Acessibilidade / Reportar erro

Impacto do internamento em unidade de cuidados intensivos na amplitude de movimento de pacientes graves: estudo piloto

Resumos

Objetivo:

Aferir a amplitude de movimento articular de pacientes graves durante o internamento numa unidade de cuidados intensivos.

Métodos:

Estudo prospectivo e longitudinal, realizado em uma unidade de cuidados intensivos de um hospital público da cidade de Salvador (BA), no período de setembro a novembro de 2010. A principal variável avaliada foi a amplitude de movimento articular passiva, por meio da goniometria dos cotovelos, joelhos e tornozelos, no momento da admissão e na alta. Todos os pacientes internados no período foram incluídos, sendo excluídos aqueles com tempo de internamento <72 horas e com reduções da amplitude de movimento articular na admissão.

Resultados:

A amostra foi composta por 22 indivíduos, com idade média de 53,5±17,6 anos, tempo de internamento na unidade de cuidados intensivos de 13,0±6,0 e de ventilação mecânica de 12,0±6,3 dias. O APACHE II foi 28,5±7,3, sendo que a maioria dos pacientes era independente funcional previamente ao internamento, com índice de Barthel prévio de 88,8±19. As perdas de amplitude de movimento articular foram 11,1±2,1°; 11,0±2,2°; 8,4±1,7°; 9,2±1,6°; 5,8±0,9° e 5,1±1,0°; para cotovelos, joelhos e tornozelos, respectivamente do lado direito e esquerdo (p<0,001).

Conclusão:

Houve uma tendência de decréscimo nas amplitudes de movimento de grandes articulações, como tornozelo, joelho e cotovelo, durante o internamento em unidade de cuidados intensivos.

Amplitude de movimento articular; Pacientes internados; Unidades de terapia intensiva


Objective:

To evaluate the joint range of motion of critically ill patients during hospitalization in the intensive care unit.

Methods:

This work was a prospective longitudinal study conducted in a critical care unit of a public hospital in the city of Salvador (BA) from September to November 2010. The main variable evaluated was the passive joint range of motion. A goniometer was used to measure the elbows, knees and ankles at the time of admission and at discharge. All patients admitted in the period were included other than patients with length of stay <72 hours and patients with reduced joint range of motion on admission.

Results:

The sample consisted of 22 subjects with a mean age of 53.5±17.6 years, duration of stay in the intensive care unit of 13.0±6.0 days and time on mechanical ventilation of 12.0±6.3 days. The APACHE II score was 28.5±7.3, and the majority of patients had functional independence at admission with a prior Barthel index of 88.8±19. The losses of joint range of motion were 11.1±2.1°, 11.0±2.2°, 8.4±1.7°, 9.2±1.6°, 5.8±0.9° and 5.1±1.0°, for the right and left elbows, knees and ankles, respectively (p<0.001).

Conclusion:

There was a tendency towards decreased range of motion of large joints such as the ankle, knee and elbow during hospitalization in the intensive care unit.

Range of motion, articular; Inpatients; Intensive care units


INTRODUÇÃO

Alterações na flexibilidade articular e consequente diminuição de amplitude de movimento articular (ADM) podem estar relacionadas com a diminuição da mobilidade ou restrição ao leito, fatores comuns aos pacientes internados nas unidades de cuidados intensivos (UCI).(11. Yarkony GM. Prevention and management of contractures. In: Kapan PE, editor. The practice of physical medicine. Springfield (IL): Thomas Books; 1984. p. 526-37.) A flexibilidade está ligada diretamente com a capacidade de realizar Atividades de Vida Diária (AVDs) e sua redução pode promover declínio funcional e piora da Qualidade de Vida.(11. Yarkony GM. Prevention and management of contractures. In: Kapan PE, editor. The practice of physical medicine. Springfield (IL): Thomas Books; 1984. p. 526-37.

2. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.
-33. Martinez BP, Bispo AO, Duarte AC, Gomes Neto M. Declínio funcional em uma unidade de terapia intensiva. Rev Inspirar Mov Saúde. 2013;5(1):1-5.)

O declínio funcional, caracterizado pela perda de capacidade de realização de AVDs, já foi identificado durante a internação na UCI, tendo como causas múltiplos fatores.(33. Martinez BP, Bispo AO, Duarte AC, Gomes Neto M. Declínio funcional em uma unidade de terapia intensiva. Rev Inspirar Mov Saúde. 2013;5(1):1-5.) O fisioterapeuta é um dos profissionais que têm a função de miminizá-lo por meio das condutas de mobilização e posicionamentos terapêuticos, como relatado em recente recomendação brasileira.(44. França EE, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22.)

O comprometimento da ADM pode trazer repercussões diretas na quantidade e na qualidade das tarefas cotidianas realizadas pelo segmento corporal comprometido. A ausência de liberdade de movimento ocasiona, no indivíduo normal, compensações que dificultam a execução dessas atividades. Contudo, no indivíduo restrito ao leito, em via de curso da doença aguda, tais adaptações não acontecem, ocasionando dependência e o hábito do não uso, e perpetuando as perdas funcionais.(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.,55. Trudel G, Uhthoff HK. Contractures secondary to immobility: is the restriction articular or muscular? An experimental longitudinal study in rat knees. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(1):6-13.)

Ainda hoje não é bem delimitado qual o comportamento da ADM durante o internamento na UCI. Sabe-se que a diminuição da flexibilidade ocorre após o internamento, mas não se tem conhecimento da variação ao longo dessa estadia. No momento atual, essa lacuna do conhecimento proporciona uma desatenção dos profissionais de saúde para o componente articular, o qual pode ser um fator potencial para o declínio de função nessa população.(55. Trudel G, Uhthoff HK. Contractures secondary to immobility: is the restriction articular or muscular? An experimental longitudinal study in rat knees. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(1):6-13.

6. van der Schaaf M, Dettling DS, Beelen A, Lucas C, Dongelmans DA, Nollet F. Poor functional status immediately after discharge from an intensive care unit. Disabil Rehabil. 2008;30(23):1812-8.

7. Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-99.

8. Conlon N, O'Brien B, Herbison GP, Marsh B. Long-term functional outcome and performance status after intensive care unit re-admission: a prospective survey. Br J Anaesth. 2008;100(2):219-23.
-99. Truong AD, Fan E, Brower RG, Needham DM. Bench-to-bedside review: mobilizing patients in the intensive care unit-from pathophysiology to clinical trials. Critical Care. 2009;13(4):216.) Dessa forma, o presente estudo piloto teve como objetivo avaliar a variação na ADM de grandes articulações durante a estadia na UCI.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, de corte longitudinal, realizado em uma UCI de um hospital público da cidade de Salvador (BA). A unidade é composta por 22 leitos, atendendo pacientes clínicos e cirúrgicos. Utilizou-se de uma amostra consecutiva composta por indivíduos admitidos na unidade entre o período de setembro a novembro de 2010.

Foram incluídos indivíduos adultos (>18 anos), admitidos na unidade no período de estudo de forma consecutiva, e que consentiram com sua participação, sendo considerado como critérios de exclusão: internamento em UCI <72 horas; presença de contratura funcional, proposto por Clavet et al.,(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.) no momento da admissão (cotovelo <90°, joelho <90°, tornozelo <0°);(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.) indivíduos com membros não íntegros, com tecido cutâneo periarticular com lesões de continuidade, como queimaduras, anquiloses, deformidades e amputações. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do hospital onde o estudo foi realizado, com parecer CEP 22/10 e todos os pacientes ou responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Todos os indivíduos da amostra tiveram como variáveis avaliadas a ADM passiva em graus de flexão do cotovelo, flexão de joelhos e dorsiflexão de tornozelo; doença de admissão e comorbidades; Acute Physiology And Chronic Health Evaluation II (APACHE) II; escala de Glasgow para pacientes sem sedação e Escala de Agitação-Sedação de Richmond (RASS) para os sedados; idade em anos; gênero; tempo de internamento em dias; Índice de Barthel na admissão (referido por familiares); tempo de ventilação e de sedação durante o internamento.

Foi realizada uma avaliação prévia para uniformizar o método de coleta e avaliar a confiabilidade da goniometria em pacientes na UCI (Tabela 1), além de estimar o tempo médio de internamento na unidade.

Tabela 1
Dados de confiabilidade da goniometria para amostra

Para mensuração da ADM, foi utilizado um método já validado,(1010. Palmer ML, Epler ME. Fundamentos das técnicas de avaliação musculoesquelética. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000.) com goniômetro universal (Carci Indústria e Comércio de Aparelhos Cirúrgico e Ortopédicos), avaliando sempre a amplitude passiva. Para maior fidedignidade, foi utilizada caneta dermográfica, a fim de manter a referência anatômica dos pontos de mensuração. Todas as mensurações foram realizadas pelo mesmo examinador, previamente treinado.

A primeira mensuração das ADMs foi realizada nas primeiras 24 horas da admissão do paciente na unidade e a segunda no dia da alta da UCI, a fim de inferir o comportamento da ADMs das articulações de tornozelos, joelhos e cotovelos ao longo do internamento.

Em todas as mensurações, os pacientes foram posicionados em decúbito dorsal a 0°, com tronco sem inclinações. Para a mensuração da amplitude de flexão do cotovelo, o fulcro era alinhado no epicôndilo lateral, com braço fixo perpendicular ao úmero, realizando flexão passiva do cotovelo até a máxima amplitude. Para mensuração da flexão do joelho, foi posicionando o fulcro ao nível do côndilo lateral do fêmur, sendo realizado a máxima flexão. Já a dorsiflexão do tornozelo foi realizada posicionando-se o fulcro dois dedos abaixo do maléolo lateral, com braço fixo perpendicular à fíbula e móvel, passando pelo tubérculo do quinto metatarso, sendo realizada a dorsiflexão máxima a partir da posição neutra do tornozelo. Todas as medidas foram realizadas três vezes, sendo utilizado o maior valor.

Todos os pacientes inclusos no estudo receberam atendimento fisioterapêutico convencional, empregado na rotina da unidade, com os fisioterapeutas assistenciais não sendo informados da progressão da variável de interesse.

A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 16.0. As características demográficas e clínicas dos indivíduos foram descritas como frequências e porcentagens para variáveis categóricas, sendo os dados contínuos exibidos como medidas de tendência central e de dispersão. O nível de significância estabelecido foi de 5%. Para avaliar a alteração da ADMs estudas na alta em comparação com a admissão, foi utilizado o teste t pareado.

RESULTADOS

O número de pacientes admitidos na unidade durante o período do estudo foi 51 pacientes, sendo que 5,8% e 9,8% foram excluídos por presença de contraturas e lesão periarticular ou amputação do membro, respectivamente. Outros nove indivíduos foram excluídos por não consentimento na participação do estudo. Posteriormente ao início da coleta, 12 pacientes foram excluídos devido ao curto tempo de internamento na unidade, <72 horas (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de pacientes incluídos no estudo.

A amostra final foi composta por 22 indivíduos, com predomínio do gênero masculino (59,1%) e média de idade de 53,5±17,6 anos. Quase metade dos pacientes (45,5%) teve a emergência como unidade de origem previamente à UCI A maioria dos indivíduos era independente funcional previamente ao internamento, com índice de Barthel prévio de 88,8±19 pontos. O APACHE II, na admissão, teve valor médio de 28,5±7,3 pontos (Tabela 2).

Tabela 2
Característica gerais da população

Durante o estudo preliminar, foi avaliada a confiabilidade intra e interexaminador da goniometria nas articulações estudadas, sendo observada alta confiabilidade em ambas condições. Os valores referentes ao coeficiente de correlação intraclasse estão apresentados na tabela 1.

Dentre os motivos da admissão, 40,9% foram por patologias neurológicas, seguidas por patologias gastro-hepáticas (22,7%) e cardiológicas (13,6%). A comorbidade mais prevalente foi a hipertensão arterial sistêmica, com 45,5%, seguida da infecção do trato respiratório, com 23,7%.

Cerca de 68% dos indivíduos da amostra utilizaram algum tipo de sedação durante seu internamento, com tempo médio de 6,2±2,1 dias. O tempo de ventilação mecânica (VM) médio foi 12,0±6,3 dias com similar média de estadia em UCI de 13,0±6,0 dias (Tabela 2).

Sobre o comportamento das ADMs desde a admissão até a alta, foi observada redução das ADMs do cotovelo, joelho e tornozelo bilateralmente, realizadas de maneira isolada (p<0,001) (Tabela 3).

Tabela 3
Comportamento da amplitude de movimento articular na admissão e na alta da unidade de cuidados intensivos para a amostra

DISCUSSÃO

No presente estudo, identifica-se que, ao longo do internamento na UCI, ocorreu uma tendência ao decréscimo da ADM do cotovelo, joelho e tornozelo; tal achado estaria em acordo com estudos prévios.(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.,33. Martinez BP, Bispo AO, Duarte AC, Gomes Neto M. Declínio funcional em uma unidade de terapia intensiva. Rev Inspirar Mov Saúde. 2013;5(1):1-5.,77. Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-99.) A perda, segundo Dittmer e Teasell.,(1111. Dittmer DK, Teasell R. Complications of immobilization and bed rest. Part 1: Musculoskeletal and cardiovascular complications. Can Fam Physician. 1993;39:1428-32, 1435-7.) poderia ser motivada pelo encurtamento do tecido conectivo, proporcionado por imobilidade, desuso e hipomobilidade. Esses fatores contribuem também para um possível aumento da contratura muscular, que poderia influenciar na perda de ADM.

Clavet et al.,(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.) em recente estudo retrospectivo, também avaliaram as alterações de ADM das cinco maiores articulações do corpo após 2 semanas de internamento na UCI, porém sem a utilização da goniometria na admissão. Esta mostrou que 39% dos indivíduos apresentaram, na alta, algum tipo de contratura, sendo que 34% apresentaram contraturas funcionalmente significantes. O presente estudo utilizou-se da goniometria para assegurar uma maior fidedignidade da aferição da ADM, bem como a mensuração da perda nos momentos de admissão e alta, diferentemente do estudo citado.

O cotovelo, seguido dos joelhos e dos tornozelos, foi a articulação mais acometida no estudo de Clavet et al.,(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.) diferentemente deste estudo, em que o tornozelo foi a articulação que teve a maior perda, seguida do cotovelo e do joelho. Essas alterações articulares observadas podem limitar a realização das atividades laborais e até as AVDs básicas. O referido estudo, por sua vez, identificou fatores associados à redução de ADM.

Em relação ao tempo de internação, o presente estudo teve tempo médio de 13,0±6,0 dias, o qual é considerado uma estadia média em relação a estudos anteriores,(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.,33. Martinez BP, Bispo AO, Duarte AC, Gomes Neto M. Declínio funcional em uma unidade de terapia intensiva. Rev Inspirar Mov Saúde. 2013;5(1):1-5.) que tiveram um tempo de internamento próximo de 3,1 semanas. Apesar do grande tamanho amostral, uma limitação do estudo citado foi a não avaliação dos indivíduos na admissão, avaliando-se apenas na alta da UCI e do hospital, o que impediu a comparação da perda funcional entre os estudos. Entretanto, o estudo referido identificou que um quarto dos pacientes se manteve com contraturas articulares que limitavam as AVDs em casa, demonstrando uma condição persistente da redução de mobilidade, mesmo após a alta hospitalar. O presente estudo avaliou apenas a ADM no internamento na UCI, não se propondo à avaliar na alta do hospital.

A redução de ADM nesses 22 pacientes foi cerca de 62% e 69% nos tornozelos, 5,4% e 6,1% nos joelhos, e 8% e 7,9% nos cotovelos, nos lados direito e esquerdo, respectivamente. Tal perda demanda atenção dos profissionais de saúde, devido ao possível risco de declínio funcional, a medida que a redução da mobilidade se mantém ou piora, associada a outros fatores de riscos já descritos previamente, como tempo de internamento >8 dias; tempo de VM >10 dias; doenças de base neurológica e vasculares; uso de bloqueador neuromuscular e APACHE II >15.(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.)

Estudos com atletas sugerem que a perda da flexibilidade em poucos graus de amplitude já ocasiona comprometimento na performance física.(1212. Ellenbecker TS, Ellenbecker GA, Roetert EP, Silva RT, Keuter G, Sperling F. Descriptive profile of hip rotation range of motion in elite tennis players and professional baseball pitchers. Am J Sports Med. 2007;35(8):1371-6.,1313. Vad VB, Gebeh A, Dines D, Altchek D, Norris B. Hip and shoulder internal rotation range of motion deficits in professional tennis players. J Sci Med Sport. 2003;6(1):71-5.) Não foi encontrada, na literatura, correlação entre a perda de ADM dessa magnitude e a perda de funcionalidade em indivíduos sedentários ou hospitalizados; todavia fica explícito que o declínio nas estruturas biológicas, em um curto período, é fator preponderante para maior seguimento dessa variável.

A redução da mobilidade apresenta diversas causas, dentre elas o edema, o uso de acessos venosos e de cateteres, e as alterações hemodinâmicas e neurológicas.(33. Martinez BP, Bispo AO, Duarte AC, Gomes Neto M. Declínio funcional em uma unidade de terapia intensiva. Rev Inspirar Mov Saúde. 2013;5(1):1-5.,77. Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-99.) O impacto da imobilidade a nível intra-articulares foi demonstrado em estudo com ratos, que identificou alterações de fibrose, encurtamento tendíneo e redução da produção do líquido sinovial, após 2 semanas de imobilidade, perdurando tais alterações por mais de 30 semanas, mesmo que interrompida a imobilidade.(1414. Trudel G, Jabi M, Uhthoff HK. Localized and adaptive synoviocyte proliferation characteristics in rat knee joint contractures secondary to immobility. Arch Phys Med Rehabil. 2003;84(9):1350-6.) No presente estudo, todos os pacientes realizavam fisioterapia diariamente durante a internação na UCI, em consonância com a RDC nº 7 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2010; Secção 01, nº 37.) Durante a fisioterapia, os pacientes recebem cuidados respiratórios, além das mobilizações e posicionamentos terapêuticos, com intuito de preservar a imobilidade completa das articulações, porém, mesmo assim, houve perda na amplitude de movimento.

O impacto de terapêuticas próprias, visando manutenção de ADM, nesse perfil de pacientes graves, é escasso, fazendo com que a maioria dos protocolos de mobilização precoce(44. França EE, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22.,77. Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-99.,1616. Jones C, Griffiths RD. Identifying post intensive care patients who may need physical rehabilitation. Clin Intensive Care. 2000,11(1):35-8.

17. Choi J, Tasota FJ, Hoffman LA. Mobility interventions to improve outcomes in patients undergoing prolonged mechanical ventilation: a review of the literature. Biol Res Nurs. 2008;10(1):21-33.

18. Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.
-1919. Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-82.) não priorize alongamentos, mobilização em máxima amplitude e posicionamento alongado. Tal visão macroscópica pode não contemplar demandas e princípios básicos para manter a integridade osteomioarticular, justificando perdas encontradas nos pacientes estudados, mesmo com emprego da fisioterapia convencional.

Pacientes neurológicos compuseram 40,9% da amostra, com Glasgow médio de 11,0±2,3. Durante o período de realização do presente estudo, a unidade em questão não apresentava protocolo de interrupção de sedação. Não foram utilizados bloqueadores neuromusculares, todavia 68,2% da amostra utilizou alguma substância sedativa, com tempo médio de 6,2±2,1 dias e escala de RASS diário de -3,4±1,1, encaixando-se na modalidade "sedação moderada". Tais achados podem ter relação com a perda de ADMs, como referido em estudos prévios.(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.,2020. Weinert CR, Sprenkle M. Post-ICU consequences of patient wakefulness and sedative exposure during mechanical ventilation. Intensive Care Med. 2008;34(1):82-90.,2121. Winkelman C. Inactivity and inflammation in the critically ill patient. Crit Care Clin. 2007;23(1):21-34.)

O APACHE II para a população em questão foi de 28,5±7,3, caracterizando a amostra como de pacientes graves, com mortalidade elevada em 24 horas, sendo um fator preponderante para a maior imobilidade e o internamento prolongado. Outro aspecto a ser considerado é que a população apresentava média de idade de 53,5±17,6 anos, que é considerada baixa. Tal faixa etária de indivíduos economicamente ativos reforça o achado de Herridge et al.,(1818. Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.) segundo o qual, em 33% dos casos, o paciente grave apresenta declínio de função física relacionada com a incapacidade na realização de sua atividade laboral de origem, mesmo após 5 anos do internamento. Tal paralelo é aplicado nesta pesquisa, visto que a população apresentava independência funcional prévia, medida pelo índice de Barthel (88,8±19,0).

As condições neurológicas foram o principal motivo de admissão em 40,9% dos pacientes selecionados para o estudo. Tal resultado pode ser um fator de influência no resultado da perda de ADMs, como já sinalizado por Clavet et al.(22. Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.) Além disso, o uso de sedação em 68,2% da população e o uso de VM com média de 12,0±6,3 dias, favorecem a perda encontrada.(1919. Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-82.,2222. Morris PE, Goad A, Thompson C, Taylor K, Harry B, Passmore L, et al. Early intensive care unit mobility therapy in the treatment of acute respiratory failure. Crit Care Med. 2008;36(8):2238-43.)

O presente estudo teve como vantagem o uso de um método de avaliação de fácil manuseio, baixo custo e minimamente invasivo, exequível na prática clínica. Os achados despertam os profissionais de saúde para um campo da biomecânica pouco observado até este estudo piloto. A principal limitação do presente estudo foi o reduzido tamanho amostral, que limita a conclusão sobre o internamento ter sido o fator causal, bem como a extrapolação dos resultados encontrados para outras populações. O fato do estudo se concentrar apenas no curso da estadia em unidade de cuidados intensivos e de ser de corte transversal, em fase aguda, pode ter dado margem para uma possível recuperação da variável de interesse. Em contrapartida, os resultados gerados foram objetivos e devem servir como ponto de partida para o desenvolvimento de novos estudos de seguimentos, que possam elucidar o comportamento de tal variável de interesse em populações e em intervalo de tempo maior. Só então deve ser possível correlacioná-la a riscos e à perda de funcionalidade.

CONCLUSÃO

Houve uma tendência de decréscimo nas amplitudes de movimento de grandes articulações, como tornozelo, joelho e cotovelo, durante o internamento em unidade de cuidados intensivos. O pequeno tamanho amostral restringe conclusões sobre possíveis fatores causais, porém alerta para a importância da mensuração dessa variável na unidade de cuidados intensivos.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Yarkony GM. Prevention and management of contractures. In: Kapan PE, editor. The practice of physical medicine. Springfield (IL): Thomas Books; 1984. p. 526-37.
  • 2
    Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-7.
  • 3
    Martinez BP, Bispo AO, Duarte AC, Gomes Neto M. Declínio funcional em uma unidade de terapia intensiva. Rev Inspirar Mov Saúde. 2013;5(1):1-5.
  • 4
    França EE, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22.
  • 5
    Trudel G, Uhthoff HK. Contractures secondary to immobility: is the restriction articular or muscular? An experimental longitudinal study in rat knees. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(1):6-13.
  • 6
    van der Schaaf M, Dettling DS, Beelen A, Lucas C, Dongelmans DA, Nollet F. Poor functional status immediately after discharge from an intensive care unit. Disabil Rehabil. 2008;30(23):1812-8.
  • 7
    Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-99.
  • 8
    Conlon N, O'Brien B, Herbison GP, Marsh B. Long-term functional outcome and performance status after intensive care unit re-admission: a prospective survey. Br J Anaesth. 2008;100(2):219-23.
  • 9
    Truong AD, Fan E, Brower RG, Needham DM. Bench-to-bedside review: mobilizing patients in the intensive care unit-from pathophysiology to clinical trials. Critical Care. 2009;13(4):216.
  • 10
    Palmer ML, Epler ME. Fundamentos das técnicas de avaliação musculoesquelética. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000.
  • 11
    Dittmer DK, Teasell R. Complications of immobilization and bed rest. Part 1: Musculoskeletal and cardiovascular complications. Can Fam Physician. 1993;39:1428-32, 1435-7.
  • 12
    Ellenbecker TS, Ellenbecker GA, Roetert EP, Silva RT, Keuter G, Sperling F. Descriptive profile of hip rotation range of motion in elite tennis players and professional baseball pitchers. Am J Sports Med. 2007;35(8):1371-6.
  • 13
    Vad VB, Gebeh A, Dines D, Altchek D, Norris B. Hip and shoulder internal rotation range of motion deficits in professional tennis players. J Sci Med Sport. 2003;6(1):71-5.
  • 14
    Trudel G, Jabi M, Uhthoff HK. Localized and adaptive synoviocyte proliferation characteristics in rat knee joint contractures secondary to immobility. Arch Phys Med Rehabil. 2003;84(9):1350-6.
  • 15
    Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2010; Secção 01, nº 37.
  • 16
    Jones C, Griffiths RD. Identifying post intensive care patients who may need physical rehabilitation. Clin Intensive Care. 2000,11(1):35-8.
  • 17
    Choi J, Tasota FJ, Hoffman LA. Mobility interventions to improve outcomes in patients undergoing prolonged mechanical ventilation: a review of the literature. Biol Res Nurs. 2008;10(1):21-33.
  • 18
    Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.
  • 19
    Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-82.
  • 20
    Weinert CR, Sprenkle M. Post-ICU consequences of patient wakefulness and sedative exposure during mechanical ventilation. Intensive Care Med. 2008;34(1):82-90.
  • 21
    Winkelman C. Inactivity and inflammation in the critically ill patient. Crit Care Clin. 2007;23(1):21-34.
  • 22
    Morris PE, Goad A, Thompson C, Taylor K, Harry B, Passmore L, et al. Early intensive care unit mobility therapy in the treatment of acute respiratory failure. Crit Care Med. 2008;36(8):2238-43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    9 Out 2013
  • Aceito
    21 Jan 2014
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br