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Disponibilidade de assistência fisioterapêutica em unidades de terapia intensiva neonatal na cidade de São Paulo

Resumos

Objetivo:

Descrever as características da assistência fisioterapêutica prestada a neonatos e delinear o perfil dos fisioterapeutas que trabalham em unidades de terapia intensiva na cidade de São Paulo.

Métodos:

Estudo transversal realizado em todos os hospitais da cidade de São Paulo que tinham registro de pelo menos um leito de terapia intensiva para neonatos, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde em 2010. Em cada unidade, foram incluídos três categorias de fisioterapeutas: um executivo, responsável pelo serviço de fisioterapia do hospital (chefe da fisioterapia); um fisioterapeuta responsável pela assistência fisioterapêutica na unidade neonatal (fisioterapeuta de referência); e um selecionado ao acaso e diretamente envolvido no cuidado ao recém-nascido (fisioterapeuta assistencial).

Resultados:

Dentre os 67 hospitais elegíveis para o estudo, 63 (94,0%) dispunham de um serviço de fisioterapia. Três (4,8%) desses hospitais recusaram-se a participar. Assim, foram entrevistados 60 chefes da fisioterapia, 53 fisioterapeutas de referência e 44 fisioterapeutas assistenciais. Durante os turnos diurnos, noturnos e de finais de semana/feriados, respectivamente, não havia fisioterapeutas disponíveis em 1,7%, 45,0% e 13,3% das unidades de terapia intensiva. A assistência fisioterapêutica estava disponível por 17,8±7,2 horas/dia, e cada fisioterapeuta cuidava de 9,4±2,6 neonatos durante um turno de 6 horas. A maioria dos profissionais havia concluído pelo menos um curso de especialização.

Conclusão:

A maioria as unidades de terapia intensiva neonatal da cidade de São Paulo tinha fisioterapeutas atuando durante o turno diurno. Entretanto, os demais turnos tinham equipes incompletas e menos de 18 horas de assistência fisioterapêutica disponível ao dia.

Recém-nascido; Prematuro; Unidades de terapia intensiva; Serviço hospitalar de fisioterapia; Modalidades de fisioterapia


Objective:

To describe the characteristics of physical therapy assistance to newborns and to provide a profile of physical therapists working in intensive care units in the city of São Paulo, Brazil.

Methods:

This cross-sectional study was conducted in every hospital in São Paulo city that had at least one intensive care unit bed for newborns registered at the National Registry of Health Establishments in 2010. In each unit, three types of physical therapists were included: an executive who was responsible for the physical therapy service in that hospital (chief-physical therapists), a physical therapist who was responsible for the physical therapy assistance in the neonatal unit (reference-physical therapists), and a randomly selected physical therapist who was directly involved in the neonatal care (care-physical therapists).

Results:

Among the 67 hospitals eligible for the study, 63 (94.0%) had a physical therapy service. Of those hospitals, three (4.8%) refused to participate. Thus, 60 chief-PTs, 52 reference-physical therapists, and 44 care-physical therapists were interviewed. During day shifts, night shifts, and weekends/holidays, there were no physical therapists in 1.7%, 45.0%, and 13.3% of the intensive care units, respectively. Physical therapy assistance was available for 17.8±7.2 hours/day, and each physical therapist cared for 9.4±2.6 newborns during six working hours. Most professionals had completed at least one specialization course.

Conclusion:

Most neonatal intensive care units in the city of São Paulo had physical therapists working on the day shift. However, other shifts had incomplete staff with less than 18 hours of available physical therapy assistance per day.

Infant newborn; Infant, premature; Intensive care units; Physical therapy department, hospital; Physical therapy modalities


INTRODUÇÃO

A fisioterapia é parte da assistência multiprofissional proporcionada nas unidades de terapia intensiva (UTIs).(11. Sweeney JK, Heriza CB, Blanchard Y, Dusing SC. Neonatal physical therapy. Part II: Practice frameworks and evidence-based practice guidelines. Pediatr Phys Ther. 2010;22(1):2-16. Erratum in Pediatr Phys Ther. 2010;22(4):377.) O contínuo desenvolvimento do tratamento fisioterapêutico nas UTIs neonatais levou a melhores técnicas e recursos para essa população,(22. Johnston C, Zanetti NM, Comaru T, Ribeiro SN, Andrade LB, Santos SL. I Recomendação brasileira de fisioterapia respiratória em unidade de terapia intensiva pediátrica e neonatal. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(2):119-29.) o que contribuiu para redução da morbidade neonatal,(33. Hudson RM, Box RC. Neonatal respiratory therapy in the new millennium: does clinical practice reflect scientific evidence? Aust J Physiother. 2003;49(4):269-72.) permanências mais curtas no hospital, e menores custos hospitalares.(44. Flenady VJ, Gray PH. Chest physiotherapy for preventing morbidity in babies being extubated from mechanical ventilation. Cochrane Database Syst Rev. 2002;(2):CD000283. Review.,55. Halliday HL. What interventions facilitate weaning from the ventilator? A review of the evidence from systematic reviews. Paediatr Respir Rev. 2004;5 Suppl A:S347-52.)

Além disso, existe uma crescente preocupação com a evolução clínica e a Qualidade de Vida dos pacientes que recebem alta das UTIs.(66. Hanekom S, Faure M, Coetzee A. Outcomes research in the ICU: an aid in defining the role of physiotherapy. Physiother Theory Pract. 2007;23(3):125-35.,77. Butt W. Outcome after pediatric intensive care unit discharge. J Pediatr (Rio J). 2012;88(1):1-3.) Nesse contexto, o fisioterapeuta (FT) tem cada vez mais contribuído para a prevenção e o tratamento de possíveis complicações respiratórias e motoras.(44. Flenady VJ, Gray PH. Chest physiotherapy for preventing morbidity in babies being extubated from mechanical ventilation. Cochrane Database Syst Rev. 2002;(2):CD000283. Review.)

Na prática clínica, a função específica do FT na UTI neonatal varia conforme o país. Além disso, a equipe de fisioterapia pode apresentar diferentes níveis de grau acadêmico e educação continuada.(88. Jette DU, Halbert J, Iverson C, Miceli E, Shah P. Use of standardized outcome measures in physical therapist practice: perceptions and applications. Phys Ther. 2009;89(2):125-35.,99. Scull S, Deitz J. Competencies for the physical therapist in the neonatal intensive care (NICU). Pediatr Phys Ther. 1989;1(1):11-4.)

Em alguns países, inclusive no Brasil, são frequentemente realizadas técnicas de fisioterapia torácica controversas, como vibração, compressão-vibração torácica, percussão, técnicas de aumento do fluxo expiratório, hiperinflação manual com vibração e drenagem postural em unidades pediátricas.(1010. Barcellos PG, de Carvalho WB. Chest compression vibrations and manual hyperinflation in pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2012;13(2):249; author reply 249-50.

11. Argent AC, Morrow B. Chest physiotherapy: how does it work (if it does)? Pediatr Crit Care Med. 2012;13(2):238-9.
-1212. Lobo DM, Cavalcante LA, Mont'Alverne DG. Applicability of bag squeezing and zeep maneuvers in mechanically ventilated patients. Rev Bras Ter Intensiva. 2010;22(2):186-91.)

Em nosso país, é exigido por lei que exista assistência fisioterapêutica nas UTIs neonatais; no entanto há poucos dados disponíveis a respeito do cumprimento dessa lei. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) determina que deve haver pelo menos um FT para cada dez leitos de UTI ou fração, nos turnos da manhã, tarde e noite. Essa assistência deve estar disponível por um total mínimo de 18 horas por dia.(1313. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisites mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União, de 25 de fevereiro de 2010. Nº 37, seção 1, p. 48. [citado 2012 Dez 20]. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/RDC7_ANVISA%20240210.pdf.
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)

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi determinar a disponibilidade e o nível de treinamento dos FTs que trabalham nas UTIs com pelo menos um leito para neonatos na cidade de São Paulo no ano de 2010.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal realizado com base em entrevistas realizadas entre fevereiro de 2010 e janeiro de 2011 com FTs que prestavam assistência aos neonatos admitidos em UTIs na cidade de São Paulo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (número do CEP 1636/09) e os profissionais envolvidos forneceram seu consentimento livre e esclarecido para participar do estudo.

Foram incluídos todos os hospitais da cidade de São Paulo que, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde,(1414. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DATASUS. Cadastro Nacional de Estabelecimentos da Saúde. [citado 2008 Out 8]. Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br
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) tinham pelo menos um leito de UTI para recém-nascidos em 2010. Para cada instituição, foram consideradas três categorias de FT: o executivo, responsável pelo departamento de fisioterapia do hospital (chefe da fisioterapia); FT responsável pela assistência na unidade neonatal (FT de referência); e um FT responsável pela assistência direta ao neonato (FT assistencial).

O FT assistencial foi selecionado ao acaso, a partir de uma lista dos FTs que trabalhavam em cada uma das unidades neonatais. Inicialmente, foram selecionados três FTs assistenciais ao acaso, porém apenas um foi entrevistado. Se, após cinco tentativas, o pesquisador não conseguisse entrevistar o primeiro FT selecionado, este era substituído pelo segundo profissional e assim, sucessivamente. Foram excluídos do presente estudo FTs que eram estudantes, estagiários ou professores. FTs que já participavam deste estudo como membro de qualquer das três categorias profissionais em outro hospital não foram novamente entrevistados.

As entrevistas foram realizadas pessoalmente pela primeira autora do trabalho com os chefes do departamento de fisioterapia com perguntas fechadas e objetivas. O questionário incluía questões relativas ao número de horas por dia em que havia fisioterapia disponível na unidade, à exclusividade dos profissionais na unidade neonatal, ao número de FTs assistenciais, ao regime profissional de trabalho e ao número de pacientes cuidados no turno de 6 horas.

Além disso, para todas as categorias profissionais, o questionário continha questões sobre a formação profissional, treinamento profissional, desempenho e tempo dedicado à educação continuada. As entrevistas com o FT de referência e o FT assistencial foram realizadas por telefone, segundo sua disponibilidade; essas entrevistas duraram, em média, de 6 a 10 minutos. Utilizou-se um gravador digital de voz da marca Sony, modelo número ICD-PX720 (Canadá), para registro das entrevistas. Os arquivos foram, então, transferidos para um computador para revisão.

Análise estatística

As variáveis numéricas foram expressas em médias e desvios padrão, e comparadas utilizando-se o teste t (para distribuição normal) ou de Mann-Whitney (para distribuição não normal). As variáveis categóricas foram expressas em número e percentagem e comparadas pelo teste qui-quadrado ou o exato de Fisher. As análises estatísticas foram realizadas, utilizando-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) para Windows v.17.0 (IBM SPSS Statistics, Somers, NY). Valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS

Dentre as 80 UTIs que cuidavam de neonatos na cidade de São Paulo, 67 (83,8%) tinham leitos ativos para neonatos em 2010. Dessas 67 unidades, 4 (5,9%) não tinham serviço de fisioterapia e foram excluídas da análise. Três hospitais recusaram-se a participar; foram, assim, considerados para entrevista profissionais de 60 (95,2%) hospitais (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma das unidades de terapia intensiva da cidade de São Paulo estudadas. UTI - unidade de terapia intensiva.

Dentre os 60 hospitais incluídos, 30 eram púbicos e 30 privados. No total, havia 672 leitos, com 363 leitos (54,3%) em hospitais privados e 309 (46,0%) em hospitais públicos. Além disso, 16 (26,7%) dos 60 hospitais eram associados a universidades, 11 (18,3%) tinham leitos neonatais e pediátricos, e apenas 1 (1,7%) tinha equipe específica para fisioterapia respiratória e motora.

Em média, as UTIs ofereciam fisioterapia por 17,8±7,2 horas/dia; contudo, os hospitais públicos tinham menos profissionais na equipe e menor número de horas diárias de assistência fisioterapêutica do que os hospitais privados. O número médio de pacientes assistidos por turno de seis horas era de 9,4±2,6 neonatos por FT, com maior número de pacientes nos hospitais privados do que nos hospitais públicos. Os hospitais privados dispunham de mais assistência fisioterapêutica nos turnos da noite e finais de semana do que os hospitais públicos (Tabela 1). O número de leitos de UTI neonatal, de FTs e de horas diárias de assistência nos cinco Distritos Sanitários são mostrados na figura 2.

Tabela 1
Diferenças entre unidades de terapia intensiva públicas e privadas
Figura 2
Assistência fisioterapêutica para neonatos nos cinco Distritos Sanitários da cidade de São Paulo. UTI-N - unidade de terapia intensiva neonatal.

Com relação ao perfil dos profissionais, dentre os 60 chefes do departamento de fisioterapia, 56 (93,3%) eram FTs, 2 (3,3%) eram médicos, 1 (1,7%) era fonoaudiólogo e 1 (1,7%) psicólogo. A seleção para admissão no serviço de fisioterapia foi realizada por meio de concurso público em 67% dos hospitais públicos, e por análise dos currículos e/ou exames em 83% dos hospitais privados. Os chefes do departamento de fisioterapia trabalhavam em seus respectivos hospitais há 11,0±6,8 anos e ocupavam seus cargos específicos há 7,6±6,0 anos. Além disso, 25 (41,7%) chefes também prestavam assistência direta aos recém-nascidos. Os profissionais haviam se graduado, em média, há 18,0±7,2 anos. Dois (3,3%) tinham apenas graduação, 46 (76,7%) tinham realizado especialização profissional há 12,0±6,7 anos, 3 (5,0%) tinham especialização em administração, 6 (10,0%) tinham mestrado e 2 (3,3%) tinham doutorado.

Não havia um FT de referência em seis (10%) dos hospitais; um profissional (1,7%) já havia sido entrevistado como chefe da fisioterapia em outra instituição, e um (1,7%) recusou-se a participar. Assim, 52 (98,1%) FT de referência foram entrevistados. Estes eram profissionais contratados em 79,2% dos hospitais públicos e em 39,3% dos hospitais privados (p=0,006). Com exceção de um FT de referência, todos os profissionais desse grupo coordenavam e atendiam os pacientes da UTI, e apenas 11 (21,2%) trabalhavam exclusivamente na unidade neonatal. Os FT de referência trabalhavam na UTI há 8,2±4,8 anos, e sua carga semanal de trabalho era de 33,7±9,5 horas. Entre os 52 FT de referência, 12 (23,1%) trabalhavam mais do que 30 horas por semana, não tendo sido identificadas diferenças significantes entre hospitais públicos e privados (25% versus 21%; p=0,761).

Apenas 48, das 60 UTIs (80,0%), tinham FTs assistenciais. Desses profissionais, 4 (8,3%) recusaram-se a participar, sendo entrevistados 44 (91,7%) FTs assistenciais. Os FTs assistenciais haviam sido admitidos por meio de concurso público em 90,9% dos casos em UTIs de hospitais públicos, e em 36,4% de hospitais privados (p=0,002). A carga semanal de trabalho era de 32,3±8,9 horas, sendo que nove (20,5%) profissionais trabalhavam mais do que 30 horas por semana. Dentre os 44 FTs assistenciais, 20 (45,5%) relataram que cuidavam de mais de 10 pacientes por turno de 6 horas. Em geral, esses profissionais cuidavam de 10,3±3,6 neonatos por turno de 6 horas.

Não foram encontradas diferenças em termos de formação acadêmica, treinamento profissional, desempenho e tempo de treinamento entre os hospitais privados e públicos, com relação a FT de referência e FTs assistenciais. A única diferença foi que um número mais elevado de FT de referência que trabalhava em hospitais privados tinha se graduado em universidades privadas (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos fisioterapeutas de referência e assistenciais, segundo a categoria do hospital, expressas em percentagem

DISCUSSÃO

Este estudo identificou que, na cidade de São Paulo, os FTs são parte da equipe assistencial em 94% das UTIs que atendem recém-nascidos. Este estudo mostrou também que a mesma equipe realiza fisioterapia respiratória e motora em todas as unidades (com exceção de uma).

Os departamentos de fisioterapia pareceram estar relativamente bem estruturados, com cuidado longitudinal proporcionado durante o período diurno. Em resumo, 80% dos FT de referência e 60% dos FTs assistenciais proporcionavam assistência individualizada e contínua a neonatos diariamente.

Entretanto, a distribuição de horas de assistência fisioterapêutica para neonatos por dia não foi similar entre os diferentes distritos sanitários. Apenas o Distrito Centro-Oeste tinha número adequado de horas de assistência fisioterapêutica segundo a recomendação da ANVISA,(1313. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisites mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União, de 25 de fevereiro de 2010. Nº 37, seção 1, p. 48. [citado 2012 Dez 20]. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/RDC7_ANVISA%20240210.pdf.
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) e os Distritos Leste e Sul tinham a pior disponibilidade de horas. Esses últimos distritos também tinham menor número de hospitais mas uma taxa de nascimentos, em 2010, maior do que os demais distritos.(1515. São Paulo. Prefeitura de São Paulo. Secretaria Municipal da Saúde. Nascidos vivos (NV) no município de São Paulo. [citado 2013 Nov 3]. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/tabnet/nascidos_vivos/ind ex.php?p=159923
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
)

Além disso, quanto ao turno da noite, 70% das UTIs em hospitais públicos e 20% das unidades em hospitais privados não tinham FTs de plantão. Esse achado sugere que a equipe de enfermagem realiza procedimentos de fisioterapia respiratória, assim como a mobilização e o posicionamento de pacientes. Esta situação pode comprometer a qualidade da assistência neonatal e sobrecarregar a equipe de enfermagem. Segundo Chaboyer et al.,(1616. Chaboyer W, Gass E, Foster M. Patterns of chest physiotherapy in Australia Intensive Care Units. J Crit Care. 2004;19(3):145-51.) tal condição reflete a falta de definição do papel do FT na UTI e o fato de que há pouca evidência científica que suporte seu papel. Um estudo com questionários enviados às equipes de 101 UTIs no Reino Unido, Austrália, Canadá, África do Sul e Hong Kong (com taxa de retorno de 50%) mostrou que 60% dos coordenadores de UTIs acreditavam que as atividades de fisioterapia poderiam ser desempenhadas pela equipe de enfermagem.(1717. Jones AY. Intensive care physiotherapy - medical staff perceptions. Hong Kong Physiother J. 2001;19(1):9-16.)

No presente estudo, observou-se que, nos finais de semana, os neonatos recebiam assistência do FT de plantão em cerca de 70% das UTIs; essa assistência, fornecida por profissionais que podem não conhecer todo o histórico e os desfechos clínicos dos pacientes, pode resultar em perda da continuidade do tratamento. Além disso, um terço dos hospitais estudados não tinha FT de plantão nos finais de semana, sugerindo mais uma vez a descontinuidade do tratamento.(1818. Bell CM, Redelmeier DA. Mortality among patients admitted to hospitals on weekends as compared with weekdays. N Engl J Med. 2001;345(9):663-8. Erratum in: N Engl J Med 2001;345(21):1580.)

Da mesma forma, um estudo australiano realizado por entrevistas telefônicas mostrou que 90% das UTIs tinham FT de plantão nos dias de semana, mas apenas 25% tinham tal assistência nos finais de semana. A manutenção de recursos humanos em todos os turnos durante toda a semana, tanto em termos de quantidade como qualidade, é essencial para reduzir as complicações e melhorar o prognóstico dos neonatos.(1919. Ensminger SA, Morales IJ, Peters SG, Keegan MT, Finkielman JD, Lymp JF, et al. The hospital mortality of patients admitted to the ICU on weekends. Chest. 2004;126(4):1292-8.)

Na Europa, Norrenberg e Vincent(2020. Norrenberg M, Vincent JL. A profile of European intensive care unit physiotherapists. European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 2000;26(7):988-94.) enviaram questionários a 460 UTIs em 17 países. Dentre as 102 UTIs (22,2%) que tomaram parte do estudo, todas proporcionavam terapia respiratória. Entretanto, 25% dessas UTIs não tinham um FT exclusivamente dedicado à unidade neonatal, 88% não tinham FT de plantão nos finais de semana, e apenas 34% tinham fisioterapia no turno da noite. Os achados foram diferentes entre os países: no Reino Unido, 80% das unidades estudadas tinham serviço de fisioterapia à noite, enquanto na Alemanha e na Suécia não havia fisioterapia disponível no turno da noite.(2020. Norrenberg M, Vincent JL. A profile of European intensive care unit physiotherapists. European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 2000;26(7):988-94.)

Um estudo na Índia que incluiu 35% dos hospitais existentes, 79% das UTIs neonatais tinham FT, porém apenas 24% tinham FT durante o turno da noite.(2121. Kumar JA, Maiya AG, Pereira D. Role of physiotherapists in intensive care units of India: A multicenter survey. Indian J Crit Care Med. 2007;11(4):198-203.)

No presente estudo, 11 (18%) UTIs eram mistas e cuidavam de pacientes neonatais e pediátricos. Além disso, apenas 11 (21,2%) FT de referência e 12 (27,3%) dos FTs assistenciais trabalhavam exclusivamente na UTI neonatal de seus hospitais. Essa situação pode resultar em risco mais elevado de infecção cruzada e em falta de profissionais qualificados e treinados exclusivamente no tratamento de neonatos.(2222. Souza DC, Troster EJ, de Carvalho WB, Shin SH, Cordeiro AM. Availability of pediatric and neonatal intensive care units in the city of São Paulo. J Pediatr (Rio J). 2004;80(6):453-60.) A Academia Americana de Pediatria recomenda que os recém-nascidos sejam assistidos em unidades exclusivas, com subdivisões segundo o nível de complexidade do cuidado.(2323. Stark AR; American Academy of Pediatrics Committee on Fetus and Newborn. Levels of neonatal care. Pediatrics. 2004;114(5):1341-7. Erratum in: Pediatrics. 2005;115(4):1118.)

O presente estudo mostrou que alguns aspectos da assistência fisioterapêutica não estavam em conformidade com as leis brasileiras. Especificamente, não foi cumprida a recomendação de que a assistência fisioterapêutica deve estar disponível na UTI por, pelo menos, 18 horas por dia. Além disso, menos de 25% dos profissionais eram exclusivos da unidade neonatal.(1313. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisites mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União, de 25 de fevereiro de 2010. Nº 37, seção 1, p. 48. [citado 2012 Dez 20]. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/RDC7_ANVISA%20240210.pdf.
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)

A legislação brasileira determina uma carga de trabalho para FTs de 30 horas por semana.(2424. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Lei Nº 8.856 de 1º de março de 1994. Fixa a Jornada de Trabalho dos Profissionais Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional. Diário Oficial da União de 3 de março de 1994, p. 2957. [citado 2013 Out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8856.htm
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) Contudo, neste estudo, observou-se uma sobrecarga média de trabalho de 3,5 horas além da carga semanal recomendada referida por 20% dos FT de referência. Observou-se também um número de atendimentos superior a dez em um período de 6 horas, o que pode refletir uma imposição aos profissionais para cumprir as metas de gestão do hospital.(2525. Mosadeghrad AM, Ferlie E, Rosenberg D. A study of relationship between job stress, quality of working life and turnover intention among hospital employees. Health Serv Manage Res. 2011;24(4):170-81.)

Além da função administrativa, 42% dos chefes da FT também tomavam parte da assistência direta a pacientes, o que poderia interferir no desempenho de ambas as funções. Esse fenômeno pode ocorrer porque menos de 10% dos chefes da FT têm treinamento administrativo. O fato de que alguns chefes são profissionais de outros campos, especificamente psicólogos e fonoaudiólogos, sugere que há alguma dificuldade na organização da assistência neonatal, especificamente na área da fisioterapia.

Em termos de treinamento acadêmico, entre os 60 chefes estudados, 2 (3,3%) tinham apenas nível de graduação, 46 (76,6%) profissionais haviam realizado cursos de especialização e 8 (13,3%) profissionais tinham nível de pós-graduação. Dentre os 96 FTs de referência e assistencial, apenas 10 (10,4%) tinham obtido sua graduação em instituição pública; esse achado mostra que há uma falta de escolas públicas com cursos de fisioterapia. A maioria dos profissionais havia concluído um curso de especialização, mas menos de 10% tinham nível de mestrado.

Um achado interessante foi que os FTs haviam se graduado há 10 anos, em média, entretanto, quase todos realizavam cursos de atualização com frequência, sugerindo seu interesse em acompanhar o desenvolvimento do conhecimento técnico-científico(2626. Sweeney JK, Heriza CB, Blanchard Y; American Physical Therapy Association. Neonatal physical therapy. Part I: clinical competencies and neonatal intensive care unit clinical training models. Pediatr Phys Ther. 2009;21(4):296-307.) ou resultar das forças de pressões do mercado. Outro estudo também mostrou que, em instituições que exigem educação continuada, os profissionais dedicam mais tempo a atividades acadêmicas do que os profissionais que trabalham em hospitais sem esse tipo de exigência.(2727. Landers MR, McWhorter JW, Krum LL, Glovinsky D. Mandatory continuing education in physical therapy: survey of physical therapists in states with and states without a mandate. Phys Ther. 2005;85(9):861-71.)

O principal ponto positivo deste estudo foi a inclusão de 94% das UTIs que prestam assistência aos neonatos na cidade de São Paulo. Além disso, foram entrevistadas três categorias de FTs envolvidos no cuidado de neonatos em cada UTI, permitindo uma visão ampla do cuidado ao recém-nascido, desde a coordenação até a assistência ao pé do leito. Este estudo também detalhou a organização do cuidado fisioterapêutico e a legislação governamental. Ao mesmo tempo, examinou o perfil dos FTs, incluindo sua formação profissional e a sua disponibilidade de adquirir e renovar seu conhecimento. Tomadas em conjunto, essas informações poderão ajudar no planejamento de estratégias para melhorar o cuidado multidisciplinar aos neonatos internados em UTIs.

Uma limitação deste estudo foi o desenho transversal baseado em questionários. Também não foi possível entrevistar todos os FTs assistenciais em razão de seu grande número. Entretanto, foi incluído um profissional dessa categoria de forma aleatória em cada unidade. Dessa forma, acredita-se que esse delineamento foi mais adequado do que a tentativa de incluir todos os profissionais, mas com menor adesão e maior risco de viés de seleção.

CONCLUSÃO

Este estudo mostrou que a maioria das unidades de terapia intensiva que prestam assistência aos neonatos na cidade de São Paulo disponibiliza assistência fisioterapêutica aos recém-nascidos. Entretanto, ainda é necessário melhorar a disponibilidade de fisioterapeutas de plantão, especialmente durante os turnos da noite e em finais de semana e feriados.

Como nota final positiva, observou-se que os fisioterapeutas que trabalhavam em unidades de terapia intensiva que prestam assistência aos neonatos na cidade de São Paulo possuiam, em sua maioria, especialização na área e realizam regularmente cursos de atualização.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à estatística Lais Cocareli por seu suporte na revisão metodológica e estatística.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    3 Nov 2013
  • Aceito
    31 Jan 2014
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