods:

Prospective study conducted at a neonatal intensive care unit from May to November 2011. A total of 176 infants of both genders subjected to mechanical ventilation were assessed after extubation. Extubation failure was defined as the need to resume mechanical ventilation within less than 72 hours. Reintubation was defined as the need to reintubate the infants any time after the first 72 hours.

Results:

Based on the univariate analysis, the variables gestational age <28 weeks, birth weight <1,000g and low Apgar scores were associated with extubation failure and reintubation. Based on the multivariate analysis, the variables length of mechanical ventilation (days), potential of hydrogen (pH) and partial pressure of oxygen (pO2) remained associated with extubation failure, and the five-minute Apgar score and age at extubation were associated with reintubation.

Conclusion:

Low five-minute Apgar scores, age at extubation, length of mechanical ventilation, acid-base disorders and hyperoxia exhibited associations with the investigated outcomes of extubation failure and reintubation.

Infant, newborn; Infant; premature; Respiration, artificial; Intubation, intratracheal/adverse effects; Ventilator weaning/adverse effects; Treatment failure


INTRODUÇÃO

A ventilação pulmonar mecânica (VPM) é um método de suporte de vida e tem contribuído para a sobrevida de recém-nascidos (RN), prematuro ou a termo, sendo um dos recursos terapêuticos mais empregados dentro das unidades de terapia intensiva (UTIs) neonatal.(11. Fávero RA, Schuster RC, Wojahn VW, Tartari JL. Incidência e principais fatores associados à falha na extubação em recém-nascidos prematuros. Pediatria (São Paulo). 2011;33(1):13-20.,22. Davidson J, Miyoshi MH, Santos AM, Carvalho WB. Medida da frequência respiratória e do volume corrente para prever a falha na extubação de recém-nascidos de muito baixo peso em ventilação mecânica. Rev Paul Pediatr. 2008;26(1):36-42.)

Apesar de vital na redução da taxa de mortalidade, relaciona-se com morbidades, riscos e complicações. Dentre elas, a displasia broncopulmonar e a hemorragia periventricular podem ser destacadas.(33. Cruces P, Donoso A, Montero M, López A, Fernández B, Díaz F, et al. Predicción de fracaso de extubación en pacientes pediátricos: experiencia de dos años en una UCI polivalente. Rev Chil Med Intensiv. 2008;23(1):12-7.,44. Victor S; Extubate Trial Group. EXTUBATE: a randomised controlled trial of nasal biphasic positive airway pressure vs. nasal continuous positive airway pressure following extubation in infants less than 30 weeks' gestation: study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2011;12:257.)

Na tentativa de minimizar os riscos e as complicações, recomenda-se que a VPM seja interrompida o mais precocemente possível, tão logo o RN consiga manter a respiração espontânea e garantir as trocas gasosas adequadas, com um mínimo de trabalho respiratório.(22. Davidson J, Miyoshi MH, Santos AM, Carvalho WB. Medida da frequência respiratória e do volume corrente para prever a falha na extubação de recém-nascidos de muito baixo peso em ventilação mecânica. Rev Paul Pediatr. 2008;26(1):36-42.)

O tempo ideal para a retirada da VPM é frequentemente baseado em parâmetros clínicos e laboratoriais, disponíveis no momento da decisão pela extubação. Entretanto, esses parâmetros são pouco objetivos, o que torna a retirada da VPM nas UTIs neonatais, uma ação de tentativa e erro.(22. Davidson J, Miyoshi MH, Santos AM, Carvalho WB. Medida da frequência respiratória e do volume corrente para prever a falha na extubação de recém-nascidos de muito baixo peso em ventilação mecânica. Rev Paul Pediatr. 2008;26(1):36-42.,55. Newth CJ, Venkataraman S, Willson DF, Meert KL, Harrison R, Dean JM, Pollack M, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo JA, Nicholson CE; Eunice Shriver Kennedy National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Weaning and extubation readiness in pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2009;10(1):1-11.)

Avaliando os prejuízos causados pelo tempo inadequado que um RN permanece em uso da VPM, fica evidente a necessidade de critérios objetivos para realizar a extubação, evitando, dessa maneira, desfechos não desejados, como a falha na extubação(33. Cruces P, Donoso A, Montero M, López A, Fernández B, Díaz F, et al. Predicción de fracaso de extubación en pacientes pediátricos: experiencia de dos años en una UCI polivalente. Rev Chil Med Intensiv. 2008;23(1):12-7.,55. Newth CJ, Venkataraman S, Willson DF, Meert KL, Harrison R, Dean JM, Pollack M, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo JA, Nicholson CE; Eunice Shriver Kennedy National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Weaning and extubation readiness in pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2009;10(1):1-11.,66. Andrade LB, Melo TM, Morais DF, Lima MR, Albuquerque EC, Martimiano PH. Avaliação do teste de respiração espontânea na extubação de neonatos pré-termo. Rev Bras Ter Intensiva. 2010;22(2):159-65.) e a reintubação, que estão diretamente associadas à morbimortalidade.(77. Johnston C, Piva JP, Carvalho WB, Garcia PC, Fonseca MC, Hommerding PX. Preditores de falha da extubação em crianças no pós-operatório de cirurgia cardíaca submetidas à ventilação pulmonar mecânica. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(1):57-62.,88. Kurachek SC, Newth CJ, Quasney MW, Rice T, Sachdeva RC, Patel NR, et al. Extubation failure in pediatric intensive care: a multiple-center study of risk factors and outcomes. Crit Care Med. 2003;31(11):2657-64. Erratum in Crit Care Med. 2004;32(7):1632-3. Scanlon Mathew [corrected to Scanlon Matthew].)

Diante disso, este estudo teve por objetivo identificar os fatores de risco para falha de extubação e reintubação de RN, e determinar se parâmetros ventilatórios e dados gasométricos são fatores preditores para falha na extubação e reintubação.

MÉTODOS

Trata-se de estudo prospectivo, com levantamento de dados dos RN internados na UTI neonatal do Hospital Sofia Feldman (HSF) no período de 1º de maio de 2011 a 1º de novembro de 2011, durante o qual foram submetidos à VPM e a processo de extubação. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HSF sob o parecer CAAE 0014.0.439.308.11, sendo isenta a necessidade de assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo responsável. Foram incluídos no estudo RN de ambos os gêneros, nascidos no HSF, que foram submetidos à VPM e ao procedimento de extubação até o término da coleta de dados, sendo excluídos os RN egressos de outras instituições ou aqueles com malformações cardíacas e pulmonares.

Os RN foram submetidos à VPM pelos respiradores Inter 3 e Inter 5 da marca Intermed; a definição da idade gestacional (IG) se deu por ultrassonografia ou pela data da última menstruação (DUM); e o peso de nascimento (PN) foi mensurado pela balança Filizola BP Baby.

Foram avaliadas falhas na extubação e características clínicas e de tratamento dos pacientes incluídos. O sucesso da extubação ocorreu quando o RN passou 72 horas sem necessidade de retorno ao suporte invasivo, e a falha na extubação quando, por alguma razão antes das 72 horas, o RN foi reintubado. Reintubação ocorreu quando, em algum momento, os RN, após 72 horas sem a VPM, necessitaram ser reintubados. Extubação acidental com reintubação imediata e utilização de suporte não invasivo não foram consideradas falha de extubação. A decisão do momento para extubação foi tomada pela equipe médica após constatar a estabilidade clínica e hemodinâmica dos RN, presença de drive respiratório regular e estado comportamental de pelo menos reatividade.

Os dados foram coletados em impresso próprio, por dois profissionais da área da saúde. As variáveis analisadas foram: data de nascimento, IG, idade cronológica, peso de nascimento (PN), Apgar no 1º e no 5º minuto, gênero, utilização de corticoide antenatal, corticoide pós-natal, surfactante exógeno, xantinas pós-natal, data da extubação, dias de VPM, marca do tubo orotraqueal (TOT), última gasometria arterial pré-extubação, parâmetros ventilatórios no momento da extubação, falhas na extubação e reintubações. A gasometria foi coletada após 1 hora de aspiração endotraqueal, e a coleta ocorreu por meio de punção arterial utilizando-se seringa heparinizada. A amostra foi encaminhada imediatamente para análise no aparelho Radiometer Copenhagen - modelo Abl5.

Os dados coletados foram tabulados e submetidos a análises com o auxílio do software Statistical Package for the Social Science (SPSS). Para que se pudesse obter confiabilidade de 95% com margem de erro de 7,5 pontos percentuais para mais ou para menos, foram necessários, no mínimo, 161 RN submetidos à VPM.

Utilizaram-se técnicas de análise descritiva para a identificação das principais características dos pacientes em relação ao tratamento. Para as variáveis que caracterizavam o paciente e o tratamento, foram avaliadas a associação entre as mesmas e a falha na extubação e a reintubação, por meio do modelo de regressão logística bivariado. A análise de regressão logística múltipla foi utilizada para avaliar as relações múltiplas existentes entre o sucesso e o insucesso na extubação e a necessidade de reintubação ou não, além das características dos pacientes. As variáveis selecionadas para essa análise foram aquelas que apresentaram relação mínima com o desfecho pesquisado, cujo nível de significância no modelo de regressão logística foi de 0,25.

Além do modelo de regressão logística, foi realizada análise de regressão estratificada pelo fator de confusão, avaliando sua relação direta com a exposição à VPM e o desfecho (falha extubação/reintubação), além da relação causal entre a exposição e o desfecho.

Ao final, a partir do modelo de regressão de logística encontrado, avaliou-se a força da associação entre as características do paciente que impactaram, de forma significativa, no desfecho por meio da razão de chances (OR) e seus respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%). A partir dessas informações, foram feitas a análise e a interpretação do modelo final, considerando-se como significativas as diferenças e as associações cuja probabilidade de significância do teste, valor de p, fosse ≤0,05.

RESULTADOS

Durante o período estudado, 433 RN foram internados na UTI neonatal do HSF. Destes, 224 foram submetidos à VPM, sendo 176 RN elegíveis para o estudo. Foram excluídos 34 RN que evoluíram a óbito, 5 por transferência e 9 por não serem extubados até o término da coleta.

Em relação aos fatores de risco para falha na extubação, observou-se, na análise univariada, que crianças com menores valores de Apgar no 1º minuto apresentaram maiores chances de falha (p=0,049). Esses resultados também foram observados para o caso de valores menores de Apgar no 5º minuto, com p=0,006. Observou-se que os RN com menor idade cronológica e menor tempo de VPM no momento da extubação tiveram maior propensão à falha na extubação.

A concentração de bicarbonato associou-se de forma significativa com aumento na falha de extubação (p=0,054). A mesma tendência foi observada para o base excess (BE) e para o potencial hidrogeniônico (pH), sendo que menores valores também apresentaram maiores chances de falha (p=0,020 e p=0,019, respectivamente). No que diz respeito aos parâmetros ventilatórios, quanto maior a pressão média das vias aéreas (MAP), maiores foram as chances de falha na extubação (p=0,063). Esses dados estão disponíveis na tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas e de tratamento da população como fatores preditivos para falha na extubação, controlados por idade gestacional e peso ao nascimento

Por meio da análise multivariada, identificaram-se, como variáveis independentes para aumento do risco de ocorrência da falha de extubação: pH (p=0,016), PO2 (p=0,024) e tempo de utilização de VPM (p=0,021) (Tabela 2). Observou-se que quanto maior o pH, menor o risco de falha, sendo este 99,9% menor a cada aumento de uma unidade no pH dos pacientes. O mesmo foi observado para o tempo de VPM: cada dia de utilização reduziu o risco em 16%. A elevação de cada unidade de PO2 aumenta em 1,2% o risco de falha.

Tabela 2
Fatores de risco associados à falha na extubação, controlados por idade gestacional e peso de nascimento

Em relação aos fatores de risco para reintubação, tanto a IG (p<0,001) como o PN (p=0,003) associaram-se de forma significativa com reintubação dos RN na análise univariada. A tabela 3 mostra a análise dos resultados obtidos no impacto das características clínicas e do tratamento dos RN na reintubação. Os RN que apresentaram os menores valores obtidos para a fixação do TOT tenderam a apresentar maiores chances de reintubação (p=0,007), assim como o menor valor de Apgar no 1º e no 5º minuto (±7,5) necessitaram de reintubação, mas, após análise multivariada, o Apgar no 1º minuto não se manteve no modelo. Observou-se que o uso de menor TI e menor fluxo bem como menores valores de PO2 foram mais frequentes entre os indivíduos com necessidade de reintubação (p=0,019). Comparando as concentrações de bicarbonato, observaram-se maiores concentrações naqueles pacientes com reintubação (p=0,024).

Tabela 3
Características demográficas e de tratamento da população como fatores preditivos de reintubação, controlados por idade gestacional e peso ao nascimento

Por meio da análise multivariada, o risco para a ocorrência de reintubação se associou, de forma independente e significativa, ao Apgar no 5º minuto (p≤0,001) e idade na data da extubação (p≤0,001) (Tabela 4). O maior valor de Apgar no 5º minuto associou-se com aumento de 37% no risco de reintubação a cada aumento de uma unidade, ocorrendo o oposto para a idade na extubação, na qual o incremento de uma unidade na idade para extubação aumentou a chance em 13%.

Tabela 4
Fatores de risco associados à reintubação, controlados por idade gestacional e peso de nascimento

DISCUSSÃO

Analisaram-se aqui fatores de riscos que se caracterizam preditores de falha na extubação e reintubação, visto que a decisão do melhor momento de extubar o RN é bastante difícil e controversa, pois requer um julgamento clínico para balancear os benefícios da extubação com os efeitos nocivos da reintubação.(22. Davidson J, Miyoshi MH, Santos AM, Carvalho WB. Medida da frequência respiratória e do volume corrente para prever a falha na extubação de recém-nascidos de muito baixo peso em ventilação mecânica. Rev Paul Pediatr. 2008;26(1):36-42.,66. Andrade LB, Melo TM, Morais DF, Lima MR, Albuquerque EC, Martimiano PH. Avaliação do teste de respiração espontânea na extubação de neonatos pré-termo. Rev Bras Ter Intensiva. 2010;22(2):159-65.)

Neste estudo, ficou evidenciado que quanto maior a idade cronológica, maior o risco de reintubação, pois há o risco de desenvolvimento de complicações, como displasia broncopulmonar,(44. Victor S; Extubate Trial Group. EXTUBATE: a randomised controlled trial of nasal biphasic positive airway pressure vs. nasal continuous positive airway pressure following extubation in infants less than 30 weeks' gestation: study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2011;12:257.) infecções nosocomiais, traumas em vias aéreas e prolongação do tempo de internação, dentre outros.(33. Cruces P, Donoso A, Montero M, López A, Fernández B, Díaz F, et al. Predicción de fracaso de extubación en pacientes pediátricos: experiencia de dos años en una UCI polivalente. Rev Chil Med Intensiv. 2008;23(1):12-7.,88. Kurachek SC, Newth CJ, Quasney MW, Rice T, Sachdeva RC, Patel NR, et al. Extubation failure in pediatric intensive care: a multiple-center study of risk factors and outcomes. Crit Care Med. 2003;31(11):2657-64. Erratum in Crit Care Med. 2004;32(7):1632-3. Scanlon Mathew [corrected to Scanlon Matthew].) O menor tempo de VPM e a idade cronológica aumentaram a chance de falha. Segundo Kurachek et al.,(88. Kurachek SC, Newth CJ, Quasney MW, Rice T, Sachdeva RC, Patel NR, et al. Extubation failure in pediatric intensive care: a multiple-center study of risk factors and outcomes. Crit Care Med. 2003;31(11):2657-64. Erratum in Crit Care Med. 2004;32(7):1632-3. Scanlon Mathew [corrected to Scanlon Matthew].) o menor tempo de ventilação e a falha estão relacionados à não resolução da causa que gerou a necessidade de intubação e, para Hermeto et al.,(99. Hermeto F, Martins BM, Ramos JR, Bhering CA, Sant'Anna GM. Incidence and main risk factors associated with extubation failure in newborns with birth weight < 1,250 grams. J Pediatr (Rio J). 2009;85(5):397-402.) a prematuridade é um dos fatores que ocasiona falha na extubação devido à imaturidade do sistema muscular e pulmonar. A hipótese apresentada por Danan et al.(1010. Danan C, Durrmeyer X, Brochard L, Decobert F, Benani M, Dassieu G. A randomized trial of delayed extubation for the reduction of reintubation in extremely preterm infants. Pediatr Pulmonol. 2008;43(2):117-24.) é a de que os RN prematuros extubados e que passam menos tempo em VPM não dispõem de tempo para maturação da função do sistema respiratório e da estabilização alveolar.

Os menores valores de Apgar apresentados no 1º e 5º minutos tiveram associação positiva com a falha de extubação e a necessidade de reintubação neste estudo, mantendo-se na análise multivariada apenas o Apgar no 5º minuto interferindo na reintubação, assim como no de Hermeto et al.,(1111. Hermeto F, Bottino MN, Vaillancourt K, Sant'Anna GM. Implementation of a respiratory therapist-driven protocol for neonatal ventilation: impact on the premature population. Pediatrics. 2009;123(5):e907-16.) no qual os RN que apresentaram sucesso na extubação obtiveram valores maiores que os que falharam.

Baixos valores de pH, BE e bicarbonato são indicadores de acidose metabólica, que culmina na alteração do metabolismo celular, e associaram-se à falha na extubação neste estudo. Essa acidose metabólica poderia justificar o fato da PaCO2 estar baixa ou dentro da normalidade, pois a resposta a acidose metabólica é a redução da PaCO2.(1212. Aschner JL, Poland RL. Sodium bicarbonate: basically useless trerapy. Pediatrics. 2008;122(4):831-5.) As elevadas taxas de bicarbonato se relacionam com o risco de reintubação; essa elevação pode decorrer do efeito da pós-hipercapnia, pois, pelo manejo da ventilação mecânica, é possível corrigir o PaCO2, mas a resposta renal ocorre de forma mais lenta, mantendo o bicarbonato inicialmente em índices mais elevados.(1313. Sociedade Portuguesa de Neonatologia. Acidose e alcalose: consenso nacional. [citado 2012 Dez 15]. Viseu, Portugal; 2008. Disponível em: http://www.lusoneonatologia.com/admin/ficheiros_projectos/201107201805-acidose_e_alcalose__2008.pdf
http://www.lusoneonatologia.com/admin/fi...
)

A hiperóxia, condição em que níveis de PO2 são >80mmHg, gera estresse oxidativo, processo inflamatório e displasia broncopulmonar, devido à baixa capacidade oxidativa dos prematuros,(1414. Teixeira AB, Xavier CC, Lamounier JA, Tavares EC. Hiperóxia e risco aumentado de displasia broncopulmonar em prematuros. Rev Paul Pediatr. 2007;25(1):47-52.) cujo sistema é dependente da maturação e do fator nutricional,(1010. Danan C, Durrmeyer X, Brochard L, Decobert F, Benani M, Dassieu G. A randomized trial of delayed extubation for the reduction of reintubation in extremely preterm infants. Pediatr Pulmonol. 2008;43(2):117-24.) o que explica o fato dessa variável ter se relacionado com a falha na extubação.

Embora não tenha sido significativa na nossa análise multivariada, a IG já foi descrita como fator que interfere na falha de extubação e reintubação, sendo inversamente proporcional à sua faixa, como evidenciado no estudo de Fávero et al.(11. Fávero RA, Schuster RC, Wojahn VW, Tartari JL. Incidência e principais fatores associados à falha na extubação em recém-nascidos prematuros. Pediatria (São Paulo). 2011;33(1):13-20.) Esse fato pode estar relacionado à imaturidade anatômica e fisiológica do sistema respiratório,(1515. Oliveira CH, Moran CA. Estudo descritivo: ventilação mecânica não invasiva em recém-nascidos pré-termo com síndrome do desconforto respiratório. ConScientiae Saúde. 2009;8(3):485-9.) o que ocasiona maior instabilidade da caixa torácica e das vias aéreas superiores, dificultando o sucesso na extubação.(1111. Hermeto F, Bottino MN, Vaillancourt K, Sant'Anna GM. Implementation of a respiratory therapist-driven protocol for neonatal ventilation: impact on the premature population. Pediatrics. 2009;123(5):e907-16.) Da mesma forma, embora não tenha sido aqui demonstrado na análise multivariada, o RN com PN <1.000g apresenta elevadas taxas de morbidade, que geram um aumento do gasto energético e da demanda nutricional, prejudicando a função respiratória já que está dependente do fator nutricional.(1616. Martin CR, Brown YF, Ehrenkranz RA, O'Shea TM, Allred EN, Belfort MB, McCormick MC, Leviton A; Extremely Low Gestational Age Newborns Study Investigators. Nutritional practices and growth velocity in the first month of life in extremely premature infants. Pediatrics. 2009;124(2):649-57.)

O uso de corticoide pós-natal e as xantinas não apresentaram relação significativa com a falha na extubação e a necessidade de reintubação. No entanto, estudos consideraram que o uso de corticoide pós-natal em RN melhora a função pulmonar, reduzindo a incidência de doença pulmonar crônica.(1717. Halliday HL, Ehrenkranz RA, Doyle LW. Early (< 8 days) postnatal corticosteroids for preventing chronic lung disease in preterm infants. Cochrane Database Syst Rev. 2010;(1):CD001146.) Outros estudos apontaram para o uso das xantinas, para prevenir a apneia da prematuridade e reduzir a falha na extubação, por elas estimularem o sistema nervoso central.(1818. Zhao J, Gonzalez M, Mu D. Apnea of prematurity: from cause to treatment. Eur J Pediatr. 2011;170(9):1097-105,1919. Aranda JV, Beharry K, Valencia GB, Natarajan G, Davis J. Caffeine impact on neonatal morbidities. J Matern Fetal Neonatal Med. 2010;23 Suppl 3:20-3. Review.)

O presente estudo apresentou limitações como ter sido realizado em centro único, ser observacional e, assim, não permitir nenhuma avaliação de causalidade (apenas de associações), o fato do investigador responsável pela coleta de dados não ser cego ao desfecho dos pacientes, e a não padronização de um período mínimo entre o intervalo da coleta da gasometria arterial e a extubação. Apesar da coleta do sangue para a análise da gasometria arterial ter sido realizada no período de estabilidade dos RN, eventos provocados pela dor, como choro, irritabilidade e instabilidade, podem ter interferido no resultado da amostra. Além disso, o fato de somente sobreviventes terem sido observados é uma limitação intrínseca do objeto de estudo, mas que, ainda assim, pode contribuir com viés.

CONCLUSÃO

Apgar no 5º minuto, tempo de ventilação mecânica, distúrbios ácido-base e hiperóxia foram variáveis que apresentaram relação com os eventos analisados. Assim, esses dados podem contribuir na decisão de qual o momento e quais as condições se mostram favoráveis ao sucesso na extubação e na não necessidade de reintubação de recém-nascidos.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Fávero RA, Schuster RC, Wojahn VW, Tartari JL. Incidência e principais fatores associados à falha na extubação em recém-nascidos prematuros. Pediatria (São Paulo). 2011;33(1):13-20.
  • 2
    Davidson J, Miyoshi MH, Santos AM, Carvalho WB. Medida da frequência respiratória e do volume corrente para prever a falha na extubação de recém-nascidos de muito baixo peso em ventilação mecânica. Rev Paul Pediatr. 2008;26(1):36-42.
  • 3
    Cruces P, Donoso A, Montero M, López A, Fernández B, Díaz F, et al. Predicción de fracaso de extubación en pacientes pediátricos: experiencia de dos años en una UCI polivalente. Rev Chil Med Intensiv. 2008;23(1):12-7.
  • 4
    Victor S; Extubate Trial Group. EXTUBATE: a randomised controlled trial of nasal biphasic positive airway pressure vs. nasal continuous positive airway pressure following extubation in infants less than 30 weeks' gestation: study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2011;12:257.
  • 5
    Newth CJ, Venkataraman S, Willson DF, Meert KL, Harrison R, Dean JM, Pollack M, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo JA, Nicholson CE; Eunice Shriver Kennedy National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Weaning and extubation readiness in pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2009;10(1):1-11.
  • 6
    Andrade LB, Melo TM, Morais DF, Lima MR, Albuquerque EC, Martimiano PH. Avaliação do teste de respiração espontânea na extubação de neonatos pré-termo. Rev Bras Ter Intensiva. 2010;22(2):159-65.
  • 7
    Johnston C, Piva JP, Carvalho WB, Garcia PC, Fonseca MC, Hommerding PX. Preditores de falha da extubação em crianças no pós-operatório de cirurgia cardíaca submetidas à ventilação pulmonar mecânica. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(1):57-62.
  • 8
    Kurachek SC, Newth CJ, Quasney MW, Rice T, Sachdeva RC, Patel NR, et al. Extubation failure in pediatric intensive care: a multiple-center study of risk factors and outcomes. Crit Care Med. 2003;31(11):2657-64. Erratum in Crit Care Med. 2004;32(7):1632-3. Scanlon Mathew [corrected to Scanlon Matthew].
  • 9
    Hermeto F, Martins BM, Ramos JR, Bhering CA, Sant'Anna GM. Incidence and main risk factors associated with extubation failure in newborns with birth weight < 1,250 grams. J Pediatr (Rio J). 2009;85(5):397-402.
  • 10
    Danan C, Durrmeyer X, Brochard L, Decobert F, Benani M, Dassieu G. A randomized trial of delayed extubation for the reduction of reintubation in extremely preterm infants. Pediatr Pulmonol. 2008;43(2):117-24.
  • 11
    Hermeto F, Bottino MN, Vaillancourt K, Sant'Anna GM. Implementation of a respiratory therapist-driven protocol for neonatal ventilation: impact on the premature population. Pediatrics. 2009;123(5):e907-16.
  • 12
    Aschner JL, Poland RL. Sodium bicarbonate: basically useless trerapy. Pediatrics. 2008;122(4):831-5.
  • 13
    Sociedade Portuguesa de Neonatologia. Acidose e alcalose: consenso nacional. [citado 2012 Dez 15]. Viseu, Portugal; 2008. Disponível em: http://www.lusoneonatologia.com/admin/ficheiros_projectos/201107201805-acidose_e_alcalose__2008.pdf
    » http://www.lusoneonatologia.com/admin/ficheiros_projectos/201107201805-acidose_e_alcalose__2008.pdf
  • 14
    Teixeira AB, Xavier CC, Lamounier JA, Tavares EC. Hiperóxia e risco aumentado de displasia broncopulmonar em prematuros. Rev Paul Pediatr. 2007;25(1):47-52.
  • 15
    Oliveira CH, Moran CA. Estudo descritivo: ventilação mecânica não invasiva em recém-nascidos pré-termo com síndrome do desconforto respiratório. ConScientiae Saúde. 2009;8(3):485-9.
  • 16
    Martin CR, Brown YF, Ehrenkranz RA, O'Shea TM, Allred EN, Belfort MB, McCormick MC, Leviton A; Extremely Low Gestational Age Newborns Study Investigators. Nutritional practices and growth velocity in the first month of life in extremely premature infants. Pediatrics. 2009;124(2):649-57.
  • 17
    Halliday HL, Ehrenkranz RA, Doyle LW. Early (< 8 days) postnatal corticosteroids for preventing chronic lung disease in preterm infants. Cochrane Database Syst Rev. 2010;(1):CD001146.
  • 18
    Zhao J, Gonzalez M, Mu D. Apnea of prematurity: from cause to treatment. Eur J Pediatr. 2011;170(9):1097-105
  • 19
    Aranda JV, Beharry K, Valencia GB, Natarajan G, Davis J. Caffeine impact on neonatal morbidities. J Matern Fetal Neonatal Med. 2010;23 Suppl 3:20-3. Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2013
  • Aceito
    14 Jan 2014
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br